Acessibilidade / Reportar erro

A Arte do Encontro, uma Arte da Distância: de Thomas Richards e Mario Biagini a Jerzy Grotowski

The Art of the Encounter, an Art of Distance: from Thomas Richards and Mario Biagini to Jerzy Grotowski

L'Art de la Rencontre, un Art de l'Évitement: de Thomas Richards et Mario Biagini à Jerzy Grotowski

RESUMO

Este texto apresenta o ato teatral como uma passagem, a partir do testemunho das ações de Thomas Richards e Mario Biagini que se inscrevem em um protocolo de trabalho nascido da herança de Jerzy Grotowski. Trata-se do instante no qual a arte como veículo, como escreveu Peter Brook, se confunde com a arte do encontro. Trata-se, ainda, do momento no qual a experiência transmitida pelo teatro provoca o desaparecimento das fronteiras e dos limites entre a cena, o ator e o espectador. A arte do encontro corresponde, então, à incorporação do espectador no processo teatral que favorece um retorno da presença de si mesmo, o desaparecimento do estranhamento de si.

Palavras-chave:
Jerzy Grotowski; Thomas Richards; Mario Biagini; Workcenter; Crítica Teatral

ABSTRACT

This text presents the theatrical act as a passage, based on the observation of the actions of Thomas Richards and Mario Biagini that belong to a work protocol left by Jerzy Grotowski. This is the moment in which art as a vehicle, as Peter Brook wrote, merges with the art of the encounter. It is also the moment in which the experience transmitted by theatre causes the disappearance of boundaries and limits between scene, actor and spectator. The art of the encounter corresponds, then, to the inclusion of the spectator into the theatrical process which favours a return of the presence of oneself, the disappearance of self-estrangement.

Keywords:
Jerzy Grotowski; Thomas Richards; Mario Biagini; Workcenter; Theatre Criticism

RÉSUMÉ

Témoin des actions de Thomas Richards et Mario Biagini qui s'inscrivent dans un protocole de travail né dans le prolongement de la parole de Jerzy Grotowski, l'acte théâtral s'apparente à un passage. C'est l'instant où l'art comme véhicule, comme l'a écrit Peter Brook, se confond à un art de la rencontre. C'est le moment où l'expérience transmise par le théâtre provoque la disparition des frontières et des limites entre la scène, l'acteur et le spectateur. L'art de la rencontre correspond alors à l'incorporation du spectateur au processus théâtral qui favorise un retour de la présence à soi-même, la disparition de l'étrangeté à soi.

Mots-clés:
Jerzy Grotowski; Thomas Richards; Mario Biagini; Workcenter; Critique Théâtrale

Texto completo disponível apenas em PDF.

Full text available only in PDF format.

Referências

  • ACADÉMIE ACADÉMIE Expérimentale des Théâtres Traversées, 1990-2001. Paris: Monum éditions du Patrimoine, 2001.
  • BANU, George. De la Parole aux Chants. Arles: Actes Sud Papiers et Académie Expérimentale dês Téâtres, 1995.
  • BARTHES, Roland. Le Bruissement de la Langue. Paris: Seuil, 1984.
  • BARTHES, Roland. Le Plaisir du Texte. Paris: Seuil , 1973.
  • DIDEROT, Denis. La Promenade du Sceptique ou les Allées {1747}. Texto estabelecido por J. Assézat. Paris: Garnier, 1875-77. P. 177-250.
  • FLASZEN, Ludwig. Deux Précurseurs: Bretch et Grotowski. In: BANU, George. De la Parole aux Chants. Arles: Actes Sud Papiers et Académie Expérimentale dês Téâtres , 1995. P. 40-44.
  • GROTOWSKI, Jerzy (editado por George Banu). L'Art du débutant. International Théâtre Information. Varsóvia, jun. 1978. P. 2-6.
  • GROTOWSKI, Jerzy. Jerzy Grotowski, le Théâtre et le Rite. Journal France-Pologne Peuples Amis, n. 18-29, p. 12-20, 1968.
  • GROTOWSKI, Jerzy. Le Prince Constant d'après le texte de Caldéron, par Jerzy Grotowski assisté par Ludwig Flaszen, à Wroclav-Rynek - Ratusz 27. Programme du Théâtre-Laboratoire Rzedow 13, édité à l'occasion de la mise en scène, en 1965. Les textes de la brochure ont été traduits par Jan Blonski.
  • GROTOWSKI, Jerzy. Tu es le Fils de Quelqu'un. Europe, Paris, n. 726, p. 13-25, 1989.
  • HÖLDERLIN, Friedrich. Hymnes. In: Hölderlin. Paris: Gallimard, Bibliothèque de la Pléiade, 1967.
  • KANT, Emmanuel. La Critique de la Faculté de Juger. Paris: Vrin, 1993.
  • KOKOSOWSKI, Michelle. Académie Expérimentale des Théâtres Traversées, 1990-2001. Paris: Monum éditions du Patrimoine , 2001.
  • MISRAHI, Robert. Construction d'un Château, Comment Faire de sa Vie une Œuvre. Paris: Entrelacs, 2006.
  • NIETZSCHE, Friedrich. La Naissance de la Tragédie. Paris: Gallimard, 1949.
  • RICHARDS, Thomas; BIAGINI, Mario. Dossiê de Imprensa do Centre Dramatique National-Comédie de Caen, por ocasião da vinda do Workcenter In: LACASCADE, Eric (Org.). jun./jul. 2004.
  • RICHARDS, Thomas. The Edge-point of Performance: entrevista realizada por Lisa Wolford. Pontedera. Séries de Documentações do Workcenter de Jerzy Grotowski, 1997.
  • TEMKINE, Raymonde. Quid de Grotowski. Europe"Le théatre ailleurs autrement", Paris, n. 726, p. 10-13, out. 1989.
  • 1
    Esse tema foi sugerido pelo meu amigo Eric Vautrin, professor na área de Estudos Teatrais na Universidade de Caen. Nessa época, ocorreu uma série de conferências no Institut Mémoire de l'Edition Contemporaine, na Abadia de Ardênia. Na primavera de 2012, Eric Vautrin criou um simpósio sobre a Arte do Encontro, fundamentado especialmente nos arquivos de Jerzy Grotowski (que estão parcialmente depositados no IMEC, na parte concernente a Pontedera. Outros arquivos estão disponíveis em Wroclaw, na Polônia). Entre os convidados estava o meu amigo Mario Biagini do Workcenter of Jerzy Grotowski. Eu tinha respondido "sim" ao convite e tinha partido de Marselha, onde ensino teatro. Enfim, para ser exato, eu tinha pegado um avião, porque eu estava em Toulouse por razões profissionais. Eu embarquei de madrugada, cheguei no início da tarde em Caen e estava extremamente cansado, na verdade, esgotado. Então, comecei a falar sobre a Arte da distância. Essa história dialoga com os meus comentários iniciais de que a vida universitária está sempre presente no que se diz.
  • 2
    Arte como veículo é uma das expressões que Peter Brook cunhou para uma das etapas da pesquisa de Jerzy Grotowski. A respeito dessa noção, Peter Brook diz: "{...} a partir do momento em que se começa a explorar as possibilidades do homem, querendo ou não, tendo medo do que isso representa ou não, é preciso se posicionar categoricamente diante do fato de que essa pesquisa é uma busca espiritual {...}" (apud Temkine, 1989, p. 11).
  • 3
    Jerzy Grotowski assinara o seu último espetáculo em 1968 (Apocalypsis cum figuris) para logo em seguida se dedicar completamente à sua pesquisa. De 1986 até sua morte (1999) ele fez isso com o apoio da Fondazione Pontedera de Teatro dirigida por Roberto Bacci.
  • 4
    Isso aconteceu logo após a transição representada por One breath left, definido como um espetáculo/não espetáculo, que Thomas Richards e Mario Biagini tinham assumido desde 1998.
  • 5
    Primeiro de 13 de junho a 17 de julho de 2011. Depois, em maio de 2012. Para mais informações sobre o funcionamento do programa, consultar o site do Teatro de Radeau: <http://www.lafonderie.fr/spip.php?rubrique25>.
  • 6
    Um livro testemunha essa experiência inacreditável (Kokowski, 2001).
  • 7
    Uma "Ação", segundo o glossário da Academia, define-se do seguinte modo: "{...} o defeito de ser se repara ao fazer" (Académie..., 2001, p. 228). Deve-se a Pierre Henri a existência desse glossário.
  • 8
    Os "Mestres" qualificam-no detentor de um segredo que ele roubou de outro mestre. Os mestres são os pais da Academia "{...} o silêncio deles é inestimável" (Académie..., 2001, p. 228). Entre os mestres, a "mestra da casa" referência que Koko faz de si mesma, eis os que contribuíram com seus conhecimentos Tadeusz Kantor, Jerzy Grotowski, Giorgio Strehler, Heiner Müller, Klaus Mickael Grüber, etc.
  • 9
    Como não fui testemunha da obra cênica de Jerzy Grotowski, mesmo tendo visto muitos filmes que permitam ter uma ideia do processo dramático, eu não posso falar da obra artística do autor. Na verdade, o espectador fazia parte integral do programa teatral. A restrição que faço é, portanto, de ordem ética.
  • 10
    Esta prática da crítica que me confere a identidade de crítico dramático acabou por me inserir em uma prática de escrever sobre os espetáculos que assisto. Ou seja, é uma organização da linguagem. Retornarei posteriormente a discutir sobre esse aspecto, principalmente a partir do que me foi transmitido por Michelle Kokosowki, Thomas Richards e Mario Biagini e a partir do que comecei a situar nas histórias contadas.
  • 11
    The Living Room foi apresentada no Théâtre du Radeau-La Fonderie du Mans nos dias primeiro e dois de julho de 2011. Tratava-se de uma forma performativa que procedia do trabalho de Thomas Richards sobre A Arte como veículo. Esse trabalho baseava-se na noção de acolhimento do outro, que é uma ação fundamental e que permite questionar como as potencialidades do ofício performativo podem, às vezes, enriquecer e ser enriquecidas pelas relações e realidades interpessoais cotidianas.
  • 12
    Após várias retomadas, a palavra "raiz" vem do pensamento de Jerzy Grotowski. Especialmente quando ele se dá conta da natureza das relações, através de um ser ou de um indivíduo que ao se tornar ator deve cativar e logo após se distanciar do homem moderno que ele é, submisso ao desenvolvimento da sociedade moderna. No período do Teatro Laboratório e de suas pesquisas, Jerzy Grotowski comentará frequentemente a respeito desse "conflito". Pode-se ler frequentemente a seguinte referência: "o homem moderno está separado de suas raízes" (Grotowski, 1968, p. 14).
  • 13
    Jerzy Grotowski explica, então, sua evolução: "{...} após ter estado no período do teatro de espetáculo, nós estivéramos no período do parateatro que terminou em 1978 para começar outra etapa que, para ser compreendida, exigia que se ressaltasse a grande diferença entre workshop, quer dizer atelier ou estágio, e obra-processo. Isso é muito importante de ser compreendido. Se não há divisão entre o ator-espectador e a ação, e se nós já estamos em curso de fazer emergir uma ação que dure, que se passe durante várias horas, dias e noites, englobando várias pessoas, isso não se trata de um workshop. É uma obra, mas uma obra que está unicamente em processo, ou seja, uma obra-afluente, a obra consigo mesma, a obra dos seres humanos que, ao mesmo tempo, são sua substância" (Grotowski, 1978, p. 8).
  • 14
    Cabe-me antecipar não a advertência, mas a crítica dessa abordagem. Em busca de um ponto comum entre o trabalho teatral e os espetáculos, o Teatro Laboratório, as diferentes etapas de sua pesquisa, nós consideramos a ideia de que a interrogação e o questionamento sobre o espectador, seu espaço e seu papel, jamais estiveram fora de questão. Ao reunir diferentes materiais de Jerzy Grotowski, o que nos pareceu, é justamente essa recorrência sobre um questionamento sobre o espectador que, finalmente, não é mais estranho ao trabalho teatral. Mesmo que coloquemos na obra diferentes traços, tomados de uma história complexa feita de estratos e orientações diversas, o que nós desenhamos e pressentimos do trabalho de Jerzy Grotowski é a existência de um pensamento organizado como um arquipélago, no qual os elementos que, às vezes, parecem distantes, no entanto, estão ligados. É justamente isso que tentamos mostrar.
  • 15
    Nós fazemos referência a uma das fotos que figura no programa do Théâtre-Laboratoire Rzedow 13 editado na apresentação em 1965, do espetáculo O Príncipe Constante, a partir do texto de Calderón, por Jerzy Grotowski, dirigido por Ludwig Flaszen, em Wroclav - Rynek Ratusz 27. Os textos do livro foram traduzidos por Jan Blonski.
  • 16
    Kordian (1962), Akropolis (1962-1965), Doktor Faustus (1963), Le Prince Constant (1965), Apocalypsis cum Figuris (1968).
  • 17
    Jerzy Grotowski, quando fala do espectador, está falando de "testemunha autêntica" (1968, p. 15).
  • 18
    Sobre o canto, pode-se reler a pequena coletânea de textos recolhidos por Georges Banu (1995). E, também, certamente, a contribuição de Ludwig Flaszen (1995).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2013

Histórico

  • Recebido
    06 Out 2012
  • Aceito
    12 Dez 2012
Universidade Federal do Rio Grande do Sul Av. Paulo Gama s/n prédio 12201, sala 700-2, Bairro Farroupilha, Código Postal: 90046-900, Telefone: 5133084142 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: rev.presenca@gmail.com