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Hans Ulrich Gumbrecht Leitor de Martin Heidegger: concepção de produção de presença

Hans Ulrich Gumbrecht Lecteur Martin Heidegger: la conception de la production de presence

Resumo:

O trabalho apresenta alguns pontos do pensamento filosófico de Gumbrecht sobre a presença, a partir do Dasein de Heidegger, especialmente, com relação às possibilidades e condições da linguagem relativamente a esta presentificação. Desse logos, propõe-se uma crítica introdutória aos conceitos de coisa, de sujeito e de objeto, de visão cartesiana do mundo, demonstrando, a partir da análise de parte da obra do autor, as possibilidades de tangibilidade por meio da linguagem e o que isso representa diante dos paradigmas vigentes das ciências.

Palavras-chave:
Gumbrecht; Teoria do Conhecimento; Presença; Heidegger

Résumé:

Ce travail a l’intention de présenter certains points de la pensée philosophique de Gumbrecht de la présence, du Dasein de Heidegger, en particulier en ce qui concerne les possibilités et les conditions de la langue sur cette présentification. Ce logos, nous proposons une critique d’introduction des concepts de chose, le sujet / objet de vue cartésien du monde, ce qui démontre, de l’auteur analysé, les chances de tangibilité à travers le langage et ce qu’il est avant paradigmes actuels de la science.

Mots-clés:
Gumbrecht; Théorie de la Connaissance; Présence; Heidegger

Abstract:

In this paper present some points of Gumbrecht’s philosophical thinking about the presence, over the Heidegger’s Dasein senses, especially, regarding the possibilities and conditions of language in relation to this presentiment. From these logos, propose an introductory critique of the concepts of thing, of subject/object, of Cartesian worldview, showing, from the analyzed author, the possibilities of tangibility through language and what it represents in the face of existing of science paradigms.

Keywords:
Gumbrecht; Theory of Knowledge; Presence; Heidegger

Introdução

O formador da linguagem designa apenas as relações das coisas aos homens e toma em auxílio para exprimi-las as mais audaciosas metáforas (Nietzsche, 2009NIETZSCHE, Friedrich. Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral. In: MARÇAL, Jairo (Org.). Antologia de Textos Filosóficos. Curitiba: SEED, 2009. P. 533., p. 533).

O pensamento não é nenhum meio para o conhecimento. O pensamento abre sulcos no agro do ser. Por volta do ano de 1875, Nietzsche escreve o seguinte: ‘Nosso pensamento deve ter o cheiro forte de um trigal numa noite de verão’. Quantos ainda possuem olfato para esse cheiro? (Heidegger, 2003HEIDEGGER, Martin. A Caminho da Linguagem. Tradução de Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis; Bragança Paulista: Vozes; Editora Universitária São Francisco, 2003. , p. 133).

Hans Ulrich Gumbrecht nasceu em Wuerzburg, na Alemanha, em 1948. Foi professor assistente em Konstanz, onde obteve seu PhD. Entre 1983 e 1985 foi vice-presidente da Associação Germana de Filologia Românica. Foi professor visitante no Rio de Janeiro, em Buenos Aires, Berkeley, Princeton, Montreal, Barcelona, Budapeste, Lisboa, Capetown e Paris (Ecole des Hautes Etudes). Atualmente, é professor de literatura na Universidade de Stanford, Califórnia. Defende o riskful thinking, aproximadamente pensamento ariscado, que enxerga no “consenso [...] o buraco negro das Humanidades”. Segundo Sanford (2000SANFORD, John. “Elementary pleasures” and “riskful thinking” matter to Gumbrecht. Stanford Report, November 17, 2000. Disponível em: <Disponível em: http://news.stanford.edu/news/2000/november29/gumbrecht-1129.html >. Acesso em: 03 jan. 2014.
http://news.stanford.edu/news/2000/novem...
, p. 1), em face desse pensamento, Gumbrecht reconhece que o papel da academia é “manter viva a complexidade sublime”, pelo movimento heurístico, visando “[...] perseguir ideias [sic] e realizar pesquisas que não [produzam] apenas uma ou algumas respostas fáceis, mas geralmente novos questionamentos”. Nessa perspectiva, de modo geral, sua filosofia abre-se como possibilidade à diversidade epistemológica; à investigação de temas não clássicos como a Natureza (oikos-logos) e ‒ em sua polissemia característica ‒, às inter-relações dos sujeitos.

Tensionando esses questionamentos, desde a formulação das “materialidades da comunicação”, no início da década de 1980 (Gumbrecht, 2010GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de Presença - o que o sentido não consegue transmitir. Rio de Janeiro: Ed. PUC- Rio, 2010. , p. 28), até suas investigações sobre as “[...] alternativas não metafísicas à cultura hermenêutica predominante nas ciências humanas” (Jasmin, 2010JASMIN, Marcelo. Efeitos de uma intensa presença. In: GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de Presença - o que o sentido não consegue transmitir . Rio de Janeiro: Ed. PUC- Rio , 2010. P. 7-12., p. 7), Gumbrecht vem desenvolvendo pesquisas sobre o que ele denomina de “produção da presença” (Gumbrecht, 2010, p. 38), como primeiro contato não hermenêutico ou de atribuição1 1 Sobre atribuição de sentidos aos “objetos incapazes de reciprocidade”, de um ponto de vista bastante diferente de Gumbrecht (partilha de sentidos de objetos que são recíprocos pelo simples fato de estarem disponíveis e possíveis de vivenciá-los), veja Tamen (2003, p. 12-14). Para Tamen (baseado em Aristóteles), a passividade do objeto é absoluta: essa ausência de reciprocidade dos objetos ocorre pelo fato de que não comunicam nem interagem/dialogam com o sujeito por meio de uma linguagem própria, lógica, familiar e especificamente apreendida cognitivamente. No objeto, reverbera apenas aquilo que o sujeito pensa e diz, como projeção que retorna do objeto (2003, p. 13), nisso também “embaralha” o conceito de objeto e de coisa ao mesmo tempo. de sentidos, do sujeito em relação aos objetos do mundo, na condição de desejo de participar da sua presença (Gumbrecht, 1992, p. 7). Assim, é possível antever as conceituações de cultura de sentidos e cultura da presença ao reconstituir a história da modernidade, em Modernização dos Sentidos (1998), em que demonstra as descontinuidades entre o universo subjetivo e hermenêutico dos sujeitos em face da presença de mundo. Destarte, pretendo aqui apresentar uma breve introdução ao contexto histórico, sociocultural e político da Modernidade em que predomina sua forma hermenêutica cartesiana de cultura de sentidos. Por outro lado, tenciono considerar também os múltiplos caracteres da cultura da presença, no contexto da diversidade epistemológica do mundo no qual se manifestam2 2 Desde a antropologia, passando pela religião à literatura, o autor defende uma grande diversidade de saberes e fazeres tradicionais ou não, instituídos ou não, em que a produção de presença (2010) é muito perceptível. Assim sendo, por causa da valorização da diversidade epistemológica do mundo (Santos, 2010) e da conexão transdisciplinar desse assunto e dessa pesquisa, o autor nos apresenta discursos científicos não excludentes e que visa prestigiar outras formas de consciência e de produção de saberes engajados à cultura humana – condição de que a epistemologia moderna vigente se desfez. , e, assim, discutir as possibilidades de produção de presença nas diversas linguagens humanas, apresentadas por Gumbrecht como possibilidades transdisciplinares. Assim, para compreender o manifesto a favor das possibilidades transdisciplinares, é preciso saber quais conceitos de disciplina dizem respeito à subsunção de conhecimentos e às práticas de conhecimentos dentro de um volume, de um cosmo-abstratativo, que os ordena e os convencionaliza, objetivando um modo de pensar e agir constituído pelos discursos e pelas práticas desses discursos, na condição de comportamento científico específico e disciplinar; tal subsunção de conhecimentos e as práticas de conhecimentos dentro de um volume são convincentes, por tempo determinado, segundo sua capacidade de manutenção e unicidade hermenêutica do mundo logicizado. Dessa feita, proponho o questionamento de “[...] como se explica que a proliferação acelerada das disciplinas torne cada vez mais ilusória toda unidade do conhecimento [...]” (Nicolescu, 2005NICOLESCU, Basarab. O Manifesto da Transdisciplinaridade. São Paulo: Triom, 2005., p. 1). Uma das hipóteses recorrentes neste artigo é que, por conta da configuração metafísica inerente à linguagem e de sua analiticidade própria, qual seja, a de representar os elementos constituintes do cosmo sobre o qual se detém, desligados e afastados, a proliferação acelerada das disciplinas, cada vez maior e variada, acarreta no afastamento essencial desses objetos de pesquisa no âmbito mesmo das disciplinas, cuja linguagem especializada o caracteriza por representação conceitual. Este afastamento essencial tanto aprofunda a convicção da impossibilidade da coisa-em-si bem como clarifica a impossibilidade de unicidade do conhecimento, no âmbito mesmo das condições disponíveis de apreensão de mundo sob a configuração metafísica acima citada.

As possibilidades da linguagem, nos estudos correlatos de Gumbrecht, proporcionam importante subsídio para a reflexão transdisciplinar, no sentido de renovar as propostas de diversificação epistemológica no âmbito da Filosofia, sobretudo em Teoria do Conhecimento e Epistemologia; contribui ainda para um aprofundamento conceitual da visão dionisíaca de mundo de Nietzsche (2005NIETZSCHE, Friedrich. A Visão Dionisíaca do Mundo. São Paulo: Martins Fontes , 2005.); oferece reflexões à Geografia Humanista, acerca dos sentidos de lugar no aspecto sensível e existencial, proposto por Yi-Fu Tuan (2012TUAN, Yi-Fu. Topofilia: um estudo da percepção, atitude e valores do meio ambiente. Londrina: Eduel, 2012. ; 2013); relaciona-se com os conceitos de abertura, lida, práxis, linguagem, Dasein, Ser-no-mundo, de Heidegger (2006HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Tradução revisada de Márcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis; Bragança Paulista: Vozes ; Universidade São Francisco, 2006.) ‒ autor que certamente lhe exerceu grande influência; ainda, os estudos de Gumbrecht propõem considerar os aspectos da cultura de presença implícitos no conceito de adaptabilidade de Moran (2010MORAN, Emílio. Adaptabilidade Humana. São Paulo: Edusp, 2010.); há forte correlação com a autopoiesis e a fenomenologia biológica de Maturana (2001MATURANA, Humberto. Cognição, Ciência e Vida Cotidiana. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001.), autor ao qual dedicou um artigo (Gumbrecht, 2006a). Para justificar as afirmações acima citadas, foram visitadas algumas obras do autor em que o conceito de cultura de presença, ou mesmo presença, é trabalhado, sobretudo relativamente ao pensamento de Heidegger, a saber: Produção de Presença - o que o sentido não consegue transmitir (2010); Graciosidade e Estagnação (2012); Making Sense in Life and Literature, (1992); Modernização dos Sentidos, (1998); A presença realizada na linguagem: com atenção especial para a presença do passado (2009).

Em Busca da Presença

O paradoxo do distanciamento analítico em relação ao objeto como condição da sua “apreensão” por meio da linguagem e, consequentemente, da interpretação do seu sentido profundo (Gumbrecht, 2012GUMBRECHT, Hans Ulrich. Graciosidade e Estagnação: ensaios escolhidos. Rio de Janeiro: Ed. PUC- Rio , 2012. , p. 71) é visto na Metafísica como um dos fundamentos filosóficos clássicos e, por assim dizer, uma visão de mundo que em sua etimologia tenciona ir para além do físico, do tangível, suscitando dessa forma uma representação, uma afiguração racionalizada do objeto do conhecimento. Por exemplo, a linguagem escrita é já um procedimento analítico, “metafísico” e descritivo, em face dos objetos, evoca a coisa3 3 Anterior ao objeto, eis a coisa-em-si, que se perde, em alguma medida, da sua essência pela representação. A representação é aqui um processo de objetivação e racionalização linguístico-cognitivo dos elementos constitutivos de mundo, percebidos sob a condição de denominação de sentidos e apreensão por similitudes, isto é, por correlação com outros elementos conhecidos, objetivados no âmbito das representações. pela representação, objetivando-a, através do seu distanciamento ontológico4 4 Segundo Chomsky (1997, p. 184), “[...] a ciência começa quando você compreende que para encontrar a realidade você tem que se afastar dos fenômenos”. (Gumbrecht, 2010, p. 61-66); segundo Heidegger (2001HEIDEGGER, Martin. Sein und Zeit. Achtzehnte Auflage. Unveränderter Nachdruck der fünfzehnten, an Hand der Gesamtausgabe duchgesehenen Auflage. Tübingen: Max Niemeyer Verlag, 2001. ), “[...] o olhar ‘interpretativo’ para as coisas, isto é, o modo ‘teoretico’ do olhar, dispensaria a compreensão [dos objetos como instrumentos] em sua praticidade”5 5 Der nur ‘theoretisch’ hinsehende Blick auf Dinge entbehrt des Verstehens von Zuhandenheit (Heidegger, 2001, § 15, p. 69). ; nisso resultaria o modus da cultura de sentidos. Em face dessas contradições, entre experiência da presença e representação da experiência, Gumbrecht visa apresentar o modus da cultura da presença no horizonte das possibilidades e condições da compreensão tradicional da linguagem6 6 Couto (2007, p. 151-155) oferece um panorama da evolução conceitual da linguagem a partir da tradição da Metafísica e das novas reflexões, às quais ele denomina, entre outras, ecolinguística. , lembrando-nos da hegemonia de atribuição de sentidos pela “cultura hermenêutica” (Gumbrecht, 2010, p. 7), especificamente como reflexo de uma tradição, a saber, de uma ideologia cientificista (Nicolescu, 2005NICOLESCU, Basarab. O Manifesto da Transdisciplinaridade. São Paulo: Triom, 2005., p. 2), que especializou-se no âmago de uma “metafísica da representação”. Com base nessas dimensões epistemológicas, Gumbrecht (2010, p. 10) define que:

Produção de presença [...] busca libertar-se da autodefinição hermenêutica predominante nas ciências humanas para, em seguida, imaginar terrenos conceituais alternativos, não hermenêuticos e não metafísicos, que introduzam no cerne dessas mesmas ideias científicas o que o significado não pode transmitir.

A partir das perspectivas apresentadas até aqui, pergunta-se: é possível à linguagem uma produção de presença? A suspensão das atribuições de sentido (Gumbrecht, 2004GUMBRECHT, Hans Ulrich. Production of Presence: what meaning cannot convey. Stanford: Stanford University Press, 2004., p. 123-126) aos objetos, não anularia a linguagem? Em vista de encontrar algumas respostas, antes é preciso contextualizar seu manifesto, que é parte de um discurso desconstrutivista muito presente na contemporaneidade; tendo algumas bases teóricas conceituais a partir de Heidegger, de Lyotard7 7 A conceituação em literatura de hipermediação versus corporeidade, nostalgia do corpo perdido. , de Derrida, Foucault e de Nancy, entre outros, Gumbrecht reconhece “[...] a crise de paradigma das Grandes Teorias Sociais da Modernidade” (Evangelista, 2002EVANGELISTA, João. Crise do Marxismo e Irracionalismo Pós-moderno. São Paulo: Cortez: 2002., p. 11), que suscitou diversas críticas aos modelos instituídos pelas ciências e pela Filosofia, sobretudo da “saturação da visão de mundo cartesiana” (Gumbrecht, 2004, p. 110) e da insistência na manutenção dessa saturação pelo simulacro de fronteiras entre as disciplinas científicas, ou pelo respeito a esses termos no discurso da interdisciplinaridade, um “trabalho de fronteira” onde nunca ocorrem as intersecções dos saberes. Em oposição à visão de mundo cartesiana presente nas estruturas disciplinares, isto é, da divisão em blocos não comunicáveis entre as disciplinas do paradigma científico vigente, “a transdisciplinaridade está ‘entre’, ‘através’ e ‘além’ das disciplinas” (Nicolescu, 2005NICOLESCU, Basarab. O Manifesto da Transdisciplinaridade. São Paulo: Triom, 2005., p. 46), possibilitando assim o que Gumbrecht defende: não a anulação da “cultura de sentido” pela predominância da “cultura de presença”, mas a inter-relação entre elas (Gumbrecht, 2010, p. 10) - certamente na cultura de presença encontra-se uma inter-relação paradigmática com a razão sensível. Segundo Gumbrecht, a cultura ocidental, em sua herança de tradição platônica, e moderna (sobretudo em Kant e Hegel), é uma “cultura predominantemente de significado” - que ele argumenta ao utilizar, numa perspectiva de dicotomia, de duas vias históricas do pensamento ocidental: cultura da presença/cultura de sentido (Gumbrecht, 2012, p. 61), na qual a verdade é negociável, mas a linguagem é incapaz8 8 O autor se refere à discussão iniciada por Saussure e em seguida por Derrida, entre outros, questionando o pensamento metafísico, a virada pós-linguística, o existencialismo linguístico. de se referir aos objetos do mundo (sobretudo se considerarmos o problema da coisa-em-si); a autorreferência humana é o próprio pensamento, na mesma tradição cartesiana que se utiliza do próprio termo res cogitans [...] (Gumbrecht, 2012, p. 63-64) como “campo hermenêutico”9 9 Para Gumbrecht, são Dilthey, Heidegger e Gadamer os refundadores da hermenêutica moderna. , instância de afastamento da presença dos elementos constitutivos de mundo e que prima por sua interpretação. O autor reconhece que há um problema essencial de tentativas ad infinitum de compensação dos significados das coisas por meio da interpretação:

O campo hermenêutico produz o pressuposto de que os significantes da superfície material do mundo nunca são suficientes para expressar toda a verdade presente na sua profundidade espiritual, e, portanto, estabelece uma constante demanda de interpretação como um ato que compensa as deficiências da expressão (Gumbrecht, 1998GUMBRECHT, Hans Ulrich. Modernização dos Sentidos. São Paulo: Editora 34, 1998., p. 12-13).

Entretanto, antes é preciso diferenciar outros dois paradigmas que, segundo o autor, propiciam, cada um, modos distintos de aproximação aos objetos do mundo, a saber: o conceito de objeto e o de coisa10 10 No seu livro, Produção de presença, Gumbrecht (2010) parece não articular bem esses termos. (Gumbrecht, 1998GUMBRECHT, Hans Ulrich. Modernização dos Sentidos. São Paulo: Editora 34, 1998., p. 65). Anterior ao objeto, temos o conceito de coisa, que, por assim dizer, se perde, em alguma medida, da sua essência incógnita, pela representação denominada em objeto, no âmbito das similitudes, qual seja, da comparação/associação da coisa percebida em representação, no âmbito de uma conjunção de nomes (objetivação) em sinonímia entre objetos; da condição metafísica da linguagem temos o processo de trazer a coisa à realidade linguística e ao entendimento, pelo nome atribuído (objetivação) em sinonímia com outros objetos-denominados. A representação denominada consiste nisso: em trazer à realidade linguística pela atribuição de um nome, que evoca não mais a coisa indiferenciada na linguagem (elemento fora do cosmo), todavia o objeto - como aquilo que é objetivado ao nosso universo sensível, por meio de uma denominação que é sempre uma comparação, mesmo que tácita, com outros objetos-da-apreensão do sujeito. Da tradição de afastamento, ou seja, intrínseca à “imagem cartesiana do mundo” (Gumbrecht, 2010, p. 14), é que se efetivou o antropocentrismo cognitivo cartesiano do cogito ergo sum. Destarte, os fenômenos (ou coisas em vias do percebido) são postos em afastamento: o sujeito cognoscitivo abstrai a coisa em sua consciência como condição de apreensão simbólica e analiticista ‒ quando geralmente é de atribuição de sentido que se fala. Portanto, é nesse contexto de metafísica que, segundo Couto (2007COUTO, Hildo. Ecolinguística: estudo das relações entre língua e meio ambiente. Brasília: Thesaurus, 2007., p. 151), afirmar-se-á a autonomia da linguagem em relação à presença material do mundo dos objetos, priorizando, sobretudo, seu aspecto hermenêutico (e é óbvio que os objetos são elementos susceptíveis da linguagem). Com certas aproximações teóricas, sobre essa convicção Merleau-Ponty (2011, p. 496) defendeu que “[...] se o próprio pensamento não colocasse nas coisas aquilo que em seguida encontraria nelas, ele não teria poder sobre as coisas, não as pensaria” ‒ um olhar condicionado é quando o observador já reconhece o objeto da sua observação, mesmo que intuitivamente ‒; então, para os fenomenólogos do século XX estavam resolvidos os problemas11 11 Acerca dos dilemas da conceituação da relação sujeito objeto do racionalismo dogmático de Descartes, Spinoza, Wolff, Leibniz; do Empirismo Cético de Bacon, Locke e Hume e do Criticismo de Kant. ou aporias apresentados pela Teoria do Conhecimento, desde Descartes até Kant? Gumbrecht afirmaria que há uma primazia (da interpretação) do sujeito sobre o objeto; em vista disso, a propósito do conceito de coisa como fenômeno, Gumbrecht a denomina de res extensa, isto é, aquilo que se apresenta apenas na condição de afastamento espacial e extensivo diante do aparato sensível do sujeito12 12 Tuan (2013) faz uma diferenciação entre espaço e lugar, articulando esses dois conceitos opostos com distanciamento e aproximação. O conceito de espaço é uma representação de lugar, uma abstração, na qualidade de lugar é o marco do ser-no-mundo, onde os seus sentidos estão condicionados às, e construídos nas experiências da presença do sujeito aí situado e implicado. . Para o sujeito, objetos têm sua condição de ser a partir da linguagem e coisas são, por assim dizer, elementos da Natureza susceptíveis à percepção, racionalização (denominação); dessa forma, coisa é um elemento de transição metafísico, entre a natureza incógnita e aberta e a denominação/racionalização em objeto do conhecimento. Por outro lado, a inter-relação com o mundo fundada na presença (Gumbrecht, 2010, p. 15), na lida com os objetos do mundo cotidiano, faria os sujeitos compreenderem que a “percepção não se dá no vazio, mas em um estar-com-o-percebido” (Macedo, 2010MACEDO, Roberto. Etnopesquisa Crítica, Etnopesquisa-Formação. 2. ed. Brasília: Liber Livro, 2010., p. 16), em um encontro que corrobora para o afeiçoamento (no sentido de dar feição, aspecto, forma), pois, “[...] a partir do mundo o ente poderá, então, revelar-se no toque e, assim, tornar-se acessível [...]” (Heidegger, 2006HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Tradução revisada de Márcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis; Bragança Paulista: Vozes ; Universidade São Francisco, 2006., § 12, p. 93) e, desse modo, compreender-se à importância da abertura do mundo ao sujeito, recebida nos atos de respeito, valorização e abrigo a tudo aquilo que se encontra como presença diante corpo. Bergson (2011BERGSON, Henri. Memória e Vida. São Paulo: Martins Fontes, 2011., p. 82) também, com sua “filosofia da presença” nos advertiu que “[...] os objetos que cercam o meu corpo refletem a ação possível do meu corpo sobre eles”, demonstrando assim a mútua influência dessas interações, sobretudo de responsabilidade.

Em contraste com o conceito cartesiano de coisa, Gumbrecht apresenta o conceito de objeto, como aquilo que se encontra presente (prae-esse), isto é, “a nossa frente” (2012, p. 64). Para Heidegger (2001HEIDEGGER, Martin. Sein und Zeit. Achtzehnte Auflage. Unveränderter Nachdruck der fünfzehnten, an Hand der Gesamtausgabe duchgesehenen Auflage. Tübingen: Max Niemeyer Verlag, 2001. ), a tangibilidade dos objetos do mundo requer a instrumentalização de outro objeto visando uma mediação13 13 Die Seinsart von Zeug, in der es sich von ihm selbst her offenbart, nennen wir die Zuhandenheit (Heidegger, 2001,§ 15, p. 69) com a presença do mundo da vida, adquirindo assim a sua utilizabilidade, a sua a manualidade (Zuhandenheit); a realização dessa mediação é a condição histórica exclusiva do sujeito - nisso consistem alguns dos sentidos heideggerianos de técnica. A respeito dessas experiências, é primeiro na lida com o mundo e depois na sua interpretação que os sujeitos “compartilham cognitivamente em comum” (Schutz, 2012SCHUTZ, Alfred. Sobre Fenomenologia e Relações Sociais. Petrópolis: Vozes, 2012., p. 346). Sendo assim, um conceito caro a Gumbrecht (2012, p. 65) é que “o ser-no-mundo é, sem dúvida, uma constituição necessária e a priori da presença [...]” (Heidegger, 2006, § 12) enfatizando sua redescoberta ‒ do corpo como instância de contato com o mundo, mas reconsiderando-a ainda como instâncias da percepção empíricas. Sobre esse In-der-Welt-sein, o próprio Heidegger diz que “[...] o ser-no-mundo é uma condição necessária e a priori da presença, no entanto, não é suficiente para em sua totalidade determinar o seu ser” (Heidegger, 2006, §12, p. 99), visto que o ser presente no mundo se constitui, segundo a tradição metafísica, em ente14 14 “Das In-der-Welt-sein ist zwar eine a priori notwendige Verfassung des Daseins, aber längst nicht ausreichend, um dessen Sein voll zu bestimmen” (Heidegger, 2001, § 12, p. 437). . Por sua vez, Gumbrecht (2010, p. 92) identifica que:

[...] Ser-no-mundo é um conceito perfeitamente ajustado a um tipo de reflexão e análise que tenta recuperar a componente de presença em nossa relação com as coisas do mundo.

Em suas críticas da metafísica ocidental, Gumbrecht (2012GUMBRECHT, Hans Ulrich. Graciosidade e Estagnação: ensaios escolhidos. Rio de Janeiro: Ed. PUC- Rio , 2012. , p. 63) busca demonstrar alguns problemas nessa expressão15 15 Metafísica, Μετά τα φυσικά, significa além das coisas físicas. Título dado por Andrônico de Rodes aos quatorze livros de Aristóteles que, por sua vez, não usou essa expressão. , referentes às “oscilações tensas” e não resolvidas entre linguagem e presença em seus aspectos de polissemia, paradoxos, dissonâncias e colapsos (Gumbrecht, 2010, p. 33) presentes na própria linguagem. Especificamente, ao afirmar que:

‘Metafísica’ refere-se a uma atitude, quer cotidiana, quer acadêmica, que atribui ao sentido dos fenômenos um valor mais elevado do que à sua presença material; a palavra aponta, por isso, para uma perspectiva do mundo que pretende sempre ‘ir além’ (ou ‘ficar aquém’) daquilo que é ‘físico’ (Gumbrecht, 2010GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de Presença - o que o sentido não consegue transmitir. Rio de Janeiro: Ed. PUC- Rio, 2010. , p. 14).

Para isso, ele formula o que denomina de os “dois níveis metafísicos” de relação com a presença do mundo, a saber, “superfície material” relacionada à cultura da presença e “profundidade semântica” (Gumbrecht, 2010GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de Presença - o que o sentido não consegue transmitir. Rio de Janeiro: Ed. PUC- Rio, 2010. , p. 71), pautada na cultura de sentido. Assim, a respeito dessas oscilações, o que na linguagem a representação gostaria de designar (em seu fundamento, em sua origem) a presença aí mesmo oblitera (Nancy, 1993NANCY, Jean-Luc. The Birth to Presence. California: Stanford University Press, 1993. , p. 4-5), deixando escapar o objeto ao longe e reforçando aquilo que Kant denominaria de a impossibilidade da Ding an sich (coisa-em-si). Por causa disso, o autor, ao criticar os paradigmas da hermenêutica e interpretação da cultura de sentidos, assume o compromisso de:

[...] lutar contra a tendência da cultura contemporânea de abandonar, e até esquecer, a possibilidade de uma relação com o mundo fundada na presença. Mais especificamente, assume o compromisso de lutar contra a diminuição sistemática da presença e contra a centralidade incontestada da interpretação nas disciplinas do que chamamos ‘Artes’ e ‘Humanidades’ (Gumbrecht, 2010GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de Presença - o que o sentido não consegue transmitir. Rio de Janeiro: Ed. PUC- Rio, 2010. , p. 15).

Em outra oportunidade, o autor afirmaria mais um aspecto da cultura da presença, de que “[...] os seres humanos se consideram parte do mundo dos objetos e não são ontologicamente separados dele” (Gumbrecht, 2010GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de Presença - o que o sentido não consegue transmitir. Rio de Janeiro: Ed. PUC- Rio, 2010. , p. 65). Em razão dessa copertença, comprova-se “a capacidade humana de imbuir significado no mundo” (Moran, 2010MORAN, Emílio. Adaptabilidade Humana. São Paulo: Edusp, 2010., p. 87), visto que a cultura de presença ressurge em um movimento de saturação epistemológica e visa uma aproximação orgânica, vivencial, e uma interação afetiva, por meio de uma compreensão que não é apenas de sentido; para isso, é necessário repensar o conceito de coisa e reconhecer que esta já se encontra tangente ao sujeito como presença. Segundo Gumbrecht (1992, p. 72),

Pode-se supor esta função de objeto não apenas como um meio, como é enfatizado regularmente, mas também como um sinal do ‘caminho’ [...] em direção a realização no hic et nunc.

Dessa forma, se objeto é um meio e um caminho, entre o cosmo onde subsume à representação do sujeito, a coisa é o meio ao objeto, isto é, da natureza antes indiferenciada à dimensão ordenada do cosmo onde os objetos são denominados, racionalizados, representados. A partir da convergência dos conceitos de Dasein e presença (Gumbrecht, 2004GUMBRECHT, Hans Ulrich. Production of Presence: what meaning cannot convey. Stanford: Stanford University Press, 2004., p. 72), o autor afirma que, por estarem estritamente correlacionados com a substância, estão vinculados “à dimensão espacial e são associados a movimento” (Gumbrecht, 2004, p. 77). Segundo Blanc (2011BLANC, Mafalda de Faria. Introdução à Ontologia. Lisboa: Instituto Piaget, 2011., p. 39), Heidegger “[...] sublinhou em ‘Sein und Zeit’, (na linha do que já fora antes dito por Marx), a primazia da práxis sobre a atitude teorética ou contemplativa” da representação, da interpretação e da significação dos objetos do mundo cotidiano, como práticas de produção de sentidos ‒ “[...] o que se costumava ver como ocupando ambos os lugares do sujeito e do objeto” (Gumbrecht, 1992, p. 4); com efeito, penso que antes de assumir o papel de “significador”, a partir de um contexto dado de significados, é condição do sujeito moderno sujeitar-se às condições de produção de sentidos, e ao próprio conceito constituinte do objeto em questão, no âmbito de um conhecimento anteriormente instituído16 16 Contudo, isto não é regra geral. Dentro das possibilidades de ser do sujeito transitam possibilidades de emancipação conceitual em face dos objetos já dados, isto é, significados; há sempre uma margem de possíveis sentidos dentro da polissemia própria dos objetos, quando neste contexto de emancipação do sujeito; quanto ao objeto, uma oscilação de significados em crise é sempre a crise entre paradigmas. Os sujeitos são e exercem suas funções no âmbito da constante crise paradigmática. A insuficiência de sentidos e a incompletude conceitual dos objetos, no conjunto de uma área de conhecimento, evidencia que o paradigma fundador não propicia devidamente uma aproximação conceitual e representacional do objeto à verdade da coisa (elemento constituinte da Natureza). . O autor ainda coloca o problema da práxis (Gumbrecht, 1992, p. 27-28), não como Marx, mas a partir de Heidegger, no sentido de lida, no sentido de termo que fundamenta sua argumentação sobre “cultura de presença” (Gumbrecht, 1992, p. 64), em conexão com a noção de dionisíaco (Nietzsche), ser-no-mundo, existência situada (Heidegger), multirreferencialidade (Ardoino), transdisciplinaridade (Nicolescu), ecolinguística (Couto), Etnoecologia (Toledo), complexidade (Morin, 2000MORIN, Edgar. Ciência com Consciência. Rio de Janeiro: Bertrand, 2000.), sobretudo o conceito de ecologia dos saberes (Santos) ‒ característico da cultura da presença ‒, que tem como proposta uma abertura a outras formas de conhecimentos (étnicos, popular, do senso comum) ante o saber majoritário das ciências interpretativas (cultura do sentido).

Amalgamações da Linguagem

No seu artigo, Presença Na Linguagem ou Presença contra a Linguagem?, Gumbrecht (2006bGUMBRECHT, Hans Ulrich. Presence in Language or Presence Achieved against Language?. Revista Brasileira de Literatura Comparada, Niterói, Universidade Federal Fluminense, v. 8, n. 8, p. 129-138, 2006b.) apresenta algumas evidências históricas sobre a cultura da presença, que ele define como “os seis tipos de amalgamações entre linguagem e presença” (2004, p. 65): a linguagem falada como realidade física; as práticas fundamentais da filologia; qualquer tipo de linguagem capaz de causar uma experiência estética à experiência mística no âmbito da linguagem do místico, em sua simbologia17 17 Segundo Durand, (1993, p. 10), também “[...] o símbolo é, como alegoria, recondução do sensível, do figurado ao significado, mas é também, pela própria natureza do significado inacessível, epifania, isto é, aparição, através do e no significante, do indizível [...]”. ; a abertura da linguagem para o mundo dos objetos; a literatura como lugar da epifania. Todos eles primando muito mais por um retorno às coisas mesmas do que pelo sentido dessas coisas na condição de objetos; são menos cognitivos e mais “momentos de intensidade” (Gumbrecht, 2004, p. 98). Na primeira amalgamação, Gumbrecht nos lembra do conceito de volume da linguagem, de Gadamer (diferenciando do seu caráter proposicional e apofântico), ao aspecto percussivo da sonoridade da linguagem junto ao corpo humano como realidade física. Em seu texto The Power of Philology, ele dá um exemplo dessa cultura da presença, citando a segunda amalgamação.

A minha impressão é que, de diferentes maneiras, todas as práticas filológicas geram desejos de presença, desejos de uma relação física e espaço mediativa com as coisas do mundo (incluindo textos), e que esse desejo de presença é de fato o terreno em que a filologia pode produzir efeitos de tangibilidade (Gumbrecht, 2003GUMBRECHT, Hans Ulrich. The Powers of Philology: dynamics of textual scholarship. University of Illinois Press 2003., p. 7).

A terceira, a linguagem capaz de proporcionar “experiências vividas” (äesthetisches Erleben), no âmbito de uma fenomenologia da estética, e não como experiência interpretativa ou representação, mas como percepção puramente física18 18 É válido considerar tal experiência na primeira pessoa, a do artista, na lida da techné. (Gumbrecht, 2010GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de Presença - o que o sentido não consegue transmitir. Rio de Janeiro: Ed. PUC- Rio, 2010. , p. 129), como “coisas que literalmente afetam nosso corpo” (Heidegger, 2010HEIDEGGER, Martin. A Origem da Obra de Arte. São Paulo: Edições 70, 2010., p. 59) em sua ação de presença. Por exemplo, para Luhmann, a comunicação no sistema de arte é uma forma de comunicação dentro da qual a percepção (puramente sensorial) não é apenas uma pressuposição, mas um conteúdo transmitido, junto com o significado da palavra (Gumbrecht, 2012, p. 68). A experiência mística19 19 Em seu livro, Egocentrismo e Mística, Tugendhat (2013, p. 127) coloca-a em primeira pessoa. Diferentemente da religião, a mística está acessível a todas as pessoas chamadas também de multiplicidade do mundo fenomênico. e a linguagem do místico [...] produzem o efeito paradoxal de estimular imaginações que parecem tornar palpável essa presença (2012, p. 69); na abertura da linguagem para o mundo dos objetos usa-se as palavras para apontar para objetos em vez de representá-los (2012, p. 69); a literatura como lugar da epifania (2012, p. 70), cujos melhores exemplo estão nas obras de James Joyce, sobretudo ao afirmar acerca de “[...] uma manifestação súbita, quer na vulgaridade do discurso ou do gesto, ou em uma fase memorável da própria mente” (Joyce, 1993, p. 113); a epifania é a identidade universal de todos os homens (White, 2003WHITE, Edmund. Genet: uma biografia. São Paulo: Editora Record, 2003. , p. 490), quando o indivíduo se põe ao nível das coisas (Sant’anna, 1973SANT’ANNA, Affonso Romano de. A Análise Estrutural de Romances Brasileiros. Vozes: Petrópolis, 1973., p. 197) e, na lida, com elas interage; ou no momento em que uma coisa deixa ser percebida como fenômeno, no entrevisto da sua essência, anterior a sua descoberta em denominação e em palavra, no horizonte da linguagem; na estética - assim como no místico -, o efeito de presença é a epifania como acontecimento imprevisível; por assim dizer, a epifania é sempre um acontecimento anterior ao “logos”. Sobre cultura de presença e cultura de sentidos, Gumbrecht (2010, p. 15) defende uma relação que oscile entre efeito de presença e efeito de sentidos, porque reconhece a amalgamação, a ligadura entre presença e sentido, visto que “[...] o homem é um animal amarrado às teias de significação que ele mesmo teceu” (Geertz, 2011GEERTZ, C. A Interpretação da Cultura. Reimpressão da 1. ed. Rio de Janeiro: Editora LTC, 2011., p. 4). Mesmo nessa relação, pode-se perceber uma diferenciação: “o corpo como lugar” da presença e da imanência, e “a mente como espaço” dos sentidos e da transcendência (Tuan, 2014TUAN, Yi-Fu. Space and place - 2013 / Espaço e lugar - 2013. Geograficidade, Niterói, v. 4, n. 1, p. 4-13 2014., p. 8). Como presença, os objetos “[...] devolvem ao meu corpo, tal como o faria um espelho, sua eventual influência; ordenam-se segundo as capacidades crescentes ou decrescentes do meu corpo” (Bergson, 2011BERGSON, Henri. Memória e Vida. São Paulo: Martins Fontes, 2011., p. 82).

Considerações Finais

Ao demonstrar os aspectos contrastantes da cultura de sentido e cultura de presença, Gumbrecht explica que a dimensão da presença é uma questão para análise, como um dos paradigmas basilares da Metafísica; isso ocorre pelo ato mesmo da sua configuração analítica, isto é, de se colocar espacialmente distante do objeto, de uma empatia sem tangência, muito mais interpretativa e hermenêutica, por meio, sobretudo, da apoderação de sentidos, visto que prioriza menos a dimensão empírica. A Cultura de Sentido pode ser entendida como um afastamento do outro, da vida e da natureza sem perder a chancela de atribuição analítica de sentidos às coisas, através da linguagem. Por outro lado, a cultura da presença diz respeito a uma materialidade ontológica - transita por uma dimensão ontológica ecovivencial onde a presença é um fundamento da experiência das coisas, visto que a materialidade da linguagem é o liame do sujeito com o mundo, numa profunda empatia que não anula suas alteridades. A Cultura da Presença gumbrechtiana tem forte relação com a ecolinguística, porque aponta as possibilidades do vínculo íntimo da linguagem com o meio ambiente, isto é, com a experiência da materialidade polissêmica da vida. Assim, reconsiderando as Humanidades, sobretudo a Filosofia e as ciências qualitativas, a cultura da presença nos exorta a desenvolver inter-relações reflexivas, tangíveis e afetivas implicadas ao Outro, ao lugar (oikos) onde habitamos.

O problema da presença na metafísica está condicionado às questões linguísticas e conceituais de constituição histórica próprias da reflexão e metodologia de atribuição de sentidos aos objetos para além - o que não apreende sua configuração física, apenas interpretativa, representacional. E essa tendência de afastamento é uma constante nas ciências instituídas na Modernidade, consequentemente um afastamento das questões sociais, ecológicas e étnicas. Tomando os aspectos cotidianos da cultura de produção da presença, pode-se aferir daí que a relação do sujeito com o objeto é motivada por aspectos também afetivos20 20 Zizek (2008, p. 30) nos diz que “[...] o modo fundamental da passividade do objeto, de sua presença passiva, é a que comove e incomoda” – sua percepção nos motiva a achegar-nos aos objetos, tendo como resultado uma relação de presença. Diferentemente, Aristóteles, ao exortar acerca do “amor ao vinho”, afirmou que “não pode haver reciprocidade com objeto inanimado”, portanto, o objeto não instaria o sujeito a uma aproximação. Esse filósofo clássico atribuía assim ao sujeito total iniciativa de ir aos objetos. , a partir das atribuições de sentidos no lidar, a partir das necessidades que motivam sua práxis. Numa radicalização fenomenológica, seria a linguagem mais que um instrumento de mediação (Zuhandenheit), em que as duas vontades (consciência mediadora e fenômeno imediato) se encontram em possibilidades provisórias de significação? De todo modo, a presença gumbrechtiana estaria estreitamente relacionada ao termo heideggeriano de mundo-da-vida (In-der-Welt-sein), compreendido anteriormente na condição de conjunto transcendental de significados e de sentidos, que é primeiro vivido na lida, nos contatos ônticos do Dasein com a presença deste mundo e, em seguida, entendido por sua hermenêutica característica: a ontologia possível da sua linguagem.

Referências

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  • ŽIŽEK, Slavoj. A Visão em Paralaxe. Tradução de Maria Beatriz de Medina. São Paulo: Boitempo, 2008.
  • 42
    Este texto inédito também se encontra publicado em inglês neste número do periódico.
  • 1
    Sobre atribuição de sentidos aos “objetos incapazes de reciprocidade”, de um ponto de vista bastante diferente de Gumbrecht (partilha de sentidos de objetos que são recíprocos pelo simples fato de estarem disponíveis e possíveis de vivenciá-los), veja Tamen (2003TAMEN, Miguel. Amigo de Objetos Interpretáveis. Lisboa: Assírio & Alvim, 2003., p. 12-14). Para Tamen (baseado em Aristóteles), a passividade do objeto é absoluta: essa ausência de reciprocidade dos objetos ocorre pelo fato de que não comunicam nem interagem/dialogam com o sujeito por meio de uma linguagem própria, lógica, familiar e especificamente apreendida cognitivamente. No objeto, reverbera apenas aquilo que o sujeito pensa e diz, como projeção que retorna do objeto (2003, p. 13), nisso também “embaralha” o conceito de objeto e de coisa ao mesmo tempo.
  • 2
    Desde a antropologia, passando pela religião à literatura, o autor defende uma grande diversidade de saberes e fazeres tradicionais ou não, instituídos ou não, em que a produção de presença (2010) é muito perceptível. Assim sendo, por causa da valorização da diversidade epistemológica do mundo (Santos, 2010) e da conexão transdisciplinar desse assunto e dessa pesquisa, o autor nos apresenta discursos científicos não excludentes e que visa prestigiar outras formas de consciência e de produção de saberes engajados à cultura humana – condição de que a epistemologia moderna vigente se desfez.
  • 3
    Anterior ao objeto, eis a coisa-em-si, que se perde, em alguma medida, da sua essência pela representação. A representação é aqui um processo de objetivação e racionalização linguístico-cognitivo dos elementos constitutivos de mundo, percebidos sob a condição de denominação de sentidos e apreensão por similitudes, isto é, por correlação com outros elementos conhecidos, objetivados no âmbito das representações.
  • 4
    Segundo Chomsky (1997CHOMSKY, Noam. Chomsky no Brasil. Revista DELTA, São Paulo, v. 13, p. 184, São Paulo, 1997., p. 184), “[...] a ciência começa quando você compreende que para encontrar a realidade você tem que se afastar dos fenômenos”.
  • 5
    Der nur ‘theoretisch’ hinsehende Blick auf Dinge entbehrt des Verstehens von Zuhandenheit (Heidegger, 2001HEIDEGGER, Martin. Sein und Zeit. Achtzehnte Auflage. Unveränderter Nachdruck der fünfzehnten, an Hand der Gesamtausgabe duchgesehenen Auflage. Tübingen: Max Niemeyer Verlag, 2001. , § 15, p. 69).
  • 6
    Couto (2007COUTO, Hildo. Ecolinguística: estudo das relações entre língua e meio ambiente. Brasília: Thesaurus, 2007., p. 151-155) oferece um panorama da evolução conceitual da linguagem a partir da tradição da Metafísica e das novas reflexões, às quais ele denomina, entre outras, ecolinguística.
  • 7
    A conceituação em literatura de hipermediação versus corporeidade, nostalgia do corpo perdido.
  • 8
    O autor se refere à discussão iniciada por Saussure e em seguida por Derrida, entre outros, questionando o pensamento metafísico, a virada pós-linguística, o existencialismo linguístico.
  • 9
    Para Gumbrecht, são Dilthey, Heidegger e Gadamer os refundadores da hermenêutica moderna.
  • 10
    No seu livro, Produção de presença, Gumbrecht (2010GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de Presença - o que o sentido não consegue transmitir. Rio de Janeiro: Ed. PUC- Rio, 2010. ) parece não articular bem esses termos.
  • 11
    Acerca dos dilemas da conceituação da relação sujeito objeto do racionalismo dogmático de Descartes, Spinoza, Wolff, Leibniz; do Empirismo Cético de Bacon, Locke e Hume e do Criticismo de Kant.
  • 12
    Tuan (2013TUAN, Yi-Fu. Espaço e Lugar - a perspectiva da experiência. Londrina: Eduel , 2013. ) faz uma diferenciação entre espaço e lugar, articulando esses dois conceitos opostos com distanciamento e aproximação. O conceito de espaço é uma representação de lugar, uma abstração, na qualidade de lugar é o marco do ser-no-mundo, onde os seus sentidos estão condicionados às, e construídos nas experiências da presença do sujeito aí situado e implicado.
  • 13
    Die Seinsart von Zeug, in der es sich von ihm selbst her offenbart, nennen wir die Zuhandenheit (Heidegger, 2001HEIDEGGER, Martin. Sein und Zeit. Achtzehnte Auflage. Unveränderter Nachdruck der fünfzehnten, an Hand der Gesamtausgabe duchgesehenen Auflage. Tübingen: Max Niemeyer Verlag, 2001. ,§ 15, p. 69)
  • 14
    “Das In-der-Welt-sein ist zwar eine a priori notwendige Verfassung des Daseins, aber längst nicht ausreichend, um dessen Sein voll zu bestimmen” (Heidegger, 2001, § 12, p. 437).
  • 15
    Metafísica, Μετά τα φυσικά, significa além das coisas físicas. Título dado por Andrônico de Rodes aos quatorze livros de Aristóteles que, por sua vez, não usou essa expressão.
  • 16
    Contudo, isto não é regra geral. Dentro das possibilidades de ser do sujeito transitam possibilidades de emancipação conceitual em face dos objetos já dados, isto é, significados; há sempre uma margem de possíveis sentidos dentro da polissemia própria dos objetos, quando neste contexto de emancipação do sujeito; quanto ao objeto, uma oscilação de significados em crise é sempre a crise entre paradigmas. Os sujeitos são e exercem suas funções no âmbito da constante crise paradigmática. A insuficiência de sentidos e a incompletude conceitual dos objetos, no conjunto de uma área de conhecimento, evidencia que o paradigma fundador não propicia devidamente uma aproximação conceitual e representacional do objeto à verdade da coisa (elemento constituinte da Natureza).
  • 17
    Segundo Durand, (1993DURAND, Gilbert. A Imaginação Simbólica. Lisboa: Edições 70, 1993., p. 10), também “[...] o símbolo é, como alegoria, recondução do sensível, do figurado ao significado, mas é também, pela própria natureza do significado inacessível, epifania, isto é, aparição, através do e no significante, do indizível [...]”.
  • 18
    É válido considerar tal experiência na primeira pessoa, a do artista, na lida da techné.
  • 19
    Em seu livro, Egocentrismo e Mística, Tugendhat (2013TUGENDHAT, Ernst. Egocentrismo e Mística. São Paulo: Martins Fontes , 2013., p. 127) coloca-a em primeira pessoa. Diferentemente da religião, a mística está acessível a todas as pessoas chamadas também de multiplicidade do mundo fenomênico.
  • 20
    Zizek (2008ŽIŽEK, Slavoj. A Visão em Paralaxe. Tradução de Maria Beatriz de Medina. São Paulo: Boitempo, 2008., p. 30) nos diz que “[...] o modo fundamental da passividade do objeto, de sua presença passiva, é a que comove e incomoda” – sua percepção nos motiva a achegar-nos aos objetos, tendo como resultado uma relação de presença. Diferentemente, Aristóteles, ao exortar acerca do “amor ao vinho”, afirmou que “não pode haver reciprocidade com objeto inanimado”, portanto, o objeto não instaria o sujeito a uma aproximação. Esse filósofo clássico atribuía assim ao sujeito total iniciativa de ir aos objetos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2017

Histórico

  • Recebido
    16 Nov 2016
  • Aceito
    25 Jun 2017
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