Inquérito policial como tática de vigilância

novas tecnologias e a criminalização dos protestos de 2013

Autores

DOI:

https://doi.org/10.1590/18070337-121116

Palavras-chave:

criminalização, protestos, movimentos sociais, tecnologias da comunicação e da informação, vigilância

Resumo

O artigo busca analisar os usos de novas tecnologias da comunicação e da informação (TICs) em inquéritos contra ativistas a partir de pesquisa sobre a criminalização de manifestantes no ciclo de protestos de 2013 em Porto Alegre. Por meio da análise de conteúdo do inquérito contra integrantes do Bloco de Lutas pelo Transporte Público, complementada por entrevistas com policiais civis, a pesquisa identifica que a narrativa policial se fundamenta em uma lógica inquisitorial, que classifica os indiciados como “lideranças” predispostas ao cometimento de delitos e vinculadas à simbologia anarquista. Do conjunto de táticas adotadas pelas forças policiais no inquérito (infiltração em eventos de protesto; estigmatização de manifestantes; coleta de depoimentos; uso de imagens; buscas e apreensões; monitoramento das redes), as TICs são operacionalizadas centralmente nas três últimas para reforçar a narrativa construída pelas fontes de informação tradicionais, tendo como principais efeitos a amplificação da visibilidade sobre os manifestantes e a busca por legitimação policial. O inquérito é centralmente mobilizado para coleta massiva de informações sobre os ativistas, constituindo-se como tática de vigilância.

Downloads

Não há dados estatísticos.

Biografia do Autor

Eduardo Georjão Fernandes, Universidade Vila Velha

Eduardo Georjão Fernandes é doutor em Sociologia, professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política na Universidade Vila Velha e membro do Grupo de Pesquisa Associativismo, Contestação e Engajamento (GPACE) (ufrgs.br/gpace) e do Núcleo de Pesquisa em Ativismos, Resistências e Conflitos (NUPARC).

Referências

ALMEIDA, Frederico N. R.; LOPES, Rodrigo C. Movimentos sociais, instituições judiciais e instituições políticas nas estratégias de resistência à repressão aos protestos de junho de 2013 em São Paulo. In: ENCONTRO ANUAL ANPOCS, 43., Caxambu, 2019. Anais [...]. São Paulo: ANPOCS, 2019.

ALMEIDA, Frederico Normanha Ribeiro de. “Vândalos”, “trabalhadores” e “cidadãos”: sujeição criminal e legitimidade política na criminalização dos protestos de junho de 2013. Dados, v. 36, n. 4, p. 1-35, 2020. https://doi.org/10.1590/dados.2020.63.4.218

AMARAL, Augusto J.; FIEDLER, Cássia Z.; PILAU, Lucas S. B.; MEDINA, Roberta S. As forças policiais nas “Jornadas de Junho” de 2013: um estudo sobre a criminalização das manifestações em Porto Algre/RS. InSURgÊncia: revista de direitos e movimentos sociais, v. 3, n.2, 2017. https://doi.org/10.26512/insurgncia.v3i2.19724

ARTIGO 19. 5 anos de junho de 2013. São Paulo: Artigo 19, 2018. https://artigo19.org/wp-content/blogs.dir/24/files/2018/06/Infogr%c3%a1fico-5-anos-de-junho-de-2013.pdf

ARTIGO 19. Repressão às escuras – uma análise sobre transparência em assuntos de segurança pública e protestos. Artigo 19, 31 mar. 2017. https://artigo19.org/?p=11270

ARTIGO 19. Relatório “Protestos no Brasil 2013”. Artigo 19, 23 jun. 2014. http://artigo19.org/blog/2014/06/23/relatorio-protestos-no-brasil-2013/

ATAK, Kivanc. Encouraging coercive control: militarization and classical crowd theory in Turkish protest policing. Policing and Society, v. 27, n. 7, p. 693-711, 2015. https://doi.org/10.1080/10439463.2015.1040796

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2010.

BARKAN, Steven. Criminal prosecution and the legal control of protest. Mobilization, v. 11, n. 1, p. 181-195, 2006. https://doi.org/10.17813/maiq.11.2.a8671t532kww2722

BRIGHENTI, Andrea. Visibility in social theory and social research. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2010.

BYRNE, James; MARX, Gary T. Technological innovations in crime prevention and policing. A review of the research on implementation and impact. Cahiers Politiestudies, v. 3, n. 20, p. 17-40, 2011.

CARDOSO, Bruno V. Todos os olhos: videovigilâncias, vouyerismos e (re)produção imagética. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2015.

DE FAZIO, Gianluca. Police knowledge revised: insights from the policing of the civil rights movement in Northern Ireland. Research in Social Movements, Conflict and Change, v. 27, p. 63-87, 2007.

DELLA PORTA, Donatella; ATAK, Kivanc. The police. In: DUYVENDAK, J. W.; JASPER, J. M. (ed.). Breaking down the state. Amsterdam: Amsterdam University Press, 2015. Cap. 5.

DELLA PORTA, Donatella; REITER, Herbert. (ed.). Policing protest: the control of mass demonstrations in Western democracies. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1998.

EARL, Jennifer. Tanks, tear gas, and taxes: toward a theory of movement repression. Sociological Theory, v. 21, n. 1, p. 44-68, 2003.

EMSLEY, Clive. Introduction: Political police and the European Nation-State in the 19th century. In: MAZOWER, M. (ed.). The policing of politics in the Twentieth Century: historical perspectives. Providence: Berghahn Books, 1997.

FERNANDES, Eduardo G. O repertório da ação policial: contribuições da literatura sobre policiamento a protestos para o estudo da repressão política no Brasil. Revista Brasileira de Sociologia, v. 8, n. 20, p. 102-127, 2020. https://doi.org/10.20336/rbs.742

FERNANDES, Eduardo G. Campos de batalha jornalística: os enquadramentos construídos por Zero Hora, Diário Gaúcho e Sul21 na luta pela (i)legitimidade do ciclo de manifestações de 2013, em Porto Alegre/RS. 2016. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016.

FERNANDES, Eduardo G.; CÂMARA, Gabriel G. Policiamento a eventos de protesto no Brasil: repertórios e modelos policiais no ciclo de protestos de Junho de 2013 na cidade de Porto Alegre. Política & Sociedade, v. 17, n. 39, p. 368-395, 2018.

FREITAS, Veronica Tavares de. Quem são os terroristas no Brasil? A Lei Antiterror e a produção política de um “inimigo público”. 2017. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.

HOGGETT, James; STOTT, Clifford. The role of crowd theory in determining the use of force in public order policing. Policing and Society, v. 20, n. 2 p. 223-236, 2010. https://doi.org/10.1080/10439461003668468

HOLM, Andrej; ROTH, Anne. Anti-terror investigations against social movements: a personal experience of a preventive threat. In: HESSDÖRFER, F. et al. (ed.). Prevent and tame: protest under (self-)control. Berlim: Rosa-Luxemburg-Stiftung, 2010. pp. 50-54.

KANT DE LIMA, Roberto. Tradição inquisitorial no Brasil, da Colônia à República: da devassa ao inquérito policial. Religião e Sociedade, v. 16, p. 94-113, 1992.

KOOPMANS, Ruud. Dynamics of repression and mobilization: the German extreme right in the 1990s. Mobilization, v. 2, n. 2, p. 149-164, 1997.

LACEY, Nicola; ZEDNER, Lucia. Legal construction of crime. In: MAGUIRE, M. et al. (ed.). The Oxford Handbook of Criminology. 5. ed. Oxford: Oxford University Press, 2012. pp. 159-181.

LYON, David. Surveillance society: monitoring everyday life. Oxford: Open University Press, 2001.

MELGAÇO, Lucas; MONAGHAN, Jeffrey. (ed.). Protests in the information age: social movements, digital practices and surveillance. Londres: Routledge, 2018.

MISSE, Michel. O papel do inquérito policial no processo de incriminação no Brasil: algumas reflexões a partir de uma pesquisa. Revista Sociedade e Estado, v. 26, n. 1, p. 15-27, 2011. https://doi.org/10.1590/S0102-69922011000100002

MISSE, Michel. Sujeição criminal. In: LIMA, R. S. et al. (ed.). Crime, polícia e justiça criminal no Brasil. São Paulo: Contexto, 2014.

MISSE, Michel. Crime, sujeito e sujeição criminal. Lua Nova, v. 79, p. 15-38, 2010.

MUHALE, Miguel Joaquim J. Lutar, criar poder popular: uma perspectiva etnográfica do Bloco de Lutas pelo Transporte Público em Porto Alegre/RS. 2014. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014.

OLIVER, Pamela E. Repression and crime control: why social movement scholars should pay attention to mass incarceration as a form of repression. Mobilization, v. 13, n. 1, p. 1-24, 2008. http://dx.doi.org/10.17813/maiq.13.1.v264hx580h486641

RATTON, José Luiz; TORRES, Valéria; BASTOS, Camila. Inquérito policial, Sistema de Justiça Criminal e políticas públicas de segurança: dilemas e limites da Governança. Revista Sociedade e Estado, v. 26, n. 1, p. 29-58, 2011.

REZNIK, Luís. Democracia e segurança nacional: a polícia política no pós-guerra. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004.

ROLLSING, Carlos; WAGNER, Carlos; ROSA, Eduardo; TREZZI, Humberto; COSTA, José Luís. Raio X dos inquéritos: protestos resultaram em duas condenações. Zero Hora, 9 mar. 2014.

RUSKOWSKI, Bianca O.; SILVA, Camila F.; FERNANDES, Eduardo G.; SILVA, Marcelo K.; PEREIRA, Matheus M. Tecnologias de informação e comunicação, ativismo e movimentos sociais: uma revisão crítica da literatura brasileira (2010-2017) na perspectiva do campo de estudos de movimentos sociais. Compolítica, v. 10, n. 2, p. 43-84, 2020. https://doi.org/10.21878/compolitica.2020.10.2.377

SHRIVER, Thomas E; BRAY, Laura A.; ADAMS, Alison E. Legal repression of protesters: the case of worker revolt in Czechoslovakia. Mobilization, v. 23, n. 3, p. 307-328, 2018.

TILLY, Charles. Regimes and repertoires. Chicago: University of Chicago Press, 2006.

TROTTIER, Daniel. Digital vigilantism as weaponisation of visibility. Philosophy & Technology, v. 30, n. 1, p. 55-75, 2017. https://doi.org/10.1007/s13347-016-0216-4

TROTTIER, Daniel. Open source intelligence, social media and law enforcement: Visions, constraints and critiques. European Journal of Cultural Studies, v. 18, n. 4-5, p. 530-547, 2015. https://doi.org/10.1177/1367549415577396

TROTTIER, Daniel. Policing social media. Canadian Review of Sociology, v. 49, n. 4, p. 411-425, 2012.

WINNER, Langdon. Do artifacts have politics? Deadalus, v. 109, n. 1, p. 121-136, 1980.

Downloads

Publicado

2023-05-04

Como Citar

FERNANDES, E. G. Inquérito policial como tática de vigilância: novas tecnologias e a criminalização dos protestos de 2013. Sociologias, [S. l.], v. 25, n. 62, 2023. DOI: 10.1590/18070337-121116. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/sociologias/article/view/121116. Acesso em: 23 set. 2023.

Edição

Seção

Artigos