Dossiê: A contemporaneidade da lírica: apóstrofes, endereçamentos e anacronismos

2025-08-15

Neste ano, completa-se uma década da publicação de Theory of the lyric, importante tratado de Jonathan Culler que trouxe diversas contribuições ao pensamento acerca da poesia lírica, além de outros gêneros tangentes como, por exemplo, a canção. Traçando um arco que vai da antiguidade clássica à contemporaneidade, dentro da qual, por sua vez, elementos variados são objetos de análise, tais como a poesia em prosa e o rap, o estudo tem ponto alto quando toma por objeto uma figura característica da lírica, qual seja: o endereçamento apostrófico. Sorte de fenda temporal que rompe a teleologia de um possível entrecho para trazer o discurso ao presente de sua própria enunciação –por meio de uma interrupção protagonizada pela evocação de uma expressão entre a voz e a linguagem, como um “ó”–, ele, também, abre o eu lírico que, ao passo que se dirige a outrem, torna-se, igualmente, e talvez extrapolando um pouco o argumento de Culler, um tu para um outro, produzindo, finalmente, uma performance interativa. Não obstante, esse outro é, geralmente, extra-humano: uma montanha, uma flor, uma divindade. Com isso, permanece na lírica, mesmo na modernidade, uma dimensão ritualística, uma vez que, por meio do endereçamento, tenciona os elementos ficcionais de modo a gerar uma atualização performática do discurso que se enuncia. 

Caberia pensar, dessa forma, como a evocação do ato exortatório, na forma de um evento linguístico, não apenas como proposição de uma articulação ator-rede, trazendo toda sorte de coisas enquanto agentes que compartilham da nossa intelecção, extrapolando os limites do humano e rompendo com o solipsismo ao qual mesmo certa produção lírica mantém-se atada, mas, especialmente: como crítica ao mundo desencantado e alienado da forma mercadoria. Para tanto, a produção lírica de diversas épocas históricas, assim como de culturas assim chamadas de extra-modernas, autóctones ou tradicionais, a depender da nomenclatura, podem ser contemporâneas ao elaborar alternativas às contradições da modernidade – sendo que a própria forma lírica, como mostrado, pressupõe um entrechoque de temporalidades. Vale, nesse ponto, notar as produções acerca do anacronismo aplicadas à lírica brasileira, como aquelas realizadas por Célia Pedrosa, entre diversos outros teóricos e críticos literários do Brasil e do exterior. 

 

A Revista Nau Literária privilegia textos que tomam por objeto literatura em língua portuguesa. 

 

Data limite para envio de artigos: 23/11

 

Organização: João Guilherme Dayrell