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‘A astúcia própria da cena’: notas para um dispositivo comum entre o teatro e a filosofia

Resumo:

O artigo sugere que cenas de bisbilhotagem contêm a chave para um dispositivo fundamental para o teatro, capaz de reforçar as intrincadas dimensões metateatrais de toda performance teatral, amplificando seu caráter filosófico. De modo a tornar essa afirmação clara, o artigo discute a ideia de dispositivo, conceito de inspiração foucaultiana (1980; 1986), e aplica suas dimensões autorreflexivas a vários exemplos retirados de diferentes peças, a fim de discutir como estes podem funcionar tanto quanto partituras para performances quanto como textos de caráter filosófico.

Palavras-chave:
Bisbilhotagem; Dispositivo; Metateatro; Filosofia do Drama; Filosofia Performance.

Abstract:

The article suggests that eavesdropping scenes contain the key to a fundamental dispositive of the theatre, that reinforces the intricate metatheatrical dimensions of any performance and amplifies its philosophical aspects. In order to make this claim clear, the article discusses the idea of a dispositive, a concept broadly taken from Foucault (1980; 1986) and applies its self-reflexive dimensions to a number of examples from different plays, in order to demonstrate as those work both as scores for performances as well as texts with a philosophical character.

Keywords:
Eavesdropping; Dispositive; Metatheatre; Philosophy of Drama; Performance Philosophy

Résumé:

L’article suggère que les scènes d’espionnage sont la clé d’un dispositif fondamental pour le théâtre. Il renforce les dimensions méta-théâtrales complexes de toute performance théâtrale, amplifiant son caractère philosophique. Afin de clarifier cette affirmation, l’article examine l’idée de dispositif, concept d’inspiration foucaldien (1980; 1986), et applique ses dimensions autoréflexives à divers exemples tirés de différentes pièces afin de discuter de la manière dont ils peuvent fonctionner scores de performance ainsi que des textes philosophiques.

Mots-clés:
Espionnage; Dispositif; Meta-théâtre; Philosophie Dramatique; Philo-Performance

O teatro é precisamente aquela prática que calcula o lugar das coisas conforme elas são observadas. Se eu monto o espetáculo aqui, o espectador verá isso; se eu o puser em outro lugar, ele não o verá, e posso me aproveitar desse efeito de mascaramento e brincar com a ilusão que ele proporciona. O palco é a linha que fica do outro lado do caminho do lápis óptico, traçando ao mesmo tempo o ponto em que é interrompido e, por assim dizer, o limiar de sua ramificação (Barthes, 1977BARTHES, Roland. Diderot, Brecht, Eisenstein. In: BARTHES, Roland. Image, Music, Text. New York: Noonday Press, 1977. P. 69-78., p. 69).

No espelho, vejo-me ali onde não estou, num espaço irreal, virtual, que se abre por trás da superfície; eu estou lá, lá onde não estou, um tipo de sombra que traz minha própria visibilidade para mim mesmo, que me permite ver-me ali onde estou ausente: tal é a utopia do espelho. Mas é também uma heterotopia, na medida em que o espelho existe na realidade, e exerce um tipo de contra-ação à posição que ocupo. Do lugar em que me encontro no espelho, descubro minha ausência do lugar onde estou, uma vez que eu posso ver-me lá. A partir deste olhar dirigido a mim próprio, da base desse espaço virtual que se encontra do outro lado do vidro, volto a mim mesmo; Começo de novo a direcionar o meu olhar em direção a mim mesmo e começo a reconstituir-me a mim mesmo ali onde estou (Foucault, 1986FOUCAULT, Michel. Of Other Spaces. Diacritics, Ithaca, v. 16, n. 1, p. 22-27, Spring, 1986. , p. 24).

As duas epígrafes que abrem estas reflexões preliminares, que se referem ao teatro como dispositivo e também à filosofia naquilo que esta tem em comum com o teatro, apresentam duas formas radicalmente diferentes de ver/assistir. Barthes chama a atenção para as coisas que podem ser observadas por um espectador supostamente neutro, enquanto o olhar de Foucault se concentra no reflexo de si mesmo no espelho, vendo-se onde ele não está, transformando o olhar utópico em um heterotópico. O que eles têm em comum, porém, é a demarcação visualizada de um espaço onde as práticas estéticas do teatro e da performance literalmente têm lugar, o lugar onde a filosofia começa, estabelecendo uma habitação dinâmica para a representação da experiência humana. Juntas, as duas citações constituem aquilo que, no teatro, por meio da execução de um roteiro, ocorre em um espaço de dimensão ficcional em que agentes humanos ou não humanos, geralmente atores que interpretam personagens - mas também onde figuras sub-humanas e sobrenaturais aparecem - interagem e deixam (ao sair de) esse espaço. Essa é a cena teatral que nós, com diferentes graus de intensidade, assistimos, seja focando mais na linha do lápis óptico de Barthes, que faz com que esses agentes apareçam ou desapareçam; ou nas formas complexas de se espelhar essa evocação dos gatilhos dos corpos, através dos quais eu posso, em certo sentido, me ver em um lugar onde sei que não estou, como gatilho do pensamento filosófico.

Isso seria aquilo que Hamlet, na peça de Shakespeare, chama de “a astúcia própria da cena”6 1 Nota da tradução: The very cunning of the scene, expressão que, inclusive, dá título ao texto, embora originária do Hamlet, não aparece de forma consistente na tradução de Millôr Fernandes, consagrada no Brasil. O trecho a que este parágrafo se refere foi traduzido, por exemplo, de forma livre, como “Ouvi dizer que certos criminosos, assistindo a uma peça, foram tão tocados pelas sugestões das cenas, que imediatamente confessaram seus crimes [...]. O negócio é a peça, que eu usarei pra explodir a consciência do rei” (Shakespeare, 1988, ato II, cena 2). Para que a intenção do autor do presente artigo não se perca, como neste caso – emblemático por se tratar do título –, iremos traduzir todas as citações e referências a peças direto do original, ao invés de recorrer a traduções já consagradas em língua portuguesa. através da qual, ele diz, seria possível fazer “com que criaturas culpadas, ao assistirem a uma peça, confessem seus crimes” (Shakespeare, 1985, ato II, cena 2, pp. 542-543). Portanto, Hamlet acrescenta: “E a peça é a coisa, com a qual hei de apanhar a consciência do rei” (Shakespeare, 1985, ato II, cena 2, p. 557-558). No entanto, não tentarei verificar a suposição de Hamlet sobre a capacidade de uma encenação de “capturar a consciência de criaturas culpadas”. Em vez disso, quero refletir sobre as cenas de escuta às escondidas, ou de bisbilhotagem7 2 Nota da tradução: Eavesdropping em inglês. Apesar de ser um recurso bastante comum no teatro, não há uma tradução canônica para o termo. Rokem irá analisar diversos exemplos, no teatro, de cenas que envolvem atos de escuta às escondidas ou cenas de espionagem ou mera bisbilhotagem, que devem ser, portanto, entendidos como sinônimos neste artigo. , que, via de regra, são intencionalmente criadas (ou armadas) pelos próprios personagens que participam dessas cenas (como parte vital da ação), mas que são, na verdade, e é claro, roteirizadas pelos autores das peças nas quais essas cenas aparecem e com propósitos específicos. Quero chamar a atenção para a esperteza ou habilidade que é usada na criação de cenas baseadas em tais enganos astuciosos. Ou, como Esa Kirkkopelto mostrou:

Onde quer que haja representação teatral ou atividade reconhecível como tal, ‘existe’ também uma cena que delimita e determina os aspectos e condições representacionais dessa atividade [que] [...] direciona nosso olhar teórico para a ‘coisa cênica’, o fenômeno de ação humana (Kirkkopelto, 2009KIRKKOPELTO, Esa. The Question of the Scene: On the Philosophical Foundations of Theatrical Anthropocentrism. Theatre Research International, Cambridge, v. 34, n. 3, p. 230-242, Oct. 2009., p. 230-231).

Cenas de bisbilhotagem - de escuta atrás de portas ou cortinas, por exemplo - são uma forma de representação que chama a atenção para a teatralidade inerente às estruturas cênicas em geral. A seguir, pretendo discutir como cenas de bisbilhotagem podem servir como ponto de partida para uma discussão sobre o dispositivo do teatro como uma característica constitutiva através da qual a autorreflexividade da linguagem do teatro e de sua função teatral - seguindo a definição de Roman Jakobson (1960JAKOBSON, Roman. Closing Statement: Linguistics and Poetics. In: SEBOEK, Thomas (Ed.). Style in Language. Cambridge: MIT Press , 1960. P. 350-357.) da função poética de comunicação da linguagem - pode ser identificada, além de acrescentar algo crucial, ainda que provavelmente marginal quanto ao nosso entendimento da filosofia.

No teatro, esse dispositivo consiste em uma combinação de um conjunto básico de regras segundo as quais se joga o jogo do teatro, com base nas condições materiais para a realização dessa prática artística, com um palco no qual tanto figuras humanas quanto sobrenaturais aparecem. Para se jogar xadrez, precisamos de um tabuleiro com 64 quadrados alternados em preto e branco, organizados em uma matriz de oito por oito, além de um conjunto de regras sobre como as 16 peças de cada jogador se movem, e de que maneira são os procedimentos do jogo para que alguém possa ser declarado vencedor. A combinação entre as condições materiais e as regras para jogar o jogo nos permite considerar o evento teatral como um mecanismo complexo que coordena meticulosamente uma ampla gama de diferentes recursos e atividades. O mecanismo teatral não é definido tão somente pelo uso mais ou menos sofisticado de tecnologias materiais - o maquinário de palco - como também pelo uso de perspectiva e iluminação, cenários e adereços, mas, sobretudo, pela aparição da presença viva do ator, performando um personagem (e também, frequentemente, interpretando ou jogando8 3 Nota da Tradução: Tem um jogo de palavras intraduzível que irá aparecer em diferentes partes deste texto, a saber: a Play em inglês pode tanto significar uma peça como um jogo, ou uma brincadeira, assim como o verbo to play pode tanto ser traduzido como jogar ou como interpretar – como em to play a character – interpretar um personagem. Não à toa, o autor do presente artigo irá mais à frente dialogar com Huizinga (1955), que defende o jogo (the play) como dimensão constitutiva da existência humana. com o próprio), ativando assim esse mecanismo, e integrando-se a ele. Com isso, através desse processo, do jogo e desse mecanismo como um todo, que são as condições materiais do jogo teatral, atores e atrizes se transformam em uma obra de arte. A arte de atuar é única no sentido de que o artista transforma a si mesmo em uma obra de arte durante sua performance.

A noção de dispositivo (dispoitif em francês) foi introduzida por Foucault no final de 1970, o qual ele explicou consistir em um

[...] conjunto heterogêneo composto por discursos, instituições, formas arquitetônicas, decisões regulatórias, leis, medidas administrativas, declarações científicas, proposições filosóficas, morais e filantrópicas - em suma, tanto o dito quanto o não dito (Foucault, 1980FOUCAULT, Michel. The Confession of the Flesh. In: GORDON, Colin (Ed.). Power/Knowledge: Selected Interviews and Other Writings. New York: Pantheon Books, 1980. P. 194-228., p. 194-195).

Segundo Foucault, o dispositivo é “o sistema de relações que pode ser estabelecido entre esses elementos” e aquilo que devemos investigar em particular, ele continua, seria “[...] a natureza da conexão que pode existir entre esses elementos heterogêneos [...] [porque] entre esses elementos, sejam discursivos ou não discursivos, existe uma espécie de interação (interplay) entre mudanças de posição e modificações de função que podem também variar de forma abrangente”. Tal dispositivo é constituído por uma brincadeira com um final em aberto (open-ended playfulness), gerando constantemente novas combinações para ‘jogar o jogo’, até se tornando lúdico (Foucault, 1980, p. 194-195).

Ao mesmo tempo, com base nessa forma de pensamento estrutural, a função estratégica dominante do dispositivo é como uma “formação que tem como principal função, em um dado momento histórico, a resposta a uma necessidade urgente” e, portanto, como Foucault (1980FOUCAULT, Michel. The Confession of the Flesh. In: GORDON, Colin (Ed.). Power/Knowledge: Selected Interviews and Other Writings. New York: Pantheon Books, 1980. P. 194-228., p. 194-195) esclarece, é possível distinguir a “função estratégica dominante” de tais elementos constitutivos. As cenas de escuta às escondidas, ou bisbilhotagem, tanto no modo como incluem elementos discursivos e não-discursivos, quanto em sua expressão de urgência, ou mesmo apenas como aquilo que “responde a uma necessidade urgente”, podem, no teatro, até ser vistas como um modelo básico para a concepção do teatro como um dispositivo e como pode este ser compreendido. É importante notar que a ideia da ampla gama de “interação entre mudanças de posição e modificações de função” - que pode ser associada a uma constante reestruturação entre os elementos discursivos e não-discursivos que caracterizam a bisbilhotagem, como desenvolverei mais adiante - é crucial para Foucault definir a própria noção de dispositivo. Esse modelo, em termos semelhante a um jogo, serve como base para uma dimensão lúdica do teatro, e a seguir apresentarei também um breve esboço de como essa interação pode ser realizada em diferentes contextos9 4 As traduções para o inglês do termo, em francês, dispositif de Foucault variam, desde ‘aparato’ (nesta tradução em particular) a ‘dispositivo’, ‘mecanismo’, ‘construção’ e ‘implantação’. Eu escolhi, na maior parte das vezes, utilizar o termo em inglês ‘dispositive’ para evitar as confusões que essa ampla variedade de traduções causou. Jeffrey Bussolini fez as seguintes clarificações: “Dentro de um campo heterogêneo e dinâmico de relações, o dispositivo parece ser um tipo de marcador em movimento para permitir alguma aproximação de uma preponderância específica ou equilíbrio de forças em um determinado momento. Isso ajuda a identificar quais conhecimentos foram convocados e desenvolvidos em termos de certos imperativos de poder, e auxilia no discernimento das muitas resistências que também necessariamente atravessam as múltiplas relações de força, segundo Foucault. Isso é ainda mais importante, considerando suas projeções de poder como um campo fraturado, no qual as diferentes linhas de força às vezes se reforçam, às vezes prejudicam e se contradizem – a leitura dos pontos de confronto e de intensidade é histórica e politicamente valiosa” (Bussolini, 2010, p. 91). E ‘aparato’ pode ser dito como sendo os instrumentos ou conjuntos discretos de instrumentos em si – os implementos ou equipamentos. Dispositivo, por outro lado, pode denotar mais o arranjo – o arranjo estratégico – dos implementos em uma função dinâmica (Bussolini, 2010, p. 96). Ver também Agamben (2009). Neste texto ora usaremos a tradução como aparato, ora como dispositivo, de acordo com o contexto. .

O personagem do Filósofo, em Dialogues of Buying Brass, ou Messingkauf Dialogues10 5 Diálogos da compra do Latão, em português. Este compreende ensaios, exercícios para atores, planos, notas, poemas e fragmentos de diálogo. Considerado problemático e muitas vezes marginalizado, justamente por apresentar uma coleção de textos díspares, neste texto Brecht explora, justamente, a relação dialética entre teoria e prática. , de Brecht (2014BRECHT, Bertold. Messingkauf, or Buying Brass. In: KUHN, Tom; GILES, Steve; SILBERMAN, Mar. Brecht on Performance. London: Bloomsbury, 2014. P. 01-94.), peça que consiste em uma coleção de fragmentos deixados incompletos quando da morte de Brecht, expressa claramente a ideia básica de que as práticas do teatro são baseadas em princípios organizacionais que também podem ser aplicados a práticas sociais e vice-versa. De acordo com os fragmentos desse diálogo metateatral de Brecht, o objetivo do filósofo em ir ao teatro é aprender algo com essa prática artística. Ele apresenta essa aspiração - incluindo certas autoironias - já em sua primeira declaração no diálogo entre o Dramaturgo, um Ator e uma Atriz, enquanto a Mão do Palco ainda está desmontando o cenário no palco empoeirado, onde a singular troca de ideias acaba de começar:

O que me interessa no teatro é o fato de você aplicar sua arte e todo o seu aparato para imitar incidentes que ocorrem entre as pessoas, fazendo com que seus espectadores se sintam como se estivessem assistindo a vida real. Como estou interessado no modo como as pessoas vivem juntas, também estou interessado em suas imitações (Brecht, 2014BRECHT, Bertold. Messingkauf, or Buying Brass. In: KUHN, Tom; GILES, Steve; SILBERMAN, Mar. Brecht on Performance. London: Bloomsbury, 2014. P. 01-94., p. 13).

O Filósofo de Brecht assume que o teatro é constituído por um aparato para representar eventos e relacionamentos da esfera social, através do qual certos aspectos da vida real podem ser revelados, fazendo com que os espectadores acreditem (diferente de sintam na citação acima)11 6 O original em alemão tem “glauben”, que significa “acreditar”, não “sentir”, como foi traduzido na tradução de 2014. que eles estão assistindo algo crucial para suas vidas, não apenas uma distração divertida.

Segundo Burchell, “Foucault usa esse termo (dispositivo) para designar uma configuração, ou arranjo, de elementos e forças, práticas e discursos, poder e conhecimento que são tão estratégicos quanto são técnicos” (Burchell apud Bussolini, 2010BUSSOLINI, Jeffrey. What is a Dispositive. Foucault Studies, Copenhagen, n. 10, p. 85-107, Nov. 2010., p. 86). Segundo o Filósofo de Brecht, existem obviamente diferenças cruciais entre o dispositivo do teatro e a própria vida, porque o teatro é uma imitação com um alto grau de coordenação entre estratégia e técnica (o que obviamente não é necessariamente o caso na vida real), possibilitando decifrar como essas imitações são construídas, e não apenas quais aspectos da vida social eles exibem e expõem. Como o dispositivo do teatro é altamente convencionalizado, as relações entre estratégia e técnica podem ser mais facilmente detectadas e decifradas quando aparecem em um palco do que em situações da vida real. Nossas vidas são, via de regra, muito menos claramente enquadradas do que num evento projetado para ser um evento teatral ou em outros contextos mais diretamente ritualizados.

A razão pela qual eventos teatrais e outras práticas artísticas são importantes e interessantes para o Filósofo nos Diálogos de Messingkauf, de Brecht (2014BRECHT, Bertold. Messingkauf, or Buying Brass. In: KUHN, Tom; GILES, Steve; SILBERMAN, Mar. Brecht on Performance. London: Bloomsbury, 2014. P. 01-94.), é que eles estão intimamente relacionados a situações da vida real, em alguns casos até se esforçando para fazer com que os espectadores acreditem que estão assistindo a vida real. Além disso, a dinâmica interna do dispositivo do teatro estabelece uma rede que une os vários aspectos dessa prática cultural, até nos conscientizando de como o próprio mecanismo funciona e, ao mesmo tempo, refletindo sobre configurações de poder e resistência na vida social (ou na esfera pública) que podem ser testadas e até subvertidas ao se fazer teatro.

Os princípios que regulam os surgimentos e desaparecimentos das figuras e dos objetos e imagens dentro de um espaço designado do palco, onde podem ser percebidos pelos espectadores por um certo período durante o evento teatral, são uma característica básica do dispositivo do teatro. Quando um determinado personagem ou imagem cumpre sua função básica, ele, via de regra, sai ou desaparece do espaço específico que chamamos de palco. Entradas e saídas de figuras humanas possibilitam os encontros e os confrontos entre os personagens, independentemente do que o palco represente ou de como essa representação tenha sido construída. Os mecanismos reguladores das entradas e saídas são condição sine qua non de todo texto dramático, bem como de suas realizações cênicas, criando um maior grau de sobreposição entre as dimensões textual e performativa do meio. As saídas / entradas devem ser inscritas no texto como tal.

Uma das funções dos atores é vincular o roteiro aos seus cenários narrativos básicos com base no fluxo de encontros entre os personagens dentro de uma determinada montagem de palco, materializando a estrutura textual conceitual de entradas e saídas - de presenças e ausências - no palco. Dependendo das convenções dramáticas do texto, como também de sua encenação em particular, os princípios reguladores de entradas e saídas também sugerem como o mundo desses personagens é construído, quais são suas possibilidades de ação e suas chances de escapar de um destino inevitável, ou mesmo de capacitar os personagens a dominá-lo, problematizando, assim, também as dimensões éticas de suas ações.

Dentre as possibilidades ilimitadas de se regular o movimento dos personagens, quero focar em uma variante específica aqui. Quero sugerir que a bisbilhotagem, onde um personagem está presente e ausente ao mesmo tempo, ouvindo ou espionando uma situação no palco, ocupa uma posição privilegiada entre as muitas técnicas para regular presenças e ausências no palco. O bisbilhoteiro pode ser cúmplice de um ou vários dos personagens visíveis no palco e, como regra, os espectadores também estão cientes do que está acontecendo, enquanto pelo menos um dos personagens no palco desconhece a configuração.

Entre as peças gregas clássicas com cenas de bisbilhotagem [ou espionagem], quero mencionar As Tesmoforiantes de Aristófanes (2007ARISTOPHANES. Woman at the festival. Trans. by George Theodoridis, 2007. Available at: <Available at: https://www.poetryintranslation.com/PITBR/Greek/Thesmo.php#highlightaristophanes >. Accessed on: May 23, 2019.
https://www.poetryintranslation.com/PITB...
), de 411 a.C., geralmente chamada de O Poeta e as Mulheres ou Mulheres no Festival, e As Bacantes de Eurípedes (2005), de 405 a.C. Em ambas as peças, os personagens masculinos estão bisbilhotando um grupo de mulheres que estão realizando um ritual do qual os homens foram excluídos. Na peça de Aristófanes, onde Agathon também é um dos personagens, Eurípides envia um parente vestido de mulher para esse ritual, a fim de impedir que as mulheres boicotem ou punam Eurípides por suas representações negativas de personagens femininas (como Medéia, Helena ou Fedra)12 7 Nesta peça, Agatão também aparece como um personagem, na verdade um tanto cômico, porque quando Eurípides tenta encontrar roupas femininas para seu parente, eles abordam Agatão, que eles sabem que às vezes se veste como mulher. Mas como Agathon está ocupado escrevendo um papel feminino para uma nova peça, ele precisa de seu traje feminino. Embora nenhuma peça de Agatão tenha sido preservada, a peça de Aristófanes e o diálogo de Platão, o Banquete, comemorando a vitória de Agatão nas Lenéias, são as únicas fontes que retratam Agatão em alguma medida. . O parente sem nome - totalmente visível, mas escondido no ou atrás de seu traje, que é simultaneamente uma forma de bisbilhotagem e de disfarce - é descoberto e levado a julgamento. Em As Bacantes, por outro lado, a bisbilhotagem ocorre fora do palco, com Penteu sendo pego enquanto observava secretamente o ritual das mulheres do alto de uma árvore, de onde é possível descobri-lo; como resultado, ele é decapitado por sua mãe Agave. Em ambas as peças - uma comédia e uma tragédia -, o bisbilhoteiro é primeiro revelado e depois punido ou vitimado de alguma forma, em As Bacantes, pela morte, como geralmente acontece em tragédias; enquanto nas comédias a espionagem leva a uma negociação complexa, via de regra, finalmente resolvendo o conflito dramático após o bisbilhoteiro ter sido revelado, ameaçado e/ou corrigido.

Dois exemplos bem conhecidos de peças do início da modernidade, como Hamlet de Shakespeare (1985SHAKESPEARE, William. Hamlet, Prince of Denmark. Cambridge: Cambridge University Press, 1985.) e O Tartufo de Moliere (1963MOLIÈRE. Tartuffe. Translation Richard Wilbur. New York: Harcourt Brace, 1963.), mostram ainda mais claramente o quão difícil é distinguir entre os modos trágico e cômico nas cenas de bisbilhotagem, mesmo que as duas peças sejam claramente classificadas como uma tragédia e uma comédia, respectivamente. Quando consideramos o potencial performativo dessas cenas, ambas com três personagens - um que se esconde, um que está ciente da armação e outro que está alheio à situação -, surge uma imagem muito mais complexa, em especial porque os espectadores são também convidados a assistir a cena de bisbilhotagem se tornando cúmplices. As duas cenas a que me refiro são Polônio, escondido atrás do reposteiro no armário de Gertrude (em Hamlet, ato III, cena 4) para descobrir se o amor de Hamlet por Ofélia é a causa de sua loucura; e de Orgon testemunhando a exposição da avareza sexual e da hipocrisia de Tartufo através da sedução falsa de Elmira, enquanto Orgon está escondido debaixo da mesa (em Tartufo, ato IV, cena 5). Ambas são altamente teatrais, com o objetivo de investigar ou revelar uma situação complexa.

Também quero sugerir que ambas as cenas apresentam uma ambivalência radical em relação a como podem ser caracterizadas e até executadas. A primeira questão que deve ser esclarecida é quem sabe sobre a configuração do ardil, como ele é descoberto e quais são as consequências dessa descoberta. Na cena de Hamlet, todos, inclusive os espectadores, sabem que Hamlet - alheio até o momento em que ouve o pedido de ajuda por trás do reposteiro - está sob vigilância. Isso não leva muitas falas no texto de Shakespeare, mas quando Hamlet entra no armário de sua mãe, Polônio é claramente percebido como um transgressor, tentando obter informações e, como resultado desse que também é um poder, bisbilhotando Hamlet e, indiretamente, também Gertrude. Porém, quando Hamlet entende que há alguém secretamente ouvindo sua conversa com sua mãe, ele é imediatamente transformado num assassino, ele instantaneamente pega em “armas contra o mar de angústias” (como ele diz no famoso solilóquio “ser ou não ser”), matando Polônio, como disse no ato III, cena 4, em resposta à descoberta de que “Julguei que era alguém melhor que ti” (Shakespeare, 1985, p. 32), provavelmente referindo-se a Cláudio.

Na cena crucial de bisbilhotagem na peça de Moliere, Orgon está escondido debaixo da mesa, enquanto Elmira faz Tartufo acreditar que ela o está seduzindo ou que ela está disposta a ser seduzida por ele, a fim de mostrar ao marido que Tartufo é um hipócrita (Molière, 1963). Aqui, o bisbilhoteiro tem o poder de obter uma verdadeira compreensão da situação, enquanto Tartufo, que é observado em segredo, é revelado/descoberto. O que essas duas cenas têm em comum é a mudança repentina da situação inicial, em que vítimas e vitimadores trocam papéis rapidamente e onde as exposições a que levam, em todos os sentidos de exposição, são fatais e libertadoras ao mesmo tempo. Polônio e Tartufo são subitamente transformados em vítimas quando antes eram poderosos perpetradores, enquanto as vítimas em potencial - Hamlet e Orgon - triunfam por um breve momento. No caso de Hamlet, sua descoberta o transforma em assassino e, no caso de Orgon, quase o transforma em vítima de adultério.

Ao mesmo tempo em que essas duas cenas despertam profundas ansiedades entre todos os personagens presentes, também há algo ridículo na situação, quase como uma forma de arlequinada ou comédia pastelão, em que o personagem que espiona, de diferentes maneiras é tentado a se revelar ao mesmo tempo que é quase impossível prever como o personagem bisbilhotado reagirá. Na performance [teatral], cada pequena nuance e mudança de postura será registrada pelos espectadores devido aos grandes perigos e ao potencial ridículo dessas cenas. Se tanto Hamlet quanto Tartufo aguçam seus sentidos, inevitavelmente os espectadores também. As cenas de bisbilhotagem apresentam enormes potenciais cômicos e trágicos para a performance, produzindo uma forma de liminaridade na qual o que é percebido como ameaçador pode instantaneamente ser transformado em algo extraordinário e vice-versa.

Questões de gênero e sexualidade também são centrais nesses dois exemplos, com o bisbilhoteiro geralmente sendo uma figura masculina que é ridicularizada e digna de pena, ao mesmo tempo que é finalmente exposta a alguma forma de ameaça (Polônio ou Orgon), enquanto seu cúmplice, aquele que sabe que ele está se escondendo, é uma figura feminina (Gertrude ou Elmira), e enquanto a isca, cujo comportamento é desencadeado pelo comportamento dessa mulher secretamente observada pelo bisbilhoteiro, é um homem (Hamlet ou Tartufo). Nos dois exemplos de Aristófanes, os bisbilhoteiros (o parente e Teseu) também são homens, enquanto as mulheres inicialmente não estão cientes da presença deles, apenas descobrindo gradualmente que estão sob vigilância. Aqui, os espectadores se prestam ao papel de cúmplices, que sabem sobre o ardil que inevitavelmente dará errado.

Mas existem exceções interessantes ao domínio masculino entre os bisbilhoteiros, como no segundo ato de Rosmersholm, de Ibsen (Ibsen, 2009IBSEN, Henrik. Rosmersholm. Translation James McFarlane. Oxford: Oxford University Press, 2009.), em que Rebecca West se esconde atrás da cortina no quarto de Rosmer para ouvir o que Rosmer e Kroll estão discutindo e o que sabem sobre o suicídio de Felícia, esposa de Rosmer e irmã de Kroll. Com base em seu desejo por Rosmer, a jovem e atraente Rebecca convenceu a esposa de Rosmer, Felícia, a tirar a própria vida em seus esforços para gradualmente dominar Rosmersholm, incluindo o quarto de Rosmer, onde ela se esconde atrás da cortina em uma cena de bisbilhotagem. Como aprendemos quando ela é descoberta por Rosmer e Kroll, Rebecca havia entrado secretamente na sala por outra porta sem o conhecimento deles (de acordo com o roteiro, que pode ser alterado), ou do espectador. Isso é diferente das duas cenas de espionagem em Hamlet e Tartufo, em que as mulheres (Gertrude e Elmira) e os espectadores estão cientes do ardil, enquanto Hamlet e Tartufo, ambos presentes no palco, não estão. E, consequentemente, em Rosmersholm, no momento que o desejo de Rebecca em se casar com Rosmer pode ser realizado, ela o recusa devido a um relacionamento incestuoso com seu pai supostamente adotivo, dr. West, que descobrira ser, na verdade, seu pai biológico. Conhecendo a verdade, Rebecca decide tirar a própria vida, convidando Rosmer para se juntar a ela, saltando na calha do moinho para a morte juntos, exatamente como Felícia havia feito. Essa é sem dúvida uma forma mais complexa de vitimização do que a vista em Hamlet ou Tartufo.

A mulher que ouve escondido, ou que bisbilhota, parece ser mais complexa psicologicamente do que suas contrapartes masculinas. Em vez de fazer papel de boba, confrontando seus erros, como Polônio e Orgon, a bisbilhoteira se torna autodestrutiva quando seus desejos sexuais não podem ser realizados. A espionagem feminina cria uma dialética complexa entre um (cômico) apetite sexual (ou desejo) e um fracasso (trágico), internalizando as tensões e fundindo as contradições entre o cômico e o trágico. Essa dinâmica complexa já pode ser encontrada em Hipólito por Eurípides, de 428 a. C, em que realmente vemos Fedra bisbilhotando, enquanto a Enfermeira e Hipólito, ambos ignorantes de que alguém está ouvindo, estão situados atrás do skene (Eurípides, 2010, linhas 565- 600). Nessa cena de espionagem invertida, na qual os espectadores veem Fedra espionando à porta (não se escondendo atrás do reposteiro ou debaixo da mesa, como Polônio e Orgon fazem), esforçando-se para ouvir o que Hipólito e a Enfermeira estão dizendo (ou melhor, gritando), enquanto a Enfermeira revela o segredo de Fedra para ele. Fedra então relata ao coro (e à plateia) o que ouviu, criando uma resposta muito diferente do que se a cena tivesse sido mostrada na direção oposta, com a Enfermeira e Hipólito no palco. Em Hipólito (Eurípides, 2010EURIPIDES. Hippolytus. Translation George Theodoridis, 2010. Available at <Available at http://www.poetryintranslation.com/PITBR/Greek/Hippolytus .htm >. Accessed on: May 23, 2019.
http://www.poetryintranslation.com/PITBR...
), o resultado dessa situação caótica é profundamente trágico, mas também contém alguns elementos cômicos em potencial, que podem se tornar profundamente perturbadores em relação à maneira como Fedra relata o que ouviu sobre seu próprio amor apaixonado por Hipólito.

Temos assim que a bisbilhotagem é um dispositivo fundamental do teatro, que também chama a atenção para o espetáculo ao reforçar as intrincadas dimensões metateatrais de qualquer performance. E uma vez que o bisbilhoteiro é uma vítima em potencial, o mesmo acontece com o espectador. Mas quando o bisbilhoteiro no mundo ficcional é sacrificado, ele pode ser visto como um bode expiatório para o espectador, cuja transgressão, na condição de testemunha que se esconde, supostamente se torna absolvida. Obviamente, a bisbilhotagem também deve ser considerada dentro de um conjunto maior de práticas de testemunhar (sem ser de forma oculta), nas quais há a presença de espectadores ou testemunhas dentro do mundo ficcional; como na encenação dentro da peça em Hamlet, na qual a culpa de Cláudio é supostamente exposta quando ele interrompe a apresentação, momento em que ele está ao mesmo tempo sendo observado de perto (e secretamente) por Hamlet e Horácio, que o estão espionando. As cenas de bisbilhotagem/espionagem geralmente aparecem de forma múltipla, iluminando uma à outra, enquanto há uma cena climática específica de bisbilhotagem em curso. As duas cenas que mencionei, em Hamlet e Tartufo, são exemplos de cenas climáticas de bisbilhotagem, ambas em peças que contêm, ainda, inúmeras cenas de bisbilhotagem adicionais.

A maioria dos leitores de Hamlet, de Shakespeare, teve sua atenção chamada para a ampla variedade de cenas de bisbilhotagem nessa peça, mas não se atentou para a possibilidade de o fantasma também ser um bisbilhoteiro. Na primeira cena, a aparição do fantasma - “Ei-lo de novo” (Shakespeare, 1985, Ato I, cena 1, p. 40; grifo meu), como exclama Marcelo - desencadeia a ação da peça. Mas a pergunta que um dramaturgo ou um diretor que prepara uma montagem dessa peça deve se fazer, antes de tudo, não é apenas o que acontece quando o fantasma realmente aparece (e, nesse contexto, a palavra de novo, repetida várias vezes, é importante), mas também em que ponto da cena de abertura os espectadores poderão ver a aparência do fantasma pela primeira vez. É possível que tenhamos consciência da presença de um fantasma que bisbilhota já quando ouvimos a primeira fala da peça: “Quem está aí?” (Shakespeare, 1985, Act I, scene 1, p. 40). Já a possibilidade de os espectadores poderem ver o fantasma antes dos personagens indica que ele é potencialmente uma figura de bisbilhotagem.

Para termos um relato completo da cena do armário em Hamlet, devemos, portanto, também levar em consideração que o fantasma não aparece apenas brevemente no final da cena, mas está presente no armário e até é percebido pelos espectadores desde o início da cena quando Polônio chega, se escondendo atrás do reposteiro quando Hamlet se aproxima. Há, portanto, outro bisbilhoteiro no armário de Gertrude, que provavelmente está presente ao longo de toda a cena, esperando por aparecer no final, quando Gertrude insiste que ela vê “Nada, mas tudo o que é, eu vejo” (Shakespeare, ato III, cena 4, p. 132), enquanto nesse ponto o fantasma é claramente visível para Hamlet. No início da mesma cena, quando Hamlet, após matar Polônio, diz: “Julguei que era alguém melhor que ti” (Shakespeare, ato III, cena 4, p. 133), ele poderia também se referir ao fantasma de seu pai morto como chefe de Polônio, embora se presuma que Hamlet se refira aqui a Cláudio. É até possível que, quando Hamlet ouve um grito de socorro por trás do reposteiro - e como ele não viu quem está se escondendo - ele acredite que é o fantasma que o assombra, porque ele sem dúvida experimenta o fantasma como um ameaça, também para si mesmo. As cenas de bisbilhotagem têm o potencial de criar múltiplas, e até contraditórias, possibilidades de interpretar uma determinada situação: elas nos levam ao cerne da experiência teatral por meio da ‘astúcia própria da cena’.

Ao discutir a noção de bisbilhotagem, devemos, portanto, considerar também a aparência ou a presença de personagens sobrenaturais como fantasmas, dybbuks e figuras divinas, bem como o tradicional deus ex machina, geralmente aparecendo no ponto focal da parte de trás do palco na qual o bisbilhoteiro também frequentemente se esconde, como um plano narrativo através do qual as complicações criadas pelos humanos são resolvidas no final de uma peça. O fantasma em Hamlet, no entanto, já aparece na primeira cena da peça, apresentando as complicações que nutrem sua trama. O ponto importante nesse contexto é que o teatro leva a sério o surgimento de seres sobrenaturais, embora não exija que os espectadores realmente acreditem em sua existência extra-teatral. As figuras sobrenaturais que aparecem no palco são muito diferentes daquelas em que os humanos realmente acreditam. O que eles têm em comum é a capacidade de conhecimento onisciente, o que significa que as criaturas sobrenaturais que aparecem no palco do teatro têm a capacidade de bisbilhotar [de verem e ouvirem sem serem vistas] e, portanto, também devem ser vistas como um aspecto integrante da bisbilhotagem como dispositivo.

Como convenção de palco, a bisbilhotagem também tem uma história longa e complexa que liga as práticas culturais e discursivas do teatro ao pensamento filosófico, começando com as interações entre tragédia e comédia, que sugeri serem uma característica central do dispositivo de bisbilhotagem. Em O Banquete de Platão (1994), retratando a celebração da vitória de Agatão nas Lenéias (competição de tragédia) em 416 a. C, a bisbilhotagem até serve como um local ou conjuntura multidimensional, em que as práticas discursivas da filosofia e do teatro convergem e se sobrepõem parcialmente, problematizando os exatos limites entre teatro e filosofia. Tais interações entre tragédia e comédia, bem como entre filosofia e teatro, são ao mesmo tempo lúdicas e potencialmente ameaçadoras. Essa combinação é representada na cultura grega pelo que foi chamado de agon, uma disputa que, portanto, ao mesmo tempo pode, como Johan Huizinga sugeriu, ser caracterizada como um jogo ou algo lúdico13 8 Em seu estudo agora clássico da ludicidade das práticas culturais Homo Ludens (publicado pela primeira vez em 1938), Johan Huizinga (que insistia que seu estudo é sobre a lúdica ‘da’ cultura e não como no subtítulo da tradução em inglês ‘na’ cultura) chama a atenção para o fato de que, mesmo o grego clássico, como muitas outras línguas, faz distinção entre ‘competição’ e ‘jogo’, existe uma profunda “identidade subjacente” entre os elementos lúdicos e o que os gregos denominaram agon, basicamente significando uma competição, adicionando que “[O] agon na vida grega, ou a disputa em qualquer outro lugar do mundo, possui todas as características formais da peça, e quanto a sua função pertence quase totalmente à esfera do festival, que é a esfera da peça” ( Huizinga, 1955, p. 31). .

No final do Banquete de Platão, depois de Agatão, que organizou uma comemoração para sua vitória na competição de tragédias, e seus convidados proeminentes como Aristófanes, Sócrates e vários outros intelectuais atenienses se envolveram em uma disputa de discursos noite adentro - ou um agon -, louvando Eros, e depois que Alcibíades terminou seu discurso contra Sócrates (que também pode ser visto como um agon), só o próprio Sócrates e os dois dramaturgos (Agatão e Aristófanes), bem como Aristodemo, que acompanhou Sócrates à celebração, permaneceram. Nesse ponto, Sócrates tenta convencer Agatão e Aristófanes de “que os autores devem ser capazes de escrever tanto comédia quanto tragédia; o dramaturgo trágico habilidoso também deve ser um poeta cômico” (Platão, 1994, p. 223d). Mas, como Apolodoro, que conta a um companheiro não identificado sobre a celebração, e assim como Agatão e Aristófanes, bem como o próprio Aristodemo - que estava presente na festa e contou a Apolodorus o que ele (Aristodemos) lembrou vários anos depois - estava cansado demais para acompanhar a argumentação de Sócrates e adormeceu. Das competições iniciais (agons) - no festival público e, em particular, entre os atenienses que se reuniram para a celebração - começa a surgir um agon adicional entre o filósofo e os dois dramaturgos, personificando a antiga querela entre filosofia, representada por Sócrates e a poesia, representados por Agatão, autor de tragédias, e Aristófanes, autor de comédias.

Enquanto Sócrates está falando para os dois dramaturgos sobre a possibilidade de unificar tragédia e comédia em uma prática discursiva abrangente, o que eu quero sugerir é, na verdade, uma tentativa de esclarecer as origens das práticas discursivas da filosofia, tanto os dramaturgos quanto (a testemunha) Aristodemo adormeceram. O que Sócrates disse exatamente sobre a competição entre poesia e filosofia, que Platão encenou em seu diálogo, é deixado sem resposta por trás de um véu de intoxicação por vinho e privação de sono. Sem dúvida, isso foi intencionalmente ocultado no texto de Platão, que se abstém de nos fornecer os detalhes dos argumentos de Sócrates que poderiam ter acabado com essa luta antiga. Portanto, devemos conjecturar em que sentido a filosofia, praticada por Sócrates, poderia unificar esses dois gêneros ou discursos dramáticos.

De acordo com o mito bem conhecido, que Aristófanes havia contado anteriormente no concurso de discursos - provavelmente de autoria do próprio Platão - assim como Eros é a força que reúne as duas metades das criaturas quadrúpedes completas cortadas ao meio por Zeus, a filosofia é a prática discursiva que pode reunir as duas formas dramáticas de expressão que foram separadas uma da outra. Assim como Eros se esforça para reunir as criaturas bípedes até sua completude original, reintegrando-as, a filosofia se esforça para reunir tragédia e comédia. A razão para os deuses, liderados por Zeus, dividirem as criaturas quadrúpedes em dois humanos bípedes era enfraquecer seu poder, impedindo-os de serem rebeldes, ao mesmo tempo que os ameaçavam de que, se essa rebeldia não cessasse, Zeus iria cortá-los ao meio mais uma vez, fazendo-os pular em uma perna. O mesmo vale para o poder subversivo da filosofia, que se enfraquece ao ser dividido nos dois gêneros dramáticos que Sócrates sugere agora que possam e devam ser emendados, exigindo que os escritores da tragédia também estejam aptos a escrever comédia e vice-versa.

De fato, Platão (e através dele Sócrates) afirma que a filosofia é a prática discursiva que integra ou unifica os dois gêneros ou modos de expressão - e, assim, como as criaturas quadrúpedes do mito de Aristófanes, a filosofia será capaz de recuperar seu aspecto rebelde e responder a uma necessidade urgente em situações de crise (que, como afirma Foucault (1980FOUCAULT, Michel. The Confession of the Flesh. In: GORDON, Colin (Ed.). Power/Knowledge: Selected Interviews and Other Writings. New York: Pantheon Books, 1980. P. 194-228.), é uma das condições para se tornar um dispositivo). A bisbilhotagem (como já mencionei acima) desempenha um papel importante em uma estratégia tão subversiva, e que, por um momento, oblitera o reforço estrito das regras que separam tragédia e comédia. E, de acordo com a narrativa-mestre de Platão, Sócrates foi condenado à morte pela democracia ateniense, que se considerava ameaçada por sua filosofia, enquanto as artes e, em particular, o teatro, deveriam ser banidos do estado utópico de Platão, onde os guardiões-filósofos governam. Portanto, não é exagero afirmar que a filosofia ou as artes, às vezes até as duas, têm de se render às necessidades da polis.

Os diálogos de Platão também contêm muitas variações de situações de espionagem, através das quais surgem o pensamento filosófico e suas práticas discursivas específicas. Um exemplo proeminente é a parábola da caverna em A República (Platão, 2015PLATO. The Republic. Translation Francis MacDonald Cornford. Oxford; New York: Oxford University Press , 2015.). Esta pode ser vista como uma variante da cena de bisbilhotagem, demonstrando em termos visuais concretos como o pensamento filosófico emerge ao se expor às sombras na parede, revelando sua verdadeira fonte ao prisioneiro que é libertado, bem como fazendo aparecer essas imagens falsas, como imagens fotográficas de sombras que podem ser expostas pela busca filosófica da verdade. No Banquete, os ensinamentos místicos de Diotima de Mantinea são revelados por trás de um véu de segredo e distância, tanto no tempo quanto no espaço, pois ela obviamente não está presente na própria celebração. E, finalmente, no término do Banquete, o sono dos dois dramaturgos se torna o véu por trás do qual as ideias de Sócrates sobre as relações entre tragédia e comédia permanecem ocultas. Quando a manhã termina, depois da celebração, Sócrates deixou a casa de Agatão junto com Aristodemo, que muitos anos depois relatou a Apolodoro que ele “foi diretamente ao Liceu, lavou a louça e passou o resto do dia como sempre fazia, e só então, quando a noite caía, foi para casa descansar” (Platão, 1994, 222b). Esse é o gesto final do filósofo, passando o dia com as atividades cotidianas, depois de ter revelado os segredos da filosofia que seus ouvintes estavam cansados demais para escutar e que, portanto, permanecem escondidos atrás do véu do sono.

Mas há também exemplos de expressões mais diretas e menos metafóricas de como os discursos filosóficos são constituídos na forma teatral de cenas de bisbilhotagem. O mais direto é sem dúvida a prática de Pitágoras de dar palestras para seus alunos por trás de uma cortina, permitindo apenas que um grupo seleto de alunos iniciados esteja com ele atrás da cortina. Pitágoras, provavelmente seguindo práticas rituais religiosas, desenvolveu a noção de enunciados velados - akousmata, em que ouvimos uma voz sem saber o que a está produzindo ou qual é realmente sua fonte (como no ventriloquismo) -, que só pode ser entendida por meio de um método adequado de interpretação (baseado no contato com alguma forma de conhecimento secreto). É assim que a cena primordial da filosofia é constituída.

Segundo Mladen Dolar essa é uma situação em que

O Professor, o Mestre atrás de uma cortina, oferecendo seus ensinamentos de lá sem ser visto: sem dúvida um golpe genial que está na própria origem da filosofia - Pitágoras foi supostamente o primeiro a se descrever como um ‘filósofo’, e também o primeiro a fundar uma escola filosófica. A vantagem desse mecanismo era óbvia: os estudantes, os seguidores, estavam confinados à ‘voz de seu mestre’, não distraídos por sua aparência ou peculiaridades de comportamento, por formas visuais, pelo espetáculo da apresentação, pelos efeitos teatrais que sempre pertencem às palestras; eles precisavam se concentrar apenas na voz e no significado que emanava dela. Parece que, em sua origem, a filosofia depende de um coup de force teatral: existe o simples dispositivo mínimo que define o teatro e a cortina que serve como tela, mas uma cortina que não deve ser levantada, não por muitos anos - a filosofia surge como a arte de um ator atrás da cortina (Dolar, 2006DOLAR, Mladen. A Voice and Nothing More. Cambridge: MIT Press, 2006., p. 61).

O coup de theatre definitivo, no entanto, aquele que é representado no teatro, é que, no palco, os mecanismos de bisbilhotagem e escuta às escondidas, às vezes, podem ser expostos muito rapidamente por aquilo que realmente são: um engano dentro de uma intriga mais abrangente. As práticas discursivas da filosofia, por outro lado, começando com Pitágoras, são construídas, como afirma Dolar (2006DOLAR, Mladen. A Voice and Nothing More. Cambridge: MIT Press, 2006.), como uma forma de bisbilhotagem em que as palavras da verdade estão escondidas atrás de um véu para proteger os segredos e reforçar a natureza hierárquica da profissão.

Terminarei minha discussão aqui, em um ponto no qual acho que estamos começando a ver os contornos de um dispositivo - o dispositivo de escutar às escondidas -, onde uma certa forma de organização espacial dos agentes humanos, e o que eles estão aptos e dispostos a revelar uns para os outros, envolve as práticas discursivas da filosofia e do teatro. Essa é uma questão que acredito que precisa, ainda, ser abordada com mais detalhes do que pude fazer aqui. Para encerrar, no entanto, quero trazer uma citação adicional da entrevista de Foucault com a qual abri esta apresentação sobre o dispositivo, aqui traduzido como aparato14 9 Ver também a nota 2, acima. :

Eu disse que o aparato é essencialmente de natureza estratégica, o que significa assumir que se trata de uma certa manipulação das relações de forças, desenvolvendo-as em uma direção específica, bloqueando-as, estabilizando-as, utilizando-as, etc. O aparato está, portanto, sempre inscrito em um jogo de poder, mas também está sempre ligado a certas coordenadas de conhecimento que dele resultam, mas que, em igual grau, o condicionam. É nisso que o aparato consiste: estratégias de relações de forças que apoiam e são apoiadas por tipos de conhecimento (Foucault, 1980FOUCAULT, Michel. The Confession of the Flesh. In: GORDON, Colin (Ed.). Power/Knowledge: Selected Interviews and Other Writings. New York: Pantheon Books, 1980. P. 194-228., p. 196).

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  • SHAKESPEARE, William. Hamlet, Prince of Denmark. Cambridge: Cambridge University Press, 1985.
  • 1
    Nota da tradução: The very cunning of the scene, expressão que, inclusive, dá título ao texto, embora originária do Hamlet, não aparece de forma consistente na tradução de Millôr Fernandes, consagrada no Brasil. O trecho a que este parágrafo se refere foi traduzido, por exemplo, de forma livre, como “Ouvi dizer que certos criminosos, assistindo a uma peça, foram tão tocados pelas sugestões das cenas, que imediatamente confessaram seus crimes [...]. O negócio é a peça, que eu usarei pra explodir a consciência do rei” (Shakespeare, 1988, ato II, cena 2). Para que a intenção do autor do presente artigo não se perca, como neste caso – emblemático por se tratar do título –, iremos traduzir todas as citações e referências a peças direto do original, ao invés de recorrer a traduções já consagradas em língua portuguesa.
  • 2
    Nota da tradução: Eavesdropping em inglês. Apesar de ser um recurso bastante comum no teatro, não há uma tradução canônica para o termo. Rokem irá analisar diversos exemplos, no teatro, de cenas que envolvem atos de escuta às escondidas ou cenas de espionagem ou mera bisbilhotagem, que devem ser, portanto, entendidos como sinônimos neste artigo.
  • 3
    Nota da Tradução: Tem um jogo de palavras intraduzível que irá aparecer em diferentes partes deste texto, a saber: a Play em inglês pode tanto significar uma peça como um jogo, ou uma brincadeira, assim como o verbo to play pode tanto ser traduzido como jogar ou como interpretar – como em to play a character – interpretar um personagem. Não à toa, o autor do presente artigo irá mais à frente dialogar com Huizinga (1955), que defende o jogo (the play) como dimensão constitutiva da existência humana.
  • 4
    As traduções para o inglês do termo, em francês, dispositif de Foucault variam, desde ‘aparato’ (nesta tradução em particular) a ‘dispositivo’, ‘mecanismo’, ‘construção’ e ‘implantação’. Eu escolhi, na maior parte das vezes, utilizar o termo em inglês ‘dispositive’ para evitar as confusões que essa ampla variedade de traduções causou. Jeffrey Bussolini fez as seguintes clarificações: “Dentro de um campo heterogêneo e dinâmico de relações, o dispositivo parece ser um tipo de marcador em movimento para permitir alguma aproximação de uma preponderância específica ou equilíbrio de forças em um determinado momento. Isso ajuda a identificar quais conhecimentos foram convocados e desenvolvidos em termos de certos imperativos de poder, e auxilia no discernimento das muitas resistências que também necessariamente atravessam as múltiplas relações de força, segundo Foucault. Isso é ainda mais importante, considerando suas projeções de poder como um campo fraturado, no qual as diferentes linhas de força às vezes se reforçam, às vezes prejudicam e se contradizem – a leitura dos pontos de confronto e de intensidade é histórica e politicamente valiosa” (Bussolini, 2010, p. 91). E ‘aparato’ pode ser dito como sendo os instrumentos ou conjuntos discretos de instrumentos em si – os implementos ou equipamentos. Dispositivo, por outro lado, pode denotar mais o arranjo – o arranjo estratégico – dos implementos em uma função dinâmica (Bussolini, 2010, p. 96). Ver também Agamben (2009AGAMBEN, Giorgio. What is an Apparatus and other Essays. Stanford: Stanford University Press, 2009.). Neste texto ora usaremos a tradução como aparato, ora como dispositivo, de acordo com o contexto.
  • 5
    Diálogos da compra do Latão, em português. Este compreende ensaios, exercícios para atores, planos, notas, poemas e fragmentos de diálogo. Considerado problemático e muitas vezes marginalizado, justamente por apresentar uma coleção de textos díspares, neste texto Brecht explora, justamente, a relação dialética entre teoria e prática.
  • 6
    O original em alemão tem “glauben”, que significa “acreditar”, não “sentir”, como foi traduzido na tradução de 2014.
  • 7
    Nesta peça, Agatão também aparece como um personagem, na verdade um tanto cômico, porque quando Eurípides tenta encontrar roupas femininas para seu parente, eles abordam Agatão, que eles sabem que às vezes se veste como mulher. Mas como Agathon está ocupado escrevendo um papel feminino para uma nova peça, ele precisa de seu traje feminino. Embora nenhuma peça de Agatão tenha sido preservada, a peça de Aristófanes e o diálogo de Platão, o Banquete, comemorando a vitória de Agatão nas Lenéias, são as únicas fontes que retratam Agatão em alguma medida.
  • 8
    Em seu estudo agora clássico da ludicidade das práticas culturais Homo Ludens (publicado pela primeira vez em 1938), Johan Huizinga (que insistia que seu estudo é sobre a lúdica ‘da’ cultura e não como no subtítulo da tradução em inglês ‘na’ cultura) chama a atenção para o fato de que, mesmo o grego clássico, como muitas outras línguas, faz distinção entre ‘competição’ e ‘jogo’, existe uma profunda “identidade subjacente” entre os elementos lúdicos e o que os gregos denominaram agon, basicamente significando uma competição, adicionando que “[O] agon na vida grega, ou a disputa em qualquer outro lugar do mundo, possui todas as características formais da peça, e quanto a sua função pertence quase totalmente à esfera do festival, que é a esfera da peça” ( Huizinga, 1955HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: A study of the play element in culture. Boston: Beacon Press, 1955., p. 31).
  • 9
    Ver também a nota 2, acima.
  • Este artigo inédito, traduzido por Luciana da Costa Dias, também se encontra publicado em inglês neste número do periódico.
  • Editor-responsável: Patrick Campbell
  • Editora-responsável: Laura Cull Ó Maoilearca
  • Editora-responsável: Luciana da Costa Dias

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jan 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2019
  • Aceito
    27 Jul 2019
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