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Presença e Micropolítica do Sensível: Ouverture Alcina, um caso de composição pós-dramática

Resumo:

A noção de presença provoca um intenso debate no campo das artes cênicas atuais. Este texto apresenta um panorama das teorias recentes e propõe uma abordagem ao estudo da presença sob o prisma das epistemologias das práticas do corpo e do gesto, bem como da noção de afeto (Massumi, 1995; 2015). A análise do espetáculo Ouverture Alcina, um solo da companhia italiana Teatro delle Albe, faz uma releitura da presença como restituição de um trabalho físico, performativo e composicional, um dispositivo de construção de um discurso político através da experiência perceptiva do espectador.

Palavras-chave:
Presença; Percepção; Política dos Afetos; Teatro Pós-Dramático; Teatro delle Albe

Résumé:

La notion de présence suscite un débat très animé dans la scène actuelle des arts vivants. Ce texte donne un aperçu des théories récentes et ensuite propose une approche à l’étude de la présence au prisme des épistémologies des pratiques du corps et du geste, ainsi que de la notion d’affect (Massumi, 1995; 2015). Ensuite, l’analyse d’ Ouverture Alcina, solo de la compagnie italienne Teatro delle Albe, relit la présence en tant que restitution d’un travail physique, performatif et compositionnel, à savoir un dispositif fabriquant un discours politique à travers l’expérience perceptive du spectateur.

Mots-clés:
Présence; Perception; Politique des Affects; Théâtre Postdramatique; Teatro delle Albe

Abstract:

Presence is a widely investigated topic in the Performing Arts. This paper provides an indicative review of the most recent theories, and proposes an approach to presence relying on the epistemologies of the somatic and gestural practices, as well as on the notion of affect (Massumi, 1995; 2015). Subsequently, it focuses on Ouverture Alcina, a solo by the Italian company Teatro delle Albe. Here, presence is the result of a physical, performative and compositional practice, a dispositive affecting the perceptive experience of the viewer as a form of political agency.

Keywords:
Presence; Perception; Politics of Affects; Postdramatic Theatre; Teatro delle Albe

Introdução: presenças múltiplas

Mesmo que nosso campo se limite apenas à atualidade, a noção de presença parece traduzir um fenômeno facetado e esquivo, especialmente no âmbito da cena performativa e pós-dramática euro-americana. Na teoria, o conceito de presença em cena designa a condição de “estar aqui”, de “estar aqui e agora”, de “estar diante” ou ainda de “estar perto de” (Giannachi; Kaye, 2006GIANNACHI, Gabriella; KAYE, Nick. Presence: a short definition. Performance Research, Cornwall, n. 11, p. 103-105, 2006., p. 103; Pitozzi, 2008PITOZZI, Enrico. Sismografie della presenza. Art’O, n. 25, p. 4-13, printemps 2008., p. 4; Giannachi; Kaye; Shanks, 2012). Nas discussões atuais a dimensão espetacular, ou mesmo prodigiosa, da presença parece atrair o interesse dos teóricos. No entanto, a copresença de espectadores e performers em uma situação espetacular parece expor uma realidade física compreendida como uma situação circunstancial, ou mesmo como o aspecto ordinário do evento extracotidiano, que tem sua origem na relação entre intérprete e espectadores (Fischer-Lichte, 2014 [2004], p. 67-132; Lehmann, 2012LEHMANN, Hans-Thies. La presenza del teatro. Culture Teatrali: interventi e scritture sullo spettacolo , Italia, n. 21, p. 17-30, automne 2012., p. 17). Uma dialética semelhante é articulada entre as modalidades assertiva e qualitativa de presença (Féral; Perrot, 2012FÉRAL, Josette (Dir.). Pratiques Performatives: Body Remix. Montréal; Rennes: Presses de l’Université du Québec; Presses Universitaires de Rennes, 2012. apud Pitozzi, 2012a, p. 131-132)30 1 Fischer-Lichte e Féral propuseram estes estudos em Archaeologies of presence (Giannachi; Kaye; Shanks, 2012, p. 103-118; p. 29-49). , diferenciando a presença de seus efeitos estéticos31 2 De acordo com a definição de Féral e Perrot este efeito consiste na “[...] sensação experimentada pelo espectador de que o corpo ou os objetos que observa – ou escuta – estão lá, no mesmo espaço e no mesmo tempo no qual ele se encontra, mesmo que reconheça pertinentemente que estejam ausentes”. Na versão em francês: “[...] sensation éprouvée par le spectateur que les corps ou les objets offerts à son regard – ou bien à ses oreilles – sont là, dans le même espace et dans le même temps où lui-même se trouve, bien que reconnaissant de manière pertinente que ceux-ci sont absents” (Féral; Perrot, 2012, p. 142-144). .

A partir dessa base, outras noções são formuladas levando em conta o trabalho do ator em cena: menciona-se o “estar presente” (being-present), o “ter presença” (having present) ou ainda o “tornar-se presente” (making-present, Power, 2008POWER, Cormac. Presence in Play. A Critique of Theories of Presence in the Theatre. Amsterdam; New York: Rodopi, 2008.). Também são especificados outros modos de presença - fortes, fracas, radicais (Fischer-Lichte, 2008; Fischer-Lichte apud Giannachi; Kaye; Shanks, 2012GIANNACHI, Gabriella; KAYE, Nick; SHANKS, Mark (Dir.). Archaeologies of Presence: art, performance and the persistence of being. London; New York: Routledge , 2012., p. 103-118; Fischer-Lichte, 2014), ou literais, auráticas e ficcionais (Power, 2008). Isso confirma a existência de imaginários, de modelos culturais e ideológicos que operam a partir do interior e, frequentemente, de maneira ambígua sobre a noção de presença e sobre as categorizações que resultam dela.

Assim, a presença, aqui, não é uma função de unidade e de síntese, nem a ocupação indiscutível [untroubled] de um espaço, um estar aqui ou um estar lá definitivos; mas ela é perfomatizada na persistência do ‘ser’ através da divisão e da diferenciação. […] (Giannachi; Kaye; Shanks, 2012GIANNACHI, Gabriella; KAYE, Nick; SHANKS, Mark (Dir.). Archaeologies of Presence: art, performance and the persistence of being. London; New York: Routledge , 2012., p. 10-11)32 3 Traduzido do inglês para o francês pela autora. Na versão do artigo em francês: “Par conséquent la présence, ici, n’est pas une fonction d’unité et de synthèse, ni l’occupation indiscutable [untroubled] d’un espace, un être ici ou un être là définitif; par contre elle est performée dans la persistance de l’‘être’ à travers la division et la différenciation. […]”. .

Essa pluralidade de abordagens e suas relações complexas podem gerar confusões, especialmente quanto ao fenômeno corporal. Sobre esse assunto, o filósofo Michel Bernard (2001BERNARD, Michel. De la Création Chorégraphique. Pantin: CND Editions, 2001., p. 51) fala das metaforizações galopantes, das cristalizações conceituais da corporeidade por noções reconfortantes, mas reducionistas. No entanto, raras são as tentativas de restituir a dimensão e as possibilidades da presença enquanto “ecologia de diferenças” (Giannachi; Kaye; Shanks, 2012GIANNACHI, Gabriella; KAYE, Nick; SHANKS, Mark (Dir.). Archaeologies of Presence: art, performance and the persistence of being. London; New York: Routledge , 2012., p. 11), ou mesmo de relações.

Este artigo33 4 Este artigo retoma alguns temas tratados em uma tese de doutorado em cotutela entre o departamento de Artes (opção Teatro) da Università di Bologna, na Itália, e o departamento de dança da Université Paris 8, na França (defesa de tese prevista para a primavera 2017). propõe uma releitura de teorias e fenômenos estéticos geralmente ligados à noção de presença sob o prisma das ecologias das práticas (Stengers, 2005STENGERS, Isabelle. Introductory notes for an ecology of practices. Cultural Studies Review, Melbourne, v. 11, n. 1, p. 183-196, mars 2005.) e das teorias dos afetos (Deleuze; Guattari, 1991DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Qu’est-ce qu’est la philosophie?. Paris: Les Editions de Minuit, 1991.; Massumi, 1995MASSUMI, Brian. The Autonomy of Affect. Cultural Critique, n. 31, p. 83-109, automne 1995.; 2015). Um panorama dos discursos atuais permite, em um primeiro momento, situar e precisar essa abordagem. Posteriormente, será realizada a reconstituição de um exemplo de ecologia ou de política dos afetos através de Ouverture Alcina (2009), um solo da companhia italiana Teatro delle Albe. Essa peça é representativa do que se denomina, por um lado, como práticas e, por outro, como figurações da presença, ou seja, modalidades de conceber a composição e o olhar sobre a obra como dispositivos que operam sobre o plano imanente das sensações.

Fazer, Desfazer, Repensar a Presença: o modernismo e as cenas atuais

De acordo com as definições que acabam de ser apresentadas, os teóricos têm identificado a presença com diferentes questões estéticas, filosóficas e culturais. Os pioneiros dos estudos atuais sobre a noção de presença surgem a partir do final dos anos 1950 (Giannachi; Kaye; Shanks, 2012GIANNACHI, Gabriella; KAYE, Nick; SHANKS, Mark (Dir.). Archaeologies of Presence: art, performance and the persistence of being. London; New York: Routledge , 2012., p. 2; Power, 2008POWER, Cormac. Presence in Play. A Critique of Theories of Presence in the Theatre. Amsterdam; New York: Rodopi, 2008., p. 118-125). Cormac Power (2008) observa que algumas fontes importantes fazem alusão ao pensamento de Jacques Derrida, à noção de aura de Walter Benjamin e a estudos sobre a textualidade. Frequentemente, estas pesquisas tratam a presença como ideia-base no contexto de um vasto pensamento filosófico sobre a relação entre sujeito e mundo, ao invés de empregá-la em verdadeiras análises das práticas performativas34 5 Neste texto, podemos apenas nomear estas teorias, retomadas no final dos anos 1980 e 1990. Ver os estudos citados nas notas 1 e 2. .

As estéticas das artes performáticas, ao menos até o final dos anos 1980, têm dificuldade em emancipar-se dessa abordagem. Suas definições mais habituais distinguem a presença como dimensão qualitativa do jogo do intérprete e como dimensão relativa ao conjunto do acontecimento espetacular. Em suma, menciona-se a presença do artista ou a presença da obra (Pavis, 1996PAVIS, Patrice. Dictionnaire du Théâtre. Paris: Armand Coli, 1996 (1987). [1987], p. 270). A partir dos anos 1990, essa dupla articulação do discurso implanta-se nas teorias que se distanciam do texto-centrismo, do teatro de representação e das funções tradicionalmente atribuídas ao personagem. Mas a noção de presença continua ligada a uma poética de influência clássica, fazendo eco ao que chamamos de carisma do artista (Goodall, 2008GOODALL, Jane. Stage Presence. London; New York: Routledge , 2008.). Patrice Pavis fornece uma definição significativa:

‘Ter presença’, é, no jargão teatral, saber cativar a atenção do público e impor-se; é, também, ser dotado de um ‘não sei quê’ que provoca imediatamente a identificação do espectador, dando-lhe a impressão de viver em outro lugar, num eterno presente (Pavis, 1996PAVIS, Patrice. Dictionnaire du Théâtre. Paris: Armand Coli, 1996 (1987). [1987], p. 270)35 6 Nota do tradutor: na versão em francês “‘Avoir de la présence’ c’est, dans le jargon théâtral, savoir captiver l’attention du public et s’imposer; c’est aussi être doué d’un ‘je-ne-sais-quoi’ qui provoque immédiatement l’identification du spectateur, lui donnant l’impression de vivre ailleurs et dans un éternel présent”. .

Erika Fischer-Lichte, em sua perspectiva performativa, fala de um conceito forte de presença nos seguintes termos: “[...] o domínio do espaço por parte do ator e a concepção da atenção dos espectadores sobre aquele ‘que produz’ uma experiência intensa do estar presente” (Fischer-Lichte, 2014 [2004], p. 170)36 7 N. do T.: na versão em francês “[...] la maîtrise de l’espace de la part de l’acteur et la conception de l’attention des spectateurs sur lui même ‘qui produit’ une intense expérience de l’être présent”. . Nesse sentido, a presença é uma questão poética dupla, que diz respeito, de um lado, ao pensamento filosófico e, de outro, às normas do social e às estratégias que o artista emprega para impor-se nos circuitos artísticos. A presença compreendida como carisma pertence, de fato, a uma tendência antiga e transversal em relação aos gêneros artísticos: a mitificação dos grandes artistas, alimentada - muito antes das experiências do século XX - por suas autobiografias e memórias, bem como pela literatura crítica e pelo imaginário do público. Consideradas sob uma perspectiva acadêmica, essas fontes não são necessariamente objetivas ou coerentes; mas elas são essenciais para a compreensão da relação entre a cena e o meio sociocultural contemporâneo (Goodall, 2008GOODALL, Jane. Stage Presence. London; New York: Routledge , 2008., p. 7; 11-12). Cada uma das estéticas da presença implica, assim, tanto a construção de diferentes estratégias performativas, quanto a formulação de éticas e concepções específicas do mundo e da arte - uma transformação que também emerge no final do século XX.

A partir do final dos anos 1990, desenvolvem-se novas ideias sobre - retomando as palavras de Pavis, (1996PAVIS, Patrice. Dictionnaire du Théâtre. Paris: Armand Coli, 1996 (1987). [1987], p. 270) - o “quê”37 8 Esta expressão [je-ne-sais-quoi, em francês, literalmente “não sei o quê”], cuja genealogia ultrapassa os limites desta contribuição, inscreve-se em uma longa tradição teórica centrada na definição da representação como ficção, e em seu aspecto indeterminado. Para aprofundar o tema, ver Lehmann (2012) e Csordas (1993, p. 137; p. 149-151). da relação teatral com base nas pesquisas de Jerzy Grotowski e de Eugenio Barba, propondo uma perspectiva performativa sobre o trabalho físico do intérprete38 9 A Nova Teatrologia italiana, a Etnocenologia francesa, os Performance Studies referem-se frequentemente às noções de Performer e de práticas performativas. Nos dois primeiros campos, esses modelos são integrados através das pesquisas de Eugenio Barba sobre o pré-expressivo; os Performance Studies, no entanto, referem-se às pesquisas de Grotowski e de Richard Schechner. Alguns dos aspectos comuns a estas teorias são a configuração da performance entre ritual e espetacular, bem como a centralidade do corpo orgânico do performer. Ver Grotowski (1965); Richards (1999); Barba (1993); Barba, Savarese (1996); Schechner (1988 [1977]); Fischer-Lichte (2014 [2004]). . Nesse contexto, a noção de pré-expressivo possui um papel importante na definição das questões físicas que contribuem à construção dessa presença, que Power (2008POWER, Cormac. Presence in Play. A Critique of Theories of Presence in the Theatre. Amsterdam; New York: Rodopi, 2008.) define como aurática. Para Barba, o pré-expressivo é o nível destinado à “exposição da presença atual do intérprete” que, através de técnicas específicas de corporificação, “[...] produz dentro [dele] uma energia capaz de ser transmitida aos espectadores” (Lehmann, 2002LEHMANN, Hans-Thies. Le Théâtre Postdramatique. Traduction: Philippe-Henri Ledru. Paris: L’Arche, 2002. (Postdramatisches Theater, 1999). [1999], p. 52)39 10 N. do T.: na versão em francês “l’exposition de la présence actuelle de l’interprète” e “[...] produi[t] à l’intérieur de [celui-ci] une énergie capable d’être transmise aux spectateurs”. . O princípio energético ressurge no teatro pós-dramático. Hans-Thies Lehmann descreve a capacidade do ator de produzir energia, de incitá-la no espectador e de fazê-la circular no espaço de maneira imprevisível. Assim, o artista faz da energia um princípio transformador da experiência (Lehmann, 2002 [1999], p. 52). Mais recentemente, Fischer-Lichte propôs uma separação das dimensões corporais fundantes da presença. A pesquisadora fala de corpos múltiplos que coexistem na corporeidade do performer; com isso, primeiramente, ela distingue a dimensão subjacente a um conceito forte de presença da dimensão que se refere a um conceito fraco, “[...] a relação com a presença atual que se dá pelo simples estar presente do corpo vivo fenomênico do ator” (Fischer-Lichte, 2014 [2004], p. 167)40 11 N. do T.: na versão em francês “[...] le rapport avec la présence actuelle qui se donne par le simple être présent du corps vivant phénoménique de l’acteur”. . Em segundo lugar, Fischer-Lichte identifica na tensão entre o “estar-no-mundo corporal” do performer e sua representação de um personagem - ou seja, entre presença fraca e presença forte - a condição que torna possível tanto a produção performativa da corporeidade quanto sua recepção pelo público. Enfim, quando a experiência espetacular permite que o espectador perceba o performer e a si mesmo como mente corporificada (embodied mind), bem como uma energia transformadora que circula entre eles, Fischer-Lichte fala de conceito radical de presença. “Assim, nada de extraordinário manifesta-se na presença, no entanto, algo de extremamente ordinário torna-se evidente e transforma-se em acontecimento: a particularidade do ser humano de estar embodied mind” (Fischer-Lichte, 2014 [2004], p. 175-176)41 12 N. do T.: na versão em francês “Dans la présence, donc, rien d’extraordinaire ne se manifeste, pourtant quelque chose d’extrêmement ordinaire est rendu évident et transformé en événement: la particularité de l’être humain d’être embodied mind”. .

A pesquisadora alemã está entre os autores que iniciaram uma verdadeira reviravolta teórica sobre a presença. No início do século XXI, de fato, essa noção encontra um novo sucesso literário. Isso não seria possível sem a existência, na cena internacional, das artes do espetáculo, de diversas tendências que questionam e reinventam de forma mais ou menos radical seus próprios meios de expressão. A presença começa a ser abordada considerando usos sofisticados das tecnologias multimídia na composição dramatúrgica e/ou levando em conta práticas de composição que exploram a relação entre forças e formas dramáticas, ou mesmo a relação entre desconstrução e fixação do gesto. Por um lado, na área da dança, por exemplo, os artistas estão bastante interessados no desenvolvimento e na legitimação do pensamento sobre seu próprio trabalho (Ginot, 2003GINOT, Isabelle. Un lieu commun. Repères: cahiers de danse, Vitry-sur-Seine, p. 2-9, mars 2003.). Ao mesmo tempo, eles reivindicam sua autonomia em relação aos circuitos dominantes do espetáculo e uma perspectiva sobre os fundamentos das práticas performativas: corpo, movimento, composição, contexto, obra, autor (Lepecki apud Carter, 2004LEPECKI, André (Dir.). Of the Presence of the Body. Essays on Dance and Performance Theory. Middletown: Wesleyan University Press, 2004., p. 172; Lepecki, 2006). Por outro lado, a pesquisa teatral mostra um desejo de reinvenção. O minimalismo da performance pós-moderna, bem como a utilização de tecnologias de formas mais ou menos espetaculares, oferecem meios para trabalhar tanto sobre o método de composição quanto sobre os aspectos formais das obras e as qualidades das performances. Assim como nos anos 1960, toma-se distância de certo expressionismo e dos modelos do novo teatro no que diz respeito a uma utilização explicitamente política do corpo e da cena42 13 Mesmo afastada dos grandes circuitos internacionais, a companhia do Teatro delle Albe faz parte desta geração artística. .

Nesta época, o sentido dado pelos artistas à presença, ou às questões performativas relacionadas a ela, ultrapassa o simples jargão técnico e a doxa sobre o carisma e articula-se através de discursos mais eruditos, apropriando-se de estratégias da crítica. São elaboradas poéticas ricas e complexas, que reconectam a prática e o pensamento filosófico moderno de forma mais direta que no passado43 14 A genealogia dos debates sobre o teatro e, mais tarde, sobre a performance parece nos confirmar isso: os pensamentos de Friedrich Nietzsche, Martin Heidegger, Jacques Derrida, Michel Foucault, Edmund Husserl, Maurice Merleau-Ponty e, mais recentemente, Gilles Deleuze são vastamente mencionados na teoria, mesmo na ausência de análises de obra (Power, 2008; Giannachi; Kaye; Shanks, 2012). . Nesse sentido, a reinvenção desta noção reflete as pesquisas teatrais do início do século XX, que teriam tentado estender a experiência da presença do performer à obra como um todo (Power, 2008POWER, Cormac. Presence in Play. A Critique of Theories of Presence in the Theatre. Amsterdam; New York: Rodopi, 2008., p. 47-54). Certas teorizações da presença, desse modo, aparecem transformadas nas estéticas esboçadas.

Nos Performance Studies e nos Critical Dance Studies, André Lepecki propõe uma maneira diferente de considerar a relação entre arte e filosofia (Lepecki, 2006LEPECKI, André. Exhausting Dance. Performance and the politics of movement. London; New York: Routledge , 2006., p. 5), destacando a distância entre corpos e metapresença44 15 N. do T.: na versão em francês “présence mis en abîme”. , proposta, especialmente na Europa, por uma nova geração de coreógrafos e performers (Lepecki, 2004; Lepecki apud Carter, 2004CARTER, Alexandra. Rethinking Dance History: A Reader. New York: Routledge, 2004.). Seus estudos reúnem experiências envolvendo não apenas elementos corporais, cinestésicos ou visíveis na composição do dispositivo coreográfico-performativo. Nesses casos, a performance também mobiliza os vestígios de imaginários e de meios culturais e políticos, ou ainda um pensamento crítico que se manifesta por gestos que perturbam as convenções cênicas. Assim, a noção de presença parece assumir características de uma experiência situacional do sensível (Kaye, Giannachi, 2011KAYE, Nick; GIANNACHI, Gabriella. Acts of Presence: Performance, Mediation, Virtual Reality. The Drama Review, Cambridge, Massachusetts, v. 55, n. 4, p. 88-95, hiver 2011.; Pitozzi, 2014PITOZZI, Enrico. The Perception is a Prism: body, presence and technologies. Revista Brasileira de Estudos da Presença/Brazilian Journal on Presence Studies, Porto Alegre, v. 4, n. 2, p. 174-204, mai-août 2014. Disponible sur: <Disponible sur: http://seer.ufrgs.br/index.php/presenca/article/view/43367/29205 >. Consulté le: 30 mars 2016.
http://seer.ufrgs.br/index.php/presenca/...
) e do político através da composição. Dessa forma, segundo Lepecki, essas obras coreográficas expõem e desconstroem os modelos normativos que vinculam o dispositivo coreográfico à produção da subjetividade normatizada na era moderna, o “ser-em-direção-ao-movimento” (Lepecki, 2006, p. 43)45 16 N. do T.: na versão em francês “être-vers-le-mouvement”. . Esse modelo normatizado pode ser associado à dialética entre corpo e mente que, paradoxalmente, também se encontra em certas teorias pós-modernas que unificam essas duas polaridades (Barba, 1993BARBA, Eugenio. La Canoa di Carta: trattato di antropologia teatrale. Bologna: Il Mulino 1993.; Barba; Savarese, 1996; Fischer-Lichte, 2014 [2004], p. 175-176).

Tal base nos possibilita formular novas propostas. Apresentaremos aqui um afastamento posterior das estratégias discursivas que se articulam através da dialética entre corpo e mente, presença e ausência, bem como entre sujeito e um objeto estético completamente outro, reificado. Esse tipo de abordagem “de tom maior” não consegue exprimir o alcance intrinsecamente político e cultural das práticas, a modalidade pelas quais práticas e praticantes constroem um meio e produzem “saberes localizados” (Stengers, 2005STENGERS, Isabelle. Introductory notes for an ecology of practices. Cultural Studies Review, Melbourne, v. 11, n. 1, p. 183-196, mars 2005.; Haraway, 1988HARAWAY, Donna. Situated Knowledges: the science question in feminism and the privilege of partial perspective. Feminist Studies, Maryland, v. 14, n. 3, p. 183-201, automne 1988.)46 17 N. do T.: na versão em francês “en tonalité majeure” e “savoirs situés”. . Segundo essa perspectiva, a noção de presença traduz a saída fenomênica de um processo de construção de conhecimentos e de competências perceptivas através da incorporação (Noland, 2008NOLAND, Carrie; NESS, Sallie-Ann (Dir.). Migrations of Gesture. Minneapolis; London: University of Minnesota Press, 2008., p. 9) e das limitações performativas, e, mesmo, composicionais. A presença do performer e a presença gerada pela experiência de uma obra seriam efeitos da ressonância entre as dinâmicas físicas do gesto e o dispositivo:

O conceito de presença não pode ser reduzido simplesmente ao corpo do performer em cena, ele deve ser estendido até envolver o que definiria como presenças objetivas - figurações constituídas por matéria sonora e luminosa que encontramos na cena performativa e nas instalações artísticas. Para tanto, é necessário desviar a atenção do corpo para a composição do dispositivo, no qual todas estas figurações da presença tomam forma. De fato, as presenças manifestam-se no dispositivo, permitindo o desenvolvimento - simultâneo - de uma fenomenologia da presença das entidades (incluindo os corpos) e da continuidade de seus traços no observador (Pitozzi, 2012bPITOZZI, Enrico. Figurazioni: uno studio sulle gradazioni di presenza. Culture Teatrali: interventi e scritture sullo spettacolo , n. 21, p. 107-127, automne 2012b. Disponible sur: <Disponible sur: http://www.ravennateatro.com/nobodaddy/materiali/pitozzi.pdf >. Consulté le: 30 mars 2016.
http://www.ravennateatro.com/nobodaddy/m...
, p. 107-108)47 18 N. do T.: na versão em francês “Le concept de présence ne peut pas être réduit au seul corps du performeur sur scène, il doit être étendu jusqu’à impliquer celles que je définirais présences objectives – figurations constituées de matière sonore et lumineuse qu’on retrouve sur la scène performative ainsi que dans l’art des installations. Pour cela faire, il est nécessaire déplacer l’attention au corps et la porter sur la composition du dispositif, où toutes ces figurations de la présence prennent forme. C’est dans le dispositif, en fait, que les présences se manifestent, en permettant ainsi de développer – simultanément – une phénoménologie de la mise en présence des entités (y compris le corps) et de la survie des leur traces dans l’observateur”. .

De fato, o corpo físico, o aspecto técnico da obra ou o testemunho do espectador não representam, por si próprios, o verdadeiro núcleo do caráter elusivo e cativante da presença. O quê da presença expressa o espaço pluripotencial da relação teatral, que as novas pesquisas performativas tentam compor através da atenção (Perrin, 2012PERRIN, Julie. Figures de l’Attention. Cinq essais sur la spatialité en danse. Dijon: Les presses du réel, 2012.) ou, exprimindo melhor, através do plano das sensações.

Questões Metodológicas

Entre as mais evidentes, a primeira característica das teorizações contemporâneas consiste no desdobramento plural, ou na individuação de facetas múltiplas, deste conceito que, até então, era considerado no singular. No entanto, diferentemente das décadas anteriores, a partir dos anos 2000 este emprego singular é problematizado: para um número cada vez maior de autores, a presença é interpretada como uma instância essencialista da experiência multifacetada do espetáculo (Power, 2008POWER, Cormac. Presence in Play. A Critique of Theories of Presence in the Theatre. Amsterdam; New York: Rodopi, 2008., p. 13-14; 114; 198). Mas alguns autores, entre eles Power, evitam desenvolver novas metodologias ou epistemologias das presenças. Esta é, por si só, outra característica comum dessa reviravolta. Com um caráter performativo, as práticas relacionadas às estéticas da presença questionam incessantemente o corpo do performer, o que ele pode fazer e tornar-se quando está em cena (Fischer-Lichte, 2014 [2004]; Féral, 2012FÉRAL, Josette (Dir.). Pratiques Performatives: Body Remix. Montréal; Rennes: Presses de l’Université du Québec; Presses Universitaires de Rennes, 2012.). Todavia, frequentemente os discursos teatrológicos não apreendem de maneira detalhada a dimensão gestual do jogo performativo - a dimensão que, no caso de Ouverture Alcina, opera mesmo sobre a estrutura composicional. De fato, a sensação de um limite hermenêutico das teorias teatrais talvez esteja na origem da proliferação das discussões sobre a presença.

No entanto, no mesmo período, o debate internacional vê surgir a epistemologia das práticas corporais. Apesar de abordar a presença de maneira aparentemente marginal, esse ramo de influência fenomenológica fornece ferramentas válidas para as teorias teatrais. Mesmo beneficiando-se de um vocabulário articulado em torno das questões físicas e de percepção que se inscrevem no pré-movimento48 19 Aqui, não fazemos referência às teorias de Barba, mas sim às pesquisas sobre análise do movimento e sobre as práticas somáticas de Hubert Godard. Com relação à presença e aos estudos de Godard, Enrico Pitozzi descreve o pré-movimento como “[...] o momento no qual a simulação [da ação] materializa-se nos músculos profundos [...] para a preparação do movimento” (Pitozzi, 2012b, p. 110; Godard, 1995, p. 236). Na versão em francês: “[...] moment où la simulation [de l’action] s’incarne dans les muscles profonds [...] pour la préparation du mouvement”. Acrescente-se a esta definição a importância do imaginário e da vivência para os dois pesquisadores. Essas dimensões afetam a postura, o tônus do corpo, a qualidade e a variedade motora de cada indivíduo. Para aprofundar a questão da percepção corporal e das sensações em dança, ver Godard (1994) e Foster (2010). e na prática do gesto, esses pesquisadores49 20 Não é possível reconstituir de forma exaustiva este debate, extremamente fértil. Fazemos referência a autores citados nas pesquisas precedentes: De Giorgi (2015) e, especialmente, Manning (2007), Noland e Ness (2008) e Noland (2009) representam outras fontes fundamentais. não buscam definir o que são corpos, gesto, prática ou presença. O objetivo de suas pesquisas é a compreensão das micropolíticas através das quais os corpos e as subjetividades - entidades que, desde Michel Foucault, devem ser consideradas sob uma perspectiva política50 21 Podemos integrar o ponto de vista de Mauss (1936) sobre as técnicas do corpo através da noção de tecnologias do eu, de Foucault, “[...] que permitem aos indivíduos efetuar, por conta própria ou com a ajuda de outros, certo número de operações sobre seus corpos e suas almas, seus pensamentos, suas condutas, seus modos de ser, obtendo assim uma transformação de si mesmos com o fim de alcançar certo estado de felicidade, pureza, sabedoria, perfeição ou imortalidade” (Foucault, 1994, p. 785). N. do T.: na versão em francês “[...] permett[a]nt aux individus d’effectuer, seuls ou avec l’aide d’autres, un certain nombre d’opérations sur leur corps et leur âme, leurs pensées, leurs conduites, leur mode d’être; de se transformer afin d’atteindre un certain état de bonheur, de pureté, de sagesse, de perfection ou d’immortalité”. - constroem-se e transformam-se pelas práticas e da mesma forma que as práticas. Em vários casos, as propostas teóricas estão ligadas a observações participantes e a conhecimentos de fisiologia e de análise do movimento. Se observarmos como os modelos cognitivos51 22 Para maiores informações sobre os diálogos entre estudos teatrais e neurociências ver Sofia (2013a; 2013b, p. 18-43); a autora cita as pesquisas de Alain Berthoz (1997) e os modelos neurofenomenológicos de Francisco Varela (Varela; Thompson; Rosch, 1999), igualmente importantes para nossa abordagem. (importantes tanto para as teorias teatrais quanto para as somáticas) são convocados nos dois campos torna-se evidente que esse eventual silêncio dos estudos teatrais sobre o corpo não resulta da falta de fontes cientificamente válidas e atuais, mas do tipo de questionamentos que baseiam suas aplicações. As estéticas teatrais limitam-se a definições ontológicas da presença ou a uma espécie de categorização de suas possíveis questões técnicas. Assim, a presença (no singular), seja qual for sua definição, é reificada (Burt apud Lepecki, 2004LEPECKI, André (Dir.). Of the Presence of the Body. Essays on Dance and Performance Theory. Middletown: Wesleyan University Press, 2004.), pois a performance, ou melhor, a especificidade da experiência espetacular testemunhada pelo teórico é, com frequência, cristalizada ou mesmo dissimulada. Tal tendência é acompanhada pelo hábito de definir a presença como intensificação do cotidiano, ou ainda como um efeito de “plenitude do tempo” (Lehmann 2002LEHMANN, Hans-Thies. Le Théâtre Postdramatique. Traduction: Philippe-Henri Ledru. Paris: L’Arche, 2002. (Postdramatisches Theater, 1999)., [1999], p. 17)52 23 N. do T.: na versão em francês “plénitude du temps”. . Assim, esse paradigma intensivo parece propor mais uma vez a ideia do carisma do ator no plano da experiência estética como um todo. No entanto, a utilização generalizada dessa noção traz o risco de limitar a gama dos fenômenos gerados pela performance, que não precisam necessariamente ser intensos para provocar uma experiência de presença.

A partir dessa base, a questão do método de análise complica-se quando consideramos criações teatrais como Ouverture Alcina, nas quais as noções de presença e de ação dramática são questionadas por práticas de desconstrução das estruturas formais - em suas configurações clássicas - por intermédio de um trabalho gestual e de percepção bastante rigoroso. Em seu livro, Frédéric Pouillaude fala de um trabalho coreográfico que visa envolver de maneira crítica o que ele descreve como “a impossibilidade da obra” em dança (Pouillaude, 2009)53 24 N. do T.: na versão em francês “l’impossibilité de l’œuvre”. . O autor denomina esse gênero de estética como improdutividade coreográfica54 25 N. do T.: traduzido livremente a partir de “désœuvrement chorégraphique”, que se refere à certa ausência de obra na dança. , referindo-se à transformação performativa dessa impossibilidade em um potencial, em uma matéria gestual e perceptiva. A ausência da obra seria apenas “[...] certa fantasia de presença, que se encontra na base da negação, na base da própria ausência”. O autor conclui que “a dança é a ausência de obra” (Pouillaude, 2009, p. 85, em itálico no original)55 26 N. do T.: na versão em francês “[...] un certain fantasme de présence, qui se trouve à la base de la négation, de l’absence même” e “la danse, c’est l’absence d’œuvre”. e que, assim, a presença manifesta-se através do dispêndio energético, da autoafetividade (Bernard, 2001BERNARD, Michel. De la Création Chorégraphique. Pantin: CND Editions, 2001., p. 99)56 27 A autoafetividade explica-se através da noção de quiasma intrassensorial, um dispositivo perceptivo que permite integrar informações qualitativamente diferentes sobre as mesmas experiências, de um ponto de vista ativo (por exemplo, “eu me toco”) ou passivo (“eu sou tocado por mim mesmo”), de maneira não mutuamente exclusiva. Ver Merleau-Ponty (1976) e Bernard (2001, p. 99). e do prazer como devir não-produtivo da obra. As práticas performativas que, para Lepecki, “esgotam a dança” (Lepecki, 2006LEPECKI, André. Exhausting Dance. Performance and the politics of movement. London; New York: Routledge , 2006.)57 28 N. do T.: na versão em francês “épuisant la danse”. estão próximas da noção de improdutividade coreográfica. Com uma abordagem semelhante à de Lepecki, Petra Sabisch fala de artistas que “coreografam relações”58 29 N. do T.: na versão em francês “chorégraphiant des relations”. através de procedimentos que envolvem tanto o corporal quanto o mental, tanto o visível como o invisível (Sabisch, 2011). Essas perspectivas são motivadas por um empirismo radical, uma fenomenologia do invisível (Sabisch, 2011) e da latência (Pitozzi, 2012bPITOZZI, Enrico. Figurazioni: uno studio sulle gradazioni di presenza. Culture Teatrali: interventi e scritture sullo spettacolo , n. 21, p. 107-127, automne 2012b. Disponible sur: <Disponible sur: http://www.ravennateatro.com/nobodaddy/materiali/pitozzi.pdf >. Consulté le: 30 mars 2016.
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, p. 108), que levam em consideração a matéria do objeto estético de maneira contínua com as forças que residem no plano de imanência.

Ademais, a presença parece expressar uma força transversal em relação aos planos pré-subjetivo, individual e coletivo. Essa força colabora na determinação de experiências empáticas e emocionais, mas ela tem sua origem em um plano pré-pessoal. Consequentemente, a presença está sempre vinculada a um plano que precede e ultrapassa sua identificação: o plano das sensações, ou mesmo, dos afetos e das percepções (Deleuze; Guattari, 1991DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Qu’est-ce qu’est la philosophie?. Paris: Les Editions de Minuit, 1991.) que surge de um campo de tensões e de relações. Pode-se considerar, portanto, a presença à luz das teorias e das políticas dos afetos, bem como das ecologias das práticas (Massumi, 2015MASSUMI, Brian. The Politics of Affect. Malden: Polity Press, 2015., p. 18; Stengers, 2005STENGERS, Isabelle. Introductory notes for an ecology of practices. Cultural Studies Review, Melbourne, v. 11, n. 1, p. 183-196, mars 2005.). Essa abordagem especifica os aspectos intensivos, e também a textura afetiva da presença, permitindo dessa forma a desconstrução de outros dualismos subentendidos nos discursos atuais.

Reler a Presença à Luz dos Afetos

De acordo com o modelo de Brian Massumi, o afeto não é algo que possa ser separado do corpo que ele habita e mobiliza; ao contrário, a dimensão intensiva, e necessariamente qualitativa, do afeto exprime o fenômeno corporal (Massumi, 2015, p. 52). Baruch Spinoza, precursor das pesquisas de Gilles Deleuze, Félix Guattari e Massumi, considera o afeto como a potência de afetar e de ser afetado (Massumi, 2015, p. 11) e o corpo como o conjunto de intensidades e dinâmicas, a região que é atravessada por essa força (Bernard, 2001BERNARD, Michel. De la Création Chorégraphique. Pantin: CND Editions, 2001., p. 63-71).

Além disso, segundo Massumi, o afeto é apenas intensidade e distingue-se da emoção, que é “[...] um conteúdo subjetivo, a fixação sociolinguística da qualidade de uma experiência que, a partir deste momento, é definida como pessoal” (Massumi, 1995, p. 88)59 30 N. do T.: na versão em francês “[...] un contenu subjectif, la fixation sociolinguistique de la qualité d’une expérience qui, dès ce moment, est définie personnelle”. . Consequentemente, o afeto é algo que percebemos apenas em ação, em contínua transição no meio (Massumi, 2015, p. 48). A impossibilidade de reconhecer esse tipo de forças como um objeto outro e definido em relação a si mesmo, ou além das experiências que nos atravessam, exige uma perspectiva epistemológica e um desvio metódico dos dualismos.

Por conseguinte, as noções de afeto e de presença ganham um novo significado nas abordagens ecológicas sobre o corpo e o gesto. A corporeidade é a região na qual as sensações desdobram-se em estados discretos e móveis, permitindo a coexistência de instâncias passivas e ativas, subjetivas e exteriores ao sujeito, conformes e informes. Esses estados constituem-se e transformam-se de acordo com regimes de visibilidade e seu(s) meio(s) (Stengers, 2005STENGERS, Isabelle. Introductory notes for an ecology of practices. Cultural Studies Review, Melbourne, v. 11, n. 1, p. 183-196, mars 2005.), mais do que entre corpo e mente, presença e ausência, sujeito e objeto. De fato, no plano da imanência todo corpo vivo é ao mesmo tempo virtual e atual (Massumi, 1995MASSUMI, Brian. The Autonomy of Affect. Cultural Critique, n. 31, p. 83-109, automne 1995., p. 90):

O afeto é a condição com duas facetas, vista pelo lado da coisa atualizada, formulada em suas próprias percepções e cognições. O afeto é o virtual como ponto de vista, sob a condição que a metáfora visual seja empregada com prudência. [...]. Os afetos são perspectivas virtuais sinestésicas fundadas em (funcionalmente limitadas por) tudo que existe de forma atual, coisas específicas que encarnam isso. A autonomia do afeto, [...] é sua abertura [openness] (Massumi, 1995MASSUMI, Brian. The Autonomy of Affect. Cultural Critique, n. 31, p. 83-109, automne 1995., p. 96)60 31 N. do T.: na versão em francês “L’affect est cette condition à double-face telle qu’elle est vue du côté de la chose actuelle, formulée dans ses propres perceptions et cognitions. L’affect, c’est le virtuel en tant que point de vue, à condition que la métaphore visuelle soit employée avec prudence. […] Les affects sont perspectives virtuelles synésthésiques ancrées dans (fonctionnellement limitées par) ce qui existe actuellement, choses particulières qui les incarnent. L’autonomie de l’affect, […] c’est son ouverture [openness]”. .

Em resumo, o paradoxo corporal consiste nessa coparticipação dinâmica e em constante evolução dos afetos (as forças objetivas) e das afeições (seus processos de subjetivação, ou suas relações profundas a entidades específicas) em instâncias subjetivas, pré-subjetivas, fisiológicas e afetivas na conformação de toda experiência sensível, incluindo a que chamamos presença.

Isso significa que, ao formular-se uma ontologia, ela será uma ontologia das práticas da presença, cujo objeto consiste em uma micropolítica, ou em uma política afetiva, que tende a “[...] diferentes graus de abertura de qualquer situação, e à amplificação de um potencial que antes passava despercebido” (Massumi, 2015MASSUMI, Brian. The Politics of Affect. Malden: Polity Press, 2015., p. 58)61 32 N. do T.: na versão em francês “[...] des degrés d’ouverture de toute situation, et l’amplification d’un potentiel inaperçu auparavant”. . Descobrimos, assim, na prática da presença, uma quase-identidade com a prática da incorporação, que apaga a ideia de corpo natural e envolve uma tecnicidade ou uma competência sensível cujos sentidos seriam próteses do corpo (Manning, 2007MANNING, Erin. Politics of Touch. Sense, Movement, Soverignty. Minneapolis; London: Minnesota University Press, 2007., p. XII-XIII). Consequentemente, qualquer fenômeno perceptível e identificável é inevitavelmente mediado e complexo. Não se falará de presenças ou ausências absolutas, mas de graduações de presença (Pitozzi, 2012aPITOZZI, Enrico (Dir.). On Presence. Culture Teatrali: interventi e scritture sullo spettacolo , Italia, n. 21, automne 2012a. ), ou de situações de presença e de ausência ficcionais, inscritas em regimes de visibilidade e de invisibilidade que o teatro possui.

No contexto da análise de Ouverture Alcina, esse tipo de perspectiva amplia o campo de pesquisa para além da presença do intérprete. Sendo ela uma questão gestual e performativa, a presença é um fenômeno projetivo e contagioso; e esse tipo de gestualidade, que se inscreve em mecanismos de incorporação, gera uma acumulação de hábitos sensório-motores e de saberes que se articulam do plano sensorial ao plano conceitual. Por consequência, na análise da peça, dos processos de composição e dos discursos dos artistas do Teatro delle Albe, é possível delinear a extensão das questões somáticas da presença sobre outros planos, através do exame da composição e a relação entre a obra e seu meio cultural.

Presença como Dispositivo de Composição: Ouverture Alcina

Ouverture Alcina (2009) é uma criação de Ermanna Montanari e de Marco Martinelli, fundadores da companhia teatral italiana Teatro delle Albe62 33 Martinelli e Montanari iniciam suas primeiras pesquisas a partir do final dos anos 1970 sem nenhuma formação acadêmica, em nome de uma independência e de uma marginalidade geoestética com relação aos circuitos dominantes na Itália da época. Montanari menciona dois momentos de aprendizado com grandes nomes do novo teatro: uma oficina de criação dirigida por Jerzy Grotowski, e sua experiência como espectadora de Carmelo Bene. Com eles, Montanari e Martinelli aprendem os métodos e o rigor da composição, mas desenvolvem seu próprio estilo. A companhia, fundada em 1983 em Ravenna por Marco Martinelli, Ermanna Montanari, Luigi Dadina e Marcella Nonnit, trabalha atualmente nos espaços do Teatro Rasi. A pesquisa desses artistas inscreve-se no horizonte pós-dramático acolhido pela região Emilia Romagna – no centro da Itália, onde se situa a companhia – juntamente com outras importantes experiências de nível nacional e internacional, como a Societas Raffaello Sanzio. A poética da Societas trata da exasperação e da desconstrução da linguagem teatral, frequentemente através da evocação de imaginários visuais extremamente poderosos, enquanto a estética do Teatro delle Albe, aparentemente mais convencional, envolve relações entre palco, contemporaneidade e culturas minoritárias. Um olhar mais agudo permite observar que o trabalho sobre a figura, a vocalidade, as formas dramáticas que se distanciam do modelo representacional e o interesse pela iconografia clássica e moderna, são pontos de contato entre estes artistas. Para outras informações, ver Martinelli, Montanari (2014), De Marinis (2005) e os sites das companhias, com propostas de bibliografias (Teatro..., 2016): <http://www.teatrodellealbe.com/eng/>. Consultado em: 19 de dezembro de 2016; (Societas..., 2016): <http://www.societas.es/>. Consultado em: 30 de março de 2016. (Imagem 1).

Imagem 1
Ermanna Montanari, Ouverture Alcina. Final da primeira sequência63 34 Imagens retiradas do vídeo, com a autorização da companhia. .

A peça é um trecho de L’isola di Alcina (2000L’ISOLA di Alcina. Concerto per corno e voce romagnola. Ravenna Teatro, Ravenna, 2000. 1 CD-ROM. 55 min.) e tem como subtítulo “concerto para trompa e voz romagna”64 35 N. do T.: na versão em francês “concert pour cor et voix romagnole”. . Tal designação faz referência aos versos de Nevio Spadoni65 36 Nevio Spadoni é poeta, dramaturgo e autor de ensaios, conhecido por sua produção em língua romagna. Para conhecer sua trajetória, ver Cavaillé (2010, n. p.) e o site do autor (Spadoni, 2016): <www.neviospadoni.com/>. Consultado em: 21 de janeiro de 2016. O texto de Ouverture Alcina encontra-se no CD L’isola di Alcina (2000). em dialeto romagnol, livremente inspirados em Orlando Furioso (Roland Furieux, 1532), poema cavalheiresco de Ludovico Ariosto considerado uma das obras mais representativas da Renascença europeia66 37 Orlando Furioso ocorre na época de Carlos Magno, durante as guerras entre cristãos e mouros. Nesse contexto, Alcina é uma velha feiticeira imoral, que dissimula sua aparência e transforma seus amantes em plantas e rochedos. Ver Ariosto (2000 [1532]). . A noção de concerto sugere que Ouverture Alcina não é uma representação, nem um trabalho autorreferencial do artista, no sentido pós-moderno do termo (De Marinis, 2005, p. 62; 49; Banes, 2002BANES, Sally. Terpsichore en Baskets: post-modern dance. Pantin: Chrion-CND, 2002. ; Kunst, [2003KUNST, Bojana. Subversion and the Dancing Body: Autonomy on Display. Performance Research , Cornwall, v. VIII, n. 2, p. 61-68, 2003. Publié en ligne le 6 août 2014. Disponible sur: <Disponible sur: http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/13528165.2003.10871929 >. Consulté le: 2 mars 2017.
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] 2014). Ademais, a escolha desta palavra é um indício dos tipos de processo e de práticas que o Teatro delle Albe emprega nessa peça.

Spadoni dá voz à loucura de amor de Alcina através de um monólogo obsessivo. Na obra de Ariosto, Alcina é uma feiticeira seduzida e abandonada pelo jovem cavaleiro Ruggiero; o poema cruza esta narrativa com a história de uma mulher chamada Alcina e de sua irmã mais nova, que tiveram o mesmo destino que a feiticeira em um vilarejo romagnol do início do século XX. Cada uma das narrativas possui um universo linguístico e vocal próprio: a língua italiana do século XVI, de influência toscana e mais próxima do italiano literário, e o idioma romagnol, duro e obscuro. Um resumo da intriga é apresentado antes do início do monólogo, antes de ser dito pela performer; no entanto, o dialeto, em grande parte presente no texto, é quase incompreensível sem legendas67 38 As legendas, em inglês, são visíveis na gravação da peça em vídeo. .

Surgindo da escuridão através de feixes de luz, diante dos espectadores, Ermanna Montanari interage com uma paisagem sonora de Luigi Ceccarelli68 39 Luigi Ceccarelli é compositor e músico de vanguarda, de origem romagna, conhecido internacionalmente. Outras informações estão disponíveis no site do artista (Ceccarelli, 2016): <http:/www.edisonstudio.it/luigi-ceccarelli/>. Consultado em: 21 de janeiro de 2016. , composta e gravada anteriormente para L’isola di Alcina. Com uma base de maquiagem branca e linhas carregadas, vestida de preto e com um copo-de-leite na mão, Alcina fica quase o tempo inteiro imóvel e invisível. De acordo com a melodia de sua voz, ela inclina-se, estremece ou realiza pequenos gestos nervosos. O idioma áspero que utiliza é o dialeto de Campiano, vilarejo onde Ermanna Montanari nasceu e foi criada. Falado por alguns milhares de habitantes da região da Romagna, esse dialeto é uma “língua dos mortos”69 40 A artista descreve assim seu dialeto, referindo-se tanto à história de sua família quanto ao destino deste idioma. Por falta de outras referências, as informações sobre a peça e sobre a poética da companhia têm origem em uma entrevista pessoal com a artista. Montanari (2011) e Mariani (2012, p. 163-175). (Montanari apud Melandri, 2008MELANDRI, Lea. Alchimia dell’Impuro. Conversazione con Ermanna Montanari, “La Repubblica delle Donne”, 13 sept. 2008. N. P. Consulté d’après le site de Libera Università delle Donne. Disponible sur: <Disponible sur: http://www.universitadelledonne.it/lea13-9.htm >. Consulté le: 18 décembre 2016.
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, n. p.) cada vez menos transmitida às novas gerações. Assim, ao impedir que os espectadores compreendam a narrativa, a peça produz o delírio de Alcina em cena, ao invés de representá-lo. A performance ocorre em uma obscuridade quase total, favorecendo as sugestões sensoriais e a perda de referências espaciais. Esses detalhes revelam um projeto que busca perturbar as convenções relacionais do teatro através de uma forma-música. Desse modo, a estrutura da composição e sua relação com as partituras performativas merecem uma atenção especial.

Fábula: a não atualidade do sujeito, entre os planos textual e vocal

No texto de Spadoni, o nome de Alcina foi escolhido pelo pai, ávido leitor do poema de Ariosto. Após a fuga repentina do progenitor, ela e sua irmã - que ele chamava de la principessa (a princesa) - assumem o canil da família, fora da aldeia e cercado por um bosque. Ambas têm uma existência marginal e solitária, até a chegada de um jovem desconhecido. Rapidamente, este viajante sem nome seduz la principessa; com ciúmes da relação de sua irmã, Alcina utiliza uma poção afrodisíaca para seduzir o jovem. Após alguns meses dessa aventura, o desconhecido desaparece. O abandono leva la principessa à loucura e Alcina, obrigada a cuidar da irmã, tem o mesmo destino. Perturbada, ela dá voz à sua dor e insulta violentamente os culpados por sua história - sua família, os homens, todo o povoado - cujo destino foi, de certa forma, traçado pelo nome que lhe foi dado. Ouverture Alcina é, assim, a manifestação do ressentimento dessa criatura sem fim, pois ela (ou seu espectro) está condenada à imortalidade, bem como o personagem de Ariosto.

Nesse monólogo “não há nenhuma ação, nenhum drama, apenas o percurso da voz errante”: o cruzamento entre o poema de Spadoni e a obra de Ariosto, entre dialeto e italiano, é um pretexto para manifestar vocalmente o único acontecimento realmente dramático da peça, o movimento do delírio de Alcina, uma “visão fabuladora na qual podemos nos perder como na evanescência de um sonho”70 41 Ficha de apresentação de Ouverture Alcina, disponível no site da companhia: <http://www.teatrodellealbe.com/ita/spettacolo.php?id=67>. (Consultado em: 7 de dezembro de 2015). N. do T.: original em italiano. Na versão em francês “il n’y a pas d’action, il n’y a pas de drame, seulement l’errance de la voix bourlingueuse” e “vision fabulatoire où l’on peut se perdre comme dans l’écroulement des rêves”. . Assim, é possível acessar o universo narrativo da obra através de um plano material, pré-linguístico, da relação teatral. De fato, ao utilizar o dialeto, os artistas não buscam um discurso político ou local, ou tampouco encenar uma atmosfera folclórica. A questão é, por um lado, explorar a musicalidade e, por outro, a incomunicabilidade desse idioma. Ouverture Alcina busca, portanto, envolver a imaginação e as sensações não tanto através da compreensão dos versos, mas através da vibração, do “grão”71 42 Retomamos a expressão de Roland Barthes – le “grain” de la voix – que encontramos em suas reflexões sobre a vocalidade e seus pontos de contato com a música. “O ‘grão’, seria: a materialidade do corpo falando sua língua materna: talvez a letra; quase certamente a significância. [...] O ‘grão’, é o corpo na voz que canta, na mão que escreve, no membro que executa” (Barthes, 1981, p. 58). Na versão em francês: “Le ‘grain’, ce serait cela: la matérialité du corps parlant sa langue maternelle: peut-être la lettre; presque sûrement la signifiance. [...] Le ‘grain’, c’est le corps dans la voix qui chante, dans la main qui écrit, dans le membre qui execute”. Um livro de Enrico Pitozzi, ainda no prelo, com o texto completo da peça (Pitozzi, 2017) permite aprofundar a questão da vocalidade e do som no trabalho de Ermanna Montanari. , da vocalidade da palavra (phoné). Um incrível trabalho vocal, sonoro e gestual é realizado para que o poder expressivo da língua, e consequentemente do poema, seja provocado no plano sonoro e cinestésico, formando a textura dramática fundamental da peça. Na escuridão da cena, Alcina revela-se como presença mais audível do que visível e, sobretudo, cinestesicamente contagiosa. Através de reorganizações constantes do material improvisado com base no texto e na fabulação72 43 Noções vindas do pensamento de Deleuze e Guattari. Petra Sabisch cita essas referências entre os princípios performativos de organização do sensível, do invisível, ou ainda, das relações, que integram o projeto coreográfico nas pesquisas atuais (Sabisch, 2011). , Montanari e Martinelli criam um delírio com uma lógica formal generativa, dando corpo ao que não é representável73 44 “Os limites formais [de Ouverture Alcina] estão sujeitos à pressão interna do material: seja a voz-corpo de Ermanna, a tensão da iluminação ou as arquiteturas sonoras de Ceccarelli, seu aspecto vulcânico faz pressão, age contra os limites de sua estrutura formal” (Martinelli; Montanari, 2014, p. 188). Na versão em francês: “Les limites formelles [d’Ouverture Alcina] sont sujettes à la pression interne du matériau: qu’il s’agisse de la voix-corps d’Ermanna, de la tension de la lumière ou bien des architectures sonores de Ceccarelli, leur volcanicité ne fait que presser contre, agir contre les limites de la structure formelle”. .

Nesse sentido, Ouverture Alcina é um caso interessante para as pesquisas sobre a presença, já que a performance questiona, através do delírio, o estatuto da subjetividade como fenômeno marcante da evolução da cultura que chamamos ocidental. Esse aspecto exige um olhar mais detalhado sobre as micropolíticas afetivas que a peça apresenta com relação à língua. Segundo Jean-Pierre Cavaillé (2010CAVAILLÉ, Jean-Pierre. L’Île d’Alcina, le Romagnol, Langue de Création Contemporaine, 13 octobre 2010, n. p. Disponible sur: <Disponible sur: http://taban.canalblog.com/archives/2010/10/13/19316158.html >. Consulté le: 15 déc. 2016.
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), em Ouverture Alcina o dialeto é tratado como língua baixa, “humoral”; a importância dada “[...] às emoções e ao sofrimento da voz da atriz e da música” envolve a “reabilitação da língua (socialmente) baixa, como língua do corpo e do pulsional”. A partir disso, a valorização do que “[...] é considerado como um defeito intrínseco pela representação dominante confirma e legitima a relação de dominação” (Cavaillé, 2010)74 45 N. do T.: na versão em francês “[...] aux émotions et au déchirement de la voix de la comédienne et de la musique”, “réhabilitation de la langue (socialement) basse, comme langue du corps et du pulsionnel” e “[...] représentation dominante considère comme défaut intrinsèque confirme évidemment et légitime le rapport de domination”. . De certa forma, essa posição parece legítima. Por conseguinte, o Teatro delle Albe - e Montanari, em especial - acrescenta a esse universo local, menor, uma poética vitalista da voz, o meio que restitui a densidade e a energia contidas na matéria das cavidades do corpo.

No entanto, os artistas também têm consciência dos vestígios e fantasias oriundos das tradições orais, presentes no poema de Ariosto e nas intrigas que o compõe. O tipo de arqueologia linguística performatizado em cena por Montanari permite mobilizar, no espaço comunitário do teatro, um universo cultural diferente, com relação ao paradigma moderno. Veremos, adiante, que esse gesto de apropriação está na origem da força da performance de Montanari. Contudo, é importante especificar que a peça e o poema de Ariosto possuem olhares diferentes sobre a emergência agressiva da consciência moderna. A tendência turbilhonante de individualização de um Eu, que marca os personagens de Ariosto (Gervasi, 2015GERVASI, Paolo. Orlando Furioso: il poema della coscienza. Reti, Saperi, Linguaggi. Italian Journal of Cognitive Sciences, Italia, p. 335-347, 2015. (Publié sur le site Doppiozero, 19 séptembre 2016, n. p., extrait du texte de GERVASI, Paolo. Plot of meanings. Ludovico Ariosto’s Orlando furioso as a case-study on narrativity and cognition).), é suspendida, ou mesmo impedida, na peça. Compreenderemos, em seguida, como essa suspensão é uma instância completa de resistência, ou mesmo de recusa em limitar as forças pré ou protossubjetivas nos modelos de subjetividade - e de representação - dominantes.

Além do Subjetivo: uma organização coral da matéria

Ouverture Alcina organiza-se em sete sequências: um prelúdio instrumental, o “prólogo em oitava”, o “Sonho e insulto contra a irmã mais nova”, “O estrangeiro”, o “Insulto contra os homens”, o “Amor de Alcina I”, o “Amor de Alcina II” e o “Final da Perturbação”75 46 Livret du CD Ouverture Alcina (2011). Trata-se de uma seleção de sequências de Isola di Alcina (Ceccarelli, 2002). O final da Perturbação, que pode ser visto no solo de 2009, encontra-se na gravação disponível no site Youtube (L’isola di Alcina, 2010). No libreto do CD Ouverture Alcina (2011), a segunda sequência é intitulada Fuggesi Alcina (Alcina foge). Trechos audiovisuais de uma seleção de sequências do solo também estão disponíveis no site Youtube (Ouverture Alcina, 2010a; Ouverture Alcina, 2010b; Ouverture Alcina, 2010c; Ouverture Alcina, 2010d; Ouverture Alcina, 2012a; Ouverture Alcina, 2012b). . O dialeto apropria-se da narrativa a partir do movimento intermediário, quando Alcina distancia-se completamente da narração e perde-se em seu delírio. Esse afastamento progressivo do italiano provoca certa desorientação nos espectadores. No entanto, essa desorientação não basta para restituir a intensidade da peça: é preciso estudar a interação entre a estrutura formal, a matéria performativa e o dispositivo cênico.

O delírio de Alcina manifesta-se através de diferentes formas de enunciação, não apenas linguísticas, mas também performativas, que afetam o estado perceptivo dos espectadores. Félix Guattari chamava este tipo de dispositivo afetivo de ritornelos [ritournelles],

[...] sequências discursivas reiterativas, fechadas nelas mesmas, com a função de catalisadores extrínsecos de afetos existenciais [cuja] substância pode ter formas rítmicas, plásticas, segmentos prosódicos, traços faciais, emblemas de reconhecimento, leitmotive, [...]; elas também podem instaurar-se transversalmente entre diferentes substâncias (Guattari, 1990GUATTARI, Félix. Ritournelles et affects existentiels. Chimères: Revue des schizoanalyses fondée par Gilles Deleuze et Félix Guattari, n. 7, p. 1-15, hiver 1990. Disponible sur: <Disponible sur: http://www.revue-chimeres.fr/drupal_chimeres/files/07chi03.pdf >. Consulté le: 30 mars 2016.
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, p. 6)76 47 N. do T.: na versão em francês “[…] des séquences discursives réitératives, fermées sur elles-mêmes, ayant pour fonction une catalyse extrinsèque d’affects existentiels [qui] peuvent prendre pour substance des formes rythmiques, plastiques, des segments prosodiques, des traits de visagéité, des emblèmes de reconnaissance, de leitmotive, [...]; elles peuvent également s’instaurer transversalement entre différentes substances”. .

Quando começamos a ouvir essa figura imóvel recitar a cantilena dos versos de Ariosto, interrompida pelos risos grasnados da feiticeira, a diferença de melodia e de timbre entre os dois registros não dá a impressão de um diálogo. Os dois monólogos simplesmente coabitam e vêm, ambos, do interior da figura. Uma voz repete de maneira elegante e impessoal os versos de Orlando Furioso como uma cantilena; esta voz tem uma função próxima daquela do coro no teatro clássico: formular as instâncias da opinião comum, que considera as duas irmãs “iníquas e celeradas” (“inique e scellerate”, Teatro delle Albe, 2011) - tema sobre o qual Alcina desenvolverá sua invectiva.

No plano gestual, bem como no da narrativa, a desumanização da figura de Alcina está em jogo. A postura e o rosto de Montanari são quase inalteráveis; é possível notar alguns micromovimentos necessários à vocalização do texto, mas que nunca são afetados pela expressão de emoções. De fato, a silhueta que é vista em cena não coincide completamente com Alcina. Poderíamos dizer que existem diferentes entidades ou presenças invisíveis que emergem de um corpo anônimo, sem que nenhuma dessas entidades coincida com um Eu (Montanari apud Melandri, 2008MELANDRI, Lea. Alchimia dell’Impuro. Conversazione con Ermanna Montanari, “La Repubblica delle Donne”, 13 sept. 2008. N. P. Consulté d’après le site de Libera Università delle Donne. Disponible sur: <Disponible sur: http://www.universitadelledonne.it/lea13-9.htm >. Consulté le: 18 décembre 2016.
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). Em outras palavras, Alcina está na mulher, na flor que ela segura entre suas mãos, e na voz; no entanto, ela não coincide com esses elementos, mas com a vibração que permite que eles sejam vocalizados, com o movimento de luz que permite que sejam vistos. Sua substância é vibratória e faz-se perceptível através de corpos, de corpúsculos luminosos, da qualidade do espaço relacional. Desde o início, a coerência da figura é perturbada por uma falta de identidade e pela perda de uma conotação humana. Nesse sentido, a prática da artista consegue restituir, no plano da encenação, uma impressão estética coerente do processo performativo que ela ativa em si mesma.

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Ermanna Montanari, Ouverture Alcina. O prólogo.

Concordância: do plano composicional ao devir dos afetos

O método utilizado na composição consiste na triangulação da matéria performativa - de ordem cinestésica, vocal e afetiva - através de restrições espaciais e visuais, e através da interpretação do texto; semelhante procedimento não é tão funcional para fixar a matéria quanto para dar-lhe bases de devir. A triangulação é um procedimento gestual, pois faz com que os planos perceptivo e do micromovimento estendam os efeitos do trabalho performativo ao dispositivo e ao espaço ambiente. Assim, os planos de composição são funcionais no estabelecimento de uma micropolítica afetiva (Massumi, 2015MASSUMI, Brian. The Politics of Affect. Malden: Polity Press, 2015., p. 58) que chamamos aqui “presença objetiva” (Pitozzi, 2012bPITOZZI, Enrico. Figurazioni: uno studio sulle gradazioni di presenza. Culture Teatrali: interventi e scritture sullo spettacolo , n. 21, p. 107-127, automne 2012b. Disponible sur: <Disponible sur: http://www.ravennateatro.com/nobodaddy/materiali/pitozzi.pdf >. Consulté le: 30 mars 2016.
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, p. 107-108)77 48 N. do T.: na versão em francês “présence objective”. .

Em função do tipo de composição realizada, Ermanna Montanari não exprime gestos ou impulsos vindos apenas de uma experiência autorreferencial da performance. Sua prática efetua, ao contrário, uma espécie de subjetivação, sempre provisória, de uma matéria trabalhada em dupla, várias vezes, com Ceccarelli ou Martinelli. Além disso, tratando-se de sensações, no momento de compartilhar essa experiência com o público, a subjetivação é um gesto que não pertence apenas à artista: ela torna-se um processo literalmente coral, ou intersubjetivo. O corpo de Montanari, sua qualidade de presença, é simplesmente um mediador da circulação de forças da peça.

A lógica afetiva desse solo produz alterações perceptivas quanto a sua estrutura formal. A primeira consequência é um distanciamento entre o ritmo e a percepção da temporalidade. A peça é um encadeamento de sequências, aparentemente sem objetivo e sem acabamento dramático aparente; cada um desses momentos é marcado pelo escurecimento do palco, mas a paisagem sonora que forma a base contínua da performance nunca é interrompida. A narrativa, e particularmente os gestos, são executados em sincronia com a partitura sonora gravada; entretanto, cada parte parece manter sua própria duração e sua própria autonomia em relação às outras, de forma independente das indicações temporais efetivas. Essa coexistência de sincronias e polirritmias funciona, ou seja, mantém a unidade de sua matéria performativa, em razão de um acordo entre essa matéria e o projeto de encenação; o acordo está previsto desde o início do processo, mas é construído a cada vez, no momento da performance. Aqui, o acordo, ou “concordança”- uma noção tomada da análise do gesto dançado (Roquet, 2002ROQUET, Christine. La Scène Amoureuse en Danse. Codes, modes et normes de l’intercorporéité dans le duo chorégraphique. Paris: EDESTA, Département Danse, Université Paris VIII, 2002.)78 49 N. do T.: livremente traduzido a partir de “accordanse”. -, é ampliado ao conjunto do plano performativo e consiste na relação das partituras, dos elementos da encenação e da qualidade somática da atenção (Csordas, 1993CSORDAS, Thomas J. Somatic modes of attention. Cultural Anthropology, United States, n. 8, v. 2, p. 135-156, 1993.) de Montanari com sugestões idênticas. Todavia, voz, gestos e relação espacial reagem de formas diferentes e variáveis, pois cada plano e cada registro tem certa autonomia em sua enunciação.

A lógica afetiva da peça, passando pelo acordo, torna-se mais evidente ao considerar a coreografia gestual de Alcina. Seu plano de composição alterna entre partitura e improvisação mais ou menos estruturada. Os movimentos, os gestos e os desenhos vocais de Alcina foram, desde o princípio, criados por Montanari fora de um realismo psicológico, como resultados do trabalho vocal e de composição sonora com Ceccarelli. Nessa prática em dupla, o sentido do acordo é literal. Durante a criação do monólogo, Montanari enviava ao compositor as gravações de suas tentativas com o texto de Spadoni. Ceccarelli ouvia esses registros e enviava, por sua vez, fragmentos sonoros esboçados com base nas vocalizações. Foi a partir do acúmulo desse material bruto, improvisado e modificado a cada passagem, que a figura de Alcina tomou corpo. A trompa, a língua e a voz reúnem-se em suas sonoridades duras, roucas, estridentes; elas fazem eco uma à outra de forma constante, com base em assonâncias, ritmos e cadências - certamente não com base em uma lógica narrativa (Ceccarelli, 2002).

Para poderem ser mantidos no formato final da peça, até mesmo os pequenos gestos e os estremecimentos deveriam respeitar uma dupla condição: por um lado, dar corpo ao movimento e ao grão da voz, do tecido sonoro, aos impulsos cinestésicos que ele produz e, por outro lado, compor da melhor forma possível uma figura coerente na escuridão. A função desses gestos não é mimética ou simbólica, mas inscreve-se em uma triangulação de forças e formas que se organiza em diversos planos, do potencial do pré-movimento ao atual da prática performativa.

A escuta dos mais ínfimos detalhes perceptivos permite que a artista conduza a performance de maneira fluida e, ao mesmo tempo, rigorosa. Vertical, rígida, Montanari parece negar o peso e a relação com a terra. Às vezes, ela coloca-se em equilíbrio precário, em posições cansativas. Essas organizações posturais reduzem sua cinesfera, aumentam o tônus geral dos músculos e também provocam desequilíbrios e estremecimentos espontâneos ao longo do monólogo. No momento de retomar os movimentos coreografados, Montanari volta instantaneamente a um tônus leve, a posições estáveis e desenha gestos espiralados e elegantes com as mãos. Juntamente com esta conssante tensão entre movimento e imobilidade, o trabalho de Montanari também provoca uma contaminação gravitacional e cinestésica extremamente intensa.

Outra ferramenta também contribui à criação dessa relação: o microfone. A amplificação da voz de Alcina estende a sonoridade da língua italiana e do dialeto. O microfone permite revelar detalhes fônicos que seriam imperceptíveis, desumanizar as vocalizações de Montanari e mesclá-las à partitura musical. Desse modo, a voz não pertence mais apenas à figura de Alcina, nem a Ermanna Montanari, que a incarna: a voz torna-se acontecimento, concerto, matéria inseparável da trompa e dos delírios eletrônicos de Ceccarelli.

O Anonimato da Figura, ou Compor Quiasmas Sensoriais

Montanari descreve seu processo de criação de Alcina como uma série de aproximações experimentais de sugestões motivadas pelo texto - gestos, sons e imagens. Sua ferramenta essencial é a propriocepção, organizando uma forma de atenção extremamente sutil e complexa sobre o que surge do instante. O primeiro objetivo desse dispositivo de escuta consiste em interceptar o surgimento de um afeto e amplificar sua força. Para nomear as configurações multissensoriais que emergem espontaneamente, Montanari fala de fragmentos constituídos, em sua maior parte, por elementos fônicos e cinestésicos, antes de tornarem-se figurados. Cada fragmento envolve um afeto mais ou menos imediato, intenso ou sutil, estendido, como a abertura de uma espécie de espaço ficcional, um elemento interoceptivo no qual os sentidos são observados.

O período entre a ativação da escuta e a determinação das soluções afetivas, bem como a qualidade da atmosfera desse espaço íntimo, materializam-se no tom e no grão da voz, dos movimentos e dos gestos. Em paralelo, no processo de criação e na performance, Ermanna Montanari trabalha um dispositivo de transformação dessa matéria em fragmentos sinestésicos articulados. Referências úteis para a compreensão desse processo são encontradas em Maurice Merleau-Ponty (1976 [1945]) e em Michel Bernard (2001BERNARD, Michel. De la Création Chorégraphique. Pantin: CND Editions, 2001.). O tipo de presença para si mesmo, centrada na propriocepção e trabalhada por Montanari, confere muita importância à polaridade passiva da autoafetividade, e à distância entre sensação e enunciação da vivência sensorial, ou seja, do quiasma parassensorial. Outro plano envolvido nesse dispositivo somático de atenção é o quiasma intersensorial, ou seja, a sinestesia. Montanari trabalha especialmente com a correspondência entre escuta e visão, som e imagem. Todavia, a distância, o limite entre os dois primeiros e o terceiro quiasma, é fundamental e - segundo a artista - abissal. De fato, a sinestesia possui uma função diferente (um gesto diferente) em relação à autoafetividade: por um lado, esse último produz uma qualidade de atenção intrassensorial periférica, passiva, de certa forma, e diz respeito à escuta das percepções mais do que ao controle delas. Por outro lado, as soluções sinestésicas produzem blocos de sensações refinadas, que habitam e agem sobre a performer, afetada sistematicamente em um nível intrassensorial. Para Montanari, tais blocos ou figuras representam forças movidas por intenções autônomas, que ela não pode prever ou controlar antes que se manifestem. Essa atitude parece exprimir a incorporação de uma poética explícita do Teatro delle Albe: a concepção do imaginário coletivo e dos arquétipos junguianos (Martinelli; Montanari, 2014MARTINELLI, Marco; MONTANARI, Ermanna. Primavera Eretica. Scritti e interviste – 1983-2013. Corazzano: Titivillus , 2014., p. 87-89, 224)79 50 Sobre as noções de arquétipo e de inconsciente coletivo, ver C. G. Jung (1981 [1969]). . Dessa maneira, trata-se de um tipo de trabalho organizado em diversos planos, cada um deles com suas próprias restrições, suas tarefas e sua dimensão gestual.

Presença(s), Delírio(s) e Resistência(s) no Plano da Imanência

Consideremos agora a perturbação de Alcina. A sequência final abre-se com uma volta súbita e explosiva da trompa. No meio do palco, Alcina lança-se em um violento delírio. Mergulhada em um som crepitante, ela vocifera como se uma enorme distância a separasse de seus interlocutores. Alcina descreve o bosque que cerca sua aldeia como uma extensão dela mesma: uma paisagem noturna e tempestuosa na qual ela perdeu-se, um lugar invadido por ecos de seu desejo e de seu sofrimento. O tom de sua voz torna-se mais grave à medida que fala, seus estremecimentos mais fortes; o volume sonoro reflete a violência de seus pequenos gestos. Segundo Deleuze e Guattari, podemos perceber o clímax do movimento sinfônico dos blocos de sensação: “Da endossensação à exossensação. E o território não se contenta de isolar e de unir, ele abre para forças cósmicas que sobem de dentro ou que vêm de fora, e torna sensíveis seus efeitos sobre o habitante” (Deleuze; Guattari, 1991, p. 176)80 51 N. do T.: na versão em francês “De l’endo-sensation à l’exo-sensation. C’est que le territoire ne se contente pas d’isoler et de joindre, il ouvre sur des forces cosmiques qui montent du dedans ou qui viennent du dehors, et rend sensibles leur effet sur l’habitant” . Alcina invade o espaço e os corpos dos espectadores, que - habitados por uma presença sonora que não lhes pertence - se tornam verdadeiras caixas de ressonância de seu delírio.

Uma sensação de expropriação e uma perda de orientação espacial são impostas, pelo menos a uma espectadora em particular - a que escreve este artigo. No momento dessa sequência81 52 Espetáculo de 11 de março de 2011, Laboratori Azzo Gardino, Bolonha, Itália. , as vibrações do tecido sonoro de Ceccarelli disseminavam-se do chão através das pernas e do interior do tronco. O grão de voz de Alcina provocava tensões e tremores em toda a superfície do corpo. Propriocepção e exterocepção eram estimuladas por vibrações semelhantes, dando assim a impressão de que o limite entre interior e exterior do corpo tornava-se cada vez mais fino e ínfimo (sensação que era amplificada pela escuridão). A vibração também transformava o tônus ordinário do corpo. Os músculos cervicais contraíam-se involuntariamente - efeito que permaneceu até a saída do teatro.

Na primeira tentativa de análise da peça, os resquícios dessa experiência na memória muscular mostraram uma característica incomum: a ausência da necessidade de solicitar imaginários ou interpretações pessoais da performance. De fato, especialmente durante a sequência final, as perturbações cinestésicas eram tão intensas que me condicionavam a manter a atenção alerta, a ficar à escuta, mas esvaziada de qualquer resistência ou subjetivação. A sensação dessa invasão perceptiva, intensificada pela imobilidade que caracteriza a condição do espectador, tornava a experiência da presença de Alcina perturbadora, hipnotizante, não localizável. A partir desse ponto, é interessante concluir a pesquisa com um questionamento desses efeitos subjetivos sob a perspectiva da poética de Ermanna Montanari, o que nos permite descrever o personagem feminino de Alcina como um devir minoritário.

A experiência de Ouverture Alcina provoca uma dissolução dos limites e espaços individuais, sem diferenciar interior e exterior, teatro, corpo, objetos, bem como a apropriação desses espaços, corpos e objetos. Por qual razão? Na narrativa, Alcina nunca realizou os próprios desejos e nunca estabeleceu relações paritárias com o mundo exterior que, segundo as convenções metonímicas do teatro, é representado pelos espectadores. No plano performativo, os artistas do Teatro delle Albe utilizam essa situação como base para um trabalho sobre a agressividade e sobre a possessividade como vingança, negando qualquer expressão democrática de “mal-entendido” a partir da criação de cada gesto (Manning, 2007MANNING, Erin. Politics of Touch. Sense, Movement, Soverignty. Minneapolis; London: Minnesota University Press, 2007., p. XVII). Para seus criadores, Ouverture Alcina é um monólogo “suspenso e ambíguo entre a dimensão musical e psíquica”. A performance restabelece assim, no plano da imanência, uma “abertura ao universo mental de Alcina, à sua queda turbilhonante”82 53 Ficha de apresentação de Ouverture Alcina disponível no site do Teatro delle Albe: <http://www.teatrodellealbe.com/ita/spettacolo.php?id=67>. Consultado em: 30 de março de 2016. N. do T.: na versão em francês “suspendu et ambigu entre la dimension musicale et psychique” e “ouverture sur l’univers mental d’Alcina, sur son écroulement tourbillonnant”. , na qual o sujeito desintegra-se. Esse sujeito é materializado primeiramente pela performer, mas faz referência à figura esboçada no poema. No entanto, a maneira como o devir-feminino de Alcina é ouvido, trabalhado e metamorfoseado, permite-nos mostrar como o Teatro delle Albe posiciona-se em relação ao universo cultural e ideológico que rodeia seu trabalho.

Para começar, Alcina é um feminino-fantasma; sua matéria são os vestígios e ruínas de um sujeito individual. A força de sua obsessão está na dimensão magmática do pré-pessoal, ou seja, dos afetos. Assim, a condição do sujeito, e mesmo do indivíduo compreendido como modelo socialmente representável, lhe é estranha. Alcina resiste a essa condição, pois é uma figura - e uma função dramática - que se constitui antes, ou depois, quer dizer, fora da parábola existencial do indivíduo e do personagem. Em segundo lugar, o feminino não é um dos aspectos de sua identidade, mas sim de seu devir menor (Deleuze, 1979DELEUZE, Gilles. Philosophie et minorité. Critique, n. 369, p. 154-155, février 1978. In: L’Homme et la société, Paris, Ed. de Minuit, n. 51-54, p. 263, 1979., p. 154-155). Aliás, o próprio texto de Spadoni é, de fato, uma literatura menor (Deleuze; Guattari, 1975). De maneira geral, a poética das figuras de Montanari é menor no sentido em que ela segue um princípio de travestismo, a partir de um conjunto de procedimentos composicionais que visam retirar a figura de um gênero estereotipado (Mariani, 2012MARIANI, Laura. Ermanna Montanari. Fare-rifare-disfare nel Teatro delle Albe. Corazzano: Titivillus, 2012., p. 238-244). Entretanto, no caso de Alcina, esse feminino inscreve-se em um discurso mais vasto e complexo, relacionado à escolha do delírio e da projeção sobre o espectador como forças performativas, mas também à obsessão amorosa como pré-texto e à cultura do final do século XX como contexto dramatúrgico fundamental. Ouverture Alcina é, do nosso ponto de vista, uma abertura carnal, antipsicológica e desviada do imaginário psíquico feminino proposto pela psicanálise em sua primeira fase de divulgação e legitimação. A peça retrata precisamente o antiuniverso de uma prática psicanalítica compreendida como performativa, no sentido de que ela produz uma configuração precisa da consciência subjetiva; uma prática que determinava, na época em que se encontra a Alcina de Spadoni, doenças próprias à essência feminina, cujas contradições e parcialidades foram reconhecidas mais recentemente (Hillman, 1977HILLMAN, James. Le Mythe de la Psychanalyse. Traduction: P. Mikriammos. Paris: Imago, 1977.). Mesmo que essa relação não seja explicitada pelos artistas, o tipo de prática performativa mencionada por Montanari, e que tentamos restituir, parece validar tal perspectiva e, sobretudo, apresentar aspectos antipsicológicos.

Através dessa abordagem, é possível triangular as tensões entre modelo psíquico e figura com uma perspectiva - pós-junguiana - sobre o feminino como dimensão do inferior, do impuro, do fértil, que provém de um arquétipo dionisíaco (Montanari apud Melandri, 2008MELANDRI, Lea. Alchimia dell’Impuro. Conversazione con Ermanna Montanari, “La Repubblica delle Donne”, 13 sept. 2008. N. P. Consulté d’après le site de Libera Università delle Donne. Disponible sur: <Disponible sur: http://www.universitadelledonne.it/lea13-9.htm >. Consulté le: 18 décembre 2016.
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). James Hillman investigou e descreveu essa dimensão arquetípica que constitui um movimento fundador da vitalidade psíquica e, assim, um elemento central em qualquer percurso de análise, sem distinção entre os gêneros. No entanto, há uma imagem do dionisíaco-feminino que permanece cristalizada nas representações normativas e medicalizadas da psicologia feminina pela cultura psicanalítica e filosófica dominante (Hillman, 1977). O delírio de Alcina efetua um distanciamento e um desvio dessa cultura majoritária ao alterar os modelos do feminino, dos modos de relação e dos esquemas psicológicos gerados por ela. O delírio produzido pela presença de Alcina trabalha sobre e através da língua, sobre as convenções do teatro como lugar da visão, e, sobretudo, como lugar que impõe uma política dos afetos; ele trabalha sobre o teatro como um lugar em que a maioria é representada e se reconhece, entre iguais, como comunidade e cultura dominante. Nesse sentido, o delírio faz um eco ao insulto contra os homens e contra a opinião comum que se exprime no plano textual. Ele representa uma das estratégias de alteração, de distanciamento das ideologias do teatro e da cultura contemporânea que Montanari e Martinelli buscam como Dionisou technitai, artesãos de Dionysos (Montanari apud Melandri, 2008; Martinelli; Montanari, 2014, p. 171).

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Ermanna Montanari, Ouverture Alcina. O insulto contra os homens.

Últimas Considerações sobre a Micropolítica da Presença

Com o objetivo de analisar esse solo sob o prisma da presença, é útil considerá-lo na triangulação de três planos das políticas do sensível e dos afetos. O primeiro plano, a figura, diz respeito, sobretudo, à pesquisa vocal, sonora e gestual de Montanari, que ela conduziu sozinha ou com a ajuda de Luigi Ceccarelli. A figura traduz aqui a acumulação e a transformação das sensações em matéria performativa.

O segundo plano é a presença, que habita, atravessa e aflora, da performer: um dispositivo de afeição sinestésica resultante de uma primeira composição, externa ao trabalho figural que baseia o acordo com os espectadores. Essa presença cruza vários níveis de triangulação das formas e forças e ultrapassa assim a simples autoafetividade, ou seja, a experiência sensorial da presença para si, que observa, primeiramente, a figura como fragmento ou bloco de sensações em um nível proprioceptivo. Assim, o que chamamos presença é uma micropolítica proveniente do trabalho performativo de Montanari e que vai em direção à realização de um primeiro grau de autonomia e de objetivação, ou seja, um gesto e um objeto estético “que ficam de pé” sozinhos (Deleuze; Guattari, 1991DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Qu’est-ce qu’est la philosophie?. Paris: Les Editions de Minuit, 1991., p. 155)83 54 N. do T.: na versão em francês “se tenant debout”. . A modulação da presença, que envolve o trabalho performativo sobre a figura, faz parte de uma instância poética, que se estende ao projeto de encenação. Essa é a razão pela qual as duas dimensões (figura e presença) estão constantemente em diálogo, a fim de dar corpo à figura de Alcina que percebemos como espectadores. Nesse aspecto, Enrico Pitozzi afirma que “a figura veicula [...] o questionamento radical do estatuto do sujeito” pois, ao recorrer a este dispositivo composicional, “[...] o performer não representa mais algo ou alguém, mas apresenta a si mesmo em sua alteridade radical” (Pitozzi, 2005, p. 78-79)84 55 N. do T.: na versão em francês “la figure véhicule […] la mise en question radicale du statut du sujet” e “[...] le performeur ne représente plus quelque chose ou quelqu’un, mais présente soi-même dans sa radicale altérité”. .

Evidentemente, essa objetivação da dialética entre forças e formas influencia a relação teatral. A terceira dimensão refere-se justamente à encenação, envolvendo posteriormente a matéria performativa e as figurações que ela produz. Fora de uma conotação representacional, mas segundo um princípio de acordo, a concepção e a organização do plano dramatúrgico seguem as conotações do concerto, palavra-chave que já abordamos. A escolha dessa noção valoriza a centralidade da paisagem sonora em relação ao plano textual. Igualmente, a política do sensível e dos afetos, em Ouverture Alcina, é melódica ao invés de limitar-se ao plano estritamente dramatúrgico. O drama (ou mesmo a enunciação da ação) é contido, dependente das condições de alteridade e de não atualidade radicais representadas por Alcina. O único devir possível, na ausência de um personagem ou de um Eu, não é o que se desdobra a partir do plano dos sentidos, mas sim do plano das sensações - não finalizadas, “pré-pessoal” e não-humano” (Deleuze; Guattari, 1991DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Qu’est-ce qu’est la philosophie?. Paris: Les Editions de Minuit, 1991., p. 154-155)85 56 N. do T.: na versão em francês “pré-personnel ” e “non-humain”. . Consequentemente, se concebemos Alcina como uma figura-dispositivo para o estabelecimento de uma política dos afetos, sua presença é expressa por vias autoritárias, que não permitem o compartilhamento do espaço palco-plateia, ou a constituição de um diálogo, ou a formulação de um mal-entendido. Assim, Ouverture Alcina dialoga de forma problemática com a cultura moderna e suas modalidades de restituição da relação sujeito-mundo.

Références

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  • VARELA, Francisco; THOMPSON, Evan; ROSCH, Eleanor. L’Inscription Corporelle de l’Esprit. Paris: Seuil , 1999. (Tit. orig., The Embodied Mind, 1991).
  • 89
    Este texto inédito, traduzido por André Mubarack, também se encontra publicado em francês neste número do periódico.
  • 1
    Fischer-Lichte e Féral propuseram estes estudos em Archaeologies of presence (Giannachi; Kaye; Shanks, 2012, p. 103-118; p. 29-49).
  • 2
    De acordo com a definição de Féral e Perrot este efeito consiste na “[...] sensação experimentada pelo espectador de que o corpo ou os objetos que observa – ou escuta – estão lá, no mesmo espaço e no mesmo tempo no qual ele se encontra, mesmo que reconheça pertinentemente que estejam ausentes”. Na versão em francês: “[...] sensation éprouvée par le spectateur que les corps ou les objets offerts à son regard – ou bien à ses oreilles – sont là, dans le même espace et dans le même temps où lui-même se trouve, bien que reconnaissant de manière pertinente que ceux-ci sont absents” (Féral; Perrot, 2012, p. 142-144).
  • 3
    Traduzido do inglês para o francês pela autora. Na versão do artigo em francês: “Par conséquent la présence, ici, n’est pas une fonction d’unité et de synthèse, ni l’occupation indiscutable [untroubled] d’un espace, un être ici ou un être là définitif; par contre elle est performée dans la persistance de l’‘être’ à travers la division et la différenciation. […]”.
  • 4
    Este artigo retoma alguns temas tratados em uma tese de doutorado em cotutela entre o departamento de Artes (opção Teatro) da Università di Bologna, na Itália, e o departamento de dança da Université Paris 8, na França (defesa de tese prevista para a primavera 2017).
  • 5
    Neste texto, podemos apenas nomear estas teorias, retomadas no final dos anos 1980 e 1990. Ver os estudos citados nas notas 1 e 2.
  • 6
    Nota do tradutor: na versão em francês “‘Avoir de la présence’ c’est, dans le jargon théâtral, savoir captiver l’attention du public et s’imposer; c’est aussi être doué d’un ‘je-ne-sais-quoi’ qui provoque immédiatement l’identification du spectateur, lui donnant l’impression de vivre ailleurs et dans un éternel présent”.
  • 7
    N. do T.: na versão em francês “[...] la maîtrise de l’espace de la part de l’acteur et la conception de l’attention des spectateurs sur lui même ‘qui produit’ une intense expérience de l’être présent”.
  • 8
    Esta expressão [je-ne-sais-quoi, em francês, literalmente “não sei o quê”], cuja genealogia ultrapassa os limites desta contribuição, inscreve-se em uma longa tradição teórica centrada na definição da representação como ficção, e em seu aspecto indeterminado. Para aprofundar o tema, ver Lehmann (2012) e Csordas (1993, p. 137; p. 149-151).
  • 9
    A Nova Teatrologia italiana, a Etnocenologia francesa, os Performance Studies referem-se frequentemente às noções de Performer e de práticas performativas. Nos dois primeiros campos, esses modelos são integrados através das pesquisas de Eugenio Barba sobre o pré-expressivo; os Performance Studies, no entanto, referem-se às pesquisas de Grotowski e de Richard Schechner. Alguns dos aspectos comuns a estas teorias são a configuração da performance entre ritual e espetacular, bem como a centralidade do corpo orgânico do performer. Ver Grotowski (1965); Richards (1999); Barba (1993); Barba, Savarese (1996); Schechner (1988 [1977]); Fischer-Lichte (2014 [2004]).
  • 10
    N. do T.: na versão em francês “l’exposition de la présence actuelle de l’interprète” e “[...] produi[t] à l’intérieur de [celui-ci] une énergie capable d’être transmise aux spectateurs”.
  • 11
    N. do T.: na versão em francês “[...] le rapport avec la présence actuelle qui se donne par le simple être présent du corps vivant phénoménique de l’acteur”.
  • 12
    N. do T.: na versão em francês “Dans la présence, donc, rien d’extraordinaire ne se manifeste, pourtant quelque chose d’extrêmement ordinaire est rendu évident et transformé en événement: la particularité de l’être humain d’être embodied mind”.
  • 13
    Mesmo afastada dos grandes circuitos internacionais, a companhia do Teatro delle Albe faz parte desta geração artística.
  • 14
    A genealogia dos debates sobre o teatro e, mais tarde, sobre a performance parece nos confirmar isso: os pensamentos de Friedrich Nietzsche, Martin Heidegger, Jacques Derrida, Michel Foucault, Edmund Husserl, Maurice Merleau-Ponty e, mais recentemente, Gilles Deleuze são vastamente mencionados na teoria, mesmo na ausência de análises de obra (Power, 2008; Giannachi; Kaye; Shanks, 2012).
  • 15
    N. do T.: na versão em francês “présence mis en abîme”.
  • 16
    N. do T.: na versão em francês “être-vers-le-mouvement”.
  • 17
    N. do T.: na versão em francês “en tonalité majeure” e “savoirs situés”.
  • 18
    N. do T.: na versão em francês “Le concept de présence ne peut pas être réduit au seul corps du performeur sur scène, il doit être étendu jusqu’à impliquer celles que je définirais présences objectives – figurations constituées de matière sonore et lumineuse qu’on retrouve sur la scène performative ainsi que dans l’art des installations. Pour cela faire, il est nécessaire déplacer l’attention au corps et la porter sur la composition du dispositif, où toutes ces figurations de la présence prennent forme. C’est dans le dispositif, en fait, que les présences se manifestent, en permettant ainsi de développer – simultanément – une phénoménologie de la mise en présence des entités (y compris le corps) et de la survie des leur traces dans l’observateur”.
  • 19
    Aqui, não fazemos referência às teorias de Barba, mas sim às pesquisas sobre análise do movimento e sobre as práticas somáticas de Hubert Godard. Com relação à presença e aos estudos de Godard, Enrico Pitozzi descreve o pré-movimento como “[...] o momento no qual a simulação [da ação] materializa-se nos músculos profundos [...] para a preparação do movimento” (Pitozzi, 2012b, p. 110; Godard, 1995, p. 236). Na versão em francês: “[...] moment où la simulation [de l’action] s’incarne dans les muscles profonds [...] pour la préparation du mouvement”. Acrescente-se a esta definição a importância do imaginário e da vivência para os dois pesquisadores. Essas dimensões afetam a postura, o tônus do corpo, a qualidade e a variedade motora de cada indivíduo. Para aprofundar a questão da percepção corporal e das sensações em dança, ver Godard (1994) e Foster (2010).
  • 20
    Não é possível reconstituir de forma exaustiva este debate, extremamente fértil. Fazemos referência a autores citados nas pesquisas precedentes: De Giorgi (2015) e, especialmente, Manning (2007), Noland e Ness (2008) e Noland (2009) representam outras fontes fundamentais.
  • 21
    Podemos integrar o ponto de vista de Mauss (1936) sobre as técnicas do corpo através da noção de tecnologias do eu, de Foucault, “[...] que permitem aos indivíduos efetuar, por conta própria ou com a ajuda de outros, certo número de operações sobre seus corpos e suas almas, seus pensamentos, suas condutas, seus modos de ser, obtendo assim uma transformação de si mesmos com o fim de alcançar certo estado de felicidade, pureza, sabedoria, perfeição ou imortalidade” (Foucault, 1994, p. 785). N. do T.: na versão em francês “[...] permett[a]nt aux individus d’effectuer, seuls ou avec l’aide d’autres, un certain nombre d’opérations sur leur corps et leur âme, leurs pensées, leurs conduites, leur mode d’être; de se transformer afin d’atteindre un certain état de bonheur, de pureté, de sagesse, de perfection ou d’immortalité”.
  • 22
    Para maiores informações sobre os diálogos entre estudos teatrais e neurociências ver Sofia (2013a; 2013b, p. 18-43); a autora cita as pesquisas de Alain Berthoz (1997) e os modelos neurofenomenológicos de Francisco Varela (Varela; Thompson; Rosch, 1999), igualmente importantes para nossa abordagem.
  • 23
    N. do T.: na versão em francês “plénitude du temps”.
  • 24
    N. do T.: na versão em francês “l’impossibilité de l’œuvre”.
  • 25
    N. do T.: traduzido livremente a partir de “désœuvrement chorégraphique”, que se refere à certa ausência de obra na dança.
  • 26
    N. do T.: na versão em francês “[...] un certain fantasme de présence, qui se trouve à la base de la négation, de l’absence même” e “la danse, c’est l’absence d’œuvre”.
  • 27
    A autoafetividade explica-se através da noção de quiasma intrassensorial, um dispositivo perceptivo que permite integrar informações qualitativamente diferentes sobre as mesmas experiências, de um ponto de vista ativo (por exemplo, “eu me toco”) ou passivo (“eu sou tocado por mim mesmo”), de maneira não mutuamente exclusiva. Ver Merleau-Ponty (1976) e Bernard (2001, p. 99).
  • 28
    N. do T.: na versão em francês “épuisant la danse”.
  • 29
    N. do T.: na versão em francês “chorégraphiant des relations”.
  • 30
    N. do T.: na versão em francês “[...] un contenu subjectif, la fixation sociolinguistique de la qualité d’une expérience qui, dès ce moment, est définie personnelle”.
  • 31
    N. do T.: na versão em francês “L’affect est cette condition à double-face telle qu’elle est vue du côté de la chose actuelle, formulée dans ses propres perceptions et cognitions. L’affect, c’est le virtuel en tant que point de vue, à condition que la métaphore visuelle soit employée avec prudence. […] Les affects sont perspectives virtuelles synésthésiques ancrées dans (fonctionnellement limitées par) ce qui existe actuellement, choses particulières qui les incarnent. L’autonomie de l’affect, […] c’est son ouverture [openness]”.
  • 32
    N. do T.: na versão em francês “[...] des degrés d’ouverture de toute situation, et l’amplification d’un potentiel inaperçu auparavant”.
  • 33
    Martinelli e Montanari iniciam suas primeiras pesquisas a partir do final dos anos 1970 sem nenhuma formação acadêmica, em nome de uma independência e de uma marginalidade geoestética com relação aos circuitos dominantes na Itália da época. Montanari menciona dois momentos de aprendizado com grandes nomes do novo teatro: uma oficina de criação dirigida por Jerzy Grotowski, e sua experiência como espectadora de Carmelo Bene. Com eles, Montanari e Martinelli aprendem os métodos e o rigor da composição, mas desenvolvem seu próprio estilo. A companhia, fundada em 1983 em Ravenna por Marco Martinelli, Ermanna Montanari, Luigi Dadina e Marcella Nonnit, trabalha atualmente nos espaços do Teatro Rasi. A pesquisa desses artistas inscreve-se no horizonte pós-dramático acolhido pela região Emilia Romagna – no centro da Itália, onde se situa a companhia – juntamente com outras importantes experiências de nível nacional e internacional, como a Societas Raffaello Sanzio. A poética da Societas trata da exasperação e da desconstrução da linguagem teatral, frequentemente através da evocação de imaginários visuais extremamente poderosos, enquanto a estética do Teatro delle Albe, aparentemente mais convencional, envolve relações entre palco, contemporaneidade e culturas minoritárias. Um olhar mais agudo permite observar que o trabalho sobre a figura, a vocalidade, as formas dramáticas que se distanciam do modelo representacional e o interesse pela iconografia clássica e moderna, são pontos de contato entre estes artistas. Para outras informações, ver Martinelli, Montanari (2014), De Marinis (2005) e os sites das companhias, com propostas de bibliografias (Teatro..., 2016TEATRO delle Albe. Site de Teatro delle Albe. 2016. Disponible sur: <Disponible sur: http://www.teatrodellealbe.com/ >. Consulté le: 18 déc. 2016.
    http://www.teatrodellealbe.com/...
    ): <http://www.teatrodellealbe.com/eng/>. Consultado em: 19 de dezembro de 2016; (Societas..., 2016SOCIETAS Raffaello Sanzio. Site de la Societas Raffaello Sanzio. 2016. Disponible sur: <Disponible sur: http://www.societas.es/ >. Consulté le: 18 déc. 2016.
    http://www.societas.es/...
    ): <http://www.societas.es/>. Consultado em: 30 de março de 2016.
  • 34
    Imagens retiradas do vídeo, com a autorização da companhia.
  • 35
    N. do T.: na versão em francês “concert pour cor et voix romagnole”.
  • 36
    Nevio Spadoni é poeta, dramaturgo e autor de ensaios, conhecido por sua produção em língua romagna. Para conhecer sua trajetória, ver Cavaillé (2010, n. p.) e o site do autor (Spadoni, 2016): <www.neviospadoni.com/>. Consultado em: 21 de janeiro de 2016. O texto de Ouverture Alcina encontra-se no CD L’isola di Alcina (2000).
  • 37
    Orlando Furioso ocorre na época de Carlos Magno, durante as guerras entre cristãos e mouros. Nesse contexto, Alcina é uma velha feiticeira imoral, que dissimula sua aparência e transforma seus amantes em plantas e rochedos. Ver Ariosto (2000 [1532]).
  • 38
    As legendas, em inglês, são visíveis na gravação da peça em vídeo.
  • 39
    Luigi Ceccarelli é compositor e músico de vanguarda, de origem romagna, conhecido internacionalmente. Outras informações estão disponíveis no site do artista (Ceccarelli, 2016): <http:/www.edisonstudio.it/luigi-ceccarelli/>. Consultado em: 21 de janeiro de 2016.
  • 40
    A artista descreve assim seu dialeto, referindo-se tanto à história de sua família quanto ao destino deste idioma. Por falta de outras referências, as informações sobre a peça e sobre a poética da companhia têm origem em uma entrevista pessoal com a artista. Montanari (2011) e Mariani (2012, p. 163-175).
  • 41
    Ficha de apresentação de Ouverture Alcina, disponível no site da companhia: <http://www.teatrodellealbe.com/ita/spettacolo.php?id=67>. (Consultado em: 7 de dezembro de 2015). N. do T.: original em italiano. Na versão em francês “il n’y a pas d’action, il n’y a pas de drame, seulement l’errance de la voix bourlingueuse” e “vision fabulatoire où l’on peut se perdre comme dans l’écroulement des rêves”.
  • 42
    Retomamos a expressão de Roland Barthes – le “grain” de la voix – que encontramos em suas reflexões sobre a vocalidade e seus pontos de contato com a música. “O ‘grão’, seria: a materialidade do corpo falando sua língua materna: talvez a letra; quase certamente a significância. [...] O ‘grão’, é o corpo na voz que canta, na mão que escreve, no membro que executa” (Barthes, 1981, p. 58). Na versão em francês: “Le ‘grain’, ce serait cela: la matérialité du corps parlant sa langue maternelle: peut-être la lettre; presque sûrement la signifiance. [...] Le ‘grain’, c’est le corps dans la voix qui chante, dans la main qui écrit, dans le membre qui execute”. Um livro de Enrico Pitozzi, ainda no prelo, com o texto completo da peça (Pitozzi, 2017) permite aprofundar a questão da vocalidade e do som no trabalho de Ermanna Montanari.
  • 43
    Noções vindas do pensamento de Deleuze e Guattari. Petra Sabisch cita essas referências entre os princípios performativos de organização do sensível, do invisível, ou ainda, das relações, que integram o projeto coreográfico nas pesquisas atuais (Sabisch, 2011).
  • 44
    “Os limites formais [de Ouverture Alcina] estão sujeitos à pressão interna do material: seja a voz-corpo de Ermanna, a tensão da iluminação ou as arquiteturas sonoras de Ceccarelli, seu aspecto vulcânico faz pressão, age contra os limites de sua estrutura formal” (Martinelli; Montanari, 2014, p. 188). Na versão em francês: “Les limites formelles [d’Ouverture Alcina] sont sujettes à la pression interne du matériau: qu’il s’agisse de la voix-corps d’Ermanna, de la tension de la lumière ou bien des architectures sonores de Ceccarelli, leur volcanicité ne fait que presser contre, agir contre les limites de la structure formelle”.
  • 45
    N. do T.: na versão em francês “[...] aux émotions et au déchirement de la voix de la comédienne et de la musique”, “réhabilitation de la langue (socialement) basse, comme langue du corps et du pulsionnel” e “[...] représentation dominante considère comme défaut intrinsèque confirme évidemment et légitime le rapport de domination”.
  • 46
    Livret du CD Ouverture Alcina (2011). Trata-se de uma seleção de sequências de Isola di Alcina (Ceccarelli, 2002). O final da Perturbação, que pode ser visto no solo de 2009, encontra-se na gravação disponível no site Youtube (L’isola di Alcina, 2010L’ISOLA di Alcina (Teatro delle Albe). AUDIO. Disponible sur: <Disponible sur: https://www.youtube.com/watch?v=AmsRCaIBlLs >. Publié le: 1 sept. 2010. Consulté le: 4 avril 2017.
    https://www.youtube.com/watch?v=AmsRCaIB...
    ). No libreto do CD Ouverture Alcina (2011), a segunda sequência é intitulada Fuggesi Alcina (Alcina foge). Trechos audiovisuais de uma seleção de sequências do solo também estão disponíveis no site Youtube (Ouverture Alcina, 2010a; Ouverture Alcina, 2010b; Ouverture Alcina, 2010c; Ouverture Alcina, 2010d; Ouverture Alcina, 2012a; Ouverture Alcina, 2012b).
  • 47
    N. do T.: na versão em francês “[…] des séquences discursives réitératives, fermées sur elles-mêmes, ayant pour fonction une catalyse extrinsèque d’affects existentiels [qui] peuvent prendre pour substance des formes rythmiques, plastiques, des segments prosodiques, des traits de visagéité, des emblèmes de reconnaissance, de leitmotive, [...]; elles peuvent également s’instaurer transversalement entre différentes substances”.
  • 48
    N. do T.: na versão em francês “présence objective”.
  • 49
    N. do T.: livremente traduzido a partir de “accordanse”.
  • 50
    Sobre as noções de arquétipo e de inconsciente coletivo, ver C. G. Jung (1981 [1969]).
  • 51
    N. do T.: na versão em francês “De l’endo-sensation à l’exo-sensation. C’est que le territoire ne se contente pas d’isoler et de joindre, il ouvre sur des forces cosmiques qui montent du dedans ou qui viennent du dehors, et rend sensibles leur effet sur l’habitant”
  • 52
    Espetáculo de 11 de março de 2011, Laboratori Azzo Gardino, Bolonha, Itália.
  • 53
    Ficha de apresentação de Ouverture Alcina disponível no site do Teatro delle Albe: <http://www.teatrodellealbe.com/ita/spettacolo.php?id=67>. Consultado em: 30 de março de 2016. N. do T.: na versão em francês “suspendu et ambigu entre la dimension musicale et psychique” e “ouverture sur l’univers mental d’Alcina, sur son écroulement tourbillonnant”.
  • 54
    N. do T.: na versão em francês “se tenant debout”.
  • 55
    N. do T.: na versão em francês “la figure véhicule […] la mise en question radicale du statut du sujet” e “[...] le performeur ne représente plus quelque chose ou quelqu’un, mais présente soi-même dans sa radicale altérité”.
  • 56
    N. do T.: na versão em francês “pré-personnel ” e “non-humain”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2017

Histórico

  • Recebido
    31 Mar 2016
  • Aceito
    07 Nov 2016
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