O que é fazer-farinha na comunidade quilombola Uxizal de Mocajuba, Baixo Tocantins, Pará?
DOI:
https://doi.org/10.22456/1984-1191.102919Palavras-chave:
Manejo da mandioca, Comunidade Quilombola Uxizal, Narrativa visualResumo
A presente narrativa remete a uma ação de pesquisa e extensão, realizada durante o ano de 2014[1], na comunidade quilombola Uxizal, localizada no município de Mocajuba, Estado do Pará, que tinha como foco central o estudo do sistema de cultivo e beneficiamento da mandioca para a produção de farinha. A farinha de Uxizal desfruta do reconhecimento dos consumidores em todo o município pela sua qualidade, sendo fator de reafirmação de identidade, uma vez que é referida como “a farinha dos quilombolas”. O título de terras em regime coletivo foi concedido a Associação dos Remanescentes de Quilombos do 2° Distrito de Mocajuba, em 2008, a partir do reconhecimento como área remanescente de quilombo pelo Instituto de Terras do Pará (ITERPA), órgão executor da política agrária do Estado. Uxizal, com 52 famílias, é uma das sete comunidades quilombolas que compõe esta Associação. Na referida pesquisa, centrada nos aspectos técnicos e agronômicos, foram salientadas as transformações ocorridas ao longo do tempo nas práticas destas famílias da comunidade quilombola[2]. Como forma de registro foram efetuadas capturas na forma de fotografias de todo o processo, com a anuência dos interlocutores, que foram Dona Ediléia junto com seu marido e a Dona Deuza. Passados cinco anos, essas imagens foram revisitadas pela responsável pela captura destas e neste ensaio, procurou-se constituir uma narrativa resgatando os sentidos das reflexões agronômicas e sua expressão nas imagens. Neste esforço reflexivo a partir das imagens, remetemos a evocação dos sentidos contidos no processo de produção da farinha, em que estão envolvidas questões econômicas, pois se constitui, junto com a pimenta, a principal fonte de recursos monetários desta comunidade[3], mas também buscamos cotejar outros elementos como a imersão na paisagem[4] e o acionamento de diferentes esferas e aspectos relacionadas à sociabilidade do grupo (cultivo e processamento da mandioca, práticas e saberes associados, passagem de conhecimento, o ritual alimentar) e que não nos deixa esquecer da noção de totalidade da conexão entre corpo e técnica, proposta por Marcel Mauss[5] e que aqui designamos como “fazer-farinha”. Há nessa configuração que remete a um fato social total não somente a interação entre os seres humanos, homens e mulheres de diferentes faixas etárias, mas entre humanos e não-humanos (plantas, artefatos, minerais), cimentados por uma inevitável evocação (Stephen Tyler[6]) ao espírito da reciprocidade[7]. Cabe também ressaltar que os sentidos desta totalidade remetem a um saber-fazer[8], ancorado na tradição, mas que se trata de uma tradição que adquire novos sentidos ao ser lido (e visto) por toda uma comunidade moderna urbano-industrial. Este é o convite a que se propõe a presente narrativa: o que tais imagens provocam em nossos olhares moderno-urbano-industrial-ambientalizados?
[1] Com o apoio do PROEXT/MEC realizado no âmbito do Grupo Diversidade Socioagroambiental na Amazônia (GEDAF) da Universidade Federal do Para (UFPA).
[2] AGUIAR, Amália G. R.; QUARESMA, Camila R., SIMÕES, Aquiles V. Interface de saberes e inovação no sistema técnico de cultivo da mandioca na comunidade Uxizal, Mocajuba, estado do Pará. Amazônia: Ciência e Desenvolvimento, v. 12, n. 22, p. 21-32, 2016.
[3] Conforme dados da Embrapa (2017) o Estado do Pará é o maior produtor de mandioca com uma área cultivada de 295.137 hectares (20,97% da área plantada nacional) e uma produção de 4.234.597 toneladas sendo a quase totalidade da produção destinada à produção de farinha de mesa. https://www.embrapa.br/congresso-de-mandioca-2018/mandioca-em-numeros
[4]INGOLD, Tim, “Temporality of the landscape” [1933]. In: T. Ingold, The Perception of the Environment. Essays in livelihood, dwelling and skill, Londres, Routledge, 2000 e INGOLD, Tim. Estar vivo: ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição. São Paulo: Vozes, 2015.
[5] MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. São Paulo: EPU/Edusp, 2017 [1936].
[6]TYLER, Stephen. Escrita pos-moderna: do documento do oculto ao documento oculto. In: CLIFFORD, James, MARCUS, George. A escrita da cultura: poética e política da etnografia. Rio de Janeiro: Papéis Selvagens/EdUFRJ, 2016. pp. 183-206
[7] MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. São Paulo: EPU/Edusp, 2017 [1936].; LÉVI-STRAUSS, Claude. Introdução à obra de Marcel Mauss. In: Ensaio sobre a dádiva. Lisboa, Edições 70, s/d; SABOURIN, Eric. Sociedades e organizações camponesas: uma leitura através da reciprocidade. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2011.
[8] WOORTMANN, Ellen F., WOORTMANN, Klaas. O trabalho da terra. Brasília: Editora UnB, 1997.
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Referências
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WOORTMANN, Ellen F., WOORTMANN, Klaas. O trabalho da terra. Brasília: Editora UnB, 1997.
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