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Pina Bausch e Café Müller no Cinema: a mise-en-scène da copresença do corpo e dos olhos fechados

Pina Bausch et Café Müller dans le Cinéma: la mise en scène de la co-présence du corps et les yeux fermés

Resumo:

O artigo pretende refletir sobre a questão da copresença do corpo dançante no excerto Café Müller, de Pina Bausch, sob o olhar cinematográfico de Wim Wenders em Pina (2011). Como ancoragem teórica, traz-se à cena o ensaísta e cineasta Jean-Louis Comolli ‒ mise-en-scène, representação, copresença ‒ e a filosofia do cinema da diferença de Gilles Deleuze. Ao se moldar sobre as relações com o tempo, o objeto empírico da investigação traça rupturas e refrações das imagens como potência de representação. Da (im)perfeição dos olhos fechados em Café Müller à re(a)presentação em falso-raccord da imagem coalescente: o olhar da montagem cinematográfica como produção de presença em dança.

Palavras-chave:
Pina Bausch; Café Müller; Cinema; Copresença; Representação

Résumé:

L’article a l’intention de réfléchir sur la question de la co-presence du corps qui danse dans l’extrait Café Müller, une création de Pina Bausch, sous le regard cinématographique de Wim Wenders sur Pina (2011). Comme un ancrage théorique, est apporté dans la scène l’essayiste et cinéaste Jean-Louis Comolli ‒ mise en scène, représentation, co-presence ‒ et la philosophie du cinéma de la différence de Gilles Deleuze. La mise en forme des relations avec le temps, l’objet empirique de la recherche, retrace les pauses et les réfractions des images comme une puissance de représentation. De la (im)perfection des yeux fermés dans Café Müller à représentation de faux raccord de l’image coalescent: le regarde du montage comme production de présence dans la danse.

Mots-clés:
Pina Bausch; Café Müller; Cinéma; Co-presence; Représentation

Abstract:

This article addresses the issue of co-presence of dancing bodies in an excerpt of Café Müller by Pina Bausch through the cinematographic eye of Wim Wenders in Pina (2011). As a theoretical framework for this analysis, essayist and filmmaker Jean-Louis Comolli ‒ mise-en-scène, representation, co-presence ‒ and the film philosophy of difference as proposed by Gilles Deleuze are brought to scene. While shaping itself on relations with time, the empirical object of this analysis traces ruptures and refractions of images as power of representation. From the (im)perfection of the closed eyes in Café Müller to the (re)presentation in a faux raccord of a coalescent image: the eyes of a cinematographic montage as production of presence in dance.

Keywords:
Pina Bausch; Café Müller; Cinema; Co-presence; Representation

Introdução

Quando terminei de escrever Fale com Ela e voltei a olhar o rosto de Pina, com os olhos fechados [grifo meu], vestida com uma exígua combinação, os braços e as mãos estendidas, rodeada de obstáculos (mesas e cadeiras de madeira), não tive dúvida de que essa era a imagem que melhor representava o limbo no qual habitavam os protagonistas de minha história. [...] Se eu houvesse pedido de propósito, não teria conseguido melhor. Pina Bausch havia criado, sem saber, as melhores portas para entrar e sair de Fale com Ela (Almodóvar, 2002ALMODÓVAR, Pedro. Intimidad y Espectáculo. Página oficial de Pedro Almodóvar. 2002. (site). Disponível em: ˂Disponível em: ˂http://www.clubcultura.com/clubcine/clubcineastas/almodovar/hable-conella /intimidad2.htm ˃. Acesso em: 31 mar. 2017.
http://www.clubcultura.com/clubcine/club...
, online).

Na epígrafe acima, Pedro Almodóvar rememora o convite feito a Pina Bausch para que ela participasse da cena de abertura do seu filme Hable con Ella (2002HABLE CON ELLA. Direção de Pedro Almodóvar. Espanha - Warner Sogefilms A.I.E., 2002. 1 filme (112 min.): son.; color.; suporte DVD.)1 1 Hable con Ella (2002) é um filme espanhol, escrito e dirigido por Pedro Almodóvar, que debate questões como o estupro e, acima de tudo, o coma: o intervalo/interstício entre a vida e a morte. Nesse filme, fragmentos de duas obras de Pina Bausch são mostrados: Café Müller (1978) e Masurka Fogo (1998). , justamente com o intuito de fazê-la dançar a obra Café Müller2 2 Café Müller é uma peça coreográfica de Pina Bausch, para o Wuppertal Tanztheater. Estreia mundial: 20 de maio de 1978. Maiores informações sobre a peça estão disponíveis em: <http://www.pina-bausch.de/en/pieces/cafe_mueller.php>. Acesso em: 15 maio 2017. . A potência performática de seus olhos fechados é mencionada e reconhecida como copresença onírica e intersticial. A fenda espaço-temporal causada pela mise-en-scène da ausência de um presente passado na dança era o que, de fato, interessava a Almodóvar.

O cineasta Federico Fellini, por sua vez, convidou Bausch para interpretar, em seu célebre filme E La Nave Va (1983E LA NAVE VA. Direção de Federico Fellini. Itália - Franco Cristaldi Produtora. 1983. 1 filme (132 min.): son.; color.; suporte DVD.)3 3 E La Nave Va (1983) é um filme italiano, dirigido por Federico Fellini. Nele são mostrados os eventos, de natureza surrealista, ocorridos a bordo de um navio luxuoso onde os amigos de uma falecida cantora de ópera se reúnem para o funeral dela. , a personagem Lherimia, uma princesa austro-húngara, cega de nascença. O cineasta italiano recapitula o motivo que o levou a fazer tal proposta à diretora/coreógrafa em uma entrevista concedida a Leonetta Bentivoglio, em O Teatro de Pina Bausch (1994BAUSCH, Pina. Entrevista concedida originalmente à autora. In: BENTIVOGLIO, Leonetta. O Teatro de Pina Bausch. Tradução Maria José Casal-Ribeiro. Lisboa: Acarte/Fundação Calouste Gulbenkian, 1994 [1985]. P. 19.), traduzida por Arthur Nestrovski para o Caderno Mais!, do Jornal Folha de S. Paulo:

[...] No final do espetáculo, fui conhecer Pina Bausch e tive mais uma prova da sorte que me acontece durante a preparação de meus filmes. [...] Entre os personagens que ainda não encontrara nas vésperas das filmagens, havia uma especialmente importante, uma princesa austro-húngara, cega de nascença. Nem eu mesmo sabia muito bem o que estava procurando, quem eu queria, que rosto, que atriz. [...] E, diante de mim, naquele vaivém confuso e suado do camarim do Teatro Argentina, entre um esvoaçar de toalhas e portas abrindo e fechando, surge minha princesa austríaca, tímida, composta, diáfana, vestida de escuro. Era Pina Bausch. [...]. Com seu rosto aristocrático, terno e cruel, misterioso e familiar, cerrado numa imobilidade enigmática, Pina Bausch sorria para mim, para se fazer apresentar. Que lindo rosto. Um desses rostos destinados a nos paralisar, imenso, perturbador, numa tela de cinema (Fellini, 2000FELLINI, Federico. Entrevista concedida originalmente à autora. In: BENTIVOGLIO, Leonetta. O Teatro de Pina Bausch. Tradução Maria José Casal-Ribeiro. Lisboa: Acarte /Fundação Calouste Gulbenkian, 1994 [1985]. P. 206. (Traduzido e transcrito por Arthur Nestrovski para a Folha de S. Paulo, de 27 de agosto de 2000 - Caderno Mais!)., p. 11).

A construção da mise-en-scène dos olhos fechados em Café Müller e re(a)presentada em Pina (2011PINA. Direção de Wim Wenders. Alemanha-França-Reino Unido, 2011. 1 filme (106 min.): son.; color.; suporte DVD.)4 4 A autora convida o leitor a assistir ao filme Pina antes/durante/depois da leitura deste artigo. Com duração de 106 minutos e parceria conjunta entre a Alemanha, França e Reino Unido, o filme documentário foi realizado pela produtora de Wim Wenders, a Neue Road Movies (Berlin), em colaboração com o Wuppertal Tanztheater - ZDF/ZDF theaterkanal und ARTE e teve sua estreia em 23 de março de 2012. Esses dados foram obtidos mediante consulta ao site oficial de Wim Wenders (2016). Disponível em: <http://www.wim-wenders. com/movies/movies_spec/pina/pina.htm>. Acesso em: 28 mar. 2017. não é um traço casual no texto fílmico de Wim Wenders. Nesse excerto particular, esgarçamentos memoriais e constitutivos da personagem homenageada pelo cineasta vêm à tona, a partir de depoimentos verbais e também corporalizados pela mediação da tela. Quem, quando e o que se fala, são entrelaçamentos da presença, da copresença e da ausência no texto documental citado em Pina, pois o presente encenado e o passado atualizado/virtualizado encontram-se frequentemente em esquema de substituição ou duplicação coalescente. Na tessitura desta instância narrativa, realidade e ficção são justapostas e entram em atrito/fricção, como num jogo espelhado.

O mundo de complexidades e de múltiplas relações, ambientado por Bausch em suas obras e, mais especificamente, em Café Müller, propiciou a três diferentes cineastas ‒ Fellini, Almodóvar e Wenders ‒ o olhar, nem de dentro e nem de fora, para o intervalo, para o interstício poético criado pela artista, a partir do simples gesto icônico de dançar com os olhos fechados, como se “[...] houvesse sempre um grande conflito entre aquilo que queremos tornar claro e aquilo que nos serve para nos escondermos” (Bausch, 1994 apud Bentivoglio, 1994BENTIVOGLIO, Leonetta. O Teatro de Pina Bausch . Tradução Maria José Casal-Ribeiro. Lisboa: Acarte /Fundação Calouste Gulbenkian, 1994., p. 19).

O que Wenders poderia sublinhar ou ocultar, propositalmente, em seu documentário? De que forma e com que meios o olhar bauschiano sobre si e sobre Café Müller poderia ser desnudado nesse filme? Na tentativa de elucidar essas questões, reporto-me, na análise de um excerto fílmico, a um provável diálogo entre o ensaísta e cineasta Jean-Louis Comolli e o filósofo Gilles Deleuze, tendo a dança como assunto dessa conversa, ou antes, a copresença do corpo dançante quando mediada pela mise-en-scène na tela do cinema.

Mise-en-scène e Copresença: da (im)perfeição dos olhos fechados na dança e no cinema

Jean-Louis Comolli defende uma linguagem cinematográfica calcada na arte do tempo, na qual a questão da presença e da ausência são dois aspectos de um duplo especular. Deleuze (1983DELEUZE, Gilles. A Imagem-Movimento - cinema 1. Tradução Souza Dias. Lisboa: Éditions Minuit, 1983.), por sua vez, elabora uma ontologia da imagem cinematográfica e propõe um cinema da diferença calcado em signos atualizados e revistos à luz da Teoria Geral dos Signos, de Charles Sanders Peirce. O filósofo distingue as situações sensório-motoras, que estruturam o seu conceito de imagem-movimento, das situações óticas (opsignos) e sonoras (sonsignos) puras e acaba por criar uma nova categoria de signos oriundos de sua formulação da imagem-tempo.

A partir do pensamento filosófico preconizado por Deleuze e embasado por apontamentos de Comolli acerca da copresença da mise-en-scène cinematográfica, pretendo abordar as próprias dobraduras das imagens dançantes como potências onirossígnicas que perduram e deslizam por entre situações óticas e sonoras puras no documentário Pina, especificamente no excerto fílmico de Café Müller, objeto empírico desta investigação. Vale destacar que as imagens dos corpos dançantes na tela wendersiana se presentificam no espaço-tempo por meio da montagem-cut5 5 Montagem-Cut é como se chama o corte seco à passagem de um plano a outro por uma simples colagem, sem que o raccord [regra de continuidade] seja marcado, por um efeito de ritmo ou truques estruturais. A passagem de um segmento fílmico a outro é marcada por corte abrupto, propositalmente a fim de evitar encadeamentos lógicos e efeitos de transparência na narrativa. e dos procedimentos cinematográficos em falso-raccord6 6 O falso raccord de movimento é uma mudança de plano (intencional) que foge da lógica transparente da continuidade, que procura transcender a lógica de sentido. Esse tipo de procedimento procura mostrar variados pontos de vista e perspectivas da imagem. Admite-se que é falso porque explora uma outra possibilidade não convencional de verdade ou real, potencializando um devir qualitativo. , fazendo dançar, em uma única rede sígnica e, ao mesmo tempo, na copresença da imagem atual e da virtual.

Em Lógica do Sentido (2011), Deleuze afirma que o tempo é, em si, sempre (re)dobrado. As imagens coalescentes ou especulares deslizam na transparência dos lençóis do tempo despertando, por meio da mise-en-scène da copresença cinematográfica, a mais pura imagem do tempo: a imagem-cristal. Esse tipo de imagem explora e subverte o próprio tempo até torná-lo visível, e, nessa exploração, o que surge em primeiro foco é o caráter duplicado do presente.

Segundo Henri Bergson (1999BERGSON, Henri. Matéria e Memória: ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. Tradução Paulo Neves. São Paulo: Martins Fontes, 1999.), em sua obra Matéria e Memória, escrita em 1896, e Deleuze (2007DELEUZE, Gilles. A Imagem-Tempo - cinema 2. Tradução Eloisa de Araújo Ribeiro. São Paulo: Brasiliense, 2007.), em Cinema 2: a Imagem-Tempo (1985/2007), a imagem é sempre passado, ao mesmo tempo em que é presente, sendo a memória - o mnemosigno - que atua no presente. É a imagem-cristal que potencializa a existência metafórica e efetiva de uma imagem atual e uma imagem virtual em sistema de copresença vívida, por meio dos fragmentos da montagem-cut que se abrem a infindáveis lógicas ou liames de sentidos.

Acredito que a asserção deleuzeana é anuída por Comolli (2008cCOMOLLI, Jean-Louis. Estudos em Toulouse: representação, mise-en-scène, mediatização. In: COMOLLI, Jean-Louis. Ver E Poder - A Inocência Perdida: cinema, televisão, ficção, documentário . Belo Horizonte: Editora UFMG , 2008c. P. 96-107. , p. 101), ao indagar: “[...] o cinema não é o que mantém o elo até na descrição do desaparecimento do liame? Ressoldar os fragmentos. Reconduzir o sentido. Reconstituir a ligação”. Presente, passado, registros memoriais, depoimentos corporalizados, Pina Bausch e Café Müller: a mise-en-scène dos olhos fechados a recriar a realidade do palco-tela, sem distorcer seu aspecto cênico performático. A copresença como potência do sentido em devir.

O termo devir, neste artigo, coteja o conceito de devir para a filosofia de Deleuze, ou seja, o movimento permanente que atua como regra, sendo capaz de criar e transformar tudo o que existe em seu próprio intervalo/processo de mudança constante. Deleuze afirma que não há nada para além da potência do devir. Os seres com as suas existências não seriam verdades em suas condições de singulares ou idênticos, tampouco esses critérios apontariam para o sentido do real. Em Diferença e Repetição (1988DELEUZE, Gilles. Diferença e Repetição. Rio de Janeiro: Graal, 1988.), Lógica do Sentido (1982DELEUZE, Gilles. Lógica do Sentido. Tradução Luiz Roberto Salinas Fortes. São Paulo: Perspectiva , 2011.) e Mil Platôs v.4 (1997DELEUZE, Gilles. Mil platôs v. 4. São Paulo: Perspectiva, 1997.), pode-se perceber que Deleuze acredita que os seres e as coisas se afirmam em suas multiplicidades do real/verdade. O mundo emerge desse conceito e(m) suas múltiplas potências: verdades abertas, qualitativas e em pleno devir. O devir deleuzeano situa-se nas frestas, nas brechas, nas aberturas rizomáticas de múltiplos sentidos.

A cineasta Maya Deren (2012DEREN, Maya. Cinema: o uso criativo da realidade. Tradução José Gatti e Maria Cristina Mendes. Devires, Belo Horizonte, Fafich-UFMG, v. 9, n. 1, p. 128-149, jan./jun. 2012. Disponível em: ˂Disponível em: ˂http://www.fafich.ufmg.br/devires/ index.php/Devires/article/view/215 ˃. Acesso em: 19 abr. 2017. (Originalmente publicado como: DEREN, Maya. Cinematography: the creative use of reality. Daedalus: the visual arts today. Cambridge, 1960).
http://www.fafich.ufmg.br/devires/ index...
), em seu ensaio Cinema: o uso criativo da realidade, também parece se aperceber desse imenso sentido do potencial em devir que se origina do processo da montagem e subverte o tempo. Deren define o cinema como a linguagem do tempo, a arte da imagem-tempo:

A montagem de um filme cria a relação sequencial que proporciona um sentido novo ou particular para as imagens de acordo com sua função: ela estabelece um contexto, uma forma que se transfigura sem distorcer seu aspecto, diminuir sua realidade e autoridade, ou empobrecer aquela variedade de funções potenciais que é a dimensão característica da realidade (Deren, 2012DEREN, Maya. Cinema: o uso criativo da realidade. Tradução José Gatti e Maria Cristina Mendes. Devires, Belo Horizonte, Fafich-UFMG, v. 9, n. 1, p. 128-149, jan./jun. 2012. Disponível em: ˂Disponível em: ˂http://www.fafich.ufmg.br/devires/ index.php/Devires/article/view/215 ˃. Acesso em: 19 abr. 2017. (Originalmente publicado como: DEREN, Maya. Cinematography: the creative use of reality. Daedalus: the visual arts today. Cambridge, 1960).
http://www.fafich.ufmg.br/devires/ index...
, p. 12).

À semelhança de Deren, Comolli (2008aCOMOLLI, Jean-Louis. Viagem Documentária aos redutores de cabeça. In: COMOLLI, Jean-Louis. Ver E Poder - A Inocência Perdida: cinema, televisão, ficção, documentário. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008a. P. 143-160. ) também reflete sobre o tempo e a realidade no cinema em seu ensaio Viagem Documentária aos redutores de cabeça. Ao aprofundar uma concepção da copresença em esquema de colisão, reconhece que esse duplo especular é, na verdade, a própria mise-en-scène do cinema, a arte do tempo:

Acontece que não apenas a cena do cinema - da filmagem - é co-presença dos corpos, dos olhares (atores, espectadores) e das máquinas de gravação, mas o que se chama de mise-en-scène no cinema vem, em última instância, trabalhar essa presença primeira já como ausência por vir: na tela, na verdade, tudo o que esteve presente para ser filmado só poderá ser representado, apresentado como ausência de um presente passado. Isso significa que o trabalho da cena cinematográfica é propriamente o de prefigurar o momento da ausência com o objetivo de intensificar através dela (essa ausência) o momento da presença, de intensificar, em suma, a presença dos corpos segundo a promessa de sua próxima ausência. À imagem do corpo do autor ausente, mas representado, responde e, talvez secretamente, corresponde o corpo real do espectador; presença, é certo, mas como que ausente de si mesma por ser projetada em direção a uma tela. No cinema, em todo caso, presença e ausência estão em um torniquete (Comolli, 2008aCOMOLLI, Jean-Louis. Viagem Documentária aos redutores de cabeça. In: COMOLLI, Jean-Louis. Ver E Poder - A Inocência Perdida: cinema, televisão, ficção, documentário. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008a. P. 143-160. , p. 146).

Em seu ensaio Luz Fulgurante de um Astro Morto, Comolli (2008bCOMOLLI, Jean-Louis. Luz Fulgurante de um Astro Morto. In: COMOLLI, Jean-Louis. Ver E Poder - A Inocência Perdida: cinema, televisão, ficção, documentário . Belo Horizonte: Editora UFMG , 2008b. P. 108-114. ) assevera que o cinema, como linguagem artística, usa de forma criativa a reinvenção do espaço-tempo, por meio da montagem e “[...] torna sensível, perceptível e, às vezes, diretamente visível o que não se vê [grifo meu]: a passagem do tempo no rosto e nos corpos” (Comolli, 2008b, p. 113). O visto que não é visto, mas percebido. O autor denomina ‘engodo’ o procedimento da montagem que expõe o aqui-e-agora da inscrição verdadeira no aqui-e-agora da projeção: “[...] o que se grava no presente na fita fílmica e que se desenrola no presente na tela da projeção é apenas a ilusão de uma sincronicidade” (Comolli, 2008b, p. 113).

Nesta investigação, a inscrição do tempo-espaço fílmico está calcada na noção da copresença do corpo e(m) imagem por re(a)presentação. Vejamos, a seguir, a análise de alguns excertos.

No primeiro excerto fílmico a ser analisado [minutagem - 17min.:39’], Pina Bausch relata em tempo alhures a questão dos olhos fechados em uma das mais famosas cenas de Café Müller. Nesta operação, a montagem de evidência documental - fragmentos de registros memoriais audiovisuais e depoimentos afetivos preexistentes - se opõe à montagem em continuidade e, por meio do procedimento em falso-raccord, o dispositivo fílmico se desnuda propositalmente.

Em primeiro plano, observa-se um local escuro e algumas pessoas sentadas de costas para a câmera. Na lateral do quadro fílmico, um ator social de perfil e trajando uma camisa preta acende um cigarro e fuma ao lado de um projetor. Ao fundo do quadro/cena são projetadas imagens dançantes. Nesse momento, é possível reconhecer a peça Café Müller. A câmera se aproxima lentamente do rosto de Pina Bausch, inserida no excerto por meio da colagem de imagens memoriais que, possivelmente, aludem à montagem original de 1978, em Wuppertal. A partir de um movimento de traveling - da direita para esquerda no nível horizontal - ocorre uma aproximação frontal da câmera, chegando-se a um close-up do rosto de Bausch, que performa na tela e se mantém com os olhos fechados.

A partir dessa fonte imagética primária, o mnemosigno, Wenders preconiza uma homenagem à artista da dança, ao fazer metaforicamente seu elenco observá-la na tela, como se a reminiscência atualizada os levassem a indagar: quem é/foi Pina Bausch? Imagem virtual/atual? A resposta encontra-se implícita: Pina Bausch foi/é a artista da dança que trabalhou/trabalha a partir do conceito de tanztheater.

Segundo Jochen Schmidt (1992SCHMIDT, Jochen. Tanztheater in Deutschland. Frankfurt: Propyläen, 1992.) e Ciane Fernandes (2000FERNANDES, Ciane. Pina Bausch e o Wuppertal Dança-Teatro: repetições e transformações. São Paulo: Hucitec, 2000.), nesse processo de criação a fusão entre os elementos da dança, do teatro e da interação entre as artes são fundamentais. Para Norbert Servos (1984SERVOS, Norbert. Pina Bausch Wuppertal Dance Theater or The Art of Training a Goldfish: excursions into dance. Tradução Patricia Stadié. Cologne: Ballett-Buhnen-Verlag Rolf Garske, 1984.) e Fabio Cypriano (2005CYPRIANO, Fabio. Pina Bausch. São Paulo: Cosac Naify, 2005.), as obras bauschianas são sincréticas, abertas a significados incontáveis e sem conotações prévias. Os bailarinos frequentemente representam a si próprios, criando um jogo duplo e espelhado entre a realidade e a representação. Com frequência, seu mote criativo é a relação tensiva entre homens e mulheres; a incapacidade de efetivar possíveis conexões comunicacionais. Nessa busca por oposições, efeitos contrários e dupla perspectiva, nasce o raciocínio estético da artista vanguardista alemã: a fragmentação e a repetição do gesto como geradoras da collage cênica proposta em suas obras.

Sobre a estrutura de criação em dança, a partir do método da collage, Juliana Carvalho Franco da Silveira (2015SILVEIRA, Juliana Carvalho Franco da. Dramaturgia na Dança-teatro de Pina Bausch. Belo Horizonte: Editora UFMG , 2015.), em Dramaturgia na dança-teatro de Pina Bausch, comenta que as obras do Wuppertal Tanztheater surgem a partir de um grande mosaico de respostas dadas pelos dançarinos às questões/perguntas formuladas por Bausch. Para ela, “[...] quando se cola uma cena em outra, ressignificam-se ambas, e a consequência disso é a proliferação dos sentidos criados pela peça” (Silveira, 2015, p. 64).

A partir do enunciado, pergunto-me: qual seria o sentido ou relevância dos olhos fechados em uma obra como Café Müller? E, para esclarecer a questão, neste excerto, Wenders parece se apropriar da própria voz da personagem homenageada, que vem à tela verbalizar a alegoria do olhar.

Em um segmento fílmico subsequente ao anteriormente descrito, observam-se outras imagens de arquivo - em preto e branco - delineando Bausch, que, de cabelos presos, traja um blazer escuro e possui uma aparência mais madura do que as imagens anteriores. Enquadrada em primeiro plano e ao centro do quadro, ouve-se a voz e o gesto de Bausch sincronizados. A copresença da voz e do corpo fundem-se em um depoimento atual/virtual e um dos resultados dessa mise-en-scène é, a seguir, transcrito:

Eu dancei Café Müller... Ficamos todos de olhos fechados. Quando fizemos de novo, não consegui sentir a mesma coisa... Um sentimento que me fosse tão importante... De repente percebi que faz muita diferença, estando de olhos fechados... Se olho para baixo [neste momento há sincronia entre gesto e palavra - Pina quando pronuncia ‘baixo’, olha para baixo e aponta o dedo indicador da mão direita] ou olho para cima [o mesmo procedimento sincrônico entre gesto e palavra acontece], desse jeito... Isto fazia toda a diferença. O sentimento certo apareceu na mesma hora... É impressionante como isso é crucial. O menor dos detalhes é importante... É uma linguagem que você aprende a ler (Pina, 2011PINA. Direção de Wim Wenders. Alemanha-França-Reino Unido, 2011. 1 filme (106 min.): son.; color.; suporte DVD.).

Após um novo procedimento de jump-cut, Wenders retrocede no tempo e reinsere a artista da dança, com os olhos fechados e usando uma camisola branca, em uma cena explícita de Café Müller. A imagem visualizada na tela é um dos mnemosignos mais (re)conhecidos de Bausch performando essa peça, possivelmente quando da sua estreia em 1978. Esse procedimento fílmico transporta a leitura para os níveis e os liames da suposta criação de copresença imagética wendersiana, implicada em seu argumento cinematográfico documental, fragmentado, sob a perspectiva formal de mosaico ou colagem (a)temporalizada.

Essas imagens bifaciais dão conta de um tempo que não é cronológico, pois os saltos temporais, pelo efeito de montagem-cut cinematográfica, são evidentes e propositais. Nesse momento, a dançarina torna-se o emblema icônico cinético: a escritura de um mnemosigno cinematográfico. O artifício da anamorfose temporal cria espaço para a re(a)presentação do tempo crônico deleuzeano, em detrimento do tempo cronológico documental e restrito. Pina Bausch fala sobre os olhos fechados em uma determinada dobradura de tempo. Corte. Pina Bausch performa com os olhos fechados e retalha, após o corte, qualquer estado de equilíbrio proporcionado por uma montagem em continuidade. A montagem-cut wendersiana atesta o que Deleuze alude como um artifício da imagem-lembrança ou mnemosigno: “[...] um novo cruzamento, uma nova ruptura de causalidade, que por sua vez se bifurca com a precedente, num conjunto de relações não-lineares” (Deleuze, 2007, p. 65).

Para Comolli (2008cCOMOLLI, Jean-Louis. Estudos em Toulouse: representação, mise-en-scène, mediatização. In: COMOLLI, Jean-Louis. Ver E Poder - A Inocência Perdida: cinema, televisão, ficção, documentário . Belo Horizonte: Editora UFMG , 2008c. P. 96-107. ), em seu ensaio Estudos em Toulouse: representação, mise-en-scène, mediatização: “[...] é claro que se trata de um artifício, de um sistema, de uma escritura. Uma representação é algo que se fabrica comigo e que eu fabrico com o outro. Na realidade, é toda a relação do visível ao invisível que se articula em torno desse retorno do olhar para si” (Comolli, 2008cCOMOLLI, Jean-Louis. Estudos em Toulouse: representação, mise-en-scène, mediatização. In: COMOLLI, Jean-Louis. Ver E Poder - A Inocência Perdida: cinema, televisão, ficção, documentário . Belo Horizonte: Editora UFMG , 2008c. P. 96-107. , p. 98).

Pina Bausch, ao se re(a)presentar no filme Pina, retorna o olhar para si em tempo alhures. No trecho fílmico analisado, portanto, a arte do tempo emana das relações de copresença coalescente entre a imagem atual e a virtual.

Imagem e Re(a)presentação em Café Müller: os lençóis do tempo deleuzeano

Em Cinema 2: a imagem-tempo, Deleuze (2007DELEUZE, Gilles. A Imagem-Tempo - cinema 2. Tradução Eloisa de Araújo Ribeiro. São Paulo: Brasiliense, 2007.) afirma que uma imagem não é uma representação mental, mas matéria-luz em movimento. Em síntese: uma imagem existe em si mesma, sempre como potência em devir. Peirce (1974PEIRCE, Charles Sanders. Escritos Coligidos. Seleção e tradução Armando Mora d’Oliveira e Sérgio Pomerangblum. 1. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1974. (Col. Os Pensadores, vol. XXXVI).), por sua vez, sugere que a imagem configura-se como um signo icônico, embora possa ser indicial e simbólica conforme o tipo e o contexto no qual é re(a)presentada.

Ao admitir que a imagem-movimento deleuzeana configura-se como uma realidade ancorada mais na essência e na diegesis ou verossimilhança, do que no virtual ou potencial, permito-me inferir que a imagem-tempo, por sua vez, configura-se como uma espécie de transmutação da mímesis, onde imitar não é apenas tentar reproduzir a realidade/natureza. Em Pina, percebo que o gesto icônico cinético pode complementar a natureza, mas sem confundir-se com ela. Nesse sentido, a mímesis aparece, ao menos neste objeto empírico de investigação, como transcendência para uma capacidade de recriar a realidade. A noção de copresença, neste caso, absorve a essência das coisas, mas, ao mesmo tempo, revigora-as, pela relação da ação interpretante do leitor/espectador com o objeto corpo dançante - Pina Bausch com os olhos fechados - em Café Müller. A montagem-cut simula, em falso-raccord, um mundo real/possível a partir dos reais mnemosignos atuais/virtuais, re(a)presentando Bausch e seus olhos fechados em paisagens anamórficas e tempos crônicos diversos.

A semioticista Lucrécia Ferrara (2001FERRARA, Lucrécia. Leitura sem Palavras. São Paulo: Ática, 2001. ) alude a essa questão em seu texto Leitura sem palavras, ao afirmar que toda a representação “[...] é uma imagem, um simulacro do mundo a partir de um sistema de signos, ou seja, em última ou em primeira instância, toda representação é gesto que codifica o universo [...] o processo de comunicação é o próprio universo, o próprio real” (Ferrara, 2001, p. 7). A partir da dimensão material desse discurso é possível ponderar que o significado de uma signagem7 7 Signagem é o neologismo criado por Décio Pignatari (2004) para evitar usar o termo linguagem ao se referir a fenômenos não verbais, como, por exemplo, a fotografia, a televisão, o teatro, e, neste caso, a dança, ou especificamente, o cinema ou documentário contemporâneo (sistema áudio-hápticovisual). vem sempre embutido no próprio modo de representação do discurso.

O documentário Pina e(m) seu excerto, Café Müller, intenta re(a)presentar a realidade/real. Nesse raciocínio, o corpo em movimento dançante, icônico e cinético como real/referente é atravessado pela ficção da mise-en-scène da copresença fílmica. O argumento a ser explicitado é o de que os corpos dançantes extraídos do excerto Café Müller em Pina, (re)estruturando-se a partir da imagem-tempo deleuzeana, também se atualizam nesse percurso sígnico, em pura imagem-cristal. E tal processo só é perceptível por meio das opções dos falsos-raccords da montagem-cut wendersiana. Wenders, com a sua poética de fragmentação e deslinearização da narrativa documentária, acaba por coroar de êxito os opsignos e os sonsignos da imagem-tempo deleuzeana.

Café Müller: a imagem-tempo, o olho e o olhar como limite da produção de copresença

Comolli afirma que o olho está no limite da imagem. “O olhar é, ele também, uma produção” (Comolli, 2014c, p. 98). Essa produção de presença possui uma dimensão reflexiva, como se o cinema nada mais pudesse fazer do que nos mostrar o mundo como uma produção do olhar. “Retorno sobre si mesmo, reflexão. Repetição. Revisão. Duplo olhar” (Comolli, 2008dCOMOLLI, Jean-Louis. Carta de Marselha: sobre a auto mise-en-scène. In: COMOLLI, Jean-Louis. Ver E Poder - A Inocência Perdida: cinema, televisão, ficção, documentário . Belo Horizonte: Editora UFMG , 2008d. P. 81-85. , p. 82). Esse olhar temporal seria a mise-en-scène?

Como o olho está no quadro, o olhar está no filme, olhar do cineasta e olhar do espectador. Colocar em cena é ser colocado em cena. É ser colocado na cena pela própria constituição de uma cena. Aquele(a) que eu filmo me olha. O que ele(ela) olha ao me olhar (escuta) para ele(ela). Olhando o meu olhar, isto é, uma das formas perceptíveis de minha mise-en-scène, ele(ela) me devolve no seu olhar o eco do meu, retorna minha mise-en-scène tal como repercutiu nele(nela). O que faz com que o sujeito filmado conviva com essa mise-en-scène, a habite, dela se aproprie (Comolli, 2008dCOMOLLI, Jean-Louis. Carta de Marselha: sobre a auto mise-en-scène. In: COMOLLI, Jean-Louis. Ver E Poder - A Inocência Perdida: cinema, televisão, ficção, documentário . Belo Horizonte: Editora UFMG , 2008d. P. 81-85. , p. 82).

No trecho analisado a seguir, refiro-me à noção da imagem-tempo cristalina em suas situações óticas (opsignos) e sonoras (sonsignos) puras aliadas à questão da auto mise-en-scène descrita por Comolli (2014d, p. 85) no sentido da “[...] colocação do corpo sob o olhar, do jogo do corpo no espaço e no tempo definido pelo olhar do outro (a cena)”.

Nesse jogo de cena, em que o tempo crônico deleuzeano faz-se presente por meio do procedimento de falso-raccord, os atores sociais do Wuppertal Tanztheater não apenas habitam paisagens distintas, como também proclamam a criação de uma nova relação em que o passado se atualiza, como em uma face especular na ação presentificada sem, necessariamente, a intermediação entre o lembrado/virtual e o atual. Vale destacar uma afirmação de Deren (2012DEREN, Maya. Cinema: o uso criativo da realidade. Tradução José Gatti e Maria Cristina Mendes. Devires, Belo Horizonte, Fafich-UFMG, v. 9, n. 1, p. 128-149, jan./jun. 2012. Disponível em: ˂Disponível em: ˂http://www.fafich.ufmg.br/devires/ index.php/Devires/article/view/215 ˃. Acesso em: 19 abr. 2017. (Originalmente publicado como: DEREN, Maya. Cinematography: the creative use of reality. Daedalus: the visual arts today. Cambridge, 1960).
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), segundo a qual pessoas diferentes filmadas fazendo o mesmo gesto em diferentes tempos e espaços poderiam, por meio de uma montagem criteriosa, ter unificada a presença da mise-en-scène nessa suposta separação entre frações de cena. Tal ideia corrobora os argumentos até aqui expostos.

No segmento fílmico [minutagem - 35min.:10’], a fração de cena apresenta relevância fundamental na exploração da mise-en-scène da copresença. Em um enquadramento em plano fechado, a dançarina Aida Vainieri avança da lateral esquerda para a direita do quadro fílmico em direção ao dançarino Dominique Mercy, que, por sua vez, permanece estático. Vainieri caminha mantendo seus olhos fechados [grifo meu]. Seus cabelos negros estão soltos e ela usa uma camisola branca. Mercy veste uma camisa verde-claro de mangas compridas. Vainieri se aproxima de Mercy e o beija. A partir de um enquadramento em close-up percebe-se que os dois dançarinos mantêm os seus olhos fechados. Toda a movimentação acontece em silêncio.

A seguir, um jump-cut interrompe a cena e, a partir de um procedimento de sobreposição de imagens - fade in -, a ação do beijo vai desvanecendo do enquadramento imagético, enquanto Vainieri - focalizada em close-up - irrompe a tela. Nesse momento, ouve-se um depoimento em voz-off8 8 A voz-off é um procedimento cinematográfico em que o testemunho proferido encontra-se fora do quadro fílmico. Neste depoimento, somente se pode inferir tratar-se da voz da personagem focalizada em close-up, pois esta, ao se dirigir ao leitor/espectador, não move seus lábios e não articula nenhuma palavra ou som labial. : “[...] quantas vezes dancei Café Müller com Pina! Quantas vezes vi o cabelo dela, as costas, os braços... Quantas vezes, de olhos fechados [grifo meu], eu a ouvi, sabendo que ela ouvia a todos nós... Mesmo fechados, os olhos dela viam tudo [...] [grifo meu]” (Pina, 2011). Um novo jump-cut é acionado, e a imagem visualizada a seguir conduz a uma cena atualizada ou re(a)presentada do excerto Café Müller, com parte do elenco atual do Wuppertal Tanztheater.

A partir de um enquadramento em plano geral, é possível observar na locação-encenada9 9 A encenação-locação, conceito proposto pelo autor Fernão Pessoa Ramos (2008), distingue-se da encenação-construída pelo fato de a tomada da cena no documentário ser realizada na circunstância de mundo em que os sujeitos, ou os atores sociais que são filmados, vivem a sua vida. A tomada realizada neste excerto particular, a meu ver, explora essa tensão entre a encenação, a re(a)presentação e o mundo em seu cotidiano. , em um palco de teatro, uma mesa de madeira preta, arredondada, com os atores sociais Dominique Mercy e Michael Strecker, além de Nazareth Panadero - trajando um casaco comprido e escuro e usando uma peruca ruiva. Os três personagens encontram-se sentados em suas cadeiras a observar, caída à frente da mesa, a dançarina Aida Vainieri. As paredes e o chão do palco são cinzentos. Algumas cadeiras estão em pé e outras deitadas. A cena prossegue; os três elementos sentados levantam-se, saem de cena e, de repente, outro personagem é visualizado no campo fílmico: trata-se de um homem, com terno escuro, que levanta algumas cadeiras caídas na locação. Vainieri levanta-se e se direciona para a mesa que antes era ocupada pelo trio. Ela permanece à frente de uma das cadeiras e começa a despir sua camisola branca.

De costas para a câmera, a dançarina senta-se, despida, e apoia seu tronco e a cabeça sobre a mesa. A partir desta ação, ocorre uma sobreposição imagética que transporta o mesmo movimento de Vainieri para uma outra locação encenada e para uma outra performer, que assume o seu espaço/lugar em uma espécie de substituição especular - virtual/atual - evocada cinematograficamente pelos procedimentos de jump-cut e falso-raccord. Trata-se da dançarina Mailou Airaudo, que executa o mesmo gesto/ação performático sobre uma mesa e cadeira colocadas no leito de um riacho de águas cristalinas.

Airaudo encontra-se sentada em uma das quatro cadeiras pretas. A mesa tem a superfície coberta por uma placa transparente. Em uma das cadeiras, encontra-se apoiada a camisola branca que acabou de despir, em uma espécie de ato simbolicamente duplicado de Vainieri. A partir de uma aproximação da câmera e de uma elevação do ângulo de filmagem, em plongée, percebe-se pelo vidro transparente o fluxo de água passando por debaixo da mesa enquanto o torso nu e a cabeça de Airaudo são enquadrados à lateral direita do quadro fílmico. Alguns segundos decorrem com essa imagem, enquanto se ouve o som diegético e intra-campo - fluxo/correnteza do riacho -, sendo que a câmera vai se aproximando cada vez mais do rosto de Airaudo, até enquadrá-la em plano fechado. Durante todo o tempo da tomada, a dançarina mantém os olhos fechados.

Na montagem-cut proposta por Wenders nessa mise-en-scène da copresença de imagens atuais e virtuais, o esquema sensório-motor e as noções e (re)ações de causa e efeito são rompidas para dar lugar a situações óticas (opsignos) e sonoras (sonsignos) puras. As dançarinas Vainieri e Airaudo tornam-se um duplo especular, uma potência onírica, sendo que ambas performaram em tempo alhures o mesmo papel/personagem de Café Müller.

Deleuze corrobora esse raciocínio ao afirmar que a dança surge diretamente como potência onírica: “[...] a dança já não é apenas movimento de mundo, mas passagem de um mundo a outro, entrada em outro mundo, efração e exploração” (Deleuze, 2007, p. 80).

Quanto à potência onírica do mnemosigno olhos fechados em ambas as cenas e em ambas as intérpretes, pode-se afirmar que cada imagem completa em si mesma, atualiza a precedente e é atualizada pela seguinte como uma estrutura repetitiva recorrente ou em looping. A dançarina Airaudo foi a primeira dançarina a dançar o papel em questão na Companhia, e sua presença sobre o fluxo temporal metafórico no curso do riacho não deixa de aludir aos lençóis do tempo da copresença do Wuppertal Tanztheater.

Wenders, ao optar pela montagem-cut, nesse excerto, implica os intérpretes de si mesmos, na passagem do narrativo ao exploratório em devir.

Nessa re(a)presentação do excerto, constato uma espécie de mise-en-scène do discurso da copresença, em que o acontecimento preexiste à narrativa. As duas intérpretes/atrizes sociais, os efeitos da montagem-cut associados aos falsos-raccords não são acionados para comunicar uma situação presente, passada ou futura.

As cenas descritas, portanto, funcionariam como espécies de sonhos, ou pseudossonhos, com metamorfoses infinitas em seus interstícios de múltiplos significados em devir a serem construídos pela copresença do leitor/espectador.

Considerações Finais

A partir de uma reflexão analítica do excerto Café Müller, inscrito e encenado no filme Pina, de Wim Wenders, e ancorada pelo diálogo filosófico entre Gilles Deleuze e Jean-Louis Comolli, procurei explanar a questão da provável copresença do corpo dançante quando mediada pela mise-en-scène na(da) tela do cinema. O mote para o percurso da investigação recaiu sobre o olho e o olhar, ou melhor, sobre a recorrência dos olhos bauschianos fechados como potência de construção de significados em devir, quando moldados sobre as relações com o tempo cinematográfico. Por meio de procedimentos cinematográficos, como os traços do falso-raccord e dos intensos jump-cuts, foi possível identificar e refletir sobre as rupturas e as refrações das imagens cênicas e performáticas como potência de re(a)presentação mediada pelo olhar da montagem cinematográfica como produção de copresença em dança.

Admito que a construção da mise-en-scène dos olhos fechados em Café Müller e re(a)presentada em Pina (2011) é um traço fundamental no texto fílmico de Wim Wenders. Nos dois excertos analisados, esgarçamentos das imagens atuais e virtuais, constitutivos da artista da dança, vieram à tona a partir de depoimentos verbais e também corporalizados pela mediação da tela.

Os corpos moventes de Pina Bausch e dos atores sociais do Wuppertal Tanztheater, ao fisicalizarem a potência qualitativa dos opsignos e sonsignos puros da imagem-tempo deleuzeana, celebram a própria dança em sua abertura de sentidos. Os ícones cinéticos dançantes mediados pela tela do cinema, sem qualquer compromisso com o real, abrem-se ao interstício imaginante. Tanto a dança, quanto o cinema, nessa instância, re(a)presentam-se mutuamente e reutilizam a realidade de forma criativa e em puro devir.

As imagens dos corpos dançantes em esquema de efração e exploração temporal se entretecem no espaço-tempo, fazendo dançar, na mesma malha sígnica de ordem reversível e crônica, a imagem atual e a virtual. A reverberação do gesto de dançar com os olhos fechados sucede-se em diferentes momentos do texto fílmico. Porém, o gesto em si, transfigura-se em uma mise-en-scène da copresença de si mesma como potência icônica.

É dessa maneira que Pina Bausch e os atores sociais do Wuppertal Tanztheater, de olhos fechados, deslizam por meio e para além do tempo e do espaço de re(a)presentação da ficção documental e vêm dançar em nosso imaginário.

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    » http://www.wim-wenders.com/movies/movies_spec/pina/pina.htm
  • 1
    Hable con Ella (2002HABLE CON ELLA. Direção de Pedro Almodóvar. Espanha - Warner Sogefilms A.I.E., 2002. 1 filme (112 min.): son.; color.; suporte DVD.) é um filme espanhol, escrito e dirigido por Pedro Almodóvar, que debate questões como o estupro e, acima de tudo, o coma: o intervalo/interstício entre a vida e a morte. Nesse filme, fragmentos de duas obras de Pina Bausch são mostrados: Café Müller (1978CAFÉ MÜLLER. Obra do repertório do Tanztheater Wuppertal. 2017. (site). Disponível em: ˂Disponível em: ˂http://www.pina-bausch.de/stuecke/cafemuller.php ˃. Acesso em: 16 abr. 2017.
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    ) e Masurka Fogo (1998).
  • 2
    Café Müller é uma peça coreográfica de Pina Bausch, para o Wuppertal Tanztheater. Estreia mundial: 20 de maio de 1978. Maiores informações sobre a peça estão disponíveis em: <http://www.pina-bausch.de/en/pieces/cafe_mueller.php>. Acesso em: 15 maio 2017.
  • 3
    E La Nave Va (1983E LA NAVE VA. Direção de Federico Fellini. Itália - Franco Cristaldi Produtora. 1983. 1 filme (132 min.): son.; color.; suporte DVD.) é um filme italiano, dirigido por Federico Fellini. Nele são mostrados os eventos, de natureza surrealista, ocorridos a bordo de um navio luxuoso onde os amigos de uma falecida cantora de ópera se reúnem para o funeral dela.
  • 4
    A autora convida o leitor a assistir ao filme Pina antes/durante/depois da leitura deste artigo. Com duração de 106 minutos e parceria conjunta entre a Alemanha, França e Reino Unido, o filme documentário foi realizado pela produtora de Wim Wenders, a Neue Road Movies (Berlin), em colaboração com o Wuppertal Tanztheater - ZDF/ZDF theaterkanal und ARTE e teve sua estreia em 23 de março de 2012. Esses dados foram obtidos mediante consulta ao site oficial de Wim Wenders (2016WENDERS, Wim. Página Oficial de Wim Wenders. 2016. (site). Disponível em: ˂Disponível em: ˂http://www.wim-wenders.com/movies/movies_spec/pina/pina.htm ˃. Acesso em: 18 maio 2016.
    http://www.wim-wenders.com/movies/movies...
    ). Disponível em: <http://www.wim-wenders. com/movies/movies_spec/pina/pina.htm>. Acesso em: 28 mar. 2017.
  • 5
    Montagem-Cut é como se chama o corte seco à passagem de um plano a outro por uma simples colagem, sem que o raccord [regra de continuidade] seja marcado, por um efeito de ritmo ou truques estruturais. A passagem de um segmento fílmico a outro é marcada por corte abrupto, propositalmente a fim de evitar encadeamentos lógicos e efeitos de transparência na narrativa.
  • 6
    O falso raccord de movimento é uma mudança de plano (intencional) que foge da lógica transparente da continuidade, que procura transcender a lógica de sentido. Esse tipo de procedimento procura mostrar variados pontos de vista e perspectivas da imagem. Admite-se que é falso porque explora uma outra possibilidade não convencional de verdade ou real, potencializando um devir qualitativo.
  • 7
    Signagem é o neologismo criado por Décio Pignatari (2004) para evitar usar o termo linguagem ao se referir a fenômenos não verbais, como, por exemplo, a fotografia, a televisão, o teatro, e, neste caso, a dança, ou especificamente, o cinema ou documentário contemporâneo (sistema áudio-hápticovisual).
  • 8
    A voz-off é um procedimento cinematográfico em que o testemunho proferido encontra-se fora do quadro fílmico. Neste depoimento, somente se pode inferir tratar-se da voz da personagem focalizada em close-up, pois esta, ao se dirigir ao leitor/espectador, não move seus lábios e não articula nenhuma palavra ou som labial.
  • 9
    A encenação-locação, conceito proposto pelo autor Fernão Pessoa Ramos (2008RAMOS, Fernão Pessoa. Mas, afinal... O que é mesmo, documentário? São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2008.), distingue-se da encenação-construída pelo fato de a tomada da cena no documentário ser realizada na circunstância de mundo em que os sujeitos, ou os atores sociais que são filmados, vivem a sua vida. A tomada realizada neste excerto particular, a meu ver, explora essa tensão entre a encenação, a re(a)presentação e o mundo em seu cotidiano.
  • Este texto inédito também se encontra publicado em inglês neste número do periódico.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2018
  • Data do Fascículo
    Set 2018

Histórico

  • Recebido
    03 Set 2017
  • Aceito
    02 Fev 2018
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