Cicatrizes são documentos em alto-relevo: narrativas de travestis em torno do encarceramento prisional e dos direitos humanos
DOI:
https://doi.org/10.22456/1983-201X.111797Palavras-chave:
Travestis e Transexuais. Sistema Prisional. Precariedade. Vulnerabilidade. CorpoResumo
O presente artigo tem como foco o que denominamos como narrativa de vida visceral, que
fala de sofrimentos que implicam em marcas corporais e abusos cometidos particularmente em corpos de travestis, e uma narrativa que se faz citando as experiências de sofrimento de outras travestis, fragmentos de uma história compartilhada, mesmo que vivida em tempos diferentes. Tomamos o corpo e suas cicatrizes como um documento histórico que insere, em especial, as travestis em uma cronologia de longa duração e em um coletivo que se reconhece pela situação de sofrimento que padece. As vidas sobre as quais nos debruçamos só tiveram a oportunidade de ter sua história narrada porque os olhos do poder as capturaram. A estratégia de citar, reiterada e coletivamente, a existência recorrente desses sofrimentos e da memória das que pereceram durante o encarceramento produziu uma materialidade enunciativa, sobre a qual nos debruçamos. Portanto, entrevistamos um grupo de pessoas gays, bissexuais, travestis e mulheres transexuais
presas entre os anos de 2013 e 2018 em Porto Alegre, no estado do Rio Grande do Sul, e analisamos elementos de suas narrativas à luz, sobretudo, da noção de precariedade butleriana. Percebemos que a instituição prisional gerenciou vidas não percebidas como viáveis, às vezes sequer percebidas como vidas, estando na categoria de vidas precárias que necessitam de cuidados. O processo político que analisamos dialoga com o campo dos direitos humanos.
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