Dossiê - ESCRAVIZAÇÃO CONTEMPORÂNEA E TRABALHO

2024-02-09

A Revista Eletrônica de Administração da UFRGS (REAd) divulga chamada inicial para o primeiro dossiê a ser publicado durante 2024 e 2025. Com o tema ESCRAVIZAÇÃO CONTEMPORÂNEA E TRABALHO, Cíntia Rodrigues de Oliveira, Dawn Alexis Duke, Georgiana Luna Batinga e Gustavo Tomaz de Almeida convidam pesquisadoras(es) a enviarem publicações relacionadas para o dossiê. 

Período para submissão de artigos: até 10/07/2024.

Para realizar a submissão, autores(as) devem acessar o sistema de submissão da REAd e escolher o referido dossiê.

 

ESCRAVIZAÇÃO CONTEMPORÂNEA E TRABALHO

ESCLAVITUD CONTEMPORÂNEA E TRABAJO

CONTEMPORARY SLAVERY AND LABOR

 

EMENTA

O 8º Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 estabelece como uma de suas metas: "8.7 - Tomar medidas imediatas e eficazes para erradicar o trabalho forçado, acabar com a escravidão moderna e o tráfico de pessoas, e assegurar a proibição e eliminação das piores formas de trabalho infantil, incluindo recrutamento e utilização de crianças-soldado, e até 2025 acabar com o trabalho infantil em todas as suas formas" (IPEA, 2019). No entanto, segundo o Global Slavery Index (2023), mais de cinco milhões de pessoas nas Américas estão submetidas a formas de escravização, sendo, em sua maioria, trabalhos forçados. No Brasil, as denúncias de trabalho pautado em escravização cresceram em 61% no último ano. Em 2023, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), foram resgatados 1.443 trabalhadores nesta situação, só no Brasil. O processo histórico colonial e escravagista da América Latina cria atores de veto que ainda impactam a construção das instituições, das relações de trabalho, da forma como a sociedade se estrutura e na profunda desigualdade social. Somado a isso, os significados do consumo constantemente retrabalhados em uma sociedade capitalista e submissa ao capital estrangeiro em uma economia globalizada, somam fraquezas para o trabalho, tendo em vistas os lucros exorbitantes pautados na extração da mais-valia, na precarização do trabalho, na regulamentação e fiscalização construídas para atenderem interesses hegemônicos (Batinga; Saraiva; Pinto, 2020). Como nos mostra Cook (2003) a escravização no continente americano não aparece na história da gestão, sendo assim não são comumente evidenciadas na literatura da gestão a relação da escravização com o capitalismo, com as plantações e com as indústrias. Assim como não são examinadas as marcas do trabalho escravizado nas práticas de gestão (Cook, 2003). A escassez de estudos sobre o tema no campo da gestão também é ressaltada por Crane (2013) que em seu texto realça como as condições macro institucionais permitem que a prática floresça em meio à ilegalidade. A existência do trabalho escravizado até os dias atuais evidencia uma contradição da contemporaneidade, pois frente à tecnologia e aos direitos humanos ainda encontramos pessoas em condições desumanas de trabalho (Girardi; Mello-Théry; Théry; Hato, 2014). No atual contexto das relações de trabalho escravizado, ficam destacadas também as relações de subalternidade, a hierarquização do espaço e a manutenção da colonialidade (Dornela; Oliveira, 2021). Nesse sentido, ao propor este dossiê, temos como objetivo agrupar pesquisas que contribuam substancialmente para a compreensão sobre formas de escravização contemporânea no trabalho, forjadas a partir de ferramentas de gestão, bem como, estudos que contribuam para a compreensão do processo histórico, do impacto do Estado e das políticas públicas (ou de sua ausência) no atual cenário latino-americano, assim como os imperativos da sociedade: as relações entre formas de escravização no trabalho e o consumo, a ostentação e o capital.  De forma mais organizadas, convidamos os pesquisadores a encaminharem trabalhos que tenham investigado os seguintes temas: a) Reforma trabalhista, terceirização, quarteirização, precarização, uberização do trabalho em uma perspectiva analítica sobre esses aspectos se relacionam com a naturalização da escravização b) A escravização contemporânea e a gestão; c) Legislações, políticas públicas, redes, outros mecanismos e instrumentos para conscientização e erradicação deste problema; d) Interseccionalidade e escravização contemporânea: raça, gênero e classe social; e) A sociedade de consumo, com especial ênfase a escravização em trabalhos nos setores eletrônicos, de tecnologia digital, indústria têxtil e da moda; f) A escravização na zona rural; h) América Latina e seu passado colonial e resquícios da colonialidade; i) Direitos humanos j) Demais temas afins ao dossiê, desde que tenham interface com as organizações, as relações de trabalho e a gestão. Em relação ao marco teórico e teorias norteadoras, esperamos trabalhos que contemplem perspectivas marxista, pós-marxista, pós-modernistas, pós-estruturalistas, pós-coloniais e/ou decoloniais, Quanto aos procedimentos metodológicos, os trabalhos podem ser de natureza teórica ou aplicada, com ênfase em textos críticos, reflexivos, na abordagem qualitativa, quantitativa ou quali-quanti. Porém, os estudos teóricos devem trazer um olhar inédito em relação às produções anteriores, com contribuições claras para o desenvolvimento acadêmico futuro. Adicionalmente, são bem-vindos estudos que tragam implicações práticas que possam contribuir para o cumprimento das metas do 8º ODS.

 

REFERÊNCIAS

BATINGA, G., SARAIVA, L., PINTO, M. Representações do trabalho escravo na contemporaneidade: disputas semânticas, memórias e silenciamentos. REAd. Revista Eletrônica de Administração, n. 26, v. 2, p. 330-351, 2020.

COOK, Bill. The denial of slavery in Management Studies. Journal of Management Studies, v. 40, n. 8, p. 1895-1918, 2003.

CRANE, A. (2013). Modern slavery as a management practice: exploring the conditions and capabilities for human exploitation. Academy of Management Review, 38(1), 53.

DORNELA, F.; OLIVEIRA, C. Narrativas de trabalhadoras rurais: a construção da subalternidade, os espaços hierarquizados e a dominação colonial. Organização & Sociedade, p. 442-165, 2021.

GIRARDI, E.; MELLO-THÉRY, N.; THÉRY, H.; HATO, J. Mapeamento do trabalho escravo contemporâneo no Brasil: dinâmicas recentes. Revista Brasileira de Geografia Econômica, ano 2, n. 4, 2014

Global Slavery Index. As Américas. Disponível em: https://www.walkfree.org/global-slavery-index/findings/regional-findings/americas/. Acesso em 22 de jan. de 2024.

IPEA. Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/ods/ods8.html. Acesso em: 22 de jan. de 2024.

Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Painel de informações e estatísticas da inspeção do trabalho no Brasil. Disponível em: https://sit.trabalho.gov.br/radar/. Acesso em: 22 de jan. de 2024. 

AUTORES

Cíntia Rodrigues de Oliveira – Universidade Federal de Uberlândia (UFU/Brasil) 

Doutora em Administração pela Fundação Getúlio Vargas (EAESP). Bolsista Produtividade CNPq Nível II. Visiting Fellow na Faculty of Business and Law da Open University, Milton Keynes, UK. Pós-doutorado em Administração na FGV/EAESP. Professora Associada da Faculdade de Gestão e Negócios (UFU) dos Programas de Pós-Graduação Stricto Sensu e Líder do Grupo de Estudos em Culturas, Organizações e Sociedade. 

Dawn Alexis Duke - University of Tennessee (UTK/ USA)

Professora Titular de Português e Espanhol. Lindsay Young Professor of the Humanities. Ex-Diretora de Estudos Africanos e Africano-Americanos. Afiliada ao Programa de Estudos Latino-Americanos e Caribenhos. Completou a pós-graduação na UNICAMP, na Universidade da Guiana e na Universidade de Pittsburgh. Autora de Literary Passion Ideological Commitment (2008) e Mayaya Rising (2023). Publica artigos em inglês, espanhol e português.

Georgiana Luna Batinga - Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR/Brasil)

Professora Permanente do Programa de Pós-graduação em Administração da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (DAGEE/UTFPR), campus Curitiba. Cursa pós-doutorado em Sociologia do Trabalho (UFPR). Concluiu outro estágio pós-doutoral, é Doutora, Mestre e Bacharel em Administração pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Pesquisou em sua tese sobre escravização contemporânea e trabalho.

Gustavo Tomaz de Almeida – Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG/Brasil)

Doutor e Mestre em Administração. Em 2021 recebeu menção honrosa no Prêmio Nacional de Teses. É Professor Adjunto e Bolsista de Produtividade em Pesquisa na Faculdade de Políticas Públicas da UEMG. É professor permanente na linha de pesquisa Violência, Crime e Controle Social do mestrado em Segurança Pública e Cidadania, editor-chefe da Revista Perspectivas em Políticas Públicas e líder do Núcleo de Estudos em Políticas Públicas.

SUMMARY

The 8th Sustainable Development Goal (SDG) of the 2030 Agenda establishes as one of its aims: "8.7 - Take immediate and effective measures to eradicate forced labor, end modern slavery and human trafficking, and ensure the prohibition and elimination of the worst forms of child labor, including the recruitment and use of child soldiers, and by 2025 end child labor in all its forms" (IPEA, 2019). However, according to the Global Slavery Index (2023), more than five million people in the Americas are subjected to forms of slavery, the majority of which are forced labor. In Brazil, reports of slavery-based work grew by 61% last year. In 2023, according to the Ministry of Labor and Employment (MTE), 1,443 workers were rescued from this situation, in Brazil alone. The historical, colonial, and enslavement process in Latin America creates veto actors that still impact the construction of institutions, work relations, the way society is structured, and profound social inequality. Added to this, the meanings of consumption constantly reworked in a capitalist society and submissive to foreign capital in a globalized economy, add weaknesses to work, given the exorbitant profits based on the extraction of surplus value, the precariousness of work, and the regulation and supervision built to serve hegemonic interests (Batinga; Saraiva; Pinto, 2020). As Cook (2003) shows us, the Americas slavery does not appear in the history of management in our hemisphere, and the relationship between slavery and capitalism, plantations and industries are not commonly highlighted in management literature. Similarly, marks of slave labor are not evident in management practices (Cook, 2003). The scarcity of studies on the topic in the field of management is also emphasized by Crane (2013) who, in his text, shows how macro institutional conditions allow the practice to flourish amid illegality. The existence of slave labor to this day reveals a contradiction of contemporary times as, in terms of of technology and human rights, we still find people subjected to inhumane working conditions (Girardi; Mello-Théry; Théry; Hato, 2014). In the current context of enslaved labor relations, relations of subalternity, the hierarchization of space and the maintenance of coloniality are also evident (Dornela; Oliveira, 2021). In this sense, by proposing this dossier, we aim to group research that contributes substantially to the understanding of forms of contemporary slavery at work, forged from management tools, as well as studies that contribute to the understanding of the historical process, the impact of the State and public policies (or their absence) in the current Latin American scenario, as well as the imperatives of society: the relationships between forms of slavery at work and consumption, ostentation and capital. In a more organized way, we invite researchers to submit works that have investigated the following topics: a) Labor reform, outsourcing, quartering, precariousness, uberization of work in an analytical perspective on these aspects related to the naturalization of slavery b) Slavery contemporary and management; c) Legislation, public policies, networks, other mechanisms and instruments to raise awareness and eradicate this problem; d) Intersectionality and contemporary slavery: race, gender and social class; e) The consumer society, with special emphasis on slavery in jobs in the electronics, digital technology, textile and fashion industries; f) Slavery in rural areas; h) Latin America and its colonial past and remnants of coloniality; i) Human rights j) Other topics related to the dossier, as long as they interface with organizations, labor relations and management. In relation to the theoretical framework and guiding theories, we expect works that include Marxist, post-Marxist, post-modernist, post-structuralist, post-colonial and/or decolonial perspectives. As for methodological procedures, the works can be of a theoretical or applied nature, with an emphasis on critical, reflective texts, with a qualitative, quantitative or quali-quanti approach. However, theoretical studies must bring an unprecedented perspective in relation to previous productions, with clear contributions to future academic development. Additionally, studies that propose concrete endeavors that can contribute to achieving the goals of the 8th SDG are welcome.

 

REFERENCES

Batinga, G., Saraiva, L., Pinto, M. (2020) Representações do trabalho escravo na contemporaneidade: disputas semânticas, memórias e silenciamentos. REAd. Revista Eletrônica de Administração, n. 26, v. 2, p. 330-351.

Cook, Bill. (2003) The denial of slavery in Management Studies. Journal of Management Studies, v. 40, n. 8, p. 1895-1918.

Crane, A. (2013). Modern slavery as a management practice: exploring the conditions and capabilities for human exploitation. Academy of Management Review, 38(1), 53.

Dornela, F.; Oliveira, C. (2021). Narrativas de trabalhadoras rurais: a construção da subalternidade, os espaços hierarquizados e a dominação colonial. Organização & Sociedade, p. 442-165.

Girardi, E.; Mello-Théry, N.; Théry, H.; Hato, J. (2014). Mapeamento do trabalho escravo contemporâneo no Brasil: dinâmicas recentes. Revista Brasileira de Geografia Econômica, ano 2, n. 4, 2014

Global Slavery Index (2023). As Américas. Disponível em: https://www.walkfree.org/global-slavery-index/findings/regional-findings/americas/. Acesso em 22 de jan. de 2024.

IPEA (2019). Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/ods/ods8.html. Acesso em: 22 de jan. de 2024.

Ministério do Trabalho e Emprego - MTE (2010). Painel de informações e estatísticas da inspeção do trabalho no Brasil. Disponível em: https://sit.trabalho.gov.br/radar/. Acesso em: 22 de jan. de 2024.