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Fronteiras entre as Artes da Performance e a Filosofia18 1 O presente ensaio é uma versão corrigida e modificada de uma comunicação oral apresentada no Projeto Observatório Filosófico, realizado na Caixa Cultural do Rio de Janeiro, no dia 10.06.2016, em mesa compartilhada com a Prof.ª Dra. Marcia Tiburi.

Resumo:

Aparentemente a filosofia nada tem a ver com as artes da performance, pois seu ambiente é meramente teórico e eminentemente abstrato, enquanto o termo performance remete às noções de operação, execução, ação. Propõe-se aqui a reocupação das fronteiras entre filosofia e as artes da performance através de uma reflexão sobre os seguintes pontos: 1. Qual é a performance da filosofia?; 2. O que a filosofia pode dizer sobre a performance?; 3. Quais são as formas possíveis de composição entre filosofia e as artes da performance?

Palavras-chave:
Corpo; Ação; Performance; Pensamento; Interdisciplinaridade

Abstract:

Apparently, philosophy has nothing to do with performing arts, as its environment is purely theoretical and eminently abstract, while the word performance refers to the notions of operation, implementation, action. I propose here the reoccupation of the borders between philosophy and performance arts by means of a reflection on the following points: 1. What is the performance of philosophy?; 2. What can philosophy say about performance?; 3. Which are the possible forms of composition between philosophy and performing arts?

Keywords:
Body; Action; Performance; Thought; Interdisciplinarity

Résumé:

Apparemment la philosophie n’a rien à voir avec les arts de la scène, parce que son environnement est purement théorique et éminemment abstrait, tandis que le terme performance se rapporte aux notions d’opération, d’exécution, d’action. Je propose ici la réoccupation des frontières entre philosophie et arts de la performance par une réflexion sur les points suivants: 1. Quelle est la performance de la philosophie?; 2. Que peut dire la philosophie sur la performance?; 3. Quelles sont les formes possibles de composition entre la philosophie et les arts de la performance?

Mots-clés:
Corps; Action; Performance; Pensée; Interdisciplinarité

Aproxima-se o tempo em que já não será possível escrever um livro de Filosofia como há muito tempo se faz: ‘Ah! O velho estilo...’ A pesquisa de novos meios de expressão filosófica foi inaugurada por Nietzsche e deve prosseguir, hoje, relacionada à renovação de outras artes, como, por exemplo, o teatro ou o cinema (Deleuze, 1968DELEUZE, Gilles. Différence et Répétition. Paris: Puf, 1968., p. 4).

I. Performance da Filosofia

O Agir Filosófico

A filosofia parece não ter nada a ver com a performance, pois se trata de um fazer supostamente abstrato e teórico. Entretanto existe uma dimensão performativa da filosofia, um modus operandi no seu pensar, um certo jeito de atuar que a distingue das outras teorias existentes do mundo. Entre as inúmeras características que compõem a performance da filosofia destaco aqui apenas três, na qualidade de hipóteses de trabalho. Em primeiro lugar, a filosofia pode ser vista, em sentido amplo, como um gesto de desconstrução19 2 Vale ressaltar que proponho aqui o uso do termo desconstrução não apenas no contexto pós-estruturalista, mas definindo-o como o modo de operação dos filósofos, dos seus primórdios aos dias atuais. Minha hipótese é que mesmo sem que seja tematizado explicitamente, o pensar característico da filosofia sempre envolve alguma desconstrução do real, como algo supostamente dado, toda vez que coloca suas questões. . Trata-se de um fazer mediado por um desfazer do mundo, dos outros e de nós mesmos. Desconstruir não é destruir, mas muito mais um desmontar. É uma espécie de making off da realidade. Em geral tendemos a olhar para as coisas ao nosso redor como se fossem algo que existe sem nossa participação. É a mesma coisa que acontece quando dizemos que estamos presos em um engarrafamento. Essa frase tão banal e cotidiana trata o engarrafamento como um processo independente da nossa vontade, como um obstáculo que se instala no meio de nosso caminho para casa, como se o nosso veículo fosse o único que tivesse direito de estar na rua. O engarrafamento é sempre culpa dos outros. Do ponto de vista de um olhar desmontador da filosofia, ao contrário, seria muito mais coerente ligar para os amigos e avisar que chegaremos atrasados no jantar porque estamos muito ocupados produzindo, junto com uma galera, um belo e enorme engarrafamento. O desfazimento filosófico desvela que a realidade não é algo pronto e dado, mas que vem sendo historicamente construída a cada vez de diferentes maneiras, podendo, portanto, ser reconstruída sempre que necessário.

Em segundo lugar, filosofia também é ontologia (do grego ὄν ón ‘ente, ser’ e λόγος ‘discurso, doutrina’), ou seja, investigação pelo sentido do ser20 3 Não estou me referindo aqui à ontologia apenas como um ramo da filosofia. Ao contrário, estou afirmando, em alinhamento com Heidegger, que toda filosofia, quer saiba ou não, é ontologia. Existem ontologias tradicionais, aquelas que compreendem o ser de forma fixa e imutável; pós-metafísicas, as que compreendem o ser como diferenças plurais e, finalmente, as negativas, aquelas que simplesmente negam qualquer possibilidade de compreensão de ser. . Nos diálogos de Platão, tal preocupação fica clara, por meio de diversas situações emblemáticas, que se reproduzem até hoje em qualquer sala de aula de filosofia. Sócrates pergunta, por exemplo, qual é o ser da beleza. Ao invés de uma formulação geral, que dê conta de todas as situações, o interlocutor começa a dar exemplos particulares, do tipo beleza é uma mulher bela, tal como Helena de Troia. Todo o esforço de Sócrates (e o de qualquer professor de filosofia desde então) é o de compartilhar a percepção de que a pergunta visa a beleza em si mesma, aquilo que faz com que tanto Cleópatra quanto Giselle Bündchen sejam consideradas belas, independentemente dos seus contextos históricos. A filosofia se distingue dos outros gestos do conhecimento justamente por essa constante busca pelo que há de mais universal, mesmo que cada vez mais fique nítido que não é possível encontrar uma resposta definitiva.

Finalmente, uma terceira característica notável do ato filosófico, a que mais nos interessa aqui, é sua atitude de constante atenção com a linguagem21 4 As filosofias do século XX, especialmente através das obras de Heidegger e Wittgenstein, têm a linguagem como tema central. Mas minha hipótese de trabalho quanto ao cuidado terminológico do gesto filosófico refere-se à história da filosofia como um todo. . Tal cuidado com as palavras e os conceitos pode causar à filosofia a impressão de excessiva formalidade, como se fosse apenas uma infinita e improdutiva implicância terminológica. Experimente declarar Eu te amo para um filósofo. Provavelmente a resposta será: O que é ‘amor’? ou Para que serve?. No seu livro Paixões da Alma (1649), Descartes afirma no artigo 97 que quem ama “[...] sente um doce calor no peito e a digestão de carnes se faz mais rápida no estômago, de maneira que essa paixão é útil para a saúde” (Descartes, 1953DESCARTES, René. Les Passion de l’âme. In: DESCARTES, René. Descartes, Oeuvres, Lettres. Paris: Gallimard , 1953., p. 741). O fato é que para nós, filósofos, as palavras têm poder. E muitas vezes são elas que determinam o que somos e como vivemos no mundo. O exemplo que costumo mencionar em aulas e palestras é uma notícia de jornal do Rio nos anos 1980, que estampou em letras garrafais a seguinte manchete na primeira página: Menor Assalta Criança. Vejam bem que não se trata de menor assalta menor, nem de criança assalta criança! A escolha das palavras e dos conceitos nunca é neutra ou acidental, ela desvela nossas posições políticas, éticas e estéticas. Os termos e conceitos que usamos nos discursos cotidianos, acadêmicos ou profissionais, também nos usam e as vezes abusam-nos.

Fronteiras x Limites

Dentro desse contexto pretendo performar um pouco de filosofia implicando com a palavra fronteira, que nomeia o presente artigo. Hoje em dia está em moda a expressão sem fronteiras como símbolo de um projeto humanitário (vide as organizações dos médicos, advogados, cientistas e até mesmo performers sem fronteiras). Nada contra o belo trabalho que essas organizações desenvolvem, mas como filósofo percebo uma confusão com o uso do termo. O filósofo francês Regis Debray vai mais longe ao afirmar que se trata aí de “[...] uma ideia estúpida que encanta o ocidente: a humanidade, que vai mal, irá melhor sem fronteiras” (Debray, 2010DEBRAY, Régis. Eloge des Frontières. Paris: Gallimard, 2010., p.13). A expressão sem fronteiras pretende dizer na verdade sem limites ou sem barreiras. Embora sejam usadas muitas vezes como sinônimos, há uma diferença sutil, mas fundamental entre limites e fronteiras, que merece ser resgatada. A palavra limite, de origem latina limes, foi criada para circunscrever um lugar, uma região ou um território. É aquela linha que dá identidade ou mantém coesa uma unidade político-territorial. Limite expressa o fim, o ponto mais ou menos nítido de exaustão ou de esgotamento de um processo ou atividade. Além disso o limite, seja espacial ou temporal, sempre diz respeito ao interior de um corpo, região ou processo. Já a fronteira, ao contrário do limite, é uma linha que faz referência também ao que é externo. A rigor não é nem bem uma linha homogênea, mas muito mais uma zona irregular de comunicação e incorporação mútua entre o mundo externo e o interior. A etimologia da palavra fronteira remete à fronte, à testa, à parte mais à frente de alguma coisa. O francês frontière foi usado primeiro como a “parte mais avançada de um exército” e daí para “campo de operações em contato com o inimigo, áreas de interação entre exércitos ou terras”. Na geografia política a fronteira “[...] é zona de contato entre mundos diferentes, entre formações sociais particulares e lógicas - mas não necessariamente opostas” (Santos, 2011SANTOS, César Ricardo Simoni. Sobre limites e fronteiras: a reprodutibilidade do estoque territorial para os fins da acumulação capitalista. Revista Confins [Online], v. 12, p. 1-12, 2011. Available at: <Available at: http://journals.openedition.org/confins/7081 >. Accessed on: 8 February 2018.
http://journals.openedition.org/confins/...
, p. 3).

Ambos os termos indicam áreas de demarcação, mas enquanto o termo limite se refere ao contorno a ser defendido, à linha onde um território termina, o termo fronteira aponta sempre também para o que está do outro lado do território, para sua expansão. Por que é importante então superar os limites, mas defender a permanência das fronteiras? Porque os limites impedem as passagens, as fronteiras as agenciam. Pensem na nossa pele. Não se trata de uma barreira entre nós e o mundo, mas sim uma zona de interação, sem a qual nossa vida não seria possível. A pele é a fronteira que habitamos, somos todos povos da fronteira em relação a ela22 5 Para uma reflexão mais aprofundada acerca da dimensão fronteiriça da pele ver o ensaio fenomenológico do filósofo francês Jean-Luc Nancy (2014), intitulado Pele Essencial. .

A fronteira, ao contrário do limite, carrega essa estranha ambiguidade, de nos restringir, mas também de nos constituir; de nos distinguir, mas também de nos abrir para o mundo. Defender as fronteiras não é impedir a invasão do estrangeiro, mas garantir as condições de possibilidade para que ele, o estrangeiro, possa chegar na estrangeiridade que lhe é própria. A distinção entre limite e fronteira pode funcionar como um critério decisivo no embate entre os diferentes modos diferentes de performar a filosofia na sua história. No modo analítico de Kant e Austin, por exemplo, a filosofia foi descrita como o gesto de estabelecer limites e divisórias, demarcando as linhas de interdição da razão, os abismos não ultrapassáveis entre aquilo que podemos, ou não, saber, dizer ou fazer. Já Hegel, no modo dialético, alertava que só tem consciência dos seus limites aquele que de alguma maneira já está para além deles. É próprio da razão dialética atropelar os limites ou se expandir rumo à totalidade. Mais recentemente, no modo heideggeriano/fenomenológico, considera-se que o todo é uma ilusão inalcançável e que o ato filosófico consiste em desvelar que nossos limites não são nunca determinados por alguma forma de preordenação do espaço a que teríamos direito. Tal como uma paródia do famoso verso poema de Antonio Machado (caminante, no hay camino, se hace camino al andar), é como se Heidegger estivesse sussurrando em nossos ouvidos: Não existe limites para o pensar antes da própria experiência de pensar. Defende-se, portanto, que a reinterpretação dos limites não mais como barreiras, mas como fronteiras (zonas de intercâmbio), depende do modo como habitamos o mundo. Indo mais além, no modo contemporâneo (derridiano/deleuziano), entende-se que são as próprias pontes que tornam possível a existência das margens do rio, não o contrário. As filosofias do século XXI, na medida em que se pretendem pós-metafísicas, têm a prioridade de estabelecer mais e melhores pontes ao invés de reforçar ainda mais a distância entre as margens.

Toda a presente implicância com o termo fronteira é, portanto, apenas uma preparação para a seguinte asserção: pleiteamos uma filosofia sem limites, mas não sem fronteiras. Nesse sentido, o título do presente ensaio, acerca das fronteiras entre as áreas das artes da performance e da filosofia, quer apontar para a importância de criação e preservação de uma zona de interação entre elas, a ser ocupada e expandida a partir desse ponto.

II. Filosofia sobre Performance

O Nascimento da noção de Performance nas Filosofias da Linguagem

Não é fácil definir performance. Recorrendo à etimologia do termo percebe-se que remete ao verbo francês parformer, que quer dizer fazer, cumprir, conseguir, concluir, enfim, levar alguma tarefa ao seu sucesso. Um dos maiores estudiosos do tema, o professor Richard Schechner, pesquisador na área de Performance Studies da New York University (NYU), lista as seguintes situações em que performance pode ocorrer: vida cotidiana, artes, esportes, negócios, tecnologia, sexo, rituais sagrados e seculares, brincadeiras, etc. Além disso ele enumera as respectivas funções que ela pode exercer em cada caso: entreter, falar algo belo, marcar identidade, estimular uma comunidade, curar, ensinar, persuadir, lidar com o sagrado, etc. A noção de performance é tão vasta que Schechner conclui que “[...] qualquer evento, ação ou comportamento pode ser examinado como se fosse performance” (Schechner, 2003SCHECHNER, Richard. O que é performance?. O Percevejo online , Rio de Janeiro, n. 12, ano 11, p. 25-50, 2003., p. 48) e analisado em termos de ação, comportamento, exibição.

Hoje em dia o termo performance é onipresente, seja na propaganda, nas artes, na economia ou na política, mas curiosamente foi justamente um filósofo quem introduziu o termo no mundo acadêmico e cultural. Em 1955, o filósofo inglês John Langshaw Austin ofereceu suas famosas William James Lectures na Universidade de Harvard. Essas conferências, publicadas postumamente em 1962 sob o título How to do things with words? [Como fazer coisas com as palavras?], marcaram a história da filosofia contemporânea por chamar a atenção para um aspecto até então negligenciado da linguagem, o performativo: “Quando digo, diante do juiz ou no altar, etc... ‘aceito’, não estou relatando um casamento, estou me casando. Que nome daríamos a uma sentença ou proferimento desse tipo? Proponho denominá-la sentença performativa ou proferimento performativo, ou, de forma abreviada, ‘um performativo’” (Austin, 1975, p. 6).

Em confronto com a tradicional obsessão pela distinção entre verdadeiro x falso na filosofia até então, Austin propõe uma discussão sobre os enunciados que não são nem verdadeiros nem falsos, não descrevem, nem servem para informar, enfim, não são referenciais, mas sim fazem algo. Apesar da importante contribuição, salta aos olhos a indicação de que para Austin a descoberta da dimensão performativa da linguagem serve apenas à sua melhor neutralização. O filósofo britânico não esconde que prioriza a comunicação como função primordial da linguagem e chama os discursos do poeta ou do ator de “usos parasitários da linguagem, que ‘não são tomados a sério’, ou não ‘constituem seu uso normal pleno’” (Austin, 1975AUSTIN John Langshaw. How to do Things with Words. New York: Oxford University Press, 1975., p. 22). O intuito declarado de Austin é o de purificar as afirmações constatativas (típicas da filosofia e da ciência) de qualquer traço de contaminação performativa, embora ele mesmo admita não ser possível ainda elaborar critérios perfeitos de separação.

É justamente nessa tentativa de estabelecer uma divisão clara e distinta entre o constatativo e o performativo que a teoria de Austin cambaleia. O que há aí são muito mais fronteiras do que limites, ou seja, zonas heterogêneas e irregulares de contaminação estrutural e recíproca. Retomemos o exemplo anteriormente dado, de experimentar dizer eu te amo para um filósofo. Como estabelecer uma clara distinção aí se se trata de uma constatação, uma operação ou um gesto com vistas à alguma produção de efeito? Os contextos de cada afirmação funcionam como embaralhadores das distinções por demais rígidas. Há sempre algo de constatativo nas frases supostamente performativas, assim como há sempre algo de performativo nas afirmações que se acreditam meramente constatativas. Não existe pureza, a não ser nos catálogos dos filósofos a serviço dos limites e contra as fronteiras23 6 Ver o artigo do filósofo francês Jacques Derrida (1991) Assinatura, Acontecimento, Contexto, de 1990, para uma leitura mais aprofundada da precariedade da distinção entre constatativo e performativo. .

A Guinada Performativa nos Estudos da Sociedade e da Cultura

Há quem veja nas investigações de Austin o aspecto positivo de permitir a possibilidade para a reabilitação histórica da obra dos sofistas, que já há muito tempo entendiam que o discurso é capaz de operar, transformar e criar mundos24 7 Essa é a instigante tese da renomada especialista na obra dos sofistas, a professora francesa Barbara Cassin (2005), no seu livro O Efeito Sofístico (1995). . De fato, para a filosofia contemporânea, que considera a linguagem como a estrutura constituidora da própria realidade, a questão não é mais tanto: como fazer coisas com as palavras?, mas sim: como seria possível fazer qualquer coisa sem palavras? Nas ontologias contemporâneas, a dimensão performativa não é mais apenas uma função parasitária da linguagem, mas sim sua principal forma de manifestação.

Se o termo performance teve origem na filosofia da linguagem, já nos anos 1980 e 1990 ele passou a ocupar um lugar central no feminismo, especialmente nas questões relativas à desconstrução da ideologia que considera gênero como uma determinação inexorável da natureza. A filósofa norte-americana Judith Butler, autora de diversos livros sobre o tema, defendeu a tese, já em 1988BUTLER, Judith. Performative Acts and Gender Constitutution: An Essay in Phenomenology and Feminist Theory. Theatre Journal, Baltimore, v. 40, n. 4, p. 519-531, 1988. Available at: <Available at: https://www.amherst.edu/system/files/media/1650/butler_performative_acts.pdf >. Accessed on: 28 February 2018.
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, que a identidade sexual não é biológica, mas sim o resultado de uma institucionalização através de repetição estilizada de atos e de gestos ritualizados. O gênero não é algo que se é, mas algo que se faz:

Neste sentido, o gênero não é de forma alguma uma identidade estável ou o locus de agência a partir do qual vários atos derivam; em vez disso, é uma identidade arduamente constituída no tempo - uma identidade instituída através de uma repetição estilizada de atos. Além disso, o gênero é instituído através da estilização do corpo e, portanto, deve ser entendido como a maneira mundana em que os gestos corporais, movimentos e encenações de vários tipos constituem a ilusão de um ser de gênero permanente (Butler, 1988BUTLER, Judith. Performative Acts and Gender Constitutution: An Essay in Phenomenology and Feminist Theory. Theatre Journal, Baltimore, v. 40, n. 4, p. 519-531, 1988. Available at: <Available at: https://www.amherst.edu/system/files/media/1650/butler_performative_acts.pdf >. Accessed on: 28 February 2018.
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, p. 519).

O que tomamos como identidade de gênero é, então, uma sequência de gestos. Entretanto, não é como se houvesse um ator por trás dos atos executados, pois é ao fazer o ato que, performativamente, constitui-se o sujeito. O que acontece é que, uma vez que o gênero é tomado como uma sustância eterna e imutável, ele passa a ser visto como se fosse algo natural. A performatividade do gênero, por sua vez, aponta não apenas para o que uma pessoa faz, mas também para o quê a sociedade faz com ela. O grande mérito de Butler é o de deslocar a discussão de gênero da biologia para os estudos da cultura, especialmente ao questionar a hegemonia das identidades heteronormativas que nos são impostas pela mídia, pedagogia e ciência.

A tensão entre performatividade x essencialismo, que dominou os estudos de gênero, ocorreu de forma mais ou menos paralela ao assim chamado performative turn das ciências sociais a partir da segunda metade do século XX. A virada performativa na sociologia e na antropologia surgiu com a crescente consciência da conexão intrínseca entre os rituais cotidianos, sagrados e lúdicos que constituem a sociedade humana. Ao invés de pressupor uma essência prévia das culturas que se exprimiria então através de práticas e processos, a nova abordagem passa a considerar essas práticas culturais como situações em que as estruturas culturais e sociais são criadas, sustentadas e transformadas. Nas ciências sociais os principais representantes dessa guinada são o sociólogo britânico Victor Turner (1920-1983), grande estudioso dos rituais de passagem, e o já mencionado professor da NYU Richard Schechner (1934-).

Turner procurou descrever as várias facetas dos processos de ritualização que constituem a vida humana em sociedade, desde a vida cotidiana, os esportes, a religião, a política, até chegar ao teatro: “Se o ser humano é um animal sapiente, que faz instrumentos, que se cria a si próprio, que usa símbolos, então ele é também um animal que performa, Homo Performans” (Turner, 1988TURNER, Victor. The Anthropology of Performance. New York: Paj Publications, 1988. , p. 81). Performance aqui quer dizer “a apresentação de si próprio na vida cotidiana”. Turner desenvolveu o conceito de “drama social”, que aposta em uma analogia entre processos sociais e estruturas dramáticas/teatrais: rupturas nas relações sociais geram crises que exigirão ora posicionamentos agonísticos, ora procedimentos de reintegração: “O drama social, então, eu vejo como a matriz experimental da qual se geram os vários gêneros de performance cultural, começando por rituais compensadores e procedimentos jurídicos e eventualmente incluindo narrativas orais e literárias” (Turner, 1992TURNER, Victor. From Ritual to Theatre. New York: Paj Publications , 1992., p. 78).

Se Turner era um sociólogo que recorreu ao teatro para entender melhor as estruturas sociais, Richard Schechner é um estudioso das artes cênicas que buscou na antropologia o instrumental necessário para uma melhor compreensão das formas contemporâneas do teatro. Em 1977 ele publicou o livro Between Theather & Antropology, no qual é defendida a tese de que entre a arte e a vida não há uma demarcação clara e distinta, mas antes uma zona fronteiriça fluida, que precisava ser investigada:

A convergência entre antropologia e teatro é parte de um movimento intelectual mais amplo onde a compreensão do comportamento humano desloca o foco das diferenças quantificáveis entre causa e efeito, passado e presente, forma e conteúdo, etc. (e os modos lineares de análise que explicam tal modo de ver o mundo) para uma ênfase na desconstrução/reconstrução da realidade (Schechner, 1985SCHECHNER, Richard. Between Theater and Anthropology. Philadelphia: UPP, 1985., p. 33).

Desses pontos de contato entre antropologia e teatro Schechner desenvolve seu principal conceito, o de restored behavior [comportamentos restaurados]: há em todos rituais sociais, assim como no teatro, sequências organizadas de eventos, ações prescritas, gestos típicos, que não se confundem com aqueles que as praticam. Essas performances podem ser arquivadas, transmitidas, manipuladas e transformadas, recombinadas, da mesma maneira que um cineasta edita um filme. Os processos nos quais essas mediações se dão, através de inúmeras repetições e diferenciações, é o elo que conecta as performances artísticas e culturais: “no dia-a-dia, nas curas xamânicas, nas brincadeiras e nas artes” (Schechner, 2011, p. 33).

Em 1980 Schechner conseguiu que o departamento de estudos dramáticos na NYU passasse a se chamar departamento de estudos da performance e a partir daí a nova disciplina começou a ser divulgada e expandida em diversas universidades do mundo. No Brasil, um dos pioneiros no trabalho de pesquisa em performances culturais é o Professor Zeca Ligiero (UNIRIO), que fez seu doutorado em estudos da performance na NYU. Zeca Ligiero fundou em 1998 o Núcleo de Estudos das Performances Afro-Ameríndias (NEPPA) e vem se dedicando desde então à ocupação e expansão das fronteiras entre antropologia e artes cênicas, na trilha inaugurada por Turner e Schechner. Mas é no campo das artes que a noção de performance ganhou a maior visibilidade.

Ascensão das Artes da Performance

Em setembro de 2017 a divulgação descontextualizada de vídeos, que mostravam uma criança interagindo com um artista nu, o coreógrafo Wagner Schwartz, na performance La Bête, realizada no Museu de Arte Moderna de São Paulo, gerou uma onda de violentas acusações de pornografia infantil por parte dos setores mais conservadores da sociedade. Apesar de o Ministério Público Federal ter arquivado as investigações, negando qualquer violação dos direitos das crianças, os debates sobre os limites da autonomia da obra de arte e sobre o valor estético das artes da performance foram reavivados.

As performances que causaram tanta polêmica no Brasil em 2017 não brotaram do nada, mas remontam aos movimentos de happenings, live art e arte conceitual dos anos 1960 e 1970. Estes por sua vez se inspiraram nas experimentações pioneiras dos artistas do início do século XX, como os surrealistas e os dadaístas. No Brasil destaca-se como um dos pioneiros o nome de Flavio Carvalho, também conhecido como um performer antes da performance, pois realizou, já na década de 1950, suas polêmicas experiências de psicologia social, tal como a famosíssima Experiência nº 2 (1956), que consistiu em andar no sentido contrário de uma procissão de Corpus Christi, no centro de São Paulo, com um chapéu à cabeça.

As artes da performance não têm limites, mas sim fronteiras, zonas de interação com a pintura, escultura, teatro, música, cinema, tecnologia, etc. Trata-se de uma forma de expressão cênica, mas que se difere do teatro tradicional por não querer representar ou referenciar nada para fora dela própria. Esse caráter não-narrativo, não-discursivo, não-mimético faz com que as artes da performance se mostrem híbridas e imprevisíveis, mas elas têm em comum: (1) a ênfase mais na ação do que na obra, (2) no caráter efêmero do processo, (3) na experimentação e improvisação, (4) na centralidade dada ao corpo e (5) à materialidade em geral. Segundo Renato Cohen, fundador do grupo Lume e pioneiro nos estudos das artes da performance no Brasil: “[...] um quadro sendo exibido para uma plateia não caracteriza uma performance; alguém pintando esse quadro, ao vivo, já poderia caracterizá-la” (Cohen, 2002COHEN, Renato. Performance como Linguagem. São Paulo: Perspectiva, 2002., p. 28).

Diferentemente do teatro tradicional, as artes da performance priorizam a contingência em detrimento de um roteiro pré-existente; embaralham a divisão tradicional entre atores e plateia, entre atores e seus respectivos papéis e principalmente, entre arte e vida. A dimensão autobiográfica e a vida cotidiana são materiais fundamentais para as artes da performance. Na virada do século XX para XXI as artes da performance ganharam grande visibilidade, tendo Marina Abramovic, nascida em Belgrado em 1946, como o nome mais conhecido pelo grande público. Em uma de suas mais famosas performances, intitulada Ritmo 0, de 1975, a artista colocou 72 itens sobre uma mesa - entre eles, um machado, uma pistola e uma bala de revólver - e ficou por seis horas na Galleria Studio Morra, de Nápoles, à disposição do público para que fizesse o que quisesse com ela, sem resistência. Em 2012 ela lançou o documentário sobre seu próprio itinerário com o título emblemático de A Artista está Presente. A presença do artista parece determinar o elemento distintivo das artes da performance, ou seja, a instauração de um aqui e agora imediato e absoluto entre o performer e seu público. Veremos no próximo item que se a produção de presença é uma das tônicas das artes da performance, e constitui também seu aspecto mais problemático, pelo menos do ponto de vista da filosofia.

O importante aqui é assinalar que o corpo do artista, vulnerável aos acasos e intensidades oriundos dos mais diversos desejos, passou a se tornar a própria obra de arte. A ascensão das artes da performance contribuiu, entre outras coisas, para uma revitalização do próprio teatro na era contemporânea. Guardadas as devidas diferenças, tanto o crítico e professor de teatro alemão Hans-Thies Lehman, quanto a também crítica e professora canadense Josette Féral, com seus respectivos conceitos de teatro pós-dramático e de teatro performativo, tentam dar conta do advento de formas de expressão dramatúrgica que se inspiram nas artes da performance para enfraquecer o textocentrismo, o papel subalterno do espectador, a ênfase na representação e na narratividade do teatro dito clássico25 8 Ver Hans-Thies Lehmann (2007), Teatro Pós-Dramático (1999) e Josette Feral (2015), Além dos Limites – Teoria e Prática do Teatro (2011). . A grande visibilidade das artes da performance na cena contemporânea provocou, por outro lado, também diversas reações negativas, que vieram não apenas como acusações de obscenidades, como no caso da já mencionada La bête, mas também de não respeitarem os limites sacrossantos entre o que deve ou não ser tema da expressão artística. Mas quem, entre governantes, críticos, policiais, magistrados, cientistas, público em geral, tem o direito de decidir o que é ou não arte?

Uma crítica mais mordaz, mas não menos questionável, veio da jornalista colombiana Ursula Uchoa, que, em um blog em 2008UCHOA, Ursula. La incesante repetición del gesto (los 10 gestos y elementos formales más utilizados en el arte de acción). Esferapublica, 2008. Available at: <Available at: http://esferapublica.org/nfblog/la-incesante-repeticion-del-gesto-los-10-gestos-y-elementos-formales-mas-utilizados-en-el-arte-de-accion/ >. Accessed on: 20 February 2018.
http://esferapublica.org/nfblog/la-inces...
, acusou as artes da performance de terem se tornado um pastiche de si próprias, através da repetição exacerbada de alguns gestos, que podem até ter tido sua força contestatória em algum momento, mas se tornaram apenas clichês. O post que alcançou mais de 150 mil visualizações faz uma compilação visual com fotografias de diferentes performances compondo assim os 10 gestos mais utilizados na performance: I. A nudez; II. Vestir vermelho; III. Uso de carne crua; IV. Uso de sangue como tinta; V. Pintura vaginal; VI. Lambuzar o corpo com alimentos ou fluidos; VII. Envolver a cabeça com cordões, elásticos, etc.; VIII. Escrever no corpo; IX. Uso do gelo; X. Action painting (Uchoa, 2008, online). Para cada um desses gestos Uchoa montou um mosaico de fotos retiradas de diferentes trabalhos, sem nomeá-los, datá-los ou contextualizá-los.

Tudo se passa como se as artes da performance tivessem se tornado aquilo contra o qual sempre lutaram: um catálogo/vocabulário com regras e prescrições para o bom funcionamento estético de uma ação. Segundo Uchoa, o “gesto-clichê” (ainda que ela não tenha essa expressão especificamente) empobrece as artes da performance: “Estes gestos, trajes, temas e formas de desenvolver a arte da ação estão cada vez mais tornando-se uma maneira fácil de justificar a nossa insalubre e vividamente injustificável mediocridade criativa” (Uchoa, 2008, online). O artigo foi duramente criticado por pesquisadores e performers do mundo todo. No Brasil, coube à performer e professora Bia Medeiros, coordenadora do grupo de pesquisa Corpos Performáticos, escrever um ensaio respondendo às acusações um tanto quanto apressadas de Uchoa, enfatizando que: “A performance não é linguagem, não tem gramática nem vocabulário, não tem ordem alfabética ou regras” (Medeiros, 2010MEDEIROS, Maria Beatriz de. Consideraciones sobre el arte del performance, Respuesta a Avelina Lesper, Ursula Ochoa y Carlos Monroy. Esferapublica, 2010. Available at: <Available at: http://esferapublica.org/nfblog/consideraciones-sobre-el-arte-del-performance/ >. Accessed on: 20 February 2018.
http://esferapublica.org/nfblog/consider...
, online).

De fato, o texto da jornalista colombiana pode até ser ouvido como um alerta para o risco de que as contestações e as inovações na arte e na política possam ser recapturadas pelo sistema e passem a servir como sua própria propaganda. Foi o que aconteceu com os movimentos hippie e punk nas décadas de sessenta e setenta. Mas as acusações de Uchoa não são apenas generalizadoras, o modo como ela as sustenta implica também em uma certa armadilha argumentativa. Ao colecionar fotos de diferentes espetáculos, de diferentes épocas e locais, colocando-as lado a lado, como se fossem comparáveis, ela atropela as diferenças e as nuances de cada um dos trabalhos ali representados. Pode ser que alguns deles tenham até mesmo se perdido em uma vazia repetição, mas com certeza outros provocaram intensos deslocamentos de nossas perspectivas do real. O que Uchoa faz é abstrair (separar e fixar) um único aspecto de um processo muito mais complexo e congelá-lo sob uma égide simplificadora. Com isso nos é roubada a oportunidade de avaliar por nossa própria conta a força ou a fraqueza de cada um dos trabalhos exibidos. No fim das contas Uchoa preconizou o uso da mesma estratégia dos detratores moralistas da performance La Bête no Brasil, que se basearam em um trecho de vídeo completamente descontextualizado para justificar suas acusações de pedofilia e atentado ao pudor.

III. Filosofia Contra e Com as Artes da Performance

Presença x Acontecimento

A filosofia contemporânea também tem críticas a fazer às artes da performance, mas que não passam por nenhuma condenação moral, política ou estética, mas sim dentro da já mencionada típica estratégia performativa da própria filosofia de implicar com o uso indiscriminado de determinados conceitos. No caso da performance, o problema é a sua reinvindicação de ser capaz de produzir presença, isenta e purificada de qualquer mediação. Vimos no ponto anterior que um dos aspectos mais distintivo das artes da performance é a ruptura com a representação no teatro clássico. No teatro tradicional, em linha gerais, há um acordo tácito com a ficção, com a instauração de um espaço e tempo ilusórios, em que atores e objetos no palco estão sempre remetendo para outras pessoas e outras coisas, enfim, a cena sempre quer fazer referência a outro lugar, diferente, alheio, de fora. Já na performance, como enfatiza Cohen: “[...] há uma acentuação muito maior do instante presente, do momento da ação, o que acontece no tempo ‘real’” (Cohen, 2002, p. 97). As artes da performance reivindicam para si a afirmação de uma presença pura, tanto do performer em relação a si mesmo, como em relação ao seu público, pois nelas o performer não é ator, expõe sua própria persona. Isso confere ao processo performativo a característica de rito, com o público não sendo mais só espectador, e sim estando numa espécie de comunhão. A relação entre o espectador e o objeto artístico se desloca então de uma relação precipuamente estética para uma relação extática, semelhante à meditação profunda ou ao efeito de alucinógenos, em que há um menor distanciamento psicológico entre o objeto e o espectador. Tudo se passa como se as artes da performance pudessem oferecer uma rara oportunidade de escapar do ordinário da vida cotidiana, onde estamos presos, seja ao futuro, seja ao passado.

A “presença” é, portanto, um elemento estético imprescindível para as artes da performance. Em 2016 tive a oportunidade de participar de uma mesa redonda sobre A Questão da Presença na Filosofia e nas Artes Cênicas26 9 A versão escrita do debate está disponível na Revista ouvirOUver online (Ferracini; Feitosa, 2017). com meu amigo e colega Renato Ferracini, diretor do grupo Lume. Por ocasião desse debate eu argumentei que o ser humano vive historicamente, logo, ele pode até se aproximar, mas nunca atingirá o aqui e agora absolutos. Levantei também a hipótese polêmica de que a apologia da presença nas artes da performance é um resquício de um desejo metafísico por eternidade, típico de todas as formas de misticismo, que cultuam um ressentimento velado contra a transitoriedade do tempo, acusando-o injustificadamente de ser a causa de todos os nossos sofrimentos.

No debate com Ferracini defendi que, se a presença não é acessível para os seres humanos, isso não quer dizer que não ocorra algo de singular com os corpos em cena, mas é algo que exige um outro conceito, muito mais adequado ao meu ver. Propus então a noção de acontecimento, fundamental para toda a filosofia do século XX, para dar conta disso que, ao meu ver, erroneamente é descrito pelos artistas e teóricos da performance como presença. Mas qual a diferença entre presença e acontecimento e porque é tão importante, do ponto de vista da filosofia, chamar a atenção para essa diferença?

A noção de presença pura tal como é descrita por seus devotados entusiastas está diretamente ligada ao modelo metafísico de mundo, que se divide na estrutura oposicional e hierárquica entre sujeito e objeto. Presença é o que está diretamente diante de mim, à minha completa disposição. A presença direta de quaisquer objetos pressupõe sempre a imediata presença dos sujeitos para si próprios, como autoconsciências plenas. Não é que a performance em si seja metafísica, mas o modo como ela vem sendo descrita, a terminologia empregada para conceituá-la está presa ainda a modelos dualistas. Há um descompasso entre o que se faz e o que diz. Para a filosofia contemporânea, entretanto, não há nada fora ou para além das mediatizações. Nesse sentido, a noção de acontecimento aparece como uma forma de intensificação do tempo, mas não de sua suspensão ou paralisação.

A concepção de tempo que subjaz à ideia de acontecimento não é do chrónos (tempo linear, sequencial, quantitativo), nem do aión (eternidade, o fora do tempo), mas de kairós (a ocasião propícia). Por ocasião não se deve entender a noção de um átimo de segundo, mas sim qualquer duração que implique em uma quebra no processo linear cronológico. Kairós não é um ponto específico de chrónos, muito menos sua interrupção. Kairós é chrónos qualificado, é o tempo propício para as ações e para as operações, é o tempo da performance27 10 No grego contemporâneo kairós está associado às condições meteorológicas de cada região. Na teologia cristã kairós sofreu apropriação e foi reinterpretado, especialmente nas epístolas paulinas, como o tempo das ações divinas. Na filosofia antiga a noção de kairós remonta às questões de retórica clássica, à capacidade de um orador de se adaptar às contingências de uma circunstância. Nesse caso, a sabedoria de corresponder a cada ocasião é fator fundamental para a instauração do tempo kairológico. Para a relação entre kairós e retórica ver o livro organizado por Phillip Sipiora e James Baumlin (2002): Rhetoric and Kairos – Essays in History, Theory and Praxis (2002). . Quando saímos de casa em direção ao trabalho, todas as etapas desse processo estão a serviço do tempo do cronômetro, com ponto de partida, meio e de chegada. Se, por algum acaso, um pouco de repente, somos atraídos e distraídos por algum incidente, seja uma banda de música de rua, seja por alguma conversa excepcionalmente interessante, seja por um simples desejo de saber o que tem lá no fim da rua, então nos desviamos da meta, do projeto de futuro, passamos a viver no tempo kairológico, que tanto pode durar alguns segundos, horas ou até mesmo meses ou anos. Não saímos do tempo, apenas o vivenciamos de uma outra maneira, com intensidade modificada, modulada pelas nossas diferentes respostas aos chamados que o acaso nos oferece.

O tempo do acontecimento, portanto, não é fora do tempo, nem a paralisação do tempo, não é o puro agora, mas sim uma modulação da temporalidade. A noção de acontecimento remonta a Heidegger [em alemão: Ereignis], mas foi retomada pela maioria dos filósofos do século XX e XXI (Derrida, Agamben, Deleuze, Merleau-Ponty, Foucault, Badieu, Ranciére, Sloterdijk, entre outros). É Derrida quem, a meu ver, melhor traduz a ideia de acontecimento ao compreendê-lo como uma situação singular, em que o outro chega, na sua irredutível alteridade. Por definição, um acontecimento pertence à ordem do imponderável, não podendo ser previsto, nem calculado, muito menos antecipado. Não é o presente a instância temporal determinante do acontecimento, mas sim o futuro, só que de forma diferenciada. No documentário de 2002 sobre sua obra, Derrida: The Movie, ele faz a seguinte e importante distinção entre futuro e porvir:

Em geral, eu tento distinguir entre o que chamam de futuro e porvir. O futuro é o que - amanhã, mais tarde, no próximo século - será. Há um futuro que é previsível, programado, agendado, previsto. Mas há um futuro, o porvir (to come/l’avenir) que se refere a alguém que vem, que chega de forma totalmente inesperada. Para mim, esse é o real futuro. Que é totalmente imprevisível. O outro que chega sem que eu seja capaz de antecipar sua chegada. Então se há um futuro real, para além do que sabemos futuramente, este é o porvir, que é a chegada do outro quando sou completamente incapaz de prever que ele está vindo (Derrida apud Derrida: The Movie, 2002DERRIDA: The Movie. Direção: Kirby Dick e Amy Ziering Kofman. França e EUA: 85 mins, 2002.).

As artes da performance nos oferecem uma oportunidade da vinda de uma alteridade inesperada e assim vivenciar o tempo de forma diferente do que na modalidade linear. Minha tese é a de que as artes da performance produzem acontecimento, não presença. Mas a instauração do kairós não depende da nossa decisão pura e simples, é uma situação que transcende à nossa vontade, pois querer coisas e planejar obtê-las é habilidade típica do tempo cronológico. Talvez o tempo do acontecimento tenha mais a ver com nossa maior ou menor habilidade de nos mantermos passivos e deixar as coisas virem ao nosso encontro, sem que as julguemos, classifiquemos ou controlemos. Essa passividade precisa ser treinada ativamente, pois nossa tendência principal é de mantermos o foco no futuro planejável. Acredito que faz toda a diferença treinar o corpo do performer para produzir mais e melhores acontecimentos ao invés de efeitos de presença. Toda essa implicância com a centralidade conferida à noção de presença não é mero preciosismo terminológico, mas sim uma forma de engajamento da filosofia na ocupação da fronteira com as artes cênicas, de modo a assim enfrentar a tarefa de pensar uma outra ontologia do corpo em cena, seja no teatro, na dança ou na performance, para além dos modelos dualistas, essencialistas e hierárquicos herdados da metafísica. As técnicas de treinamento, os processos criativos e as experimentações poéticas/políticas nas artes cênicas tendem a se enriquecer com o debate com a filosofia. E o que a filosofia pode aprender com as artes da performance?

A Virada Performativa da Filosofia no Século XXI

Não basta falar sobre, a filosofia pode e deve se deixar contaminar com os não-filósofos, especialmente os artistas da performance. Talvez seja possível afirmar que estamos vivendo uma espécie de performative turn na filosofia do século XXI. Não que a história da filosofia esteja totalmente desprovida de gestos que poderiam hoje ser chamados de ações performativas. Ao contrário, existem muitas situações emblemáticas famosas, onde o filósofo engajou seu próprio corpo para intensificar suas ideias. Aristóteles, por exemplo, relatou que o cético Crátilo, por acreditar que não se deve dizer nada, apenas mexia o dedo. Podemos imaginar o dedo de Crátilo em riste, como um gesto de quem se cala por convicção, mas também de quem exige que se silenciem a sua volta, intimando a pensar mais e a falar menos. O próprio Sócrates, pouco antes de tomar a cicuta, realizou um ritual performático, ao pedir que fosse sacrificado um galo a Esculápio, deus da medicina e da cura. Muitos viram nesse gesto inusitado do pensador um sinal precoce dos eflúvios do veneno na sua mente, mas Nietzsche, no Nascimento da Tragédia (1872), ao contrário, reconheceu a homenagem socrática ao filho de Apolo, “o único sinal de respeito aos limites da natureza lógica” (Nietzsche, 1988aNIETZSCHE, Friedrich. Die Geburt der Tragö die. Berlin; New York: DTV, KSA I, 1988a., p. 96) em toda a vida de Sócrates.

A famosa fotografia de Jules Bonnet que mostra Nietzsche e Paul Rée puxando uma charrete com Lou Salomé nas rédeas e no chicote foi uma genial ação performativa encenada pelo próprio filósofo alemão em maio de 1882, uma cena que até hoje alimenta diversas polêmicas. Aliás, Nietzsche pode ser considerado o catalisador da virada performativa da filosofia, pois sempre defendeu e assumiu a dimensão autobiográfica na sua própria escrita, fez experiências com novas mídias, tendo sido um dos primeiros usuários de máquina de escrever do planeta e realizou diversas parcerias tanto com artistas (atores, músicos, poetas, fotógrafos, etc.), como com cientistas (biólogos, médicos, geógrafos, etc.). Ele clamou pela vinda de novos filósofos no futuro que se distinguiriam pela capacidade de reconhecer, conforme um fragmento do verão de 1885, que “o corpo é um pensamento muito mais admirável do que a antiga ‘alma’” (Nietzsche, 1988bNIETZSCHE, Friedrich. Nachgelassene Fragmente 1884-1885. Berlin; New York: DTV, KSA XI, 1988b., p. 565.). Ele trouxe a filosofia tanto para o palco como para a rua e criou o conceito de filósofo-artista, alguém que vê tanto a filosofia e a ciência como gestos criativos e, por isso mesmo, políticos.

Mais recentemente é o filósofo espanhol Paul Beatriz Preciado quem vai retomar de maneira ainda mais radical a tese das artes da performance de que o corpo não é uma coisa dada e pronta, mas sim um campo fértil de realização de possibilidades. No livro Testo Yonqui (2008), temos uma investigação sobre gênero, droga e biopolítica na era farmacopornográfica. Preciado relata a experiência de autoadministrar o hormônio testosterona, mostrando, demonstrando e ao mesmo tempo refletindo sobre as tecnologias de alteração do corpo. Tratou-se de um gesto ao mesmo tempo performativo, filosófico e político, ou, como Preciado diz na introdução: “[...] um protocolo de intoxicação voluntária a base de testosterona sintética”; um “ensaio corporal”, uma “ficção auto-política” (Preciado, 2008PRECIADO, Paul Beatriz. Texto Yonqui. Madrid: Espasa Calpe, 2008., p. 15).

No ano de 2012 surgiu na Europa uma iniciativa internacional de instauração de um novo campo de conhecimento denominado justamente de performance philosophy [filosofia performativa], que reúne de forma organizada e consistente as práticas criativas das performances e o trabalho conceitual da filosofia. Em uma mesa-redonda realizada sobre o tema O que é a filosofia performativa [philo-performance?], em 2014, a professora e pesquisadora da Universidade de Paris VIII, Charlotte Hess, respondeu à questão da seguinte forma:

Por philo-performance entendemos a encenação do pensamento em todas as suas formas: filosofia falada e duelada, slam, intervenção social, dança, ação de pesquisa, festivais e anti-festivais... Nossa ambição é explorar esta área onde o conceito está em ação, é performativo, a maneira como a ‘filosofia’ pode ser feita enquanto performance, abrindo e encontrando seus próprios espaços28 11 Transcrição da mesa-redonda Qu’est-ce que la philo-performance? realizada em Paris, 28 de junho de 2014, durante o colóquio internacional Théâtre, performance, philosophie : croisements et transferts dans la pensée anglo-américaine. Disponível em: <http://labo-laps.com/quest-ce-philo-performance/>. Acesso em: 20 fev. 2018. .

A filosofia performativa vê, portanto, a performance na qualidade de pensamento e produz pensamento como performance, ou seja, filosofia como acontecimento. Mesmo procurando escapar de rótulos e definições, a filosofia performativa vem se espalhando no mundo, através de publicações, simpósios e conferências, em diversas e variadas versões29 12 Dignos de nota são o projeto vienense Philosophy-on-Stage (https://www.univie.ac.at/performanz) e a rede internacional de filosofia performativa (https://www.performancephilosophy.ning.com), em que podem ser encontrados bibliografias e eventos relacionados ao tema. Existe ainda desde 2015 uma revista científica especializada em filosofia performativa: <https://www.performancephilosophy.org/journal/pages/view/about>. Hoje existem diversos grupos trabalhando na Ásia, Oceania e América Latina. No Brasil tive oportunidade, junto com as Professoras Dras. Tania Alice e Angela Donini, ambas da UNIRIO, de organizar diversos cursos, mesas e simpósios sobre as relações práticas e teóricas entre performance e filosofia dentro do projeto de pesquisas de filosofia pop: <http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/2330294403542324>. . Em 2014, por exemplo, dentro do projeto Philosophy-on-Stage da Universidade de Viena, a filósofa performativa Laura Cull, da Universidade de Surrey/Inglaterra, se juntou à artista e performer Tess Denman Cleaver para realizar as Walking Lectures, partindo do princípio de que se pensa mais intensamente o corpo quando se ativa o próprio. Em 2015, os filósofos Arno Böhler e Susanne Valerie Granzer realizaram a performance Nietzsche et cetera. Kant in Analyse, que coloca Kant sob o choque da leitura de Nietzsche, sendo analisado por Lou-Andreas Salomé30 13 Transcrições dessas ações estão disponíveis em: <http://homepage.univie.ac.at/arno.boehler/php/wpcontent/The_Sea_Lies_Open_Cull_Denman-Cleaver_Walks_extended-description.pdf> e: <http://homepage.univie.ac.at/arno.boehler/php/wpcontent/Boehler_Granzer_Nietzsche_et_cetera_Transkript.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2018. .

Para mim, a filosofia performativa é um desdobramento consequente do meu próprio projeto de uma filosofia pop31 14 Sobre a ideia de filosofia pop no Brasil ver meu artigo de 2001, O Que é Isto -Filosofia Pop?, e também o estudo crítico de Marcia Tiburi, em 2016, intitulado A Filosofia e seus conteúdos desprezados: Filosofia Pop em Questão. , e desde 2013 venho tentando, na teoria e na prática, desenvolver caminhos para sua implementação no Brasil. Dentro desse fluxo comecei a realizar palestras e cursos sobre o tema e ao mesmo tempo experimentar formas de fazer filosofia que envolvessem cada vez mais meu corpo, minha imaginação e meus afetos. Um dos experimentos foi a mesa de abertura do I Simpósio Internacional de Filosofia Pop em maio de 2014, na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). O tema da mesa era Performance e Filosofia e foi coordenada por mim, com a presença da professora francesa Julie Amanty (Paris VIII) e tradução consecutiva da Prof.ª Tania Alice Feix (UNIRIO). O que o público não sabia era que se tratava de uma performance-palestra da própria performer Tania Alice Feix, que criou uma palestrante ficcional, Julie Amanty (o nome já indicava a trama: Julie a menti = Julia mentiu), supostamente oriunda da Universidade de Paris VIII e convidada de honra do evento. Enquanto a palestrante imaginária - encenada pela atriz e pesquisadora Geneviève Lodovici - expunha sua pesquisa teórico-prática sobre corporeidades liminares com o rosto todo encoberto por faixas, sua intervenção ia sendo traduzida consecutivamente pela professora Tania Alice, a verdadeira autora do texto e da trama32 15 O texto completo da palestra Corporeidades Liminares foi publicado na revista Percevejo online (Feix, 2014). . Os ardorosos debates que daí se seguiram foram coordenados por mim e se revelaram os mais intensos do simpósio. A mesa de abertura, sobre performance e filosofia, não foi apenas sobre, mas foi ela mesmo performativa e filosófica33 16 Outra ação filoperformativa que tive oportunidade de realizar foi o projeto Piloto para um trem transcultural, cujo intuito era transformar o tempo gasto em mobilidade urbana, de tempo alienado em tempo fértil e criativo. Juntamente com a Prof.ª Cecilia Dinardi (City University of London), coordenei a realização de diversas performances e oficinas criativas em um vagão do trem da estação Central do Rio de Janeiro, durante 5 dias no mês de abril de 2016. As atividades foram filmadas para serem exibidas em uma instalação interativa – que incluiu uma maquete do trem – no Festival Multiplicidade (16 de maio de 2016). O resultado está disponível em vídeo na internet: <https://vimeo.com/166043561>. Acesso em: 01 fev. 2018. .

Para que a virada performativa da filosofia tenha êxito é preciso que ela abra mão do anseio tradicional de poder guiar os seres humanos na busca pela verdade única e absoluta e da capacidade de atingir uma forma de universalidade de abrangência total e irrestrita. A busca filosófica pelo mais universal, mencionada no início como uma das características distintivas da dimensão performativa da filosofia, carrega infelizmente no seu bojo a tendência para uma certa desatenção com os contextos históricos e culturais específicos dos temas investigados. O universalismo excessivo da filosofia ocidental fica evidente, por exemplo, no desinteresse acadêmico pelos sistemas de pensamentos oriundos de matriz africana, indígena, oriental ou mesmo sul-americana. O argumento recorrente - e inadmissível - diz que se a filosofia busca o universal, não pode ser tratada como uma atividade específica de uma região geopolítica. Felizmente a filosofia contemporânea está aprendendo a revisar e a relativizar seu conceito de universal, principalmente a partir do fecundo diálogo com a área de artes em geral, de onde vem se desenvolvendo a ideia de topologias do ser34 17 Mais sobre o tema pode ser lido no artigo do filósofo porto-riquenho, professor da Brown University, Nelson Maldonado-Torres (2008), intitulado A Topologia do Ser e a Geopolítica do Conhecimento. Modernidade, Império e Colonialidade (2003). . Dentro desse contexto pode-se afirmar que a filosofia performativa é sempre site-specific, ancorada sempre e de cada vez no contexto geográfico, histórico e cultural dos corpos que a praticam. Será preciso, portanto, se perguntar o que se faz, quando se faz filosofia no Brasil contemporâneo.

As artes da performance intimam a filosofia a ter força para suportar os paradoxos e as ambiguidades da existência, mas também a resistir e questionar as ideologias hegemônicas. Não se abandona o rigor, mas sim a excessiva formalidade. É necessário, por exemplo, se perguntar se a sala de aula, o texto linear, as aulas expositivas, as longas palestras em congressos, são ainda os formatos mais adequados para se fazer filosofia no século XXI. Será imprescindível reativar os corpos dos filósofos, sentados eternamente, seja nas cadeiras da escrivaninha ou nas cátedras da academia. Por que não incluir técnicas de treinamento corporais, oriundas das artes cênicas, como requisito altamente recomendável na formação dos professores de filosofia do futuro?

Será preciso, finalmente, rever a própria noção de ação, restrita aos campos da ética e da política. Se no campo da estética, ações artísticas são mobilizações para que a arte possa ocorrer; na área da filosofia, ações filosóficas são mobilizações para que o próprio pensamento possa acontecer, seja através do engajamento dos corpos, dos sexos, de novas tecnologias, de situações do cotidiano, de conteúdos oriundos da cultura de massa, e, principalmente, dos desafios políticos dos nossos tempos. Qual o porvir dessas ações filosóficas? Essa pergunta só será respondida, na teoria e na prática, pela contínua ocupação das fronteiras entre artes da performance e filosofia.

Grajaú, Rio de Janeiro, primavera de 2019.

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    » http://esferapublica.org/nfblog/la-incesante-repeticion-del-gesto-los-10-gestos-y-elementos-formales-mas-utilizados-en-el-arte-de-accion/
  • 1
    O presente ensaio é uma versão corrigida e modificada de uma comunicação oral apresentada no Projeto Observatório Filosófico, realizado na Caixa Cultural do Rio de Janeiro, no dia 10.06.2016, em mesa compartilhada com a Prof.ª Dra. Marcia Tiburi.
  • 2
    Vale ressaltar que proponho aqui o uso do termo desconstrução não apenas no contexto pós-estruturalista, mas definindo-o como o modo de operação dos filósofos, dos seus primórdios aos dias atuais. Minha hipótese é que mesmo sem que seja tematizado explicitamente, o pensar característico da filosofia sempre envolve alguma desconstrução do real, como algo supostamente dado, toda vez que coloca suas questões.
  • 3
    Não estou me referindo aqui à ontologia apenas como um ramo da filosofia. Ao contrário, estou afirmando, em alinhamento com Heidegger, que toda filosofia, quer saiba ou não, é ontologia. Existem ontologias tradicionais, aquelas que compreendem o ser de forma fixa e imutável; pós-metafísicas, as que compreendem o ser como diferenças plurais e, finalmente, as negativas, aquelas que simplesmente negam qualquer possibilidade de compreensão de ser.
  • 4
    As filosofias do século XX, especialmente através das obras de Heidegger e Wittgenstein, têm a linguagem como tema central. Mas minha hipótese de trabalho quanto ao cuidado terminológico do gesto filosófico refere-se à história da filosofia como um todo.
  • 5
    Para uma reflexão mais aprofundada acerca da dimensão fronteiriça da pele ver o ensaio fenomenológico do filósofo francês Jean-Luc Nancy (2014NANCY, Jean Luc. Pele Essencial. O Percevejo online , Rio de Janeiro, v. 6, n. 1, p. 1-12, jan./jun. 2014. Available at: <Available at: http://www.seer.unirio.br/index.php/opercevejoonline/article/view/5067/4506 >. Accessed on: 10 February 2018.
    http://www.seer.unirio.br/index.php/oper...
    ), intitulado Pele Essencial.
  • 6
    Ver o artigo do filósofo francês Jacques Derrida (1991DERRIDA, Jacques. Assinatura, Acontecimento, Contexto. In: DERRIDA, Jacques. Margens da Filosofia. São Paulo: Papirus, 1991. P. 349-373.) Assinatura, Acontecimento, Contexto, de 1990, para uma leitura mais aprofundada da precariedade da distinção entre constatativo e performativo.
  • 7
    Essa é a instigante tese da renomada especialista na obra dos sofistas, a professora francesa Barbara Cassin (2005CASSIN, Barbara. O Efeito Sofístico. São Paulo: Ed. 34, 2005.), no seu livro O Efeito Sofístico (1995).
  • 8
    Ver Hans-Thies Lehmann (2007LEHMANN, Hans-Thies. Teatro Pós-Dramático. São Paulo: Cosac Naify, 2007.), Teatro Pós-Dramático (1999) e Josette Feral (2015FÉRAL, Josette. Além dos Limites - Teoria e Prática do Teatro. São Paulo: Perspectiva , 2015.), Além dos Limites – Teoria e Prática do Teatro (2011).
  • 9
    A versão escrita do debate está disponível na Revista ouvirOUver online (Ferracini; Feitosa, 2017FERRACINI, Renato; FEITOSA, Charles. A Questão da Presença na Filosofia e nas Artes Cênicas. Revista ouviuOUver, Uberlândia, v. 13, n. 1, p. 106-119, 2017. Available at: <Available at: http://www.seer.ufu.br/index.php/ouvirouver/article/view/37043 >. Accessed on: 10 February 2018.
    http://www.seer.ufu.br/index.php/ouvirou...
    ).
  • 10
    No grego contemporâneo kairós está associado às condições meteorológicas de cada região. Na teologia cristã kairós sofreu apropriação e foi reinterpretado, especialmente nas epístolas paulinas, como o tempo das ações divinas. Na filosofia antiga a noção de kairós remonta às questões de retórica clássica, à capacidade de um orador de se adaptar às contingências de uma circunstância. Nesse caso, a sabedoria de corresponder a cada ocasião é fator fundamental para a instauração do tempo kairológico. Para a relação entre kairós e retórica ver o livro organizado por Phillip Sipiora e James Baumlin (2002SIPIORA, Phillip; BAUMLIN, James S. (Org.). Rhetoric and Kairos - Essays in History, Theory and Praxis. New York: SUNY Press, 2002. ): Rhetoric and Kairos – Essays in History, Theory and Praxis (2002).
  • 11
    Transcrição da mesa-redonda Qu’est-ce que la philo-performance? realizada em Paris, 28 de junho de 2014, durante o colóquio internacional Théâtre, performance, philosophie : croisements et transferts dans la pensée anglo-américaine. Disponível em: <http://labo-laps.com/quest-ce-philo-performance/>. Acesso em: 20 fev. 2018.
  • 12
    Dignos de nota são o projeto vienense Philosophy-on-Stage (https://www.univie.ac.at/performanz) e a rede internacional de filosofia performativa (https://www.performancephilosophy.ning.com), em que podem ser encontrados bibliografias e eventos relacionados ao tema. Existe ainda desde 2015 uma revista científica especializada em filosofia performativa: <https://www.performancephilosophy.org/journal/pages/view/about>. Hoje existem diversos grupos trabalhando na Ásia, Oceania e América Latina. No Brasil tive oportunidade, junto com as Professoras Dras. Tania Alice e Angela Donini, ambas da UNIRIO, de organizar diversos cursos, mesas e simpósios sobre as relações práticas e teóricas entre performance e filosofia dentro do projeto de pesquisas de filosofia pop: <http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/2330294403542324>.
  • 13
    Transcrições dessas ações estão disponíveis em: <http://homepage.univie.ac.at/arno.boehler/php/wpcontent/The_Sea_Lies_Open_Cull_Denman-Cleaver_Walks_extended-description.pdf> e: <http://homepage.univie.ac.at/arno.boehler/php/wpcontent/Boehler_Granzer_Nietzsche_et_cetera_Transkript.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2018.
  • 14
    Sobre a ideia de filosofia pop no Brasil ver meu artigo de 2001FEITOSA, Charles. O que é isto: filosofia pop?. In: LINS, Daniel (Org.). Nietzsche e Deleuze. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001. P. 95-104. , O Que é Isto -Filosofia Pop?, e também o estudo crítico de Marcia Tiburi, em 2016TIBURI, Marcia. A Filosofia e seus conteúdos desprezados: Filosofia Pop em Questão. Revista Sinais Sociais, Rio de Janeiro, v. 10, n. 30, p. 95-124, jan./abr. 2016., intitulado A Filosofia e seus conteúdos desprezados: Filosofia Pop em Questão.
  • 15
    O texto completo da palestra Corporeidades Liminares foi publicado na revista Percevejo online (Feix, 2014FEIX, Tania Alice. Corporeidades Liminares. O Percevejo online, Rio de Janeiro, v. 6, n. 1, p. 234-249, jan./jun. 2014. ).
  • 16
    Outra ação filoperformativa que tive oportunidade de realizar foi o projeto Piloto para um trem transcultural, cujo intuito era transformar o tempo gasto em mobilidade urbana, de tempo alienado em tempo fértil e criativo. Juntamente com a Prof.ª Cecilia Dinardi (City University of London), coordenei a realização de diversas performances e oficinas criativas em um vagão do trem da estação Central do Rio de Janeiro, durante 5 dias no mês de abril de 2016. As atividades foram filmadas para serem exibidas em uma instalação interativa – que incluiu uma maquete do trem – no Festival Multiplicidade (16 de maio de 2016). O resultado está disponível em vídeo na internet: <https://vimeo.com/166043561>. Acesso em: 01 fev. 2018.
  • 17
    Mais sobre o tema pode ser lido no artigo do filósofo porto-riquenho, professor da Brown University, Nelson Maldonado-Torres (2008MALDONADO-TORRES, Nelson. A Topologia do Ser e a Geopolítica do Conhecimento. Modernidade, Império e Colonialidade. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, n. 80, p. 71-114, mar. 2008. ), intitulado A Topologia do Ser e a Geopolítica do Conhecimento. Modernidade, Império e Colonialidade (2003).
  • Este texto inédito também se encontra publicado em inglês neste número do periódico.
  • Editor-responsável: Patrick Campbell
  • Editora-responsável: Laura Cull Ó Maoilearca
  • Editora-responsável: Luciana da Costa Dias

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jan 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2019
  • Aceito
    21 Out 2019
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