Avaliação do Reflexo Oculocardiaco e da Modulação Autonômica em um Jacaré-do-Papo-Amarelo (Caiman latirostris): um Relato de Caso

Autores

DOI:

https://doi.org/10.22456/1679-9216.144013

Palavras-chave:

reflexo vaso-vagal, variabilidade da frequência cardíaca, frequência cardíaca, crocodilianos, bradicardia

Resumo

Contexto: O reflexo oculocardiaco (ROC) é uma resposta neurofisiológica mediada pelo nervo vago, que provoca alterações na frequência e no ritmo cardíaco em resposta à pressão aplicada ao globo ocular ou suas estruturas circundantes. Embora seja bem documentado em humanos e outros mamíferos, o ROC é menos explorado em répteis, particularmente em crocodilianos. Dada a crescente interação entre a vida selvagem e os ambientes urbanos, entender o ROC nessas espécies tornou-se essencial devido às possíveis implicações na medicina veterinária e na medicina de vida selvagem. Este relato de caso teve como objetivo investigar o ROC em um jacaré-do-papo-amarelo (Caiman latirostris) resgatado de um ambiente urbano, fornecendo insights sobre suas respostas autonômicas sob compressão ocular.

Caso: Um jacaré-do-papo-amarelo juvenil, com aproximadamente 45 centímetros de comprimento e pesando 0,8 quilos, foi resgatado de uma residência urbana em Capanema, Paraná, Brasil. O animal, encontrado em estado de desidratação e letargia, distante de seu habitat natural, foi transportado para o Serviço de Atendimento a Animais Silvestres no hospital veterinário da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) para avaliação e possível soltura. O animal foi submetido ao monitoramento eletrocardiográfico (ECG) utilizando um dispositivo INcardio X® (INpulse, Florianópolis, SC, BR) para avaliar as mudanças na frequência e ritmo cardíaco durante a aplicação de pressão ocular, simulando a estimulação vagal. Eletrodos de copo de superfície, revestidos com gel condutor, foram colocados nos membros cranial e caudal do animal para as leituras de ECG. A aplicação de pressão ocular induziu uma resposta notável do ROC, evidenciada por uma diminuição de 47% na frequência cardíaca, caindo de 34 bpm para 16 bpm, juntamente com mudanças nos parâmetros de variabilidade da frequência cardíaca (VFC) e um bloqueio atrioventricular de segundo grau. Três minutos após a liberação da pressão ocular, a frequência cardíaca retornou a 29 bpm, com os valores de VFC voltando ao valor basal, indicando uma recuperação do equilíbrio autonômico.

Discussão: O uso de contenção manual em crocodilianos frequentemente envolve pressão ocular para facilitar a imobilização temporária por ativação vagal. No entanto, o ROC apresenta riscos cardiovasculares substanciais, como destacado neste caso. Durante a ativação do ROC, as métricas de VFC, como a Desvio Padrão dos intervalos NN (SDNN) e a Raiz Quadrada da Média dos Diferenciais Sucessivos (RMSSD), aumentaram, refletindo maior variabilidade da frequência cardíaca, provavelmente devido à atividade parasimpática aumentada. Além disso, os aumentos no intervalo médio NN e no Índice Vagovagal Cardíaco (IVC) apontaram para uma modulação vagal aprimorada, enquanto a queda no Índice Simpático Cardíaco (ISC) indicou uma resposta simpática diminuída. Mudanças nos parâmetros DFA, com aumento dos valores α-1 e diminuição dos valores α-2, refletiram variabilidade de curto prazo e redução na complexidade de longo prazo, respectivamente. Essas mudanças destacaram um desequilíbrio autonômico significativo dominado pelo tônus parasimpático. O bloqueio atrioventricular e as múltiplas despolarizações do nodo sinoatrial observadas durante a resposta do ROC estão alinhadas com as respostas cardíacas conhecidas de répteis à dominância parasimpática. Resultados semelhantes foram observados em estudos caninos durante o ROC, sugerindo que a modulação vagal da VFC pode compartilhar padrões entre as espécies. Os resultados deste caso ressaltam a necessidade de manuseio cuidadoso de crocodilianos durante a manipulação ocular, pois a falha em reconhecer o ROC pode resultar em bradicardia severa, arritmias ou até mesmo parada cardíaca. Estudos futuros devem expandir as implicações fisiológicas do ROC em crocodilianos, uma vez que os insights dessas investigações serão cruciais para práticas veterinárias envolvendo esses animais. Este é o primeiro relato sobre a VFC e o ROC em um jacaré, oferecendo perspectivas para melhorar o bem-estar e os protocolos manejo com segurança no cuidado da vida selvagem e na medicina veterinária.

Downloads

Não há dados estatísticos.

Referências

Barreto-Lima A.F., Rodrigues M.P.L., Costa F.R.F., Filho A.E.M., Campos Y.L., Lima D.C. & Gonzalez R.C. 2023. First record of Caiman latirostris (Daudin, 1802) from the state of Ceará, Northeastern Brazil. Herpetology Notes. 16: 411-414.

Brüler B.C., Vieira T.C., Wolf M., Lucina S.B., Montiani-Ferreira F. & Sousa M.G. 2018. Using the Oculocardiac Reflex to Characterize Autonomic Imbalance in a Naturally Occurring Canine Model of Valvular Insufficiency. Comparative Medicine. 68(2): 156-162.

Duran L.M., Taylor E.W., Sanches P.V.W., Cruz A.L., Tavares D., Sartori M.R., Abe A.S. & Leite C.A.C. 2020. Heart rate variability in the tegu lizard, Salvator merianae, its neuroanatomical basis and role in the assessment of recovery from experimental manipulation. Comparative Biochemistry and Physiology Part A: Molecular & Integrative Physiology. 240: 110607. DOI: 10.1016/j.cbpa.2019.110607 DOI: https://doi.org/10.1016/j.cbpa.2019.110607

Hunt C. 2015. Neurological Examination and Diagnostic Testing in Birds and Reptiles. Journal of Exotic Pet Medicine. 24(1): 34-51. DOI: 10.1053/j.jepm.2014.12.005 DOI: https://doi.org/10.1053/j.jepm.2014.12.005

Jensen B., Vesterskov S., Boukens B.J., Nielsen J.M., Moorman A.F.M., Christoffels V.M. & Wang T. 2017. Morpho-functional characterization of the systemic venous pole of the reptile heart. Scientific Reports. 7(1): 6644. DOI: 10.1038/s41598-017-06291-z DOI: https://doi.org/10.1038/s41598-017-06291-z

Jepson L. 2010. Exotic animal medicine: a quick reference guide. In: Lizards. New York: Elsevier Saunders, pp.268-314

Kerola T., Eranti A., Aro A.L., Haukilahti M.A., Holkeri A., Junttila M.J., Kenttä T. V., Rissanen H., Vittinghoff E., Knekt P., Heliövaara M., Huikuri H.V. & Marcus G.M. 2019. Risk Factors Associated With Atrioventricular Block. JAMA Network Open. 2(5): e194176. DOI: 10.1001/jamanetworkopen.2019.4176 DOI: https://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.2019.4176

Micheli M. & Campbell H. 2008. Autonomic control of heart rate exhibits diurnal shifts in a crocodilian. Amphibia-Reptilia. 29(4): 567-571. DOI: 10.1163/156853808786230505 DOI: https://doi.org/10.1163/156853808786230505

Shaffer F. & Ginsberg J.P. 2017. An Overview of Heart Rate Variability Metrics and Norms. Frontiers in Public Health. 5: 1-17. DOI: 10.3389/fpubh.2017.00258 DOI: https://doi.org/10.3389/fpubh.2017.00258

Tarbert D.K., Murthy V.D. & Guzman D.S. 2022. Neurological examination in healthy adult inland bearded dragons (Pogona vitticeps). Journal of the American Veterinary Medical Association. 260(9): 1013-1023. DOI: 10.2460/javma.20.12.0706 DOI: https://doi.org/10.2460/javma.20.12.0706

Turner Giannico A., de Sampaio M.O.B., Lima L., Corona Ponczek C., De Lara F. & Montiani-Ferreira F. 2014. Characterization of the oculocardiac reflex during compression of the globe in Beagle dogs and rabbits. Veterinary Ophthalmology. 17(5): 321-327. DOI: 10.1111/vop.12077 DOI: https://doi.org/10.1111/vop.12077

Valentinuzzi M.E. & Hoff H.E. 1972. The sinus venosus-atrial Wenckebach-Luciani phenomenon. Journal of Electrocardiology. 5(1): 1-14. DOI: 10.1016/S0022-0736(72)80057-8 DOI: https://doi.org/10.1016/S0022-0736(72)80057-8

Vanderlei L.C.M., Pastre C.M., Hoshi R.A., Carvalho T.D. & Godoy M.F. 2009. Noções básicas de variabilidade da frequência cardíaca e sua aplicabilidade clínica. Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovascular. 24(2): 205-217. DOI: 10.1590/S0102-76382009000200018 DOI: https://doi.org/10.1590/S0102-76382009000200018

Vézina-Audette R., Steagall P.V.M. & Gianotti G. 2019. Prevalence of and covariates associated with the oculocardiac reflex occurring in dogs during enucleation. Journal of the American Veterinary Medical Association. 255(4): 454-458. DOI: 10.2460/javma.255.4.454 DOI: https://doi.org/10.2460/javma.255.4.454

Vieira T.C.S., Sampaio M.O., Brüler B.C., Ben-Shlomo G., Montiani-Ferreira F. & Duque J. 2023. The effect of eye stimulation using graded external weights on the oculocardiac reflex in beagle dogs. Archives of Veterinary Science. 28(1): 1-6. DOI: 10.5380/avs.v1i1.85932 DOI: https://doi.org/10.5380/avs.v1i1.85932

Yoo J.J., Gishen K.E. & Thaller S.R. 2021. The Oculocardiac Reflex: Its Evolution and Management. Journal of Craniofacial Surgery. 32(1): e80-e83. DOI: 10.1097/SCS.0000000000006995 DOI: https://doi.org/10.1097/SCS.0000000000006995

Yves A., Lima L.M.C., Bassetti L.A.B., Andrade M.B.B., Sousa B.M. & Marques T.S. 2023. Distribution of broad-snouted caiman (Caiman latirostris) in the Rio Doce State Park, Minas Gerais, Brasil. North-Western Journal of Zoology. 19(2): 167-172.

Arquivos adicionais

Publicado

2025-07-09

Como Citar

Rodrigues Marques, A. L., Marangoni, M., Mamguê, V. E., Takazono Lemes, M., Martínez, O., Braz, P. H., & Champion, T. (2025). Avaliação do Reflexo Oculocardiaco e da Modulação Autonômica em um Jacaré-do-Papo-Amarelo (Caiman latirostris): um Relato de Caso. Acta Scientiae Veterinariae, 53. https://doi.org/10.22456/1679-9216.144013

Edição

Seção

Case Report

Artigos Semelhantes

<< < 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 > >> 

Você também pode iniciar uma pesquisa avançada por similaridade para este artigo.