As disputas em torno da definição do modelo de justiça juvenil do Estatuto da Criança e do Adolescente / Controversy over the juvenile justice model underpinning the Child and Adolescent Statute

Autores

DOI:

https://doi.org/10.1590/15174522-117917

Palavras-chave:

justiça juvenil, punição, Estatuto da Criança e do Adolescente, reformas legislativas, política criminal

Resumo

No presente artigo, busca-se analisar um processo concreto: as disputas travadas na arena política e profissional em torno da definição da justiça juvenil no Brasil ao final dos anos 1980. O questionamento que deu origem à pesquisa decorre do interesse em verificar se a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, constitui uma ruptura em relação ao modelo anterior, previsto nos Códigos de Menores de 1927 e 1979. Isso porque, geralmente, retrata-se o ECA como uma “revolução”, uma “mudança de paradigma” em relação ao modelo anterior, ou seja, como expressão de ruptura com o momento precedente. Para isso, optamos por recuperar essa disputa, buscando captar os modos de pensar ou racionalidades sobre a justiça juvenil, as representações sociais sobre jovens e criminalidade e os atores envolvidos nesse processo, especialmente a partir de entrevistas e discursos parlamentares. Com isso, concluímos que as disposições no ECA sobre justiça juvenil são resultado das disputas travadas no campo jurídico por aqueles identificados como “garantistas” e “menoristas” e que, apesar de trazerem inovações no sentido de impor limitações à intervenção estatal, ainda apresentam continuidades com relação ao modelo anterior.

 

====

 

In this article, we seek to analyze a concrete process: the struggles in the political and professional arena around the definition of juvenile justice in Brazil at the end of the 1980s. The approval of the Child and Adolescent Statute (Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA) in 1990 is often represented as a rupture with the previous model, provided for in the Code for Minors (Código de Menores) of 1927 and 1979. Generally, the ECA is framed as a “revolution”, a “paradigm shift” in relation to the previous model, that is, as an expression of a rupture with the previous moment. For this, we chose to recover this struggle, seeking to capture the ways of thinking or rationalities about juvenile justice, the social representations about youth and criminality and the actors involved in this process, especially from interviews and parliamentary speeches. With this, we conclude that the juvenile justice content in ECA is the result of disputes fought in the juridical field by those identified as “garantistas” and “menoristas” and, despite bringing innovations in the sense of imposing limitations on state intervention, it still presents continuities in relation to the previous model.

Downloads

Não há dados estatísticos.

Biografia do Autor

Ana Claudia Cifali, Instituto Alana

Advogada, Mestre em Cultura de Paz, Conflictos, Educación y Derechos Humanos pela Universidad de Granada (Espanha) e Doutora em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Referências

ADORNO, Sérgio. Os aprendizes do poder: o bacharelismo liberal na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

AGUIAR, Nelson. Discurso proferido na Câmara dos Deputados. Diário do Congresso Nacional, ano XLIV, n. 5, 23 fev. 1989a, p. 269. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD23FEV1989.pdf#page=19.

AGUIAR, Nelson. Discurso proferido na Câmara dos Deputados. Diário do Congresso Nacional, ano XLIV, n. 2, 17 fev. 1989b, p. 126. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD17FEV1989.pdf#page=102.

AGUIAR, Nelson. Discurso proferido na Câmara dos Deputados. Diário do Congresso Nacional, ano XLIV, n. 127, 29 set. 1989c, p. 10794. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD29SET1989.pdf#page=128>.

ALTOÉ, Sônia. Infâncias perdidas: o cotidiano nos internatos-prisão. Rio de Janeiro: Xenon, 1990.

ALVAREZ, Marcos César. Bacharéis, criminologistas e juristas: saber jurídico e nova escola penal no Brasil. São Paulo: IBCCRIM, 2003.

ALVAREZ, Marcos César. A emergência do Código de Menores de 1927: uma análise do discurso jurídico e institucional de assistência e proteção aos menores. Dissertação (Mestrado em Sociologia), Universidade de São Paulo, São Paulo, 1989.

ANDRADE, Ademir. Discurso proferido na Câmara dos Deputados. Diário do Congresso Nacional, ano XLIV, n. 116, 14 set. 1989, p. 9428. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD14SET1989.pdf#page=137.

AS CRIANÇAS na Constituinte. Plenarinho.11. nov. 2018. Disponível em: https://plenarinho.leg.br/index.php/2017/03/17/as-criancas-na-constituinte/.

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm.

BUDÓ, Marília de N.; CAPPI, Riccardo. Punir os jovens? A centralidade do castigo nos discursos midiáticos e parlamentares sobre o ato infracional. Belo Horizonte: Letramento, 2018.

CAMATA, Rita. Discurso proferido na Câmara dos Deputados. Diário do Congresso Nacional, ano XLV, n. 79, 30 jun. 1990, p. 8302. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD30JUN1990.pdf#page=14.

CAMPOS, Ângela V. D. de S. O menor institucionalizado um desafio para a sociedade: atitudes, aspirações e problemas para sua reintegração na sociedade. Petrópolis: Vozes, 1984.

CAPPI, Riccardo. A maioridade penal nos debates parlamentares: motivos de controle e figuras de perigo. Belo Horizonte: Letramento, 2017.

CARVALHO; Amilton B. de; CARVALHO, Salo de. Direito alternativo brasileiro e pensamento jurídico europeu. São Paulo: Lumen Juris, 2004.

CAVALLIERI, Alyrio. Direito do menor. Rio de Janeiro: Forense, 1986.

CDDH - Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente. Círculo Operário Leopoldense. 30 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a contribuição de São Leopoldo na garantia de direitos. São Leopoldo, 2020. Disponível em: http://col.org.br/site/wp-content/uploads/2020/07/Publica%C3%A7%C3%A3o-online-CDDH-30-anos-ECA.pdf.

CIFALI, Ana Claudia. As disputas pela definição da justiça juvenil no Brasil: atores, representações sociais e racionalidades. 2019. Tese (Doutorado em Ciências Criminais), Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2019.

CORNELIUS, Eduardo Gutierrez. O pior dos dois mundos? A construção legítima da punição de adolescentes no Superior Tribunal de Justiça. São Paulo: IBCCRIM, 2018.

COSTA, Antônio Carlos G. da.; KAYAYAN, Agop; FAUSTO, Ayrton. Prefacio. Do avesso ao direito – de menor a cidadão. In: FAUSTO, Ayrton; CERVINI, Rubem (Orgs.). O trabalho e a rua: crianças e adolescentes no Brasil urbano dos anos 80. São Paulo: Cortez, UNICEF, FLACSO-BRASIL, 1996. p. 9-14.

EARP, Maria de L S. A política de atendimento do século XX: a infância pobre sob tutela do Estado. In: BAZÍLIO, Luiz C.; EARP, Maria de L. S.; NORONHA, Patrícia A. (Org.). Infância tutelada e educação: história, política e legislação. Rio de Janeiro: Ravil, 1993. p. 72-100.

ELÍSIO, Octávio. Discurso proferido na Câmara dos Deputados. Diário do Congresso Nacional, ano XLIV, n. 140, 19 out. 1989, p. 11775. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD19OUT1989.pdf#page=33.

FARIA, Vilmar. A montanha e a pedra: os limites da política social brasileira e os problemas da infância e da juventude. In: FAUSTO, Ayrton; CERVINI, Rubem (Orgs.). O trabalho e a rua: crianças e adolescentes no Brasil urbano dos anos 80. São Paulo: Cortez, UNICEF, FLACSO-BRASIL, 1996, p. 195-225.

FONSECA, Cláudia. O internato do pobre: Febem e a organização doméstica em um grupo porto-alegrense de baixa renda. Temas IMESC, Soc. Dir. Saúde, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 21-39, 1987.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1977.

FREIRE, Paulo. Educadores de rua: uma abordagem crítica. Alternativas de atendimento aos meninos de rua. Série Metodológica. Bogotá: Unicef, 1989. Disponível em: http://websmed.portoalegre.rs.gov.br/escolas/cmet/material/Paulo-Freire-Educadores-de-Rua.pdf.

GARLAND, David. La cultura del control: crimen y orden social en la sociedad contemporánea. Tradução de Máximo Sozzo. Barcelona: Gedisa, 2005.

GIBSON, Nelson. Discurso proferido na Câmara dos Deputados. Diário do Congresso Nacional, ano XLV, n. 116, 22 maio 1990, p. 5361. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD22MAI1990.pdf#page=62.

GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectivas, 2003.

GOODMAN, Philip; PAGE, Joshua; PHELPS, Michelle. The long struggle: an agonistic perspective on penal development. Theoretical Criminology, v. 19, n. 3, p. 315-335, 2015.

GOMES, Isadora. Socioeducação: uma invenção (de)colonial. 2020. Tese (Doutorado em Psicologia), Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2020.

LOADER, Ian; SPARKS, Richard. For an historical sociology of crime policy in England and Wales since 1968. Critical Review of International Social and Political Philosophy, v. 7, n. 2, p. 5-32, 2004.

MACIEL, Lysâneas. Discurso proferido na Câmara dos Deputados. Diário do Congresso Nacional, ano XLIV, n. 127, 29 set. 1989, p. 10800. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD29SET1989.pdf#page=128.

MELO, Bezerra de. Discurso proferido na Câmara dos Deputados. Diário do Congresso Nacional, ano XLIV, n. 141, 20 out. 1989, p. 11854. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD20OUT1989.pdf#page=36.

MOREIRA, Raquel R. Meninos do Cense: as relações de estigmatização, violência e disciplinarização de adolescentes em conflito com a lei, internados. 2011. Tese (Doutorado em Letras), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2011.

MUNCIE, John. Youth and Crime. Londres: Sage, 2004.

NEDER, Gizlene. Iluminismo jurídico-penal luso-brasileiro: obediência e submissão. Rio de Janeiro: Revan, 2007.

OLIVEIRA, Maria Cristina C. M. Processo Infracional e violência. 2005. Dissertação (Mestrado em Ciências Criminais), Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2005.

O’MALLEY, Pat. Riesgo, neoliberalismo y justicia penal. Buenos Aires: Ad Hoc, 2006.

O’MALLEY, Pat. Punição contraditória e volátil. In: CÂNEDO, Carlos; FONSECA, David (Orgs.). Ambivalência, contradição e volatilidade no sistema penal. Belo Horizonte: UFMG, 2012. p. 101-128.

PAULA, Liana de. Liberdade assistida: punição e cidadania na cidade de São Paulo. 2011. Tese (Doutorado em Sociologia), Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, 2011.

QUEIROZ, José J (Org.). O mundo do menor infrator. São Paulo: Cortez. 1984

RANIERE, Édio. A invenção das medidas socioeducativas. Tese (Doutorado em Psicologia Social e Institucional), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2014.

RAUTER, Cristina. Criminologia e Subjetividade no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 2003.

RIZZINI, Irene. O século perdido: raízes históricas das políticas públicas para a infância no Brasil. São Paulo: Editora Cortez, 2007.

RIZZINI, Irene; RIZZINI, Irma. “Menores” institucionalizados e meninos de rua: os grandes temas de pesquisas na década de 80. In: FAUSTO, Ayrton; CERVINI, Rubem (Org.). O trabalho e a rua: crianças e adolescentes no Brasil urbano dos anos 80. São Paulo: Cortez; UNICEF; FLACSO-BRASIL, 1996. p. 69-90.

ROSEMBERG, Fúlvia; MARIANO, Carmem Lúcia S. A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança: debates e tensões. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 40, n. 141, p. 693-728, set./dez. 2010. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/cp/v40n141/v40n141a03.pdf.

SAMPAIO, Plínio Arruda. Discurso proferido na Câmara dos Deputados. Diário do Congresso Nacional, ano XLIV, n. 85, 01 jul. 1989, p. 6422. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD01JUL1989.pdf#page=557.

SARAIVA, João Batista C. Adolescente em conflito com a lei. Da indiferença à proteção integral. Uma abordagem sobre a responsabilidade penal juvenil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

SAVELSBERG, Joachim. Knowledge, domination and criminal punishment. American Journal of Sociology, v. 99, n. 4, p. 911-943, 1994.

SCHWARCZ, Lilia M. O espetáculo das raças. Cientistas, instituições e questão racial no Brasil 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

SOZZO, Máximo. Locura y crimen: nacimiento de la intersección entre los dispositivos penal y psiquiátrico. Buenos Aires: Didot, 2015.

TAVARES, Edme. Discurso proferido na Câmara dos Deputados. Diário do Congresso Nacional, ano XLIV, n. 116, 31 out. 1989, p. 12722. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD31OUT1989.pdf#page=186.

WOLKMER, Antônio Carlos. História do Direito no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

Downloads

Publicado

2021-12-12

Como Citar

CIFALI, A. C. As disputas em torno da definição do modelo de justiça juvenil do Estatuto da Criança e do Adolescente / Controversy over the juvenile justice model underpinning the Child and Adolescent Statute. Sociologias, [S. l.], v. 23, n. 58, p. 138–167, 2021. DOI: 10.1590/15174522-117917. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/sociologias/article/view/117917. Acesso em: 18 abr. 2024.