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Quando a Dança nos Toca: significados, ética e presença em práticas com toque no currículo

Quand la Danse nous Touche: pratiques avec le toucher dans le programme scolaire

Resumo:

O artigo apresenta recorte da pesquisa realizada com seis professoras de dança em escolas públicas no sul do Brasil. A pesquisa, de cunho etnográfico, estuda aulas de dança no componente curricular de Arte. O texto analisa práticas de dança em que alunos e alunas se tocam. Desde a perspectiva teórica de Michel Foucault, identifica que tais práticas produzem tensões com as tecnologias de produção do corpo-sujeito escolar e com a codificação hegemônica do toque e da pele. Mostra como o toque escapa à operação de normalização. Aponta efeitos das práticas de dança com o toque: suspensão de significados culturais corporificados; emergência da dimensão da presença; trabalho ético.

Palavras-chave:
Dança; Escola; Toque; Presença; Ética

Résumé:

L’article présente une partie de la recherche réalisée avec six professeurs de danse dans les écoles au sud du Brésil sur les cours de danse dans le programme scolaire d’Art, dans une approche ethnographique. Le texte analyse des pratiques de danse où les élèves se touchent. Partant de la perspective théorique de Michael Foucault, la recherche identifie que ces pratiques produisent des tensions avec les technologies de production du corps-sujet scolaire et avec la codification hégémonique du toucher et de la peau. La recherche souligne les effets des pratiques de danse avec le toucher: suspension de significations culturelles corporifiées, la dimension de la présence et le travail éthique.

Mots-clés:
Danse; École; Le Touche; Présence; Éthique

Abstract:

This article presents an excerpt of the research concerning six dance teachers in southern public Brazilian schools, describing dance classes within the Art curriculum through an ethnographic approach. The text analyzes dance practices in which male and female students touch each other. Based on Michel Foucault's theoretical perspective, this study identifies that such practices produce tensions with technologies of production of subject-bodies at the school, challenging hegemonic codes of skin and touching. The research points out the effects of dance practices with touch, mainly regarding: a) the suspension of embodied cultural meanings; b) emergence of the presence dimension; and c) ethical work.

Keywords:
Dance; School; Touch; Presence; Ethics

Introdução

Vai fazer massagem lá nas costas do colega. Massagem de gatinho. Sabe como é massagem de gatinho? Amassando, ó. [...] Guris, é massagem assim. Renan, direitinho. [...] Senta aqui Rui. Vem aqui e faz em mim. Não quer fazer. Vou fazer aqui e vocês têm que fazer a mesma coisa no colega. Cuidado pra não machucar. Massageia o ombro do colega. Massageia a cabeça. [...] É com carinho. [...] Cuidado (Falkembach, 2016fFALKEMBACH, Maria Fonseca. Dossiê Tereza: transcrição das aulas e entrevistas. Arquivo confidencial não publicado. 100 f. 2016f. , p. 67).

O momento transcrito acima aconteceu em uma aula da professora Tereza para uma turma de 1º ano do ensino fundamental (14 alunos com idade entre 5 e 6 anos). Começou com uma roda que se transformou numa centopeia formadas por todos, em que quem estava atrás se ligava àquele da frente segurando na cintura ou no ombro. Na brincadeira, a centopeia se sentou. Então, a professora propôs que todos, ao mesmo tempo, fizessem massagem no colega que estava à frente. De uma só vez, ser massageado e massagear, tocar e ser tocado, aprender a tocar e ser tocado sem machucar, sem apertar.

Essa foi uma aula, entre tantas das quais pude participar ao longo da pesquisa com seis professoras de dança que ministram aula de dança no componente curricular de Arte, no ensino fundamental, em escolas públicas, no Rio Grande do Sul. No segundo semestre de 2015, acompanhei as seis professoras na sua prática diária na escola, por cerca de duas semanas cada uma, por via de uma metodologia construída a partir da Etnografia Performativa (Pineau, 2013PINEAU, Elyse Lamm. Pedagogia crítico-performativa: encarnando a política da educação libertadora. In: PEREIRA, Marcelo de Andrade. Performance e Educação: (des)territorializações pedagógicas. Santa Maria: UFSM, 2013. P. 37-58.).

Produzi um arquivo único de dados para cada professora, em ordem cronológica da produção dos dados, denominado Dossiê. Cada documento contém a transcrição dos vídeos e áudios das aulas, a transcrição das entrevistas e também minhas anotações pessoais no diário de campo. Os arquivos produzidos nessa etapa são confidenciais e estão indicados nas referências bibliográficas por Dossiê e o nome fictício das interlocutoras (para garantir seu anonimato).

Nas aulas das seis professoras, o toque entre os alunos era recorrente. Entretanto, em parte das situações, essas práticas produziram tensões com a escola. Ao longo da pesquisa, pude identificar que as práticas de dança na escola tensionam as tecnologias de produção do corpo escolar. Foi para esses pontos de tensão que dirigi o foco na análise dos dados. Escolhi os tensionamentos porque, desde uma perspectiva foucaultiana, entendo que nesses momentos tornam-se visíveis as relações de saber-poder (Foucault, 2013FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2013.). Nesses momentos há o embate entre os jogos de verdade. As tensões emergem porque o corpo-sujeito dos saberes da dança nem sempre é o corpo-sujeito da escola - os saberes da dança nem sempre são reconhecidos como saberes escolares. As condutas das professoras nem sempre são as esperadas e naturalizadas.

No conjunto da multiplicidade de práticas que observei, me atentei para aquelas reincidentes, dentre as quais escolhi e organizei em três conjuntos de práticas: 1) práticas de composição e estudos labanianos; 2) práticas desde a perspectiva da educação somática; 3) práticas com presença do toque e do contato (Falkembach, 2017FALKEMBACH, Maria Fonseca. Corpo, Disciplina e Subjetivação nas Práticas de Dança: um estudo com professoras da rede pública no sul do Brasil. 2017. 241 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2017.). Este artigo foca o último desses conjuntos.

Enquanto as professoras elaboravam diferentes práticas com o toque, a escola, na maioria das vezes, não entendia a necessidade do toque. Pelo contrário, em uma das escolas o toque, o abraço, era proibido.

Crescia aos meus olhos o quanto o sentido tátil e o toque estavam presentes nas aulas de dança que pesquisei. Minha atenção sobre essas práticas aconteceu no cruzamento de diferentes situações: nas aulas da professora Tereza diferentes propostas com o toque buscavam a sensibilização; nas aulas da Samara havia a preocupação de as crianças não se tocarem porque elas se machucavam; nas aulas da Carla havia a busca pela atitude de se tocar sem problemas; na escola da Rita o toque (abraço) estava proibido, o que não a impediu de trabalhar o toque e o abraço nas aulas de dança; nas aulas da Adriana, havia o toque e a ideia de um toque que vai pro músculo e pro osso; nas aulas da Aline, a prática do Contato Improvisação (Falkembach, 2016aFALKEMBACH, Maria Fonseca. Dossiê Adriana: transcrição das aulas e entrevistas. Arquivo confidencial não publicado. 122 f. 2016a. ; 2016bFALKEMBACH, Maria Fonseca. Dossiê Aline: transcrição das aulas e entrevistas. Arquivo confidencial não publicado. 50 f. 2016b. ; 2016cFALKEMBACH, Maria Fonseca. Dossiê Carla: transcrição das aulas e entrevistas. Arquivo confidencial não publicado. 63 f. 2016c. ; 2016dFALKEMBACH, Maria Fonseca. Dossiê Rita: transcrição das aulas e entrevistas. Arquivo confidencial não publicado. 82 f. 2016d. ; 2016eFALKEMBACH, Maria Fonseca. Dossiê Samara: transcrição das aulas e entrevistas. Arquivo confidencial não publicado. 98 f. 2016e. ; 2016fFALKEMBACH, Maria Fonseca. Dossiê Tereza: transcrição das aulas e entrevistas. Arquivo confidencial não publicado. 100 f. 2016f. ).

Identifiquei que na minha perspectiva havia uma naturalização do toque em aulas de dança. Todavia, essa não era a perspectiva da escola. Então, num movimento de olhar de outro jeito, passei a me perguntar: por que numa aula de dança o toque é algo natural e por que é importante?

Para responder a essas questões, além das ferramentas teóricas do filósofo e historiador Michel Foucault, conto com os estudos de Hans Ulrich Gumbrecht, que articula teoria literária e filosofia, sobre a dimensão da presença. Ainda apresento reflexões de pesquisadores do campo da dança sobre práticas de dança e Contato Improvisação (Neder, 2010NEDER, Fernando. Steve Paxton entrevistado por Fernando Neder. Tradução: Fernando Neder. O Percevejo Online, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, p. 1-9, 2011.; Houston, 2009HOUSTON, Sara. The touch “taboo” and the art of contact. Research in Dance Education, United Kingdom, v. 10, n. 2, p. 97-113, June 2009.; Sastre, 2015SASTRE, Cibele. Entre o Performar e o Aprender: práticas performativas, dança improvisação e análise laban/bartenieff em movimento. 2015. 262 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015.; Suquet, 2009SUQUET, Annie. O corpo dançante: um laboratório da percepção. In: COURTINE, Jean-Jacques. História do Corpo: as mutações do olhar. O século XX. Petrópolis: Vozes , 2009. P. 509-540.; Tampini; Farina, 2010TAMPINI, Marina; FARINA, Cynthia. Contact Improvisation: micropolíticas em formación. In: DAMIANO, Gilberto; PEREIRA, Lucia; OLIVEIRA, Wanderley (Org.). Corporeidade e Educação: tecendo sentidos… São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010. P. 15-26.).

A análise dos dados produzidos na pesquisa discute a codificação hegemônica do toque e da pele e aponta efeitos possíveis das práticas de dança com o toque, a partir das aulas observadas: suspensão de significados culturalmente produzidos e corporificados; emergência da dimensão da presença; trabalho sensível e ético.

Decodificação do Toque e da Pele

A tematização do toque também ganhou relevância na pesquisa devido ao contraste: enquanto uma escola (da professora Rita) proibia o toque, a outra (da professora Carla) estimulava. Enquanto na primeira o toque era interpretado como possível relação sexual, na segunda, os significados do toque nem sempre eram relevantes.

Mesmo o abraço sendo proibido na escola, presenciei uma aula da professora Rita, para uma turma de 7º ano, em que uma das atividades consistia em abraçar o colega, em um abraço demorado. Naquela aula a tensão estava colocada: além de desenvolver uma proposta que não é comum na escola, a professora estava transgredindo todo um modo de operar daquela instituição. Essa regra da escola, disse a professora, é efeito de atitudes com conotação sexual dos alunos, numa situação, durante o recreio, em que eles “passaram dos limites” dentro do que era cabível para aquela escola. A reação da diretoria, porém, foi ocultar a palavra sexual e proibir o contato afetivo. Segundo a professora Rita, “[...] o abraço é proibido, e não pode ter contato afetivo. Contato físico” (Falkembach, 2016dFALKEMBACH, Maria Fonseca. Dossiê Rita: transcrição das aulas e entrevistas. Arquivo confidencial não publicado. 82 f. 2016d. , p. 41). A escola não tratou esse evento como uma questão relacionada à sexualidade dos alunos, mas interditou as questões sobre sexualidade e interditou, por precaução, qualquer afeto.

Entendo que a instituição decidiu proibir qualquer contato físico porque o limite entre o contato que é sexual e o que não é, não é nítido. Essa atitude tem implícita a ideia de que todo contato físico, isto é, a ação de um indivíduo tocar no outro, tem o risco de ser um contato sexual. A escola não consegue estabelecer a norma para o toque e, logo, não consegue estabelecer qual é o comportamento desviante.

A normalização é uma das operações da tecnologia disciplinar descrita por Foucault (2004FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 2004.), que, juntamente com a vigilância e o exame, produzem o sujeito disciplinado. A escola, como mostra o filósofo, é uma das instituições constituídas dessa tecnologia. O autor explica o procedimento da normalização disciplinar. Segundo ele:

[...] consiste em primeiro colocar um modelo, um modelo ótimo que é construído em função de certo resultado, e a operação de normalização disciplinar consiste em procurar tornar as pessoas, os gestos, os atos, conformes a esse modelo, sendo normal precisamente quem é capaz de conformar essa norma e o anormal quem não é capaz. [...] há um caráter primitivamente prescritivo da norma, e é em relação a essa norma estabelecida que a determinação e a identificação do normal e do anormal se tornam possíveis (Foucault, 2009FOUCAULT, Michel. Security, territory, population: lectures at the Collège de France, 1977-78. New York: Palgrave Macmillan, 2009., p. 57).

A operação de normalização se alia a de vigilância. Os corpos são vigiados para seguirem a norma. A instituição estabelece o que é normal e produz os comportamentos possíveis a partir da convergência ou desvio da norma. Assim, a escola educa o sujeito disciplinado a controlar sua mobilidade para segui-la. Então, quando a dança, na escola, faz proposições desvinculadas da norma, ou num espaço em que há ausência desta, há tensão.

A diretora da escola da Rita, em entrevista, diz que não entende porque a professora propõe que os alunos toquem uns nos outros para aprender sobre o funcionamento dos ossos.

Em contraste, nas aulas da professora Carla, o toque era recorrente, sem qualquer tensão com a escola. O toque era um modo de trazer a atenção do aluno para determinada parte do corpo durante o aquecimento. Grande parte dos procedimentos que implicam o toque numa aula de dança têm relação com a busca da consciência corporal, fundamento da perspectiva da educação somática. “Aulas de somática frequentemente usam o toque para ampliar a experiência sensorial através da pele, o maior órgão corporal, e assim amplificar mais rapidamente o despertar da consciência” (Eddy, 2009EDDY, Martha. A brief history of somatic practices and dance: Historical development of the field of somatic education and its relationship to dance. Journal of Dance & Somatic Practices, United Kingdom, v. 1, n. 1, p. 5-27, 2009., p. 8). Assim, enquanto os alunos realizavam os exercícios iniciais, em todas as turmas (do 6o ao 9o ano), a professora Carla transitava entre eles, observando atentamente seus corpos (deitados ou sentados) e tocando em pontos específicos, com pressão leve e contínua. Às vezes fazia uma pequena mobilização da região, como uma massagem, buscando liberar tensões e o alongamento (através do relaxamento) para ampliar o movimento das articulações.

Carla fala sobre a relação dos alunos com o toque dela: “Sem problemas. Talvez eu... se eu pegasse uma turma nova de 6º ano, o primeiro contato hoje, eu não tocaria... [...] [usaria] a bolinha, algo entre...” (Falkembach, 2016cFALKEMBACH, Maria Fonseca. Dossiê Carla: transcrição das aulas e entrevistas. Arquivo confidencial não publicado. 63 f. 2016c. , p. 52-53). Há, na prática da Carla, um processo que leva ao toque. Chegar à possibilidade de as pessoas se tocarem “sem problema” é parte do objetivo das aulas. Identifiquei esse objetivo no modo como um aluno do 8º ano elogiou a coreografia de colegas do 9º ano. Para explicar porque havia gostado, disse que os dançarinos (um menino e uma menina) “tipo, eles não têm medo de um tocar no outro, ele vem com peso, sabe” (Falkembach, 2016c, p. 37). Sua frase me diz que os dois alunos, enquanto dançam, não têm medo de encostar, nem medo de machucar o outro, nem medo de cair: a dança mobiliza todos esses medos. Deduzo que não há medo de encostar porque não há medo sobre os possíveis significados que esse ato produz, porque esses significados não são relevantes. Seu encantamento com a dança dos colegas não tinha relação com construção de significado, vinha de outra dimensão, do arrebatamento pelo toque. Acredito que possuía relação com a mobilização de limites diante da vida: dos medos dos colegas e, por consequência, dos seus próprios.

Ainda, outra evidência mostrou que o toque, nessa escola, aparece como um valor na relação entre as pessoas, inclusive entre aluno e professor. Foi isso o que me falou a diretora, quando conversamos sobre o papel das aulas de dança na educação dos alunos. A diretora disse que

[...] é incrível o que ela [a professora Carla] consegue com esses alunos. É incrível como eles mudam, assim... a relação deles com as pessoas, a relação deles com o espaço, com a escola, com os professores, com o corpo. [...] Eles já mudaram, eles mudaram com a gente, da forma deles conversar com a gente, a forma deles reagirem com a gente. [...] Agora eles já não são mais aquela coisa totalmente agressiva, sabe... eles já conseguem tocar a gente, eles já conseguem, sabe, lidar... a gente consegue lidar com eles de outra forma, tocando eles de outra forma, né. Eu acho que a relação com o corpo também. Acho que mexe muito com eles isso [a aula de dança] (Falkembach, 2016cFALKEMBACH, Maria Fonseca. Dossiê Carla: transcrição das aulas e entrevistas. Arquivo confidencial não publicado. 63 f. 2016c. , p. 48).

Essa fala da diretora ressalta o papel da dança (há 10 anos nessa escola) na construção da escola como um espaço não violento, embora esteja situada numa região da cidade de grande precariedade e com alto índice de violência. A diretora conta que a dança promoveu uma transformação no modo de ser dos alunos.

Um processo de transformação parecido com esse é relatado pela pesquisadora da dança Sara Houston (2009HOUSTON, Sara. The touch “taboo” and the art of contact. Research in Dance Education, United Kingdom, v. 10, n. 2, p. 97-113, June 2009.), em relação a um grupo de detentos que passou por uma experiência com a prática do Contato Improvisação (Contact Improvisation ou CI) numa prisão para homens, na Inglaterra. Segundo a autora, a prática permitiu quebrar certos comportamentos prisionais e pôde ajudar os detentos a “[...] encontrar um modo diferente de se relacionar com os outros que não envolve violência e vingança” (Houston, 2009, p. 112).

Trago essa pesquisa porque ela ressalta a barreira inicial com o Contato Improvisação devido ao código prisional que proíbe o toque, denominado pela autora touch taboo. É um caso extremo, de uma experiência de dança que se fundamenta no toque, dentro de uma instituição que produz (e é composta de) corpos intocáveis. Essa pesquisa ajuda a pensar sobre os modos como o toque está codificado em nossa sociedade e, assim, confiscado - interditando nossa sensibilidade tátil. Por meio desse exemplo, de uma experiência em uma prisão, é possível pensar sobre condutas dentro da escola, desde a perspectiva das tecnologias disciplinares, as quais constituem ambas as instituições. Sabemos que no seu estudo sobre a tecnologia disciplinar, a partir da análise da organização da prisão, Foucault (2004FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 2004.) pôde compreender elementos constitutivos de outras instituições, entre elas, a escola. Nesses dois exemplos (a pesquisa de Houston e o testemunho da diretora), tanto na escola como na prisão, duas instituições disciplinares, os sujeitos aprenderam que podem tocar de outro jeito.

Entendo que o fato de os contextos das pesquisas serem tão diversos aqui não é relevante, pois não estou comparando experiências, mas trazendo reflexões de uma situação para problematizar outra, assim como trazendo as discussões acerca do CI para pensar os efeitos do toque em diferentes práticas numa aula de dança.

Não presenciei nenhuma sessão de CI ao longo da pesquisa nas escolas, entretanto tenho o relato da professora Aline que diz estar trabalhando essa dança com o 8o ano e presenciei o momento em que ela pediu para os alunos uma tarefa que continha elementos do CI. Além disso, as práticas das professoras, em conexão com a dança contemporânea, estão contaminadas por princípios do CI, tal como aparece na conversa da Tereza com uma turma de 6º ano. Ela fala para a turma que eles vão experimentar o trabalho com contato e:

[...] vão começar a, não só entender o corpo de vocês, como vocês se movimentam, mas a entender também o corpo do colega. [...] Existe um tipo de trabalho que chama Contato Improvisação, que a gente entra mesmo em contato com o corpo do outro, procurando apoio no corpo do outro (Falkembach, 2016fFALKEMBACH, Maria Fonseca. Dossiê Tereza: transcrição das aulas e entrevistas. Arquivo confidencial não publicado. 100 f. 2016f. , p. 79).

Tereza afirma que através do contato é possível entender o próprio corpo e o corpo do colega, indicando que há, no toque, uma operação que produz um tipo de saber.

As educadoras e pesquisadoras da dança Marina Tampini e Cynthia Farina (2010TAMPINI, Marina; FARINA, Cynthia. Contact Improvisation: micropolíticas em formación. In: DAMIANO, Gilberto; PEREIRA, Lucia; OLIVEIRA, Wanderley (Org.). Corporeidade e Educação: tecendo sentidos… São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010. P. 15-26.) apontam que o CI pode desestabilizar o regime disciplinar, na medida em que explora possibilidades de movimento descartadas por essa tecnologia. Nesse sentido, mostram o CI como uma prática de desterritorialização de codificações1 1 Foucault (2004, p. 118) mostra que a tecnologia disciplinar opera por via de uma codificação dos gestos, atitudes, movimentos, desde o “controle minucioso das operações do corpo”, na fabricação de um corpo dócil e útil. e mobilizadora da subjetividade. As autoras ressaltam a importância da incerteza como elemento da improvisação e que ao dançarino não importa tanto as regras a seguir como ser capaz de se colocar em relação de desorientação.

Nessa prática, a incerteza é produzida na reciprocidade, na constante e instável ação de responder ao contato do outro, com/pelo contato. “Dos cinco sentidos, o tato é, com efeito, o único que comporta uma reciprocidade imanente: não se pode tocar sem ser tocado”, ressalta a historiadora da dança, Annie Suquet (2009SUQUET, Annie. O corpo dançante: um laboratório da percepção. In: COURTINE, Jean-Jacques. História do Corpo: as mutações do olhar. O século XX. Petrópolis: Vozes , 2009. P. 509-540., p. 533). No CI, o que se coloca em foco é a relação, é

[...] o produto desse ‘entre’ um e outro. Seja por contraste, por choque, por encontro ou por falta desse, o feito de não contornar a diferença, mas dispor-se a uma relação com ela é fundamental. Se trata de estabelecer uma relação que nem sempre é fácil, nem instantânea, nem exitosa, mas é capaz de iluminar zonas de um, de outro e da relação ela mesma (Tampini; Farina, 2010TAMPINI, Marina; FARINA, Cynthia. Contact Improvisation: micropolíticas em formación. In: DAMIANO, Gilberto; PEREIRA, Lucia; OLIVEIRA, Wanderley (Org.). Corporeidade e Educação: tecendo sentidos… São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010. P. 15-26., p. 23).

Aquilo que acontece é efeito da reciprocidade, de uma negociação física, de uma negociação das relações físicas, de um pacto efêmero e continuado, que acontece na pele.

No sistema prisional existe uma regra - não escrita, porém rígida e definitiva - entre os detentos: não é permitido tocar nos outros. “A aversão ao toque é parte do que é chamado ‘prisonisation’, um processo pelo qual os presos se apropriam de comportamentos, ações e pensamentos peculiares à cultura da prisão” (Houston, 2009HOUSTON, Sara. The touch “taboo” and the art of contact. Research in Dance Education, United Kingdom, v. 10, n. 2, p. 97-113, June 2009., p. 98, tradução minha). Houston apresenta as condições que produzem esses corpos intocáveis, que, resumindo, são produto dos modos de operação da instituição disciplinar, de relações de violência, da cultura machista e do isolamento. “Uma vez que o condenado entra na prisão, seu corpo se torna um lugar para os jogos dos medos, espaço para impor os limites de relações codificadas e comportamentos masculinos apropriadamente sancionados” (Houston, 2009, p. 100, tradução minha). Opera também o medo do detento de ser tocado - tanto ternamente quanto violentamente - e o medo dos outros de tocarem nele - porque ninguém ousa (por medo) ou deseja (por desprezo) tocar num marginal, ou porque os corpos musculosos e rígidos (cultivados intensivamente em treinamento ginástico) intimidam o contato. Há um processo de codificação do corpo, de fixação dos códigos que compõem essa cultura em gestos, posturas, movimentos, forma dos músculos, superfície corporal etc. Um processo pelo qual as normas se materializam por via da reiteração forçada dessas normas2 2 Judith Butler (2000, p. 111) escreve sobre como a reiteração forçada de normas regulatórias materializam o ‘sexo’. Segundo a filósofa, “[...] o fato de que essa reiteração seja necessária é um sinal de que a materialização não é totalmente completa, que os corpos não se conformam, nunca, completamente, às normas pelas quais sua materialização é imposta. [...] [O] que constitui a fixidez do corpo, seus contornos, seus movimentos, será plenamente material, mas a materialidade será repensada como o efeito do poder, como o efeito mais produtivo do poder”. . Essa codificação faz do corpo codificado signo dela mesma. Significados, portanto, forjados nas relações de poder.

A codificação da superfície corporal através do jogo dos afetos e das relações de poder não é exclusividade do sistema prisional. Conforme ressaltam Tampini e Farina, em nossa sociedade, a superfície corporal “[...] tem lugar quase exclusivamente na esfera do erotismo, e carrega um alto nível de codificação que implica a restrição dos movimentos e dos modos de contato a determinados repertórios e modos de uso” (Tampini; Farina, 2010, p. 18). As autoras identificam que no CI “[...] se abre uma zona não codificada da experiência que permite a exploração de um território sem tantos a priori” (Tampini; Farina, 2010, p. 18).

Também não é exclusividade do sistema prisional o discurso machista, hegemônico na maior parte das instâncias da sociedade. A análise de Houston sobre a cultura da prisão ressalta que o discurso machista produz homens intocáveis. Desde esse ponto de vista, podemos pensar que o machismo produz homens intocáveis e mulheres tocáveis. Essa afirmação converge, por exemplo, com a evidência da campanha contra a cultura do estupro, que cresceu no ano de 2016 no Brasil, isto é, contra a naturalização da possibilidade de a mulher ser assediada e estuprada (Tiburi, 2016TIBURI, Marcia. Marcia Tiburi sobre Cultura do Estupro. Jornalistas Livres. 30 maio 2016. Vídeo. 13’05’’. Disponível em: <Disponível em: https://jornalistaslivres.org/2016/ 05/marcia-tiburi-sobre-cultura-do-estupro/ >. Acesso em: 10 jun. 2017.
https://jornalistaslivres.org/2016/ 05/m...
). Nessa cultura, a mulher é potencialmente tocável.

Tarefa difícil esta de se mover a partir do toque, numa sociedade em que esses significados são tão eminentes. Tarefa difícil para a escola problematizar esses preconceitos, porque a escola também reproduz esse discurso.

Nesse contexto, como trabalhar o contato físico sem continuar reproduzindo a cultura que divide os corpos em tocáveis e intocáveis? Ao mesmo tempo, como trabalhar com o corpo, colocar o corpo e a sensibilidade no centro do currículo sem levar em conta esse contexto? Entendendo que as professoras apostam justamente no papel da dança e do toque como práticas que produzem deslocamentos desse código, que produzem “[...] uma negociação física, presente e móvel das forças sociossimbólicas politicamente corporificadas” (Sastre, 2015SASTRE, Cibele. Entre o Performar e o Aprender: práticas performativas, dança improvisação e análise laban/bartenieff em movimento. 2015. 262 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015., p. 68).

O CI mobiliza os afetos, porém numa dimensão não codificada, conforme Tampini e Farina (2010TAMPINI, Marina; FARINA, Cynthia. Contact Improvisation: micropolíticas em formación. In: DAMIANO, Gilberto; PEREIRA, Lucia; OLIVEIRA, Wanderley (Org.). Corporeidade e Educação: tecendo sentidos… São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010. P. 15-26.), ou desestruturando os códigos, conforme Sastre (2015SASTRE, Cibele. Entre o Performar e o Aprender: práticas performativas, dança improvisação e análise laban/bartenieff em movimento. 2015. 262 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015.). O toque, nesse caso, é dessexualizado, pois “[...] as superfícies são usadas como comunicadores, não em termos de excitação, mas para entender onde o peso está concentrado e onde é necessário dar o suporte” (Houston, 2009HOUSTON, Sara. The touch “taboo” and the art of contact. Research in Dance Education, United Kingdom, v. 10, n. 2, p. 97-113, June 2009., p. 105). O toque não tem conotação de confronto: nem violento, nem sexual. Assim, há a possibilidade de “tocar sem problemas”, como nas aulas da Carla, onde é possível encostar no outro sem medo, sem levar em conta os significados hegemônicos instituídos para a pele.

A partir do depoimento de alguns dos detentos que participaram da experiência com CI, Houston mostra como essa dança tem a capacidade de sacudir o comportamento normalizado na prisão. Os participantes falam em: perda do controle sobre como o corpo é apresentado; o alívio de colocar as máscaras de lado; o dar-se conta de que seu estilo de vida nunca lidou com confiança; compreender que tudo o que você faz afeta a outra pessoa; a possibilidade de ver a beleza mesmo na imperfeição e focar menos nas falhas; quebrar com o machismo; deixar o isolamento; entre outros efeitos que evidenciam a mobilidade do modo de ser.

Quando as professoras das escolas trazem o toque compondo a aula de dança, movem os discursos que produzem os corpos; sacodem os comportamentos naturalizados naquela instituição e, com efeito, a própria instituição. A escola, quando proíbe o contato, contribui para o estabelecimento de corpos intocáveis, que se articulam muito bem em espaços de violência, de discurso machista e restrição da vida.

Na fala das professoras pesquisadas há uma relação entre o toque agressivo em espaços de violência e uma tendência em pensar que outro tipo de toque pode operar contra a violência. A professora Adriana frisa a importância da responsabilidade, do comprometimento e da confiança na prática de dança, pois não se dança sozinho. Ela relaciona esse modo de relação, no qual um depende do outro, com o toque

O toque como forma de apoio e não de violência. [...] A gente trabalha com o toque e ele não é um toque violento. Ele é um toque que inicia na pele, vai pro músculo e vai pro osso. Ele te dá uma informação. Tu é tocado, tu toca assim como tu é tocado. E aí eles fazem isso, nesse campo, pra depois perceber que eles tão tocando aquela pessoa que eles morriam de vergonha (Falkembach, 2016aFALKEMBACH, Maria Fonseca. Dossiê Adriana: transcrição das aulas e entrevistas. Arquivo confidencial não publicado. 122 f. 2016a. , p. 30).

Adriana especifica um tipo de toque que “inicia na pele, vai pro músculo e vai pro osso”. É um toque que percebe a matéria, que se comunica com o corpo, “dá uma informação” que não tem um significado, informa que ali existem dois corpos vivos em contato, em presença. A qualidade desse toque do qual Adriana fala é perceptível em suas aulas, no modo como ela toca os alunos.

Entendo que nessa zona não codificada há espaço para dois aspectos: para a ética, isto é, para o indivíduo atuar sobre si mesmo; e para a presença, isto é, para a relação com o outro através de uma dimensão que minimiza a importância dos significados3 3 Na versão brasileira do livro Produção de Presença: o que o sentido não consegue transmitir (Gumbrecht, 2010), a palavra em inglês, no original, meaning, foi traduzida para sentido. Assim, essa palavra foi mantida nas citações do livro. Porém, no restante do texto utilizo a palavra significado no lugar de sentido, porque considero que em português a palavra sentido é mais ampla e pode significar senso, direção, percepção, sensação ou sensibilidade, entre outras possibilidades. . Entendo presença conforme Gumbrecht, como a “[...] sensação de ser a corporificação de algo [...]” (Gumbrecht, 2010, p. 167). Segundo o autor,

[...] a cada instante nos encontramos em duas dimensões, em duas relações diante dos objetos materiais do mundo. Primeiro e inevitavelmente, e não há como fugir disso, nos encontramos em uma relação de interpretação, de atribuição de sentido [sic]. Mas, por outro lado, e disso raramente nos apercebemos, também nos encontramos em uma relação de presença - e entendo presença em seu sentido [sic] espacial (Gumbrecht, 2012GUMBRECHT, Hans Ulrich. Graciosidade e Estagnação: ensaios escolhidos. Rio de Janeiro: Contraponto ; PUC-Rio, 2012., p. 117).

Gumbrecht desenvolve conceitos para sustentar a possibilidade de uma relação com as coisas do mundo fundada na presença, ou melhor, uma relação que possa oscilar entre efeitos de presença e efeitos de significado. Para tanto, esclarece que “[...] uma coisa ‘presente’ deve ser tangível por mãos humanas - o que implica, inversamente, que pode ter impacto imediato em corpos humanos” (Gumbrecht, 2010, p. 13). Conjuntamente, explica o autor, a interpretação e atribuição de significados atenuam o impacto das coisas sobre nosso corpo.

Em seus estudos sobre o que ele denomina campo não-hermenêutico, Gumbrecht se dedica a explicitar a insuficiência da interpretação como modo de o ser humano se apropriar do mundo. O campo hermenêutico que, segundo Gumbrecht, restringe-se à interpretação como única forma de acesso ao mundo, produziu a atual perda da referência do mundo e da dimensão da percepção. Segundo Gumbrecht, a centralidade da interpretação está relacionada à configuração epistemológica segundo a qual os seres humanos são excêntricos ao mundo, sendo este uma superfície material a ser interpretada. Numa cultura fundada nessa epistemologia, a mente é a autorreferência humana predominante, o corpo é parte material do mundo e, assim, se constituem as dicotomias mente/corpo, espiritual/material.

Nas práticas de dança que trabalham o toque, trazemos as coisas do mundo para bem próximo de nosso corpo, sendo que, nesse caso, a coisa do mundo é o outro corpo. Tais práticas carregam a potencialidade de produzir momentos que se situem na oscilação entre efeitos de presença e efeitos de significado. São momentos que produzem efeitos sobre os dois corpos, simultaneamente, reciprocamente.

O Abraço Demorado: suspensão de significados

O que acontece quando a dança, como componente curricular obrigatório, coloca, no meio da aula, no meio de uma tarde do cotidiano escolar, um tempo para os alunos ficarem abraçados? Que outra área de conhecimento faria uma proposta assim? O objetivo da atividade era ficar abraçado, nenhum objetivo além desse. Essa proposta aconteceu em uma das aulas da professora Rita, para uma turma de 7º ano, na qual ela propôs um abraço demorado entre os alunos. À materialidade do corpo - que permanece sempre em segundo plano, em todas as aulas daquela turma, todos os dias, ao longo de todas as tardes, que é ocultada pelo foco na construção do intelecto e, por isso, se apresenta de modo velado e cheio de mistérios -, havia sido dada a visibilidade. Como se os desejos do corpo, esses enigmas, se colocassem à mostra.

Rita conta que propôs o abraço inspirada na oficina Histórias do Corpo - o abraço, ministrada por Heloisa Gravina e Dani Boff, porque viu como o abraço por tempo prolongado “causa estranhamento nas pessoas” (Falkembach, 2016dFALKEMBACH, Maria Fonseca. Dossiê Rita: transcrição das aulas e entrevistas. Arquivo confidencial não publicado. 82 f. 2016d. , p. 16). A oficina era o desdobramento de uma pesquisa, denominada Pequenas Ações Terroristas (Boff et al., s. d.BOFF, Dani et al. Projeto pequenas ações terroristas. In: BOFF, Dani; GRAVINA, Heloisa; CAPELETTI, Michel. Histórias do Corpo: o abraço. s. d.. Disponível em: <Disponível em: http://historiasdocorpo.net/pat/index.php?option=com_content& view=article&id=9&Itemid=4&lang=br >. Acesso em: 5 maio 2017.
http://historiasdocorpo.net/pat/index.ph...
). A Primeira Ação Terrorista era denominada O Abraço e consistia em um abraço por um longo tempo, entre as duas performers, em espaços públicos. “A regra do jogo é a entrega mútua do peso, até que algum impulso gere movimento. Sempre que possível, retornamos à posição inicial - o abraço” (Boff et al., s. d., s. p.).

No momento em que a professora propõe um abraço, numa escola em que está proibido abraçar, ela faz uma ação transgressora e contraria a regra da instituição. Mas desde o lugar em que se coloca, ela faz uma intervenção artística, ou ainda, uma “pequena ação terrorista”, assim como é compreendida pelas performers: “[...] algo que irrompe no cotidiano e, infiltrando-se nas brechas, promove rupturas num sistema estabelecido” (Boff et al., s. d.BOFF, Dani et al. Projeto pequenas ações terroristas. In: BOFF, Dani; GRAVINA, Heloisa; CAPELETTI, Michel. Histórias do Corpo: o abraço. s. d.. Disponível em: <Disponível em: http://historiasdocorpo.net/pat/index.php?option=com_content& view=article&id=9&Itemid=4&lang=br >. Acesso em: 5 maio 2017.
http://historiasdocorpo.net/pat/index.ph...
, s. p.).

A turma na qual propôs a atividade tem muita disparidade de idade: meninos com 12 anos e meninas com 15 e 16. No dia do abraço, coincidentemente, os mais novos estavam ausentes. Portanto, o trabalho foi desenvolvido em uma turma de 7º, porém com alunos com idade entre 14 e 16 anos, momento em que as questões da sexualidade tendem a ser primordiais.

A atividade iniciou com os alunos caminhando pelo espaço da sala, em várias direções. Sob o comando da professora, deveriam parar e olhar nos olhos de alguém que estivesse próximo, e manter o olhar por cerca de um minuto.

Depois, seguiam caminhando, até o próximo comando. Após, o comando trocou para cumprimentar o colega. Por fim, o comando era abraçar o colega e, então, ficar abraçado. Os alunos foram surpreendidos com a proposta. Como alguns alunos riem e outros se esquivam do abraço, a professora insiste:

Vamos lá, gente, todo mundo participando com todo mundo. [...] Tentem achar uma posição nos braços do colega que fique confortável pra vocês ficarem. (risadas) Vamos concentrar agora? Concentra, fecha o olho... e fica abraçado. (Um aluno fala ‘vou chorar’). Não é pra falar, gente. [...] Ficou. Se tá difícil se concentrar, fecha o olho, encosta a cabeça no ombro do colega... e fica (Falkembach, 2016dFALKEMBACH, Maria Fonseca. Dossiê Rita: transcrição das aulas e entrevistas. Arquivo confidencial não publicado. 82 f. 2016d. , p. 13).

É inevitável o efeito de significado relacionado à sexualidade e ao discurso machista, que não é dito, mas expresso através de risadas, posturas, gestos, atitudes de constrangimento, de embaraço. A professora, então, explicita os significados que percebe:

Os meninos que estão abraçados não serão menos homens porque estão abraçados com meninos, tá... O casal que está abraçado, homem e mulher, não vai namorar necessariamente. Então, gente, vocês são colegas, vocês tão trabalhando em grupo, vamos continuar, vamos manter abraçado, vamos tentar concentrar. É um desafio que eu tô dando pra vocês. Tenta sentir o peso do corpo do colega (Falkembach, 2016dFALKEMBACH, Maria Fonseca. Dossiê Rita: transcrição das aulas e entrevistas. Arquivo confidencial não publicado. 82 f. 2016d. , p. 13).

Ao explicitar as conotações sexuais do abraço há certo relaxamento da tensão no ambiente. Como se o significado relacionado à sexualidade só fosse relevante enquanto a atitude não é explícita, mas relacionada com algo supostamente velado. Ao mesmo tempo, a professora também pede que percebam o peso um do outro e, desse modo, que coloquem o foco na fisicalidade.

O abraço se demora mais do que a expectativa dos alunos. Os significados culturais não se sustentam por muito tempo; depois do primeiro minuto, eles começam a se diluir. Desestabiliza-se a relação matéria/significado. Quando o significado parece que terá forma, esta não se concretiza, uma vez que o abraço não se desmancha.

Gravina e Boff, em seu projeto para as Pequenas Ações Terroristas, buscam, exatamente, “[...] instaurar recortes reflexivos na realidade cotidiana, através da explicitação dos mecanismos de construção de sentidos presentes tanto nas ações corriqueiras quanto na obra artística” (Boff et al., s. d., s. p.).

Através da perspectiva do significado, no caso do abraço demorado, há a explicitação do tempo como elemento determinante do signo. No momento em que o tempo é diferente dos padrões reconhecidos - não é o tempo de um abraço de amigo ou amiga, nem de mãe, pai, nem namorado ou namorada -, o abraço é irreconhecível. É um abraço que não existe. Não é um abraço, mas é. São dois corpos humanos em contato, em posição de abraço.

A interpretação (e julgamento) relativa à sexualidade permanece naqueles que não conseguem fazer o abraço e se colocam de um modo distanciado, de quem observa e não se permite entrar no jogo. Mas, a partir de certo momento, quem somente observa também participa de outro jeito, como espectador desse não-abraço-que-é-abraço nesse espaço de abraço proibido. A relação de estranhamento, de ruptura num sistema estabelecido (da proposta das artistas), acontece na sala de aula tanto da perspectiva de quem age como da perspectiva de quem observa.

Rita, mais uma vez, aponta para que prestem atenção na percepção do corpo do outro, na fisicalidade: respiração, batida do coração, temperatura, peso.

Realizaram 3 diferentes abraços, entre diferentes colegas, por mais de 2 minutos cada um. Depois, sentaram-se em roda, no chão, para conversar sobre a experiência. Rita insistiu várias vezes para que nominassem o que sentiram e perceberam, descrevessem com uma palavra, no entanto, os alunos se mantinham em silêncio. A maioria disse “não sei”, alguns sussurraram palavras como “difícil”, “sonolência”, “empolgante”, “incomum”. Por mais que Rita os provocasse, eles não falavam. Depois de duas rodadas sem que ninguém falasse, eu falei, justamente sobre a impossibilidade de nominar aquela experiência “incomum”.

Desse silêncio depreendo duas coisas sobre o vivido: primeiro, que a duração prolongada daquele abraço suspendeu significados e, portanto, desestabilizou as nominações possíveis. Assim como no Contato Improvisação, abriu uma zona não codificada da experiência. Além disso, produziu efeitos de uma dimensão diferente daquela da interpretação, a dimensão que Gumbrecht denomina como presença.

Na roda de conversas, os alunos foram convocados a nominar, interpretar e compartilhar suas percepções para que fossem interpretadas pelos outros: um processo de acesso e apropriação da sua experiência pela articulação da linguagem. Entretanto, naquele momento, o silêncio e a dificuldade de articulação revelou a inadequação dessas operações. O silêncio também falava do embaraço em nominar sensações íntimas, mas eu tendo a pensar que não era apenas isso, pois não havia sobre o que se falar. Não havia o que interpretar. O que havia era um abraço, o toque, o calor, o ritmo. Para falar, teria que ser articulado algo em relação às codificações culturais da pele, do toque. E não era disso que se tratava. Era um abraço sem intenção.

Nessa proposta, grande parte do corpo está em contato. Assim como no CI, o toque não é dado prioritariamente pela mão, há suporte e entrega do peso. Todavia, não há a busca por ocupar o espaço, pelo jogo com a transferência de peso e o momentum; não há desvio da atenção sobre o toque. Enquanto no CI a percepção cinestésica é o primordial, no abraço a percepção tátil é colocada em primeiro lugar: a percepção tátil do outro e, ao mesmo tempo, de si mesmo, porque o outro também, no mesmo instante, percebe: a percepção do outro que me percebe, me percebendo outro. Ocorre a percepção de movimentos intensos - nem pela via visual, nem pela via cinestésica - de uma ação pretensamente imóvel. Movimentos que se fundam no contato, no entre os corpos, ou na fusão dos corpos; ou na oscilação entre o entre e a fusão. Depois de certo tempo, porque o abraço é longo, depois das temperaturas dos corpos se igualarem, do ritmo das respirações se aproximarem, a tendência é que não exista mais distanciamento. Há um corpo que absorve o outro corpo e tornam-se um.

A experiência do abraço prolongado, analisada na perspectiva de Gumbrecht, tem elementos que podem produzir a intensificação do efeito de presença do corpo do outro, do impacto imediato de um corpo sobre o outro, pois diminui ao máximo o espaço entre os corpos, retira o referencial do tempo e suspende o significado. Quando o significado está suspenso, pode emergir o efeito de presença. Mas, Gumbrecht nos lembra que nossa cultura é predominantemente uma cultura do significado e, portanto, os efeitos de presença estão sempre dentro de nuvens de significado, o que percebemos é uma oscilação ou tensão entre efeitos de presença e efeitos de significado:

Para nós, os fenômenos de presença surgem sempre como ‘efeitos de presença’ porque estão necessariamente rodeados de, embrulhados em, e talvez até mediados por nuvens e almofadas de sentido [sic]. É muito difícil - talvez impossível - não ‘ler’, não tentar atribuir sentido [sic] [...] (Gumbrecht, 2010GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de Presença: o que o sentido não consegue transmitir. Rio de Janeiro: Contraponto, 2010., p. 135).

Então, no caso do abraço, o impacto imediato de um corpo pelo outro é minimizado, porque está embrulhado de significados, produzidos pela codificação dos gestos e comportamento, pelos significados atribuídos ao toque em nossa cultura, também envolvido pelas operações de produção de novos significados. Contudo, a evidência do silêncio me dá indícios de que o “impacto imediato” pôde ser percebido - e não pôde ser nominado.

Para desenvolver a ideia da dimensão da presença, Gumbrecht (2010GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de Presença: o que o sentido não consegue transmitir. Rio de Janeiro: Contraponto, 2010.) trabalha com a noção de duas diferentes culturas ideais, no exercício de imaginar uma cultura fundamentalmente diferente da nossa: a cultura do significado (mais próxima da modernidade) e a cultura da presença (que se aproximaria da cultura medieval). Ele pontua diferenças entre essas duas culturas (Gumbrecht, 2010, p. 104-113). Algumas delas podem ser reveladoras para a reflexão sobre a tensão produzida na escola quando a aula de dança trabalha com o toque.

Enquanto na cultura do significado a autorreferência humana (a visão de si) predominante é o pensamento, na cultura da presença é o corpo, sendo que, nesta última, os corpos fazem parte de uma cosmologia, não se veem como excêntricos ao mundo, mas como parte do mundo. Mais especificamente, como coisa do mundo.

A autorreferência daquele que dança passa pela fisicalidade, por se reconhecer como massa e volume em movimento; como coisa que se apoia, como matéria que tem certas qualidades. A sensação de ser coisa do mundo não é estranha ao dançarino. No abraço prolongado e no CI essa perspectiva se acentua pelo toque, aquele tipo de toque que “inicia na pele, vai pro músculo e vai pro osso”, descrito pela professora Adriana.

A cultura do significado é aquela cujo conhecimento se dá pelo ato do sujeito de interpretação do mundo. Por outro lado, na cultura da presença, idealizada, “o conhecimento é legítimo se for conhecimento tipicamente revelado” (Gumbrecht, 2010GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de Presença: o que o sentido não consegue transmitir. Rio de Janeiro: Contraponto, 2010., p. 107), isto é, um saber que não vem do sujeito, é uma autorrevelação do mundo: “[...] pode ser a substância que aparece, que se apresenta à nossa frente (mesmo com seu sentido inerente), sem requerer a interpretação como transformação em sentido [sic]” (Gumbrecht, 2010, p. 108). Aquilo que a professora Adriana chama de informação quando descreve o toque (“ele te dá uma informação”), a informação que um corpo transmite para o outro no toque, se aproxima desse saber revelado.

Nas situações em que há efeitos de presença, tais como na experiência estética, Gumbrecht denomina de momentos de intensidade. Segundo o autor, “[...] não existe nada de edificante em momentos assim: nenhuma mensagem, nada a partir deles que pudéssemos, de fato, aprender” (Gumbrecht, 2010, p. 127). Ele exemplifica o momento de intensidade com a resposta de um atleta olímpico que fala do momento da competição: a “sensação de estar perdido na intensidade concentrada” (Gumbrecht, 2010, p. 133). Então, afirma que a ideia de intensidade traz a diferença de quantidade com o cotidiano.

Entendo que podemos aproximar a sensação de momentos da criação artística com a sensação que o atleta descreve. Conforme Cibele Sastre, ao descrever práticas performativas, “[...] estamos falando de dentro da produção de arte, pela qual precisamos ser arrebatados no fazer e pela qual produzimos arrebatamento no outro” (Sastre, 2015, p. 233).

O abraço das artistas Gravina e Boff produzia rupturas no cotidiano do público por via da construção de momentos de intensidade. Quando o abraço é levado para dentro da sala de aula, a perspectiva se inverte porque se trata das percepções de quem age. Coloca-se a contemplação e produção de conhecimento epifânico como parte do processo de criação artística. Segundo Sastre, a “[...] produção de conhecimento por práticas compartilháveis, o qual, ao ser incorporado, veicula no corpo o saber intuitivo do instante que se faz no sentido” (Sastre, 2015, p. 233).

Como já foi aludido, não é comum à escola promover esse tipo de procedimentos. As práticas escolares são, sobretudo, interpretativas: o aluno aprende a interpretar e dar significado para o mundo. Desde a tipologia proposta por Gumbrecht, podemos entender que a escola é lugar da cultura do significado. Portanto, quando a cultura da presença se manifesta, há tensão.

O Toque como Trabalho Sensível e Ético

A recorrência do toque nas aulas de dança também leva a pensar sobre a ética que compõe essas aulas, visto que o efeito do toque não é dado a priori: o toque pode tanto salvar e potencializar a vida, como ser uma das mais cruéis violências.

Qual o limite que separa efeitos tão extremos? Quando o toque deixa de ser agressão e se torna ternura, ou vice-versa? Tal limite não é dado por uma lei. Por isso, entendo o toque como exemplo de um lugar em que é necessário emergir uma ética.

A diretora da escola em que a professora Rita trabalha, quando por mim indagada sobre a entrada da dança como componente curricular obrigatório na disciplina de Arte, descreveu alguns problemas e, entre eles, em especial, o fato de a professora fazer propostas em que os alunos necessitavam se tocar. Relatou que alguns alunos não aceitaram participar da proposta da professora, que consistia em um aluno tocar nas articulações do corpo do outro para compreender o funcionamento anatômico. Segundo a diretora, isso gerou reclamação de alguns pais, que questionaram porque seus filhos eram obrigados a deixar alguém tocá-los, ou tocar alguém. A diretora acrescentou que não entendia por que o aluno não pode tocar em si mesmo para conhecer o corpo. Entendo que o fato de a diretora não compreender a proposta e não dar suporte para a professora desenvolver sua proposta está relacionado com duas coisas: com o fato de que para a escola não faz sentido o toque no outro quando não há utilidade; com a incapacidade da escola em operar de modo diferente da disciplina e da lei (vide o caso da proibição do abraço).

Na perspectiva dessa diretora, uma atividade pedagógica tem sentido quando ela produz conhecimento (significado), isto é, quando tem utilidade e chega a um resultado. Então, se eu posso identificar as articulações do meu corpo com meu próprio toque, não há utilidade alguma na ação de ser tocado por outra pessoa, como também de tocar outra pessoa - portanto, não há significado a ser produzido, não há função pedagógica.

Rodrigues e Roble trazem uma reflexão sobre a instrumentalização dos sentidos na educação que contribui com o caminho de análise que estou percorrendo, embora através de uma perspectiva diferente. Os autores partem da teorização de Michel Maffesoli e Christoph Türcke para pensar sobre o valor da dimensão sensível da existência, na busca por uma inteligência sensível, “[...] nos sentidos humanos como potência no processo educativo” (Rodrigues; Roble, 2015RODRIGUES, Luiza Silva; ROBLE, Odilon José. Educação dos sentidos na contemporaneidade e suas implicações pedagógicas. Pro-Posições, Campinas, v. 26, n. 3, p. 205-224, dez. 2015., p. 211). Preocupam-se com o fato de que nossas experiências sensíveis têm sido capturadas pelos interesses mercadológicos. Evidenciam que é comum a associação direta e exclusiva do tato à percepção do toque com as mãos no fazer diário. Mostram a restrição da experiência sensível, que, na atual sociedade, “[...] ocorre em choques imagéticos, portanto visuais, por meio de telas e interfaces que nos separam do mundo corporalmente experienciado” (Rodrigues; Roble, 2015RODRIGUES, Luiza Silva; ROBLE, Odilon José. Educação dos sentidos na contemporaneidade e suas implicações pedagógicas. Pro-Posições, Campinas, v. 26, n. 3, p. 205-224, dez. 2015., p. 207).

Rodrigues e Roble apontam para o problema da relação exclusivamente racional e abstrata com o mundo. Tal relação, conforme Gumbrecht (2010GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de Presença: o que o sentido não consegue transmitir. Rio de Janeiro: Contraponto, 2010., p. 167), é decorrência e produtora da perda da referência do mundo, de nos sentirmos a corporificação de algo.

Então, dentro de uma cultura que estabelece a instrumentalização, restrição e o cerceamento da sensibilidade tátil, é natural que a direção da escola não encontre motivo para a professora propor aos alunos que se toquem, pois esse sentido não é trabalhado na escola, pelo contrário, é interditado. Ademais, nessa cultura não há lugar para uma atividade que não pressuponha um objeto a conhecer a priori; não há lugar para uma proposta desinteressada, que não visa ensinar algo, mas que aposta na emergência de pequenas epifanias.

Inserida na cultura da utilidade e do mercado, a escola não pode entender uma atividade sem um produto que possa ser quantificado, comparado, examinado, avaliado. A cultura escolar não entende que o toque é parte das operações da dança que se ocupam de um conhecimento de outra ordem, que não é conceitual. Procedimentos que veiculam um saber que depende, inevitavelmente, da relação criada no toque, no contato com o outro para a sensibilização da pele e para a mobilização dos afetos: o compartilhamento das sensações que produzem a sensação de ser coisa no mundo.

Um saber encarnado, tal como Sastre descreve a experiência do conhecimento no Contato Improvisação:

O que eu encarno/desestabilizo, retreino, reteorizo no corpo é posto em jogo com o outro com quem me relaciono. É, pois a relação que dimensiona o contato a ser pactuado nessa improvisação. O refinamento dessa prática sobrepassa a tendência de demonstrar constantemente o que se sabe na presença do outro (Sastre, 2015SASTRE, Cibele. Entre o Performar e o Aprender: práticas performativas, dança improvisação e análise laban/bartenieff em movimento. 2015. 262 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015., p. 68).

Um saber que não aparece, que não produz.

Assim, a opção da escola é não apoiar a proposta da professora, suprimir o toque para não gerar problema com os pais. Escolhe, portanto, não problematizar, nem mesmo incluir a reflexão sobre os significados do toque na sociedade, por exemplo, como parte do currículo. A escola não consegue estabelecer a norma para o toque, não tem instrumentos para medir os desvios. Assume-se que o corpo é espaço pessoal, intocável, e a tendência é a dimensão sensível e afetiva ser cada vez mais apartada do processo educativo.

Por outro lado, independentemente da postura da escola, no momento em que o toque é elemento da aula de dança e nem todos os alunos querem tocar ou permitem serem tocados, coloca-se ali uma questão ética. Assim, a prática do toque revela que o modo de a dança lidar com as regras é diferente do modo dominante na escola. Esse modo da dança converge com a conduta ética descrita por Foucault (1998FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Graal, 1998.).

Para Foucault (1998FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Graal, 1998., p. 29), “[...] toda ‘moral’, no sentido amplo, comporta dois aspectos [...], o dos códigos de comportamento e o das formas de subjetivação”, os quais não são dissociados. O código moral, ou simplesmente código, é “[...] um conjunto de valores e regras de ação propostas aos indivíduos e aos grupos por intermédio de aparelhos prescritivos diversos, como podem ser a família, as instituições educativas, as Igrejas, etc.” (Foucault, 1998, p. 26). As formas de subjetivação, ou formas da subjetivação moral, são modos de o indivíduo se relacionar com as regras, processos de tornar seu próprio comportamento conforme a regra dada, e se constituir nessa relação, como sujeito moral.

Quando o processo é orientado para o código não há espaço para uma invenção do modo de se relacionar com esse código.

A importância é dada sobretudo ao código, à sua sistematicidade e riqueza, à sua capacidade de ajustar-se a todos os casos possíveis, e a cobrir todos os campos de comportamento; em tais morais a importância deve ser procurada do lado das instâncias da autoridade que fazem valer o código, que o impõem à aprendizagem e à observação, que sancionam as infrações; nessas condições, a subjetivação se efetua, no essencial, de uma forma quase jurídica, em que o sujeito moral se refere a uma lei ou a um conjunto de leis às quais ele deve se submeter sob pena de incorrer em faltas que o expõe ao castigo (Foucault, 1998FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Graal, 1998., p. 29).

Quando o processo é orientado para a ética as possibilidades de construção desse processo são múltiplas: os modos de o indivíduo tornar seu próprio comportamento conforme as regras são múltiplos.

Morais cujo elemento forte e dinâmico deve ser procurado do lado das formas de subjetivação e das práticas de si. Nesse caso, o sistema dos códigos e das regras de comportamento pode ser bem rudimentar. Sua observação exata pode ser relativamente pouco relevante, pelo menos comparada ao que se exige do indivíduo para que, na relação que tem consigo, em suas diferentes ações, pensamentos e sentimentos, ele se constitua como sujeito moral; à ênfase é dada, então, às formas das relações consigo, aos procedimentos e às técnicas pelas quais são elaboradas, aos exercícios pelos quais o próprio sujeito se dá como objeto a conhecer, e às práticas que permitam transformar seu próprio modo de ser (Foucault, 1998FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Graal, 1998., p. 30).

Na conduta orientada pela ética a ênfase não está no código moral, mas na relação do indivíduo com o conjunto de regras na constituição de si como sujeito moral. Entendo os processos de criação, portanto as aulas de dança, como espaços em que as regras são rudimentares, nos quais elas vão sendo estabelecidas ao longo do processo, como conduta que o indivíduo constrói em que busca transformar seu modo de ser.

Penso que o toque é possível na aula de dança porque a conduta ética não é estranha a esse lugar. O que define se devo, se posso, ou não, tocar alguém (que implica necessariamente ser tocado) não é uma lei, não é um regimento, mas o arranjo, no presente, dos modos daqueles que se tocam se relacionarem com o próprio toque. A regra, nesse caso, não é rígida, ela deve ser construída a cada instante.

Mesmo numa relação problemática com a direção da escola, Rita insiste no toque. Entendo, portanto, que o contato tátil é fundamento na sua aula. Esse dado também aparece na sua fala. Ela traz a temática do toque na entrevista, justamente quando pergunto sobre quais seriam as regras da dança:

Rita: Bom, como eu trabalho muito em grupo, regras. As regras da dança tão interligadas com as regras de convivência, eu acho. Porque eu não me pego muito em regras [...].

Pesquisadora: Tu segue essas regras de grupo porque tu acha que isso que é fundamental pra criar dança?

Rita: Sim! É uma das coisas que é fundamental. [...] No início, como tinha uma falta de respeito muito grande e uma questão de não saber se aproximar do outro, de ter dificuldade de abordar o outro e de tocar no corpo do outro. Por isso que eu fui criando isso com as turmas, junto com as turmas, das regras de convivência, das regras de contato. Até onde eu posso.

Pesquisadora: Então uma regra da dança seria poder ter contato.

Rita: Ter contato. Poder se tocar, poder saber até onde o meu colega me permite que eu toque. Que forma é? Mais agressiva, mais delicada? Isso, pra mim, foi importante eu começar a trabalhar com eles. Então, eu considero uma regra. Dessa questão da aproximação. Saber como abordar o outro, saber como não machucar o outro. Eu tô ali dançando e tendo respeito pelo corpo do outro. Porque eu posso dançar sem respeitar. É o que eu digo pra eles, é sempre a questão de saber abordar. Olha o teu colega, percebe se ele tá te permitindo que tu toque. De que forma que tu pode tocar? Se ele não gosta que toque no cabelo, bom, que forma diferente eu posso fazer isso? De que forma eu posso me aproximar? Eu posso tocar na orelha, então? Eu posso tocar no ombro? Porque são exercícios adaptáveis. Nada ali é uma verdade (Falkembach, 2016dFALKEMBACH, Maria Fonseca. Dossiê Rita: transcrição das aulas e entrevistas. Arquivo confidencial não publicado. 82 f. 2016d. , p. 44-45).

A reflexão emerge justamente quando as regras são mais rudimentares. Se não é proibido tocar, então é necessário saber como, se perguntar de que forma. A realização do toque provoca a praticar de que forma a relação pode se estabelecer. Implica um trabalho sobre si, sobre o próprio corpo, de mobilização do corpo na ação de tocar. Posso pensar, por conseguinte, o toque como uma técnica de si, da ordem daquilo que Foucault (1990FOUCAULT, Michel. Tecnologías del yo. In: FOUCAULT, Michel. Tecnologías del yo y Otros Textos Afines. Barcelona: Paidós Ibérica; Universidad Autónoma de Barcelona, 1990. P. 45-94.), a partir de seu estudo sobre a Antiguidade, chamou de tecnologias do eu, ou tecnologias de si: práticas ativas que produzem uma relação do sujeito consigo mesmo, como sujeito ético. O toque como um trabalho sobre si, na relação com o outro, de produção de si mesmo.

Trata-se de enfatizar as experiências com o toque como espaço de produção de subjetividade, de um trabalho sobre si, no “projeto de tornar o humano melhor” (Icle, 2010ICLE, Gilberto. Pedagogia Teatral como Cuidado de Si. São Paulo: Hucitec, 2010., p. 83). Ademais, essas práticas de si possibilitam a constituição de modos de existência que resistem aos modos e à codificação dos modos de existência hegemônicos.

Em sua análise sobre a reflexão moral na Antiguidade grega, Foucault identificou que o trabalho ético se encontrava na problematização moral a respeito das práticas sobre as quais não havia proibição. A reflexão e prática sobre si mesmo eram uma problematização da conduta daqueles que eram os sujeitos livres. Seu estudo se desenvolveu sobre os temas de austeridade sexual, mostrando que, diferentemente do que se poderia pensar, esses temas “[...] não coincidiam com as delimitações que as grandes interdições sociais, civis ou religiosas poderiam traçar” (Foucault, 1998, p. 24). O autor enfatiza que essa reflexão moral não tentava definir um campo de conduta e um domínio de regras válidas, nem acontecia como uma “[...] tradução ou comentário de proibições profundas e essenciais, mas como elaboração e estetização de uma atividade no exercício de seu poder e na prática de sua liberdade” (Foucault, 1998, p. 25). Logo, é nas reflexões sobre o comportamento em espaço de liberdade que Foucault encontra o trabalho ético, de reflexão e prática sobre si mesmo: “[...] para a instauração e o desenvolvimento das relações para consigo, para a reflexão sobre si, para o conhecimento, o exame, a decifração de si por si mesmo, as transformações que se procura efetuar sobre si” (Foucault, 1998, p. 29).

Quando a professora Rita se preocupa em trazer as questões sobre como tocar na aula de dança, ela abre espaço para o trabalho ético. Por outro lado, na interdição do toque a escola deixa de promover a problematização das condutas e escolhe o caminho que retira questões do corpo da composição do currículo.

Considerações Finais

Constato a emergência de uma dimensão do corpo nas aulas de dança - o corpo tátil - e, concomitantemente, a complexidade de lidar com esse corpo no ambiente escolar. Ao operar com esse corpo, a aula de dança provoca tensões na escola. Expõe a evidência de que o toque, na escola, do ponto de vista dos professores e da equipe diretiva, é, na maioria das vezes, signo de violência e relação sexual, e reivindica outros significados para o toque.

É como uma conduta às vezes estranha à escola, diferente, sem sentido, que o toque, às vezes natural na aula de dança, pode produzir o inesperado. Tanto na produção da ruptura da repetição dos códigos como numa relação com o mundo pela pele. O impacto de um corpo sobre o outro em reciprocidade é potência para processos de criação, pode gerar movimentos intensos de dança, na quase-imobilidade. Pode transmitir aquilo que não tem significado, que não se interpreta, mas que nos produz a sensação de estarmos vivos, de que fazemos parte da vida, de que fazemos parte uns dos outros.

O que os dados desta pesquisa ressaltam é que o trabalho das professoras de dança na escola é parte de um contexto, de condições de possibilidade que, hoje, buscam contrapor as práticas da dança à sujeição ao discurso dominante. A lida diária das professoras coloca a dança no jogo das relações de saber/poder, de modo que possam emergir suas verdades-outras.

O novo documento do governo federal, que propõe um currículo comum para todo o território brasileiro, a Base Nacional Comum Curricular - BNCC (Brasil, 2017BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2017. Disponível em: <Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/ >. Acesso em: 15 jun. 2017.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/...
), estabelece a dança como uma linguagem da área de Arte. Mas, como foi desenvolvido aqui, a arte também opera numa dimensão diferente da linguagem, do significado: na arte encontramos a possibilidade de relação com o mundo em que existe uma oscilação entre efeitos de presença e efeitos de significado. Ao colocar a dança no currículo como linguagem, enfatiza-se sua dimensão de interpretação e significado. Porém, quando se lida com a arte, a dimensão da presença emerge. A aula de dança que se propõe à prática da dança como arte não pode interditar sua dimensão de presença.

Ao mesmo tempo, os momentos de oscilação entre efeitos de presença e significado são efêmeros e surgem do nada (Gumbrecht, 2010GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de Presença: o que o sentido não consegue transmitir. Rio de Janeiro: Contraponto, 2010., p. 140), e nada atesta que de fato acontecerão. Conforme Gumbrecht (2010, p. 142), “[...] nunca sabemos se ou quando ocorrerá uma epifania [...], quando ocorre, não sabemos que intensidade terá [...] [e] se desfaz como surge”. Esses momentos não correspondem ao currículo escolar organizado em resultados e habilidades que possam ser avaliados.

Entendo que é desde o lugar de artista que as professoras não se omitem em fazer escolhas na construção do currículo: mesmo quando há produção de tensão com as tecnologias escolares, elas apostam na potência e na importância do toque na aula de dança. Trata-se de uma ação política constante, como artistas que se colocam nos limites, esbarram e mobilizam esses limites - às vezes, são seus próprios limites, às vezes os limites dos alunos e alunas, ou de uma turma, às vezes, muito frequentemente, da escola, em outras ocasiões, trata-se, ainda, dos limites dos pais e da comunidade.

A pesquisa colocou em evidência a conduta ética das professoras. Conduta aqui também compreendida, por meio da perspectiva dos estudos foucaultianos, como modo de convocar a um dado saber. Conduta que conduz, por via de proposições de práticas de dança com o toque, a um tipo de saber (de si e do outro) que pode produzir transformações de si e do grupo. Um tipo de saber do corpo-sujeito que se constrói em espaços constituídos de condutas orientadas para a ética.

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  • 1
    Foucault (2004, p. 118) mostra que a tecnologia disciplinar opera por via de uma codificação dos gestos, atitudes, movimentos, desde o “controle minucioso das operações do corpo”, na fabricação de um corpo dócil e útil.
  • 2
    Judith Butler (2000, p. 111) escreve sobre como a reiteração forçada de normas regulatórias materializam o ‘sexo’. Segundo a filósofa, “[...] o fato de que essa reiteração seja necessária é um sinal de que a materialização não é totalmente completa, que os corpos não se conformam, nunca, completamente, às normas pelas quais sua materialização é imposta. [...] [O] que constitui a fixidez do corpo, seus contornos, seus movimentos, será plenamente material, mas a materialidade será repensada como o efeito do poder, como o efeito mais produtivo do poder”.
  • 3
    Na versão brasileira do livro Produção de Presença: o que o sentido não consegue transmitir (Gumbrecht, 2010), a palavra em inglês, no original, meaning, foi traduzida para sentido. Assim, essa palavra foi mantida nas citações do livro. Porém, no restante do texto utilizo a palavra significado no lugar de sentido, porque considero que em português a palavra sentido é mais ampla e pode significar senso, direção, percepção, sensação ou sensibilidade, entre outras possibilidades.
  • Este texto inédito também se encontra publicado em inglês neste número do periódico.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2018
  • Aceito
    16 Set 2018
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