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Entre a Presença do Ouvir, Sentidos a Escutar

Entre la Présence d´Entendre, des sens à l´Écoute

Resumo:

No ensaio aproximam-se estudos fenomenológicos em torno da dimensão poética da linguagem para uma abordagem das ações de ouvir e escutar como distintas na experiência de produção de sentidos. Estabelece-se uma interlocução entre filosofia e poética para pensar a inseparabilidade entre corpo e mundo, ritmo e voz, e assim destacar a relevância educacional da experiência estésica da escuta do mundo como ressonância fundante de sentidos que são organizados, situados e expressos em linguagem.

Palavras-chave:
Ouvir; Escutar; Presença; Sentido; Voz

Résumé :

L’essai s’approchent des études phénoménologiques autour de la dimension poétique du langage afin d’aborder les actions de l’écoute et d’entendre comme distinctes dans l’expérience de la production des sens. Il se propose une interlocution entre la philosophie et la poétique dans le but de penser l’impossibilité d’écarter le corps et le monde, le rythme et la voix, en mettant en évidence l´importance pédagogique de l’expérience esthétique de l’écoute du monde comme résonance fondatrice des sens organisés, situés et exprimés en langage.

Mots-clés:
Entendre; Écouter; Présence; Sens; Voix

Abstract:

This essay brings together phenomenological studies on the language’s poetical dimension to address the actions of hearing and listening as distinct aspects in the experience of producing senses. The paper establishes an interlocution between philosophy and poetics to think about the inseparability between body and world, rhythm and voice, highlighting the educational relevance of the aesthesic experience of listening to the world as a founding resonance of senses that are organized, situated and expressed in language.

Keywords:
Hearing; Listening; Presence; Sense; Voice

Introdução

Começa a chover. O barulho da chuva caindo no telhado imediatamente mistura-se à música, ruídos, chiados que variam aos extremos de alto e baixo na exploração lúdica da criança de um ano mexendo, extasiada, no aparelho de rádio. Da solicitação de desligar o rádio (o que faz) para escutar o som da chuva caindo emerge um silêncio pleno de sensações. Longos instantes penetram o espaço e é possível perceber outras sonoridades. O menino aponta para o alto e exclama “óh!”. A voz e o olhar admirados da criança provocam, no adulto, a emergência de imagens de outros tempos. Da infância. Da sua infância. Banhos de chuva no campo diante de casa. No interior, onde ainda hoje espera-se embaixo de velhos galpões a chuva passar e onde se pode permanecer escutando sentidos que advêm do encontro estésico entre a sonoridade límpida de um mundo e a sensualidade de um corpo tocado, ambos entrelaçados pelo ritmo gerador desse espaço-tempo. Mundo e corpo implicados em uma respiração rítmica. Um vínculo enigmático entre pele e mundo que nos torna presentes a nós mesmos pela estesia (aisthesis) do corpo que se sente sentir. Presença que advém da ondulação e do atrito do mundo que vem sentir-se em um corpo aberto em narinas, orelhas, olhos, boca, humores e líquidos carnais.

Da sonoridade da chuva-mundo, desse silêncio eloquente capaz de engendrar uma atenção estésica, por não ser o silêncio necessariamente privação sonora mas uma presença disponível à ressonância, pela qual “[...] escuta-se ressoar o próprio corpo, seu sopro, seu coração e toda a sua caverna repercussiva” (Nancy, 2007NANCY, Jean-Luc. A la Escucha. Buenos Aires: Amorrortu, 2007., p. 45), emergem imagens e sentidos - na acepção intelectual ou inteligível do termo1 1 Conforme Nancy (2007, p. 17), para distinguir “sentido sensato” e “sentido sensível”. - que situam o corpo em sua potência de ser afetado e de desejar ser afetado pelo mundo. Na sensibilidade ou estesia de escutar-se, a potência imagética é inseparável da sensualidade do encontro entre mundo e corpo na qual “[...] cada sentido especifica a afeição segundo um regime distinto - ver, ouvir, farejar, experimentar -, mas a pele não cessa de unir esses regimes entre si, sem, contudo, confundi-los” (Nancy, 2017NANCY, Jean-Luc. Penseur du corps, des sens et des arts. Télérama, France, 13 jul. 2012. Entrevista concedida a Juliette Cerf. Disponível em: <Disponível em: http://www.telerama.fr/idees/jean-luc-nancy-penseur-du-corps-des-sens-et-des-arts,84213.php > Acesso em: 25 maio 2017.
http://www.telerama.fr/idees/jean-luc-na...
, p. 20). Aqui, sentimos a nós e o mundo para vislumbrar o que somos e onde estamos como abertura do corpo ao pensamento do mundo, à eclosão do real.

A experiência imagética desencadeada pela estesia da audição desafia o pensamento educacional a considerar a impossibilidade de cindir sensível e inteligível diante da indivisibilidade da presença que ouvir e escutar suscita no corpo2 2 Na fenomenologia de Merleau-Ponty (1999, p. 440), podemos “[...] conceber um sujeito sem campo auditivo, mas não um sujeito sem mundo. [...] a ausência do mundo visual e do mundo auditivo não rompe a comunicação com o mundo em geral, há sempre algo diante dele, o ser para decifrar”. . Tudo acontece nele, o corpo se constitui num processo híbrido com a percepção, pelo qual a experiência do mundo “a cada instante se faz em nós” (Merleau-Ponty, 1999MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. São Paulo: Martins Fontes , 1999., p. 440). Uma relação de circularidade que constitui a ambiguidade como mistura ou coimplicação entre corpo e mundo (Merleau-Ponty, 1999). Aqui, a ação educativa ultrapassa a comunicação de significados e torna-se uma experiência de produção de sentido pela disponibilidade em acolher o movimento vital do corpo no mundo como movimento de escuta que integra a relação de sentido. Com Jean-Luc Nancy (2003NANCY, Jean-Luc. El Olvido de la Filosofia. Traducción Pablo Perera Velamazán. Madrid: Arena Libros, 2003., p. 65), concebemos sentido como “apresentação ou como vinda à presença”, ou seja, como aquilo que tanto preexiste à determinada significação quanto a excede, pois “simplesmente, não há procedência do sentido: ele se apresenta” (Nancy, 2003, p. 66). Pela experiência estésica do corpo, “[...] o interior e o exterior são inseparáveis. O mundo está inteiro dentro de mim e eu estou inteiro fora de mim” (Merleau-Ponty, 1999, p. 546). Distintos modos do mundo vir sentir-se em nós, são por nós transformados em sentidos compartilhados, ou seja, são por nós organizados, situados e expressos em linguagem.

Nesta abordagem, a concepção de linguagem excede o sentido de representação ou identidade de um mundo previamente definido. Por não estar além ou aquém de mim ou de minha ação no mundo, a linguagem ultrapassa a ação de reconhecimento por síntese de identificação de uma mensagem e assume o sentido de “uma certa modulação de meu corpo enquanto ser no mundo” (Merleau-Ponty, 1999, p. 540), o qual permite abarcar a dimensão poética como “modulação da existência” (Merleau-Ponty, 1999, p. 209).

Os termos estética e poética convocam campos historicamente marcados por profundos e extensos significados que tensionam debates e opções educacionais. Neste ensaio, os abordamos a partir de noções próximas ao sentido originário de ambas: aisthesis e poiésis. O princípio de uma palavra não é apenas a origem do seu surgimento, mas o sentido que nela permanece e lhe confere sua especificidade. Em suas antigas raízes gregas, a estética indica a estesia como capacidade primal do humano sentir a si próprio e ao mundo - traduzido por sensação, sensibilidade, ou então pelo que geralmente chamamos o que é percebido pelos cinco sentidos: visão, audição, tato, olfato e paladar. Poética, ao indicar a pluralidade de acepções que dinamizam o estar humano no mundo pelo vigor do agir temporalizado por linguagem (Castro, 2004CASTRO, Manuel A. de. Poiesis, sujeito e metafísica. In: CASTRO, Manuel A. de (Org.). A Construção Poética do Real. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2004. P. 13-82.), isto é, a vida cotidiana do produzir, criar, traduz o termo poética como ação transfiguradora da pluralidade dos sentidos em experiência de linguagem, a qual simultaneamente nos expõe ao mundo e nele nos situa.

Em nossa concepção, é o mistério da linguagem que torna o fenômeno da educação tão instigante e nos faz enfrentar na e com a escrita a fecunda tensão entre filosofia e poética, habitualmente mantidas à distância do pensamento educacional. Assim, a opção pelo ensaio emerge simultaneamente como modo de escrever e como modo de estudar a aproximação entre escuta, ritmo e voz a partir da inseparabilidade entre corpo sensível, mundo e dimensão poética da linguagem. Um tema que não se deixa definir por caminhos previamente demarcados, antes convida ensaiar outros percursos.

Nossa expectativa, neste ensaio, é contribuir com um pensamento educacional que não se detenha em uma resposta, nem mesmo uma interrogação, mas se dinamize na abertura à experiência de pensar a disponibilidade pedagógica de estar em presença na coexistência do movimento vital de conviver em linguagem. Movimento que não renuncia a consideração educativa pela experiência estésica do silêncio eloquente, que emerge de um sentir se sentir (aisthesis) do corpo sonoro que “[...] sempre é, ao mesmo tempo, o corpo que ressoa e meu corpo de ouvinte onde isso ressoa, ou que ressoa por isso” (Nancy, 2007NANCY, Jean-Luc. A la Escucha. Buenos Aires: Amorrortu, 2007., p. 21). Implica considerar a relevância educacional da escuta como resistência filosófica ao privilégio do registro teórico fundado na primazia ocidental do modelo óptico.

Escuta: relação singular entre corpo e mundo

Abordar o fenômeno da escuta exige reter a experiência encarnada de ouvir e escutar. Tudo acontece no corpo, na intimidade sensual da coexistência mundana. Por ele e nele. Consideramos com Maurice Merleau-Ponty (2014, p. 20-21) que o corpo, “[...] como encenador da minha percepção, [...] não percebe, mas está como que construído em torno da percepção que se patenteia através dele”. Não temos um corpo, “somos corpo” (Merleau-Ponty, 1999, p. 278). Sou um corpo, o meu corpo na singularidade de cada ordem sensorial que, por sua vez, remete à dinâmica diferenciada dos sentidos. Para Nancy (2017NANCY, Jean-Luc. Arquivida: do senciente e do sentido. São Paulo: Iluminuras, 2017. ), se todos os sentidos participam da dimensão tátil, do tocar e ser tocado, cada um modula à sua maneira essa participação, pois a diferença das modulações é inerente à sensibilidade.

Hans Ulrich Gumbrecht (2010GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de Presença. Rio de Janeiro: Contraponto; Ed. PUC-Rio, 2010.; 2015) destaca a relação substancial entre corpo e mundo, ou seja, a relação de materialidade do corpo sensível com as coisas-do-mundo. Como presenças que nos tocam, “[...] as coisas estão a uma distância de ou em proximidade aos nossos corpos; quer nos ‘toquem’ diretamente ou não, têm uma substância” (Gumbrecht, 2015GUMBRECHT, Hans Ulrich. Nosso Amplo Presente: o tempo e a cultura contemporânea. São Paulo: Editora Unesp, 2015. , p. 9). Na experiência estésica no e com o mundo, tratamos de presenças que nos tocam, que provocam epifanias3 3 A noção de epifania, em Gumbrecht (2010, p. 140), designa “[...] sobretudo, a sensação, citada e teorizada por Jean-Luc Nancy, de que não conseguimos agarrar os efeitos de presença, de que eles - e, com eles, a simultaneidade da presença e do sentido - são efêmeros”. O autor destaca que o componente de epifania assume, no âmbito da experiência estética, o estatuto de evento a partir de três aspectos. “Em primeiro lugar, nunca sabemos se ou quando ocorrerá uma epifania. Em segundo lugar, quando ocorre, não sabemos que intensidade terá [...]. Finalmente (e acima de tudo), a epifania na experiência estética é um evento, pois se desfaz como surge” (Gumbrecht, 2010, p. 142). de percepções ou simplesmente disposição a, para e em percepção. Paul Zumthor (2007ZUMTHOR, Paul. Performance, Recepção, Leitura. São Paulo: Cosac Naify , 2007., p. 81), no âmbito da dimensão poética da linguagem, destaca o caráter efêmero da epifania ao afirmar que a percepção “[...] é profundamente presença. Mas nenhuma presença é plena, não há nunca coincidência entre ela e eu. Toda presença é precária, ameaçada”. Ou seja, “[...] o sensível suscita o inteligível e o faz num movimento constante que não se completa ou finaliza produzindo uma significação ou uma informação” (Ghetti, 2013GHETTI, Paola. Uma filosofia que seja o estremecer de um som: sobre o sentido em Jean-Luc Nancy. outra travessia, Florianópolis, n. 15, p. 147-155, out. 2013. , p. 149). Nessa condição estésica - e poética - da impossibilidade de estabilizar a oscilação entre presença e sentido, podemos acolher que a escuta, como materialidade do encontro entre corpo e mundo, contribui na produção de sentido (Gumbrecht, 2010) ao articular o movimento vital entre sensível e inteligível. Uma presença sob tensão da experiência vivida, uma presença que está no e é mundo como relação tão substancial, material, quanto imaterial que nos afeta em proporções e intensidades distintas.

Conforme Gumbrecht (2010GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de Presença. Rio de Janeiro: Contraponto; Ed. PUC-Rio, 2010., p. 51-52), para Aristóteles não existe um sentido imaterial desvinculado de um “significante material”. O que nos permite considerar a percepção como presença na materialidade dos encontros e compreender que a experiência emerge como materialidade para nossa corporeidade, ou seja, como uma espécie de materialidade imaterial por ser corporal, por estar no corpo e nele permanecer.

Ondas sonoras, materialidades invisíveis, tocam o corpo sonoro e ouço. Quando ouço, aproprio-me ou não da potência da escuta relacionada ao que ouço. Ouço mil coisas, mas detenho-me escutando apenas as que quero. Porém, estaria a potência da escuta relacionada ao querer? Ou poderia acontecer sem querer, pois seria também o ouvido afetado pela materialidade sonora mesmo não desejando ouvir nem escutar? Ouço mas não escuto. Escuto e ouço. Mesmo no que não ouço, escuto minhas memórias, meus pensamentos, minhas percepções e mundo vivido, pois em algum instante já ressoado em mim. Lateja em meu corpo a vibração sonora em ação de ouvir, mesmo quando impera a vontade de não me deter e escutar. Sempre ouço. O corpo é afetado e, mesmo quando não pretendo escutar, como ao soar de alguma música aleatória, o corpo afetado continua cantarolando sem que eu perceba. O corpo é tocado pela materialidade das ondas sonoras, apesar de sua invisibilidade. E, sendo tocado, modula e é modulado também. Aqui, a experiência sensível do corpo não o torna passivo receptor de sentidos, não pode ser definida “como efeito imediato de um estímulo exterior” (Merleau-Ponty, 1999, p. 29). Os sentidos não são condutores - instrumentos ou meios, pois envolvem sensações, relações, percepções, que dizem respeito a “um processo vital assim como a procriação, a respiração ou o crescimento” (Merleau-Ponty, 1999, p. 31). Zumthor (2007ZUMTHOR, Paul. Performance, Recepção, Leitura. São Paulo: Cosac Naify , 2007., p. 86) nos lembra que “a audição (mais que a visão) é um sentido privilegiado, o primeiro a despertar no feto”, ao afirmar que

Uma vez lançado ao mundo, no turbilhão de sensações que a agridem, a criança exibe o prazer que experimenta com a maravilhosa abertura de seu ouvido. O ouvido, com efeito, capta diretamente o espaço ao redor, o que vem de trás quanto o que está na frente. A visão também capta, certamente, um espaço; mas um espaço orientado e cuja orientação exige movimentos particulares do corpo. É por isso que o corpo, pela audição, está presente em si mesmo, uma presença não somente espacial, mas íntima (Zumthor, 2007ZUMTHOR, Paul. Performance, Recepção, Leitura. São Paulo: Cosac Naify , 2007., p. 87).

O movimento da audição acontece com ou sem consentimento. É encontro entre mundo e corpo. Ouço. A vibração sonora não possui face oculta, é e está simultaneamente adiante e atrás, fora e dentro, pois diz respeito a um “[...] espaço tempo: se difunde no espaço ou, melhor, abre um espaço que é o seu, o espaçamento mesmo de sua ressonância, sua dilatação e sua reverberação” (Nancy, 2007NANCY, Jean-Luc. A la Escucha. Buenos Aires: Amorrortu, 2007., p. 32). A presença sonora, ao mesmo tempo, vibra, estende-se e adentra, fazendo meu corpo coexistir com o acontecimento sonoro. Mesmo que eu não queira, dando-me por conta ou não deste processo, ouço. A presença de alguém que canta desafinadamente ao meu lado, parece frustrar a insistência em querer cantar ordenadamente, pois me perco ao ouvir o outro. Apesar de ter cantado inúmeras vezes e dominar a afinação musical, sigo, neste caso, não um sentido, mas a presença do que está sendo ouvido e não a voz que nasce e vibra em mim. Aqui a presença é majoritária. A potência da presença do que ouço é, primeiramente, um toque no corpo auditivo. Invisível, porém material. E, quando ouço, existe a possibilidade de também escutar. Nas palavras de Nancy (2007, p. 33), escutar “[...] é ingressar nessa espacialidade que, ao mesmo tempo, me penetra: pois ela se abre em mim como em torno a mim, e de mim como em direção a mim”, é ao mesmo tempo abertura a mim e ao mundo, “de um a outro, e de um no outro” (Nancy, 2007, p. 33).

O ato de escutar supõe o instante simultâneo de apropriação sensível e inteligível do que ouço. Um sentido que é corporalizado. Materializado em presença no corpo e pelo corpo. Nele. O que permite compreendermos que o sentido pode ser constituído tanto por uma semântica linguística, através do significado em si que a palavra4 4 Conforme Jorge Larrosa Bondía (2002, p. 20-21) “[...] as palavras produzem sentido, criam realidades [...] As palavras determinam nosso pensamento porque não pensamos com pensamentos, mas com as palavras, não pensamos a partir de uma suposta genialidade ou inteligência, mas a partir de nossas palavras”. assume na língua a qual se fala, quanto por uma relação semântica da sonoridade exposta pelo modo como é enunciada, por exemplo, quando temos uma mesma frase ou palavra falada de maneiras diferentes. Podemos perceber essa diferença na modulação sonora de sentidos a partir de um clássico exercício em Oficinas de Teatro. Trata-se de vocalizar uma mesma frase em distintos modos expressivos. Propomos a frase A noite chegou. Como frase, encerra um sentido linguístico inerente, mas se modularmos a sonoridade vocal podemos mover esse sentido para outras possibilidades de interpretação e de escuta. Sugerimos, entre os parênteses, alguns modos expressivos para viabilizar determinadas modulações.

- A noite chegou! (Alegre.) - A noite chegou! (Triste.) - A noite chegou! (Com surpresa e espanto, por já ter chegado.) - A noite chegou! (Com receio. Medo.) - A noite chegou! (Apavorado, entrando em pânico.) - A noite chegou! (Com sensualidade.) - A noite chegou! (Vibrando. Felicidade intensa. Estava sendo muito aguardada.)

Nesse exercício, podemos perceber que existem sentidos e significados distintos conforme a emoção, ou “variação de nosso ser no mundo” (Merleau-Ponty, 1999MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. São Paulo: Martins Fontes , 1999., p. 256), expressa pelo modo de vocalizá-la e escutá-la. Mas, posso também seguir apenas ouvindo e não prestando atenção aos sentidos possíveis à interpretação do que é proposto pelo mundo ao redor. Mirna Spritzer (2005SPRITZER, Mirna. O corpo tornado Voz: a experiência pedagógica da peça radiofônica. 2005. 191 f. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005., p. 35) lembra que “não há dizer sem corpo e nem ouvir descarnado”. O que nos permite afirmar que, mesmo diante dessa possibilidade, o corpo é tocado. Ouço. E posso, nesse ato, também perceber a ressonância de sentido. Escutar.

Podemos considerar que a potência da presença sonora é rítmica, ou seja, que a sonoridade é constituída por materialidades rítmicas, as quais permitem afirmar que a potência de escutar envolve mais e vai além da ação de ouvir. Spritzer (2005SPRITZER, Mirna. O corpo tornado Voz: a experiência pedagógica da peça radiofônica. 2005. 191 f. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005., p. 30) considera que “[...] o sentido da audição se coloca como um sentido profundo de relação”. Esse sentido profundo de relação é o que diferencia e define propriamente a escuta. O ato de escutar envolve uma relação de percepção e detenção que ultrapassa a detenção que acontece pela ação imediata de ouvir, pois presença. Com os sentidos da audição criam-se outros e novos sentidos. Quando escuto, não só percebo e detenho, mas percebo e detenho em presença algo com o sentido profundo “[...] de uma acumulação de conhecimentos que são da ordem da sensação e que, por motivos quaisquer, não afloram no nível da racionalidade, mas constituem um fundo de saber sobre o qual o resto se constrói” (Zumthor, 2007ZUMTHOR, Paul. Performance, Recepção, Leitura. São Paulo: Cosac Naify , 2007., p. 78). O que nos faz considerar a relevância educacional dos modos como escutamos a significação linguística que as palavras carregam consigo.

Se consideramos a experiência de alguém tentando aprender a falar outra língua, inicialmente, a expressão desse aprendizado acontece por seu ritmo, suas nuances, na aproximação com sua particularidade sonora. Assim como uma criança pequena, quando começa a balbuciar suas primeiras palavras, não o faz com domínio da palavra falada, “mas quando constitui situação para ela” (Merleau-Ponty, 1999, p. 537). A escuta é antes ouvida como ritmo e é como ritmo que a linguagem falada é inaugurada no mundo, como reverberação para a fala do que já foi ouvido e escutado anteriormente. O som que na voz falada se faz verbo ecoa e reverbera no mundo.

Nessa compreensão, torna-se importante a consideração educacional da performance vocal como maneira singular de articular sons, na qual importa mais significados pelo modo de fazer ressoar, ou pela relação semântica sonora, do que pela significação linguística que a palavra propõe. Aqui, todos os detalhes importam, pois nos propõem uma gama de sentidos impregnados no corpo. O som ao nosso redor, o som das mídias, as nuances da voz, a trepidação, a respiração, a força, a intensidade, a velocidade, o tempo. Se a voz termina pontuada, cantada alegremente ou puxada, chorada, o ritmo estabelecido por uma projeção vocalizada que escuto torna-se relevante, pois esse ritmo é presença que ultrapassa o significado cultural da palavra ao afirmar-se como materialidade percebida no corpo. Cada detalhe que caracteriza a voz em suas manifestações, sejam agradáveis ou perturbadoras, são modos singulares de perceber e de significar o mundo.

É pela escuta que a voz, como expressão do corpo, reverbera suas infinitas possibilidades rítmicas e luminosas em significâncias. Muito além dos significados de uma ou outra língua, reverbera a linguagem que consuma o pensamento em ação linguageira. Para Zumthor (2010ZUMTHOR, Paul. Introdução à Poesia Oral. Belo Horizonte: Editora UFMG , 2010., p. 257-258), o ouvinte participa da performance, pois

O papel que ele ocupa, na sua constituição, é tão importante quanto o do intérprete [...] Gesto e voz do intérprete estimulam no ouvinte uma réplica da voz e do gesto, mimética [...] O componente fundamental da ‘recepção’ é assim a ação do ouvinte, recriando, de acordo com seu próprio uso e suas próprias configurações interiores, o universo significante que lhe é transmitido.

Em presenças sonoras e sentidos da audição nos constituímos falantes. Conforme Maximiliano López (2009LÓPEZ, Maximiliano Valério. Notas para una poética de la educación. Revista Sul-Americana de Filosofia e Educação - RESAFE, Brasília, UnB, n. 12, p. 28-36, maio/out. 2009., p. 30), a voz escapa à representação por dizer respeito ao afeto e à circunstância, por pertencer à relação intersubjetiva e não aos indivíduos. Para o autor, “através da voz, o corpo vive na linguagem, insiste nela” (López, 2011, p. 60). A voz é ritmada por um conjunto de afecções que empreendem tons, forças, características que constituem impressões e registros no corpo ouvinte e que emergem em cada um e em todos como inscrição num tempo. Meschonnic (2010MESCHONNIC, Henri. Poética do Traduzir. São Paulo: Perspectiva , 2010., p. XXXII) afirma que “[...] o modo de significar, muito mais que o sentido das palavras, está no ritmo, como a linguagem está no corpo”. O ritmo existe sem voz, mas a voz não existe sem ritmo.

Ritmo e Voz

Estar em linguagem, equilibrar-se em movimento5 5 “Temos que encontrar um sentido no devir da linguagem, concebê-lo como um equilíbrio em movimento” (Merleau-Ponty, 1991, p. 92). de presenças e sentidos, é também estar em um ritmo. Abordar o fenômeno da linguagem a partir do ouvir e escutar, e as possibilidades em oralidades nos equilíbrios em movimento, significa também considerar os seus ritmos. Toda e qualquer forma de manifestação linguageira só pode emergir6 6 Para Morin (2002), emergência é uma qualidade nova em relação aos componentes do sistema, tendo, portanto, além da virtude de acontecimento ao surgir de maneira descontínua, uma vez que o sistema já está constituído, o caráter de irredutibilidade, pois é uma qualidade que não se deixa decompor pela impossibilidade de ser deduzida de elementos anteriores: “[...] mesmo quando se pode prevê-la a partir do conhecimento das condições de seu surgimento, a emergência constitui um salto lógico e abre em nosso entendimento a brecha por onde penetra a irredutibilidade do real” (Morin, 2002, p. 139). e ser constituída por e em um ritmo ou ritmos que se intercalam. Um embrião, desde os primeiros instantes da fecundação, já está sendo constituído por um ritmo. Dois corpos. Dois ritmos. O ritmo do encontro de dois ritmos em dois corpos feitos um. A sintonia ou não destes em um único ritmo. Bate um compasso. Desde os primeiros dias de vida no útero da mãe, o embrião de apenas pouquíssimos milímetros de vida já está feito corpo a bater e a pulsar um ritmo. Somos ritmo. O coração, signo maior da amorosidade entre os devires humanos, é justamente aquele que dita o primeiro ritmo próprio. E é por essa presença rítmica que somos tocados primeiramente em nossos sentidos e emoções. Na presença do ritmo e em ritmos vivemos e sentimos, somos constituídos em emoções, saboreamos o mundo e criamos sentidos.

Afinal, o ritmo é posto ou nasce conosco? Seria o ritmo que coloca o mundo ou o mundo é que coloca o ritmo? Isso é quase como interpelar o paradoxo de o tempo ser simultaneamente familiar a cada um e impossível de ser explicado aos outros. Ao mesmo tempo, ritmo e mundo são por nós sentidos e percebidos e, no entanto, precisamos aprender a sentir e a perceber ambos. Pelo enigma de ser a relação entre as coisas e meu corpo decididamente singular, “[...] o mundo é o que percebo, mas sua proximidade absoluta, desde que examinada e expressa, transforma-se também, inexplicavelmente, em distância irremediável” (Merleau-Ponty, 2014, p. 20). Uma ambivalência que nos faz participar na produção do mundo e de mundos. A única convicção que temos a esse respeito é a de ser pelo ritmo que entramos na linguagem. (Pausa). Silêncio. O ritmo só pode acontecer na emergência temporal de instantes conexos ou desconexos. Instantes que se unem em continuidades e descontinuidades de sons e de silêncios, ou em frações mínimas de percepção de cada um desses instantes. Inscreve-se no tempo. Mas também o tempo é marcado por ele. Tempos no tempo. A linguagem não existe sem movimento do corpo em íntima sedução e emergência que tece o movimento no mundo e do mundo. O ritmo é presença que produz sentido. E conduz sentidos também. A experiência da linguagem “[...] engendra um processo histórico particular ao emergir como experiência de temporalização do corpo. O tempo acontece no corpo e o modifica” (Richter; Berle, 2015RICHTER, Sandra Regina Simonis; BERLE, Simone. Pedagogia como gesto poético de linguagem. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 40, n. 4, p. 1027-1043, out./dez. 2015. , p. 1034). Assim aprendemos a instalar no corpo uma história linguageira. Habitar a linguagem é inscrever um ritmo no tempo.

A mãe encanta e acalma o filho ainda pequeno oferecendo-lhe um ritmo quando aproxima seu corpo ao corpo da criança e respira em proximidade, estando junto, presente. A respiração materna produz sonoridade nesse movimento de estar junto, em presença no tempo do balançar dos corpos. O ritmo, calmo ou agitado, participa dos sentidos que emergem da interação dos mundos linguageiros em movimento. Para López (2008LÓPEZ, Maximiliano Valério. Ideias que rimam. In: BORBA, Siomara; KOHAN, Walter (Org.). Filosofia, Aprendizagem, Experiência. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. P. 329-339., p. 338),

O ritmo não é só o elemento mais antigo e permanente da linguagem, como diz Octavio Paz; ele é também o elemento genético do pensamento. Pois o pensamento nasce do ritmo, ou então, é o próprio ritmo. A disposição de ânimo que o ritmo suscita, esse tender, esse estender-se em direção a algo que não acertamos nomear, essa abertura ao indeterminado e à condição primeira do pensamento.

Todas as línguas reconhecem expressões sonoras que se inauguram em voz. Existem sons que não têm língua, cultura ou nacionalidade. Como um suspiro, como os primeiros sons de um bebê nos primeiros dias de vida, como sons que emergem de sensações e emoções que nos suspendem pela surpresa ou admiração. Mesmo na aparente ausência de vocalidade inauguram sonoridades na simultaneidade que nos instalam em presença da cultura vocal na e pela qual habitamos o mundo. Zumthor (2005ZUMTHOR, Paul. Escritura e Nomadismo. Cotia: Ateliê Editorial, 2005., p. 62) afirma

[...] ser razoável dizer que a voz é uma coisa, isto é, que ela possui, além das qualidades simbólicas, que todo mundo reconhece, qualidades materiais não menos significantes, e que se definem em termos de tom, timbre, alcance, altura, registro. Isso tanto é verdade que o costume, nas diferentes sociedades, frequentemente liga um sentido próprio a algumas dessas qualidades [...] As sociedades humanas, contrariamente (talvez) às sociedades animais, me parecem caracterizadas pelo fato de que identificam, entre todos os ruídos da natureza, sua própria voz e a identificam como um objeto, como alguma coisa que está ali, jogada diante delas, em torno da qual se cristaliza um laço social [...].

A voz como presença, como laço social, como substância rítmica no movimento de uma materialidade aparentemente efêmera, pode ser abarcada na criança aprendendo a falar. Outra língua é inaugurada quando apreendemos uma nova língua. Num primeiro momento emergem apenas ritmos. Balbuciar de sons. A presença de ritmos percebidos no corpo lentamente vai tecendo a experiência de linguagem em signos e significados culturalmente estabelecidos. A voz, como presença de sonoridade ritmada, carrega consigo sentidos na circularidade temporal da linguagem. Gumbrecht (2012GUMBRECHT, Hans Ulrich. Graciosidade e Estagnação. Rio de Janeiro: Contraponto ; Editora PUC-Rio, 2012.) também afirma que a linguagem falada é presença que toca todo o nosso corpo, mesmo que não entendamos o significado das palavras. “Assim que a realidade física da linguagem adquire uma forma [...] dizemos que ela possui um ‘ritmo’ - um ritmo que podemos sentir e identificar, independentemente do significado ‘transportado’ por essa linguagem” (Gumbrecht, 2012, p. 66). López (2011LÓPEZ, Maximiliano Valério. O corpo inaudito: para uma poética do discurso em educação. In: PASSOS, Mailsa C. P.; PEREIRA, Rita M. R. (Org.). Educação Experiência Estética. Rio de Janeiro: Nau, 2011. P. 53-70.) salienta a importância do conceito de ritmo para o campo da linguagem por se tratar da possibilidade de acolher a passagem da teoria do signo para a do discurso, uma espécie de “passagem de uma teoria da língua para uma teoria da fala” (López, 2011, p. 56). Consideramos que, nessa passagem do signo ao discurso, ou seja, da língua à fala, passa-se da representação para a presença.

Na teoria do signo, a língua é a primeira e a fala é derivada, a língua como sistema de signos é a detentora do sentido, ao passo que a fala, considerada como a prática dessa estrutura, recebe o sentido da primeira. [...] Mas na teoria do discurso o sentido não depende apenas dos signos e das relações entre estes, mas também dos elementos extralinguísticos. Podemos dizer, como Benveniste, que o sentido não se encontra apenas naquilo que é enunciado, mas também no próprio ato de enunciação. No acontecimento performático da fala. [...] Na passagem de uma teoria do signo para uma teoria do discurso, o ritmo deixou de ser um elemento da forma - entendida como combinatória de signos, assimilada, assim, à métrica - e passou a ser entendido como forma do sentido que flui no discurso, do qual os signos são apenas um elemento. A fala deixou de ser o emprego dos elementos da língua, e passou a ser entendida como atividade criadora dos sujeitos. [...] ao considerar a enunciação um ato de produção de sentido, faz-se dela um acontecimento ethopoietico, ou seja, um ato de criação de linguagem e de mundo (López, 2011LÓPEZ, Maximiliano Valério. O corpo inaudito: para uma poética do discurso em educação. In: PASSOS, Mailsa C. P.; PEREIRA, Rita M. R. (Org.). Educação Experiência Estética. Rio de Janeiro: Nau, 2011. P. 53-70., p. 56-57).

O movimento da linguagem iniciado pelo ouvir e pelo escutar vem ao mundo e inaugura novos mundos na e pela voz. A voz, em discurso, torna-se presença com sentido, foge à representação, pois carrega “o peso, o calor, o volume real do corpo, do qual a voz é apenas expansão” (Zumthor, 2007ZUMTHOR, Paul. Performance, Recepção, Leitura. São Paulo: Cosac Naify , 2007., p. 16) ou significação “como um caso eminente da intencionalidade corporal” (Merleau-Ponty, 1991MERLEAU-PONTY, Maurice. Signos. São Paulo: Martins Fontes, 1991., p. 94). No movimento linguageiro, a fala emerge como ato carregado de sentidos em potência de constituição intersubjetiva. A voz, em sua manifestação performática, no ato do discurso, é constituidora de linguagem. Essa relação pode ser dimensionada ao que o ator realiza no ato da interpretação vocal, pois é uma voz que produz sentidos. É uma voz em presença com potência poética de uma semântica capaz de nos situar na coexistência, na qual “[...] o corpo dá a medida e as dimensões do mundo, [...]. É por isto que o texto poético significa o mundo. É pelo corpo que o sentido é aí percebido” (Zumthor, 2007, p. 77-78). A voz é capaz de criar novos sentidos, constituintes de outras possibilidades de significar o mundo na experiência poética de produzir linguagem. Para Spritzer (2005SPRITZER, Mirna. O corpo tornado Voz: a experiência pedagógica da peça radiofônica. 2005. 191 f. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005., p. 30), “[...] a experiência da oralidade é uma vivência corporal e sensível para aquele que diz e para aquele que ouve”. A voz atua em presença por sua oralidade, numa relação intersubjetiva que tece sentidos e significações outras entre o que comunica e o que ouve, e possivelmente escuta.

Não se pode imaginar uma língua que fosse unicamente escrita. A escrita se constitui numa língua segunda, os signos gráficos remetem, mais ou menos, indiretamente a palavras vivas. A língua é mediatizada, levada pela voz. Mas a voz ultrapassa a língua, é mais ampla do que ela, é mais rica. [...] a voz, utilizando a linguagem para dizer alguma coisa, se diz a si própria, se coloca como uma presença. Cada um de nós pode fazer a experiência do fato de que a voz, independente daquilo que ela diz, propicia um gozo (Zumthor, 2005ZUMTHOR, Paul. Escritura e Nomadismo. Cotia: Ateliê Editorial, 2005., p. 63).

A voz pode variar na força (intensidade), no tempo (velocidade), no volume (altura), no timbre que é pessoal. Essa variação permite a percepção de que a oralidade é passível de produção de sentidos que vão muito além da gramática. Na escrita, o signo permanece o mesmo. Porém, a emergência da voz torna possível modificar sentidos e significados em muitas possibilidades de linguagem. Para Spritzer (2005SPRITZER, Mirna. O corpo tornado Voz: a experiência pedagógica da peça radiofônica. 2005. 191 f. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005., p. 22), há “[...] momentos em que a voz é a senhora da ação, ou seja, onde a voz não é um elemento a mais no todo [...] mas sim a protagonista”. Uma mesma palavra pode ser dita por inúmeras nuances e com significados e sentidos distintos, fazendo, dessa forma, que o próprio signo seja passível de mobilidade. Para Merleau-Ponty (1991, p. 95), “[...] a significação anima a palavra, como o mundo anima meu corpo: por uma surda presença que desperta minhas intenções sem se mostrar abertamente diante delas”.

A voz é cênica e sua extrema grandeza está em pertencer ao universo sonoro em suas inúmeras possibilidades de significação a partir da modulação vocal. Voz é corpo. Corpo para a ação narrativa e para o exercício da interpretação. Zumthor (2010ZUMTHOR, Paul. Introdução à Poesia Oral. Belo Horizonte: Editora UFMG , 2010., p. 178), ao destacar que “a escuta, do mesmo modo que a voz, ultrapassa a palavra”, contribui para pensarmos a complexa constituição do devir humano em linguagem. Especialmente se consideramos a profunda importância educacional nos modos como podemos constituir significações a partir da audição, da presença do ouvir a voz, do ponto de vista da escuta e da intersubjetividade inerente a esse processo.

Isso faz pensar a infância. Infância aqui não como determinação de um estado temporal, fase ou etapa cronológica de vida, mas como potência7 7 Em Agamben (2006, p. 20), estamos destinados à potência “[...] e abandonados a ela, no sentido de que todo o seu poder de agir é constitutivamente um poder de não agir e todo o seu conhecer, um poder de não conhecer”. Em ambos, a potência é a mesma. “O homem é o animal que pode a própria impotência. A grandeza de sua potência se mede pelo abismo de sua impotência” (Agamben, 2008, p. 294). de mover-se e de expor-se à experiência de linguagem (Agamben, 2005AGAMBEN, Giorgio. Infância e História. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005.). Implica compreender, com Agamben (2005), a experiência de infância como devir linguageiro de um ser ex-posto à linguagem de outros, portanto, como fragilidade contingente de uma dependência indeterminável. Infância como um estado sem linguagem, como experiência de receber ou conquistar, e nesse movimento constituir-se em linguagem. Como movimento circular, tão histórico quanto historizante, do qual a experiência de infância emerge como experiência temporal de adentrar na linguagem, a qual só pode se consumar na e pela linguagem.

Zumthor (2007ZUMTHOR, Paul. Performance, Recepção, Leitura. São Paulo: Cosac Naify , 2007.) aborda o fenômeno da voz no seio das culturas para destacar que a constituição em linguagem dos devires humanos está relacionada ao local onde nascemos, aos costumes, às crenças, ritos, à geografia e às paisagens sonoras referentes às situações expressas em língua materna. É na língua materna, com ela, que nos situamos no mundo. Para Bárcena e Mèlich (2000BÁRCENA, Fernando; MÈLICH, Juan Carles. La Educaciòn como Acontecimiento Ético: natalid, narración y hospitalidad. Barcelona: Ediciones Paidós Ibérica, 2000., p. 111), o devir humano apreende signos em seu entorno familiar,

[...] um universo simbólico que lhe é transmitido através das histórias que lhe contam e nas que se educa e forma seu eu (se constitui). Este universo lhe é proporcionado sobretudo através da língua materna, a qual permite organizar e dar sentido ao seu mundo.

A língua materna representa toda expressão vocalizada de uma cultura. Características culturais se moldam no corpo pensante organizando e criando sentidos de mundo e no mundo. Manter-se em silêncio ou pronunciar uma palavra nunca são gestos indiferentes ou neutros. A voz está entre a presença do ouvir e os sentidos a escutar que não são apenas significações dadas. Para López (2011LÓPEZ, Maximiliano Valério. O corpo inaudito: para uma poética do discurso em educação. In: PASSOS, Mailsa C. P.; PEREIRA, Rita M. R. (Org.). Educação Experiência Estética. Rio de Janeiro: Nau, 2011. P. 53-70., p. 61), “[...] a voz pertence à relação e não aos indivíduos, e ao modo como essa relação se determina num momento e num ambiente particulares”. Entre o que ouço e escuto há movimento de sentidos. “O sentido de uma frase não está somente no conteúdo semântico das palavras, mas se desdobra como uma forma fluente através do ritmo” (López, 2011, p. 61). O ritmo e a voz, bem como a linguagem, estão entre, em relação, nos encontros. Por isso implicam considerar a historicidade dos encontros, sempre tecidos culturalmente, sempre inscritos em uma temporalidade. São meios e são fins, mas também começos que não se limitam. Como afirma Zumthor (2007ZUMTHOR, Paul. Performance, Recepção, Leitura. São Paulo: Cosac Naify , 2007., p. 86), “dizendo qualquer coisa, a voz se diz”.

Uma concepção de infância delineada pelo pensamento pedagógico pautado em posições previamente definidas, bem determinadas como (im)posição individualizada do ainda-não, do ainda-não-sabe ou ainda-não-pode, permite interrogar se o mundo efetivamente oferece entradas de acesso passíveis de serem predeterminadas, a partir de conhecimentos estabilizados pelo entendimento lógico. Conhecimentos sustentados pela concepção de criança ou de aluno como aquele que não pode crescer ou aprender sem explicações, sem um ambiente escolar estimulante, isto é, sem ensino do que é ou seria o conhecimento de um mundo já dado.

Historicamente habitamos uma cultura erguida a partir da exclusão dos sentidos, ou seja, a partir da exclusividade da visão. Exclusão ou exclusividade que engendra a consagração do método, da racionalidade científica, de um saber cumulativo que eleva o conhecimento, a análise ou a explicação como único caminho para o ensino e a educação. Por mais distintos e particulares que sejam esses caminhos, todos impõem um prévio ponto de chegada. Como sublinha Michel Serres (2001SERRES, Michel. Os Cinco Sentidos. Filosofia dos corpos misturados. 1. ed. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 2001. , p. 21), ao abordar o privilégio da visão e a exclusão do corpo que sente nas concepções de conhecimento, abstrair “significa menos sair do corpo do que o partir em pedaços: análise”.

Muitos filósofos destacam o privilégio da visão em detrimento dos demais sentidos, e a consequente parcialidade na cognição e nas teorias do conhecimento, em suas críticas a uma metafísica centrada no distanciamento do registro óptico, a qual mantém a racionalidade instrumental da modernidade ocidental. Entre eles, Merleau-Ponty (1996MERLEAU-PONTY, Maurice. Sens et Non-Sens. Paris: Éditions Gallimard, 1996. ; 2014MERLEAU-PONTY, Maurice. O Visível e o Invisível. Prefácio e posfácio de Claude Lefort. Tradução José Artur Gianotti e Armando Mora d’Oliveira. São Paulo: Perspectiva, 2014.) é contundente em sua crítica incessante ao olho cartesiano do espectador descarnado ao propor uma relação de coexistência entre corpo e mundo (intersubjetividade ou intercorporalidade). O filósofo enfatiza a simultaneidade e interação dos sentidos ao escrever que “[...] a minha percepção não é uma soma de dados visuais, táteis, auditivos, eu percebo de maneira indivisa com todo meu ser, eu apreendo uma estrutura única da coisa, uma única maneira de existir que fala de uma só vez a todos os meus sentidos” (Merleau-Ponty, 1996, p. 63).

O desafio está em enfrentar a hegemonia de uma tradição educacional sustentada no conhecimento e orientada ao conhecimento como acesso ao mundo em detrimento de outra tradição, à sua sombra ou margem, intermitente. Outra tradição, a que prioriza a atenção educativa ao modo como ocorrem os encontros e as interações no mundo comum, não como comunicação ou mobilidade, mas como espaço público no qual se está “junto com” - nem “pró” nem “contra” - mas no “estar junto” (Arendt, 2014ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 12. ed. rev. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014., p. 223). No estar exposto às coisas e estar expostos uns aos outros que exige de todos, na imprevisibilidade do agir e na singularidade dos corpos, ação e linguagem.

Aqui, nos deparamos com a fecunda permanência da força criadora e inventiva da linguagem como intencionalidade do corpo que percebe sentidos pela atenção estésica às qualidades da vida, capaz de forjar brechas linguageiras para animar as coisas mundanas e conferir-lhes existência poética pela intimidade da experiência que o corpo faz delas e dele mesmo. Uma sabedoria e uma memória do corpo (Zumthor, 2007ZUMTHOR, Paul. Performance, Recepção, Leitura. São Paulo: Cosac Naify , 2007.) capazes de resistir ao primado epistemológico da visão ou do entendimento lógico (Serres, 2004SERRES, Michel. Variações sobre o Corpo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.) como único modo de acessar possibilidades de agir e significar a coexistência no mundo.

Sentidos a Escutar

O menino, ao apontar a chuva e exclamar “óh!”, na suspensão das sonoridades exploradas na brincadeira com o rádio, nos faz considerar não somente a relevância educacional de ser e querer ser afetado pela escuta do mundo - a estesia, tanto pela presença dos ruídos e chiados do rádio, quanto pela presença da sonoridade da chuva - mas também que

[...] em todo dizer (e quero dizer, em todo discurso, em toda cadeia de sentido) há um escutar [entendre], em seu fundo, uma escuta; o que quer dizer: é porventura necessário que o sentido não se restrinja a fazer sentido (ou de ser logos), mas que além disso ressoe (Nancy, 2007NANCY, Jean-Luc. A la Escucha. Buenos Aires: Amorrortu, 2007., p. 18).

Essa ressonância fundante, como “[...] profundidade primeira ou última do próprio ‘sentido’ (ou da verdade)” (Nancy, 2007NANCY, Jean-Luc. A la Escucha. Buenos Aires: Amorrortu, 2007., p. 18), diz respeito ao devir humano. A estreita relação com a ação de ressoar e repercutir nos faz pensar no som e seu silêncio. No que irrompe em presenças ao ouvir e em sentidos a escutar. Faz-nos considerar a relevância da educação do sensível pela sonoridade das vozes que, pela escuta, constituem e reconstituem experiências imagéticas deflagradas pela atenção estésica do corpo ao mundo. Essa atenção ao vivido, desencadeada pela estesia da audição, desafia o pensamento educacional a considerar, com Nancy, que

[...] não é a linguagem, nem o logos em geral, quem faz o sentido, senão o contrário. O sentido neste sentido não é um sentido, não é uma significação, determinada ou indeterminada, acabada ou progressiva, presente ou por conquistar. O sentido é a possibilidade das significações, é o regime de sua apresentação, e é o limite de seus sentidos (Nancy, 2003NANCY, Jean-Luc. El Olvido de la Filosofia. Traducción Pablo Perera Velamazán. Madrid: Arena Libros, 2003., p. 65).

A linguagem, como relação de equilíbrio em movimento, nunca se esgota, nunca se constituirá totalmente. Está no contínuo movimento no qual haverá sempre algo de imprevisível em busca de sentidos por fazer, por ouvir e produzir, por escutar e significar, pois “[...] os modos como escutamos impregnam a existência de possibilidades de sentido” (Ghetti, 2013GHETTI, Paola. Uma filosofia que seja o estremecer de um som: sobre o sentido em Jean-Luc Nancy. outra travessia, Florianópolis, n. 15, p. 147-155, out. 2013. , p. 150).

Por estar no mundo, no entre de inúmeras relações intercorporais (Merleau-Ponty, 1999), sempre haverá algo ao devir humano a acrescentar na espiral de fluxo contínuo, de instantes presentes que intensificam aprendizagens em outros ritmos possíveis, constituindo-se em linguagem pela linguagem. Ouvindo e escutando entre a presença do mundo e os sentidos que compreendemos e transformamos com o outro. Em presença de voz, a qual está no centro desse movimento linguageiro com o mundo.

O que resistimos, neste ensaio, é a generalizada ideia de que, para viver o mundo, antes é necessário aprender a ver para conhecê-lo, que antes de viver é preciso ser ensinado a analisar e teorizar o viver. As crianças nos mostram despudoradamente que não. Mostram-nos que o mundo humano é o mundo do sentido por fazer. Como escreveu o poeta Octávio Paz (2012PAZ, Octávio. O Arco e a Lira. São Paulo: Cosac Naify, 2012., p. 27) “[...] toleramos a ambiguidade, a contradição, a loucura ou o embuste, mas não a carência de sentido. O próprio silêncio é povoado de signos”. Implica compreender com Hannah Arendt (2000ARENDT, Hannah. A Vida do Espírito. O pensar, o querer, o julgar. 4. ed. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2000. , p. 13) que pensar e conhecer se distinguem: pensar diz respeito ao sentido e conhecer à cognição; ou com Nancy (2012NANCY, Jean-Luc. Penseur du corps, des sens et des arts. Télérama, France, 13 jul. 2012. Entrevista concedida a Juliette Cerf. Disponível em: <Disponível em: http://www.telerama.fr/idees/jean-luc-nancy-penseur-du-corps-des-sens-et-des-arts,84213.php > Acesso em: 25 maio 2017.
http://www.telerama.fr/idees/jean-luc-na...
, p. 1), ao conceber que “[...] pensar é se colocar nas extremidades da significação. A significação detém sempre alguma coisa, enquanto o pensamento abre as possibilidades do sentido”. Nesse pêndulo vital entre sentido e significado vamos nos orientando nas contradições do conviver. Talvez educar seja isto, enfrentar as contradições do viver, não para eliminá-las, mas para potencializar escolhas nos modos de agir no mundo comum8 8 O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. .

Referências

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  • 1
    Conforme Nancy (2007, p. 17), para distinguir “sentido sensato” e “sentido sensível”.
  • 2
    Na fenomenologia de Merleau-Ponty (1999, p. 440), podemos “[...] conceber um sujeito sem campo auditivo, mas não um sujeito sem mundo. [...] a ausência do mundo visual e do mundo auditivo não rompe a comunicação com o mundo em geral, há sempre algo diante dele, o ser para decifrar”.
  • 3
    A noção de epifania, em Gumbrecht (2010, p. 140), designa “[...] sobretudo, a sensação, citada e teorizada por Jean-Luc Nancy, de que não conseguimos agarrar os efeitos de presença, de que eles - e, com eles, a simultaneidade da presença e do sentido - são efêmeros”. O autor destaca que o componente de epifania assume, no âmbito da experiência estética, o estatuto de evento a partir de três aspectos. “Em primeiro lugar, nunca sabemos se ou quando ocorrerá uma epifania. Em segundo lugar, quando ocorre, não sabemos que intensidade terá [...]. Finalmente (e acima de tudo), a epifania na experiência estética é um evento, pois se desfaz como surge” (Gumbrecht, 2010, p. 142).
  • 4
    Conforme Jorge Larrosa Bondía (2002LARROSA BONDÍA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, Anped, n. 19, p. 20-28, jan./abr. 2002., p. 20-21) “[...] as palavras produzem sentido, criam realidades [...] As palavras determinam nosso pensamento porque não pensamos com pensamentos, mas com as palavras, não pensamos a partir de uma suposta genialidade ou inteligência, mas a partir de nossas palavras”.
  • 5
    “Temos que encontrar um sentido no devir da linguagem, concebê-lo como um equilíbrio em movimento” (Merleau-Ponty, 1991, p. 92).
  • 6
    Para Morin (2002MORIN, Edgar. O Método 1: a natureza da natureza. Porto Alegre: Sulina, 2002.), emergência é uma qualidade nova em relação aos componentes do sistema, tendo, portanto, além da virtude de acontecimento ao surgir de maneira descontínua, uma vez que o sistema já está constituído, o caráter de irredutibilidade, pois é uma qualidade que não se deixa decompor pela impossibilidade de ser deduzida de elementos anteriores: “[...] mesmo quando se pode prevê-la a partir do conhecimento das condições de seu surgimento, a emergência constitui um salto lógico e abre em nosso entendimento a brecha por onde penetra a irredutibilidade do real” (Morin, 2002, p. 139).
  • 7
    Em Agamben (2006AGAMBEN, Giorgio. A potência do pensamento. Revista do Departamento de Psicologia, Rio de Janeiro, UFF, v. 18, n. 1, p. 11-28, jan./jun. 2006., p. 20), estamos destinados à potência “[...] e abandonados a ela, no sentido de que todo o seu poder de agir é constitutivamente um poder de não agir e todo o seu conhecer, um poder de não conhecer”. Em ambos, a potência é a mesma. “O homem é o animal que pode a própria impotência. A grandeza de sua potência se mede pelo abismo de sua impotência” (Agamben, 2008AGAMBEN, Giorgio. La Potencia del Pensamiento. Ensayos y conferencias. Traducción de Flavia Costa y Edgardo Castro. Barcelona: Editorial Anagrama, 2008., p. 294).
  • 8
    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
  • Este texto inédito também se encontra publicado em inglês neste número do periódico.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    31 Ago 2017
  • Aceito
    06 Mar 2018
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