Desreconhecimento e demarcação simbólica no trabalho doméstico

o progresso moral posto à prova

Autores

DOI:

https://doi.org/10.1590/18070337-137309

Palavras-chave:

trabalhadoras domésticas, progresso normativo, desreconhecimento, demarcação simbólica

Resumo

Este artigo analisa a questão do trabalho doméstico no Brasil a partir de uma perspectiva que contrapõe os avanços normativos alcançados recentemente, ao equipararem-se os direitos das trabalhadoras domésticas aos dos demais trabalhadores/as, à persistência de uma cultura de desreconhecimento e de negação de direitos. Para tanto, a análise recorre à teoria do reconhecimento conforme postulada por Axel Honneth e se apoia nos dados de uma pesquisa empírica que examinou depoimentos de trabalhadoras domésticas extraídos de uma página do Facebook, postados entre 2016 e 2022. O objetivo é demonstrar empiricamente a pertinência do conceito de desreconhecimento em suas diferentes formas, ao explorar a gramática moral do conflito social no caso concreto das vivências das trabalhadoras domésticas. A análise distingue três práticas negativas de reconhecimento – ou de desreconhecimento: a) a incapacidade de reconhecer aquilo que o sujeito considera digno de reconhecimento; b) o reconhecimento distorcido ou ideológico; c) a denegação do reconhecimento. Conclui-se que a conquista do direito normativo não é suficiente para derrubar o menosprezo moral. No cotidiano das trabalhadoras domésticas, as relações de reconhecimento institucionalizadas se desfazem, limitando o alcance do reconhecimento jurídico.

Downloads

Não há dados estatísticos.

Biografia do Autor

Luciana Garcia de Mello, Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Doutora em Sociologia pela UFRGS (2010), Professora adjunta e coordenadora do Programa de Pós Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Cinara L. Rosenfield, Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Doutora em Sociologia do Trabalho pela Université Paris IX – Dauphine (2000) e Professora Titular Aposentada da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Referências

AJARI, Norman. La dignité ou la mort. Éthique et politique de la race. Paris: La Découverte, 2019.

ANGELIN, Paulo E.; TRUZZI, Oswaldo M. Patroas e adolescentes trabalhadoras domésticas. Relações de trabalho, gênero e classes sociais. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 30, n. 89, p. 63-76, 2015. https://doi.org/10.17666/308963-76/2015

BERNARDINO-COSTA, Joaze. Decolonialidade e interseccionalidade emancipadora: a organização política das trabalhadoras domésticas no Brasil. Revista Sociedade e Estado, v. 30, n. 1, p. 147-163, 2015. https://doi.org/10.1590/S0102-69922015000100009

BRITES, Jurema. Afeto e desigualdade: gênero, geração e classe entre empregadas domésticas e seus empregadores. Cadernos Pagu, 29, p. 91-109, 2007. https://doi.org/10.1590/S0104-83332007000200005

CARDOSO DE OLIVEIRA, Luís R. Direito legal e insulto moral: dilemas da cidadania no Brasil, Quebec e EUA. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002.

CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Petrópolis: Editora Vozes, 1998.

CUNHA DE SOUZA, Luiz Gustavo da. Reconhecimento, desreconhecimento e demarcação simbólica. Uma contribuição conceitual à análise do lado negativo do reconhecimento. Sociologias, v. 20, n. 49, p. 294-371, 2018. https://doi.org/10.1590/15174522-02004912

DAMASCENO, Caetana M. “Em casa de enforcado não se fala em corda”: notas sobre a construção social da “boa aparência” no Brasil. In: HUNTLEY, L.; GUIMARÃES, A. S. (org.). Tirando a máscara: ensaios sobre o racismo no Brasil. São Paulo: Paz e Terra. 2000. p. 165-202.

DUBET, François. Injustiças. A experiência das desigualdades no trabalho. Florianópolis: Editora UFSC, 2014.

FRAGA, Alexandre B.; MONTICELLI, Thays A. “PEC das Domésticas”: holofotes e bastidores. Revista Estudos Feministas, v. 29, n. 3, e71312, 2021. https://doi.org/10.1590/1806-9584-2021v29n371312

GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, ANPOCS, p. 223-244, 1984. Disponível em: http://tinyurl.com/edisciplinas-usp-Gonzales

GORBÁN, Débora. El trabajo doméstico se sienta a la mesa: la comida en la configuración de las relaciones entre empleadores y empleadas en la ciudad de Buenos Aires. Revista de Estudios Sociales, n. 45, p. 67-79, 2013. https://journals.openedition.org/revestudsoc/7560

HASENBALG, Carlos. Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1979.

HONNETH, Axel. Barbarizações do conflito social: lutas por reconhecimento ao início do século 21. Civitas: revista de Ciências Sociais, v. 14, n. 1, p. 154-176, 2014. https://doi.org/10.15448/1984-7289.2014.1.16941

HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Ed. 34, 2003.

HONNETH, Axel. O direito da liberdade. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2015.

HONNETH, Axel. Trabalho e reconhecimento: tentativa de uma redefinição. Civitas: revista de Ciências Sociais, v. 8, n. 1, p. 46-67, 2008.

KONTOS, Maria. Recognition dynamics in a misrecognised job domestic and care work of migrant women in Europe. IfS Working Paper #4, Institut für Sozialforschung, Frankfurt, fev. 2014.

LIMA, Márcia; PRATES, Ian. Emprego doméstico e mudança social. Reprodução e heterogeneidade na base da estrutura ocupacional brasileira. Tempo Social, v. 31, n. 2, p. 149-172, 2019. https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2019.149291

MACIEL, Fabrício. Todo trabalho é digno? Um ensaio sobre moralidade e reconhecimento na modernidade periférica. In: SOUZA, J. (org). A invisibilidade da desigualdade brasileira. Belo Horizonte: UFMG, 2006. p. 285-322.

MACIEL, Fabrício; ROSENFIELD, Cinara; SCHNEIDER, Élen. Reconhecimento, justiça e desigualdade: uma agenda de pesquisa. Revista Brasileira de Sociologia, v. 5, n. 11, p. 271-294, 2017. https://doi.org/10.20336/rbs.229

MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. Lisboa: Antígona, 2014.

MENDONÇA, Maria Luiza; JORDÃO, Janaína V. Nojo de pobre: representações do popular e preconceito de classe. Contemporânea, v. 1, n. 23, p. 1-18, 2014. https://doi.org/10.12957/contemporanea.2014.10094

NASCIMENTO, Beatriz. A mulher negra no mercado de trabalho. In: RATTS, A. Eu sou Atlântica: sobre a trajetória de vida de Beatriz Nascimento. São Paulo: Imprensa Oficial, 2006. p. 102-105.

PAIVA, Angela R. Teorias do reconhecimento e sua validade heurística para a análise da cidadania e movimentos sociais no Brasil – o caso do movimento negro. Política & Sociedade, v. 17, n. 40, p. 258-285, 2018. https://doi.org/10.5007/2175-7984.2018v17n40p258

PRETA-RARA. Eu, empregada doméstica: a senzala moderna é o quartinho da empregada. Belo Horizonte: Letramento, 2019.

SCHNEIDER, Élen C. O valor social do trabalho doméstico e a justiça consubstancial. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016.

TEIXEIRA, Alessandra; RODRIGUES, Priscila S. Limpar o mundo em tempos de Covid-19: trabalhadoras domésticas entre a reprodução e a expropriação social. Sociologias, v. 24, n. 60, p. 170-196, 2022. https://doi.org/10.1590/18070337-121566

Downloads

Publicado

2024-04-15

Como Citar

GARCIA DE MELLO, L.; ROSENFIELD, C. L. Desreconhecimento e demarcação simbólica no trabalho doméstico: o progresso moral posto à prova. Sociologias, [S. l.], v. 26, n. 63, p. e-soc137309, 2024. DOI: 10.1590/18070337-137309. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/sociologias/article/view/137309. Acesso em: 23 abr. 2025.

Edição

Seção

Dossiê - Teoria Crítica e Sociologia do Trabalho e do Mercado