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Entre a Ilusão e a Teatralidade: Rosalind Krauss, Michael Fried e o Minimalismo

Entre Illusion et Théâtralité: Rosalind Krauss, Michael Fried et Minimalisme

Resumo:

O artigo investiga a questão da teatralidade do Minimalismo a partir das leituras críticas elaboradas por Michael Fried e Rosalind Krauss. Enquanto Krauss, desde o primeiro momento em que reflete sobre obras de Donald Judd e Dan Flavin, evidencia sua contradição fundamental - a presença da ilusão, a despeito de sua rejeição pelos artistas -, Fried atém-se ao pretenso literalismo dessas propostas, denominando-o de teatralidade. No texto, as duas abordagens serão confrontadas, extraindo-se delas os pontos de vista dos autores para a noção de teatralidade.

Palavras-chave:
Minimalismo; Rosalind Krauss; Michael Fried; Crítica de Arte; Teatralidade

Résumé:

Le document examine la question de la théâtralité minimaliste à partir des lectures critiques produites par Michael Fried et Rosalind Krauss. On observe que, si Krauss, dès le premier moment qui reflète sur les travaux de Donald Judd et Dan Flavin, montre sa contradiction fondamentale - la présence de l’illusion, en dépit de son rejet par les artistes - Fried met l’accent sur le littéralisme présumé de ces propositions, baptisant la théâtralité. Dans le texte, les deux approches seront confrontées en les extrayant les vues des auteurs à la notion de théâtralité.

Mots-clés:
Minimalisme; Rosalind Krauss; Michael Fried; Critique d’Art; Théâtralité

Abstract:

The article investigates Minimalism’s theatricality from the standpoint of Michael Fried’s and Rosalind Krauss’ critical readings. On the one hand, Krauss, from the very first moment in which she reflects on the works of Donald Judd and Dan Flavin, evidences their fundamental contradiction: the presence of the illusion, despite its rejection by the artists. On the other hand, Fried focuses on the alleged literalism of those projects, calling them theatricality. In the text, the two approaches will be confronted in order to explore the authors’ different views on the notion of theatricality.

Keywords:
Minimalism; Rosalind Krauss; Michael Fried; Art Criticism; Theatricality

Introdução

Em seus escritos, Michael Fried e Rosalind Krauss analisam contemporaneamente a produção associada à Minimal Art em confronto direto com a ótica greenbergiana. Se até então as perspectivas dos autores confirmavam-se mutuamente em proveito da especificidade do medium, a partir daí elas seguem caminhos distintos. A divergência é ilustrada pelas respectivas abordagens que cada autor realiza do projeto minimalista. Enquanto Krauss, desde o primeiro momento em que reflete sobre obras de Donald Judd e Dan Flavin, evidencia sua contradição fundamental - a presença da ilusão, a despeito de sua rejeição pelos artistas -, Fried atém-se ao pretenso literalismo de tais propostas, denominando-o de teatralidade. Nos parágrafos a seguir, as duas abordagens serão confrontadas, extraindo-se delas os pontos de vista dos autores para a noção de teatralidade.

Rosalind Krauss e a Ilusão Minimalista

Allusion and Illusion in Donald Judd é um dos primeiros ensaios publicados por Krauss na Artforum, em maio de 1966. O título impõe de imediato o seu viés analítico, mediante o qual a autora observa a inadequação entre os argumentos teóricos de Judd - que decretam uma ausência de alusão e de ilusão em favor da materialidade do objeto - e as suas obras. Identificada como um simples objeto, a obra de arte não mais faria referência a nada que escapasse de sua concretude visível: não aludiria a nada que lhe é externo, muito menos produziria quaisquer tipos de efeitos ilusórios.

Para Judd, suas obras “[...] ao invés de induzirem à idealização e à generalização, e serem alusivas, elas as excluem. O trabalho afirma sua própria existência, forma e poder. Ele se torna um objeto por direito próprio” (Judd apud Krauss, 2010KRAUSS, Rosalind. Perpetual Inventory. Cambridge, Massachusetts: MIT Press, 2010., p. 91)1 1 As traduções das citações são do autor do artigo. Alguns termos - em especial, medium e shape - foram mantidos na língua inglesa, por indicarem conceitos específicos utilizados por Krauss e Fried que não seriam adequadamente traduzidos por palavras como meio e forma. . Mas, para Krauss, essas obras exploram determinadas premissas visuais com o intuito direto de questioná-las. Sendo assim, esses objetos específicos, em toda sua materialidade, supõem premissas geométricas e arquitetônicas, confundindo-as: as obras deixam de confirmar teoremas matemáticos preestabelecidos. Há um efeito ilusório nas obras minimalistas, visto que aquilo que à primeira vista é tomado como uma verdade perceptiva, em uma nova apreensão visual será negado.

Krauss oferece dois exemplos, ambos partindo de uma obra representante da série Progressions (1965), formada por duas barras horizontais justapostas e presas na parede, que diferem entre si por dois aspectos: a cor e os espaços vazios que particionam a barra inferior em dez pedaços espaçados ao longo da viga contínua superior. Os vãos e os fragmentos que compõem o elemento inferior estruturam-se a partir de sequências numéricas - uma estratégia estrutural bastante recorrente nas séries de séries de Judd2 2 Judd utiliza progressões geométricas, formadas por uma sequência numérica na qual o número seguinte é obtido a partir da multiplicação do número precedente por uma razão fixa (exemplo: 1, 2, 4, 8, 16); progressões aritméticas, nas quais o número seguinte é obtido a partir da soma do número precedente por uma razão fixa (exemplo: 1, 4, 7, 10, 13); séries harmônicas alternadas (1, -1/2, 1/3, -1/4), cuja soma é considerada o ln 2, havendo portanto um ponto convergente; e, ainda, a Sequência de Fibonacci, formada por uma sequência de números inteiros (geralmente iniciando-se com 0 ou 1), em que cada termo subsequente corresponde à soma dos dois precedentes. A Sequência de Fibonacci, conhecida desde a Antiguidade, surge em configurações biológicas, como nas conchas espiraladas dos náutilos, nas folhas distribuídas em uma haste ou no caule de determinadas plantas, ou ainda em arranjos de cones de alcachofras, bromélias e abacaxis. Cabe ressaltar ainda que a taxa de crescimento dessa sequência tende à razão áurea, recorrente nas pinturas renascentistas. - de modo que simples fórmulas matemáticas são traduzidas em volumes visualmente complexos, resultando daí diversas possibilidades espaciais baseadas nas relações entre comprimento e proporção.

A vista frontal de uma Progression lança a hipótese de os fragmentos estarem presos na raia metálica acima, conjectura logo refutada quando se substitui a visão frontal pela lateral: a barra superior é oca e a raia inferior possui um formato em L, apoiando, com isso, a primeira. Nessa posição oblíqua, nota-se também uma alusão da obra ao sistema projetivo da perspectiva, visto que os intervalos da obra de Judd, estruturados a partir de séries matemáticas, referem-se ao espaço geométrico regular sem, todavia, o confirmarem. Sendo assim, as variações de tamanho entre cada segmento impõem um curto-circuito visual ao espaço monocular.

Com isso, haveria tanto ilusão quanto alusão nas esculturas de Judd: a literalidade das obras apresenta pistas visuais falsas, na medida em que os objetos, estruturados por séries matemáticas, não confirmam princípios geométricos universais. “O trabalho”, afirma Krauss, “joga com a qualidade ilusória da própria coisa conforme esta se apresenta unicamente à visão” (Krauss, 2010, p. 98). Se assim é, as criações de Judd não prescindem da experiência. Ao contrário: dirigem-se à percepção imediata a fim de que sejam relativizadas determinadas premissas visuais absolutas, isto é, as obras não confirmam informações precedentes, mas as questionam: “[...] o próprio trabalho explora e confunde o conhecimento prévio, projetando seu próprio significado” (Krauss, 2010, p. 97). Não são objetos do conhecimento, coisas transparentes a uma visão onisciente que as circunscreve, mas objetos da percepção, uma vez que põem à prova da experiência verdades previamente estabelecidas.

Por tudo isso, a obra de Judd - seguindo a lógica historiográfica proposta por Clement Greenberg e Michael Fried, a qual professa o necessário enfrentamento crítico do artista em relação à tradição que o antecede - estabelece um contraponto àquela desenvolvida pelo escultor David Smith. A tese de Krauss é que algumas possibilidades escultóricas não realizadas em Smith chegariam a termo nas criações de Judd. Em Cubi, uma de suas últimas séries, Smith apropria-se da moldura pictórica no intuito de produzir esculturas cursivas que oferecem uma sensação óptica pura, desviando-se da valorização dos aspectos escultóricos tradicionais, em especial a massa e o volume. Entretanto, ainda nesses trabalhos, que para Robert Morris (1968MORRIS, Robert. Notes on Sculpture. In: BATTCOCK, Gregory (Ed.). Minimal Art - A Critical Anthology . New York: E.P. Dutton , 1968. P. 222-235., p. 225) são “um dos poucos a enfrentar as superfícies escultóricas em termos de luz”, o escultor utiliza um princípio construtivo compositivo, relacionando as partes a fim de compor um todo. Judd, por sua vez, alude aos princípios construtivos somente para problematizá-los. Assim, suas obras envolvem o espectador em uma experiência “[...] que é, por um lado, mais ilusória do que uma pintura de cavalete convencional ou uma forma escultural coesa e, por outro lado, mais imediata do que as duas” (Krauss, 2010, p. 100). Por endereçarem unicamente à visão, reforçando o caráter anti-idealista da percepção visual, as esculturas de Judd se relacionam criticamente com a obra de David Smith, tendo o artista minimalista sobrepujado algumas limitações expressivas de seu predecessor, em especial a superação da ilusão pictórica rumo a uma ilusão viva, puramente óptica.

Nesse que é um de seus primeiros ensaios, Krauss já faz uso do par opositivo, conhecimento versus percepção, para analisar a obra de Judd. Essa dicotomia é fundamental para se compreender a distinção entre a produção escultórica europeia daquela surgida nos Estados Unidos. Associado a isso, encontra-se também o binômio táctil-visual, que parte de uma apropriação de Alois Riegl por Greenberg e que será explorado recorrentemente tanto por Fried quanto por Krauss. A associação entre os dois pares se dá na medida em que a visão onisciente que pressupõe um objeto do conhecimento está vinculada à posse táctil deste mesmo objeto. Por outro lado, um objeto da percepção oferece-se em toda sua visualidade, requerendo uma boa dose de experiência para ser apreendido. Além disso, seguindo a narrativa greenbergiana, Krauss trata de inserir Donald Judd na mesma tradição escultórica de David Smith, notadamente estadunidense e modernista. Destarte, o interesse de Rosalind Krauss pelo medium escultórico se manifesta logo em 1966, podendo o ensaio comprovar a extensão de sua preocupação com os rumos da escultura moderna.

Em 1971, Krauss reitera sua desconfiança quanto ao Minimalismo, entrevendo um idealismo na pretensa literalidade das obras de Donald Judd e Robert Morris. Referindo-se aos trabalhos destes dois artistas como esculturas literalistas (ressoando aqui a denominação de Fried), Krauss (1971, p. 70) questiona a necessária copresença entre a obra e o espectador:

Os movimentos empreendidos por Morris e Judd ainda estão localizados no âmbito do ilusionismo, visto que é exatamente esta problemática que eles querem superar. E é por isso que eu sinto que estas obras são ilusionistas e, em última instância, idealistas que elas suscitam continuamente questões.

Sem se referir pontualmente a nenhum trabalho de Judd, Krauss postula que sua obra oferece experiências perceptivas submetidas ao reconhecimento cognitivo, havendo aí uma submissão da primeira esfera à segunda. Ao analisar as Mirrored Boxes (1965-71) de Robert Morris, Krauss questiona também a presença dos cubos que constituem o trabalho. Por mais que elas dissolvam a própria aparência formal em função dos reflexos do espaço circundante, o reconhecimento das formas cúbicas ainda está associado a um racionalismo idealista que tensiona, por sua vez, a copresença demandada pela obra literalista:

Esta noção de uma apreensão tridimensional através de uma intuição da reciprocidade interna ou interdependência de suas superfícies é simbolizada para nós na refletividade mútua que ocorre no espaço real entre os quatro cubos. Morris pode falar sobre Gestalts, mas sua escultura deste período se depara com uma espécie de idealismo hard-edged (Krauss, 1971KRAUSS, Rosalind. Problems of criticism: Pictorial Space and the question of documentary. Artforum , New York, v. X, n. 5, Nov. 1971., p. 70).

Originalmente, o termo hard-edged foi concebido por Jules Langsner em 1959 por ocasião da exposição Four Abstract Classicists, tendo sido utilizado também em referência às obras minimalistas antes mesmo de seu batismo poucos anos depois por Richard Wolheim. Ao utilizá-lo para descrever as Mirrored Boxes, Krauss implicitamente vincula a obra a este conjunto de pinturas abstratas estadunidenses, pautado por formas geométricas circunscritas por contornos precisos. De fato, tal aproximação ressalta o caráter pictórico (traduzido por alguns aspectos, em especial, a economia formal, a plenitude cromática e o asseio das superfícies) da obra minimalista, e endossa seu posicionamento crítico, encontrado também em suas considerações sobre os trabalhos de Robert Irwin e Dan Flavin.

A tensão entre uma ilusão táctil e uma ilusão óptica fundamenta também as considerações de Krauss a respeito das obras de Irwin e Flavin. Se a autora nota um conflito na obra de Judd entre o caráter imediato da experiência proposta por suas Progressions, sem haver aí uma diminuição de sua componente ilusória, as obras de Irwin e Flavin, por sua vez, ainda conservam resquícios pictóricos tradicionais ao oferecerem ilusões estáveis. Tal distinção entre os tipos de ilusão propostos pelos artistas minimalistas é de fundamental importância, pois, caso não se tenha em mente as naturezas distintas de ilusão entre as obras respectivas de Judd e Flavin, por exemplo, pode-se equivocadamente assumir que o ilusionismo em Judd seria aquele atrelado ao idealismo racionalista em seu desejo de apreender globalmente os objetos. No caso de Judd, porém, há apenas ilusão e alusão por uma via negativa. Ainda assim, deve-se registrar aqui o fato de Krauss não defender a poética do artista, mesmo interpretando-a do ponto de vista fenomenológico. O que a ensaísta faz é identificar na obra de Donald Judd um certo pictorialismo3 3 Ao vincular Albers a Judd, Yve-Alain Bois também endereça tal pictorialismo: “A posição de Judd é clara e perfeitamente congruente com seu declarado empirismo: mesmo que a estrutura seja idêntica, nenhuma das suas pilhas, nenhuma das obras relacionadas à peça de Wallraf-Richartz, nenhuma das progressões do mural, nenhum trabalho é o mesmo que outro. É exatamente como a Homage to the Square de Albers, um pintor com quem Judd, ao basear grande parte de seu trabalho na brecha potencial entre uma forma ou cor ‘factual’ e sua percepção ‘real’ (como coloca Albers), desde cedo sentiu certa afinidade eletiva” (Bois, 1991, p. 11). De fato, a relação entre Judd e Albers é confirmada pelos escritos do primeiro sobre o segundo. Como crítico de arte, Judd escreveu reviews publicadas na Arts Magazine sobre as mostras de Albers em 1959, em 1963 e em 1964. Por fim, em um ensaio-homenagem para uma exposição de Albers em 1991, na Chinati Foundation, confrontando o que ele denomina de know-nothingism (algo como um nada-saberismo) da crítica de arte (Clement Greenberg e Hilton Kramer incluídos), Judd se esforça por reabilitar o mestre valorizando sua preocupação geométrico-cromática e seu vínculo com a Bauhaus (Judd, 2006). , não havendo uma mudança em seu ponto de vista ao longo das décadas, como comprova o seu comentário contundente realizado em uma mesa-redonda entre os editores da October:

Nunca havia me ocorrido que Flavin e Judd eram pintores. No entanto, agora percebo, que não só eles começaram como pintores, mas que continuaram como tais. Mesmo que Judd seja o autor de um famoso ensaio argumentando que a pintura deve perder suas dimensões virtuais para se tornar um ‘objeto específico’, ele continua a ser um pintor - totalmente envolvido com questões da ilusão [...] Flavin também, com seu uso recorrente de molduras feitas de acessórios fluorescentes dispostas nos cantos das salas, suas luzes direcionadas para dentro das paredes convergentes. Não apenas isso gera uma incrível sensação de virtualidade, mas também essas ressonâncias arquitetônicas transformadas e assimiladas à tridimensionalidade brilham com conotações trinitárias. E, nesse horizonte retrospectivamente formado, o termo ‘academicismo’ é focalizado, pois acho que há algo profundamente acadêmico na prática de Flavin ou de Judd, algo que não é compartilhado por outros minimalistas (Buchloh et al., 2013BUCHLOH, Benjamin et al. The Reception of the Sixties. In: BRYAN-WILSON, Julia (Ed.). October Files 15: Robert Morris. Cambridge, Massachusetts: The MIT Press, 2013. P. 111-136., p. 120-121).

O longo intervalo entre as primeiras análises das obras de Flavin e Judd e o debate entre os editores da October não fez com que Krauss mudasse de opinião a respeito desses artistas. Elegendo como lema o pictórico engendra o acadêmico, ela observa na ilusão minimalista uma persistência dos valores pictóricos tradicionais, em especial a ênfase na autonomia da obra de arte e também a cisão entre o espaço interno da obra do campo de ação do observador. A este respeito, em uma review publicada em dezembro de 1969, a crítica afirma que Robert Irwin não possui uma consciência crítica do efeito ilusório promovido pelos seus trabalhos, pois,

Irwin [...] continua a considerar o relacionamento da imagem com a parede como aquele que automaticamente garante ilusão. Portanto, embora seu trabalho já não seja fisicamente enquadrado nem portátil no sentido convencional, ele se situa confortavelmente dentro da noção tradicional da pintura de cavalete (Krauss, 1969bKRAUSS, Rosalind. Review New York: Ronald Davis (Leo Castelli Gallery); Robert Irwin (Pace Gallery); John Griefen (Kornblee Gallery). Artforum , New York, v. VIII, n. 4, Dec. 1969b., p. 69).

No caso de Dan Flavin, Krauss observa em janeiro do mesmo ano:

Do modo que Flavin o utiliza, o tubo fluorescente é claramente um dispositivo gráfico. Ele possui a densidade figurativa de uma linha e a ambiguidade inerente à sua posição no espaço. O tubo pode construir imagens cujos interiores são qualitativamente diferentes do espaço fora delas; ele pode diferenciar ou dividir o espaço ao longo de uma superfície frontal ou em profundidade. Em suma, ele pode produzir ilusões estáveis, quando os cantos dos quartos são erradicados por uma iluminação uniforme ou distorcidos por sombras contraditórias. [...] A modelagem é tão importante para Flavin como sempre foi no desenho tradicional - pois é o valor cambiante da difusão luminosa que produz os efeitos das imagens de Flavin (Krauss, 1969aKRAUSS, Rosalind. Review New York: Anthony Caro (Andre Emmerich Gallery); Dan Flavin (Dwan Gallery); Larry Poons (Leo Castelli Gallery). Artforum , New York, v. VII, n. 5, Jan. 1969a., p. 53-54).

A consideração gráfica dos tubos fluorescentes utilizados por Flavin faz com que a ensaísta constate, de modo semelhante ao seu posicionamento para a exposição de Irwin, o pictorialismo de sua obra4 4 Mel Bochner, em seu ensaio Serial Art, Systems, Solipsism, também nota o pictoralismo de Dan Flavin: “Um dos artistas que fez basicamente uso de um procedimento progressivo foi Dan Flavin. [...] Embora a sua colocação de lâmpadas fluorescentes paralelas e adjacentes umas às outras em números ou tamanhos variados seja ‘plana’ e óbvia, os resultados são qualquer coisa menos isso. São justamente esses efeitos ‘brilhantes’ que confundem e compõem as dificuldades” (Bochner, 1968, p. 99). . Sendo assim, seus projetos têm como substrato comum a investigação do elemento linear e sua capacidade de reproduzir as condições visuais. Vinculada ao ilusionismo táctil, a obra de Flavin produz então a ilusão de profundidade e sua inacessibilidade física, simultaneamente. A inacessibilidade física do espaço tridimensional está associada ao fato de suas esculturas estarem estruturadas em torno de eixos e núcleos: os tubos fluorescentes. As lâmpadas frias funcionam como espinhas dorsais que tratam de ocultar a medula do trabalho, estando a obra de Flavin associada à tradição escultórica do século XIX e ao mistério correspondente da criação formal. Esse vínculo é também comentado por Hal Foster décadas mais tarde, sendo ele um prelúdio das propostas recentes reunidas sob o epíteto Light Art, na medida em que submete o espaço físico ao ilusionismo luminoso. O minimalismo de Flavin seria, pois, mais site erosive do que site specific, visto que a ilusão, antes de ser negada pelos objetos literais, expande-se para todo o espaço circundante (Foster, 2005FOSTER, Hal. Six Paragraphs on Dan Flavin. Artforum, New York, v. 43, n. 6, Feb. 2005. )5 5 Para Foster, a poética de Dan Flavin, apesar de estar inserida no movimento de Judd e Andre, não representa por completo um objeto específico, mas um fenômeno específico. Eis a catástrofe do Minimalismo, também referida por Krauss (1990) em The Cultural Logic of the Late Capitalist Museum, na medida em que a segunda linha do Minimalismo se torna dominante com os trabalhos, por exemplo, de Olafur Eliasson, James Turrel e os demais artistas da Light Art. .

A Teatralidade Minimalista

Em seus late writings, Clement Greenberg atualiza a dicotomia entre a arte e o kitsch criada por ele algumas décadas antes a partir de uma redefinição do academicismo, rebatizado em meados da década de 1960 como avant-gardism: é neste polo onde o autor localiza o Minimalismo. Seguindo tal atualização, Michael Fried também propõe uma revisão da oposição, estabelecendo um antagonismo entre a arte modernista e aquilo que o autor denomina de objecthood (objetualidade), ou teatralidade. O antagonismo proposto por Fried deve ser lido então como uma diferença entre uma obra de arte e um objeto comum, fundada na capacidade que a primeira possuiria de suscitar convicção. Tal habilidade da obra de arte está relacionada intimamente com sua shape, conforme o autor explicita em Art and Objecthood:

O que está em jogo neste conflito é se as pinturas ou objetos em questão são experimentados como pinturas ou como objetos, e o que determina sua identidade como pintura é seu confronto com esta demanda por meio de suas shapes. Caso contrário, elas são experienciadas como nada mais do que objetos. Isso pode ser resumido dizendo-se que a pintura modernista tornou imperativa a suspensão de sua própria objetualidade, e o fator crucial desta empreitada é sua shape, mas a shape pertencente à pintura - ela deve ser pictórica, não, ou não meramente, literal. Já a arte literal aposta tudo na shape enquanto propriedade dada dos objetos, se não uma espécie de objeto por direito próprio. Ela aspira a não derrotar ou suspender a sua própria objetualidade, mas, ao contrário disso, descobrir e projetar a objetualidade enquanto tal (Fried, 1998FRIED, Michael. Art and Objecthood. Chicago: University of Chicago Press, 1998., p. 151).

Em Art and Objecthood, Fried retoma a discussão iniciada em Shape as Form: Frank Stella’s Irregular Polygons, formulando uma tentativa de solucionar o impasse modernista do fim literalista, uma vez que, levada às últimas consequências, a lógica greenbergiana de valorização dos aspectos físicos da pintura deságua, por fim, no Minimalismo, sendo a própria pintura um obstáculo a sua plena conquista. Sendo assim, antes de serem filhos bastardos de Clement Greenberg, os minimalistas seriam seus filhos legítimos, na medida em que realizam por completo sua proposta reducionista, conforme propõe também Georges Didi-Huberman:

Percebe-se, ao ler esse texto de Judd [‘Specific Objects’], a impressão estranha de um déjà-vu que teria se voltado contra ele mesmo: uma familiaridade trabalhando em sua própria negação. Esse, com efeito, é o argumento modernista por excelência, o da especificidade - alegada em pintura na renúncia à ilusão da terceira dimensão -, que retorna aqui para condenar à morte essa pintura mesma enquanto prática destinada, seja esta qual for, a um ilusionismo que define sua essência e sua história passada. Donald Judd radicaliza assim a exigência de especificidade - ou ‘literalidade do espaço’, como ele diz (literal space) - a ponto de ver nos quadros de Rothko um ilusionismo espacial ‘quase tridimensional’ (Didi-Huberman, 1998DIDI-HUBERMAN, Georges. O Que Vemos, O Que Nos Olha. São Paulo: Ed. 34, 1998., p. 53).

A solução desse impasse é desenvolvida pela investigação da “viabilidade da shape enquanto tal”, havendo aqui uma abordagem da shape como medium, proposição que Fried busca da discussão proposta pelo filósofo Stanley Cavell. Sua abordagem questiona a valorização dos aspectos físicos e concretos que fundam o vocabulário básico minimalista (constituído por unidades geométricas simples, geralmente ordenadas serialmente; e por materiais industriais não tradicionais, tais como compensado, alumínio, fórmica, acrílico, aço inoxidável, entre outros). Frente a isso, o autor investiga a qualidade pictórica da shape, elegendo a obra de Frank Stella como caso paradigmático, visto que o artista teria tangenciado a literalidade em suas black paintings (analisadas por Fried a partir da lógica dedutiva), tendo retornado em seguida ao âmbito das preocupações estritamente pictóricas em uma trajetória que substituiu uma relação de submissão entre a depicted shape (a shape representada) e a literal shape (a shape literal) por outra de continuidade. Resulta daí a suspensão de sua objecthood (objetualidade), isto é, “a condição de não-arte” (Fried, 1998, p. 152).

O foco de “Art and Objecthood” - o testamento do formalismo modernista, segundo Hal Foster (1996FOSTER, Hal. The Return of the Real. Cambridge, Massachusetts: MIT Press, 1996. , p. 52) - é a relação entre a obra de arte e o seu observador. Contudo, é curioso que grande parte da argumentação se baseie primordialmente nas leituras6 6 Tal consideração questiona a própria argumentação de Fried de que seu ensaio baseia-se não apenas nos textos, mas também nas experiências minimalistas. De acordo com o autor, a questão da teatralidade provém de sua “[...] experiência com as obras e exposições literalistas durante os anos precedentes, em particular a minha impressão recorrente, especialmente em mostras dedicadas a um ou outro artista, da eficácia singular do literalismo enquanto mise-en-scène (Morris e Carl Andre eram mestres disso)” (Fried, 1998, p. 40). dos textos minimalistas. Visto que esses escritos norteiam tanto as considerações de Fried quanto as de Krauss, retomemos suas linhas gerais.

A Doxa Minimalista

Notes on Sculpture parte de um questionamento de Robert Morris em relação ao ofuscamento da prática escultórica frente à pintura modernista. Constata-se que o artista não se opõe à argumentação de Greenberg e Fried, mas reconhece o movimento gradual de valorização dos elementos pictóricos literais, a exemplo da estrutura dedutiva desenvolvida pelo autor de Three American Painters. Trata-se de um “longo diálogo com o limite” (Morris, 1968, p. 223), no qual os elementos estruturais da pintura são paulatinamente enfatizados. Causa especial surpresa o fato de a reflexão de Morris em favor da escultura se basear na lógica greenbergiana de separação das artes. “Deve haver certamente uma sensibilidade transversal às artes desta época”, pontua Morris, “ainda que as histórias e os problemas de cada uma indiquem envolvimentos em preocupações muito distintas” (Morris, 1968, p. 223). Quanto a isso, o artista retoma a dicotomia táctil-óptica para afirmar a distinção entre a escultura e a pintura: “Distinções mais claras entre a natureza essencialmente táctil da escultura e as sensibilidades ópticas envolvidas na pintura precisam ser feitas” (Morris, 1968, p. 224).

As distinções passam, naturalmente, pela vocação anti-ilusionista da escultura, que, ao contrário da pintura, sempre esteve atrelada aos fatos concretos e literais concernentes ao espaço, à iluminação e aos materiais. Elaborando uma genealogia que remonta aos escultores russos Vladimir Tatlin e Naum Gabo, o artista defende a autonomia da escultura fundada em uma experiência concreta que descarta quaisquer alusões imagéticas. Para Morris, a situação escultórica não deveria suscitar nenhum tipo de transcendência das condições e das propriedades físicas e materiais da obra, como, por exemplo, o uso da cor nas pinturas de Jules Olitski e Morris Louis, em uma evidente alusão à especificidade greenbergiana e à análise dos pintores realizada por Michael Fried: “Esta transcendência da cor sobre a shape da pintura é mencionada aqui pois demonstra que é a natureza mais ótica, imaterial, incontida e não táctil das cores que é inconsistente com a natureza física da escultura” (Morris, 1968, p. 225).

Se Morris é greenbergiano em sua abordagem da escultura, ele o é em confronto com o próprio Greenberg. Deve-se ter em mente que, em New Sculpture, o crítico propõe uma suspensão de sua compartimentalização das artes. Em vez disso, Greenberg sugere uma ilusão de modalidades, através da qual o medium escultórico, ao se endereçar unicamente à visão por meio de uma visibilidade absoluta, assume as características pictóricas bidimensionais. Morris, ao contrário, revoga a suspensão da especificidade: “Afirmando acima de tudo a especificidade do medium, contestando a natureza derivada de seu direcionamento, ele começou a propor, na forma escultural, os termos de uma renovação” (Michelson, 2013MICHELSON, Annette et al. The Reception of the Sixties. In: BRYAN-WILSON, Julia (Ed.). October Files 15: Robert Morris. Cambridge, Massachusetts: The MIT Press , 2013. P. 111-136., p. 26-27).

A renovação da qual fala Annette Michelson passa invariavelmente pela ênfase nos aspectos materiais da prática escultórica, que prevê, por seu turno, uma abordagem sistêmica na qual o que conta não são tanto as qualidades intrínsecas de cada propriedade, mas a relação entre elas. Para tal, o artista deve investir em unidades geométricas simples, de modo que a shape, “o mais importante valor escultórico”, seja apreendida imediatamente via Gestalt, pois “o objeto é apenas um dos termos desta nova estética” (Morris, 1968MORRIS, Robert. Notes on Sculpture. In: BATTCOCK, Gregory (Ed.). Minimal Art - A Critical Anthology . New York: E.P. Dutton , 1968. P. 222-235., p. 232). O foco, com isso, desloca-se da relação interna entre as partes de uma dada composição para a relação externa entre as propriedades escultóricas relacionadas a fatores como espaço, iluminação, campo de visão e proporção. Tal deslocamento resulta também da escala da obra, que deve abrir mão de sua qualidade íntima resultante das combinações internas das partes em favor de sua qualidade pública, onde é reforçada a situação concreta proposta por uma escultura. Assim, a argumentação de Morris sublinha a importância da situação escultórica fenomenológica, algo que será determinante para a noção de externalidade desenvolvida por Krauss posteriormente, sendo central à nova sintaxe da escultura moderna.

Se Morris apropria-se do enquadramento greenbergiano, Donald Judd inicia o seu Specific Objects em tom greenbergiano7 7 Thierry de Duve também nota uma contradição na argumentação de Judd, na medida em que ressoa nela um viés greenbergiano, a despeito do ceticismo do artista quanto à doutrina do crítico: “A noção de objeto específico de Judd me parece, paradoxalmente, uma defesa bastante greenbergiana contra a proposição de Greenberg sobre a separação de mediums. Deixe-me desenhar um pequeno esquema. Aqui está a sobreposição da pintura, onde todos os trabalhos que Judd menciona em seu artigo, incluindo os dele próprio, podem ser localizados. Greenberg lê esta área como simultaneamente pintura e escultura, e é assim que ele valida o trabalho de Anne Truitt, por exemplo. Mas Judd tenta isolar esta área, ler seu conteúdo como não sendo nem pintura nem escultura, autonomizando-a por meio de um novo nome, tão específico quanto a pintura e a escultura, mas novo: objetos específicos, precisamente” (Buchloh et al., 1994, p. 142). Krauss recorre à opinião de Duve em Specific’ Objects, onde ela também reconhece que a ênfase na tridimensionalidade por Judd não seria nada mais do que o reconhecimento das conquistas pós-cubistas (Krauss, 2010, p. 48). Já Hal Foster, em What’s Neo about the Neo-Avant-Garde?, considera a enorme lista de precursores desenvolvida por Judd - envolvendo aí a justaposição incoerente entre Duchamp e a New York School Painting - como um método que procura extrair uma prática nova para além da objetividade - promovida tanto pelo nominalismo de Duchamp quanto pelo formalismo da escola norte-americana - rumo aos objetos específicos. , afirmando que “[...] metade, ou mais, dos melhores trabalhos novos dos últimos anos não é nem pintura nem escultura” (Judd, 1975, p. 181). O artista esclarece que as práticas tridimensionais não são reunidas em torno de princípios normativos, a fim de formarem um grupo coeso que resulte em um movimento, um estilo ou uma escola. Justamente por isso, a lógica de argumentação deste ensaio assemelha-se a uma compilação de características intimamente vinculadas às poéticas respectivas a cada artista, ecoando “apenas uma ordem, como aquela da continuidade, uma coisa após a outra” (Judd, 1975, p. 184), que o autor constata na obra de Frank Stella.

Dado seu caráter espacial, há um amplo campo de atuação dos trabalhos tridimensionais, ao contrário dos campos estreitos da pintura e da escultura. Entre as diversas possibilidades, Judd menciona a manipulação de toda sorte de materiais e cores; a investigação de técnicas e materiais industriais, recorrendo ao exemplo dos tubos fluorescentes utilizados por Dan Flavin; a revogação das premissas antropométricas; o vínculo com os objetos comuns; e, por fim, e de modo próximo a Robert Morris, a valorização da situação escultórica em detrimento tanto de suas referências externas quanto da separação espacial da pintura tradicional:

Três dimensões são o espaço real. Isso nos livra dos problemas do ilusionismo e do espaço literal, do espaço interior e em torno de marcas e cores - que é o desvínculo de uma das mais evidentes e censuráveis ruínas da arte europeia. Os vários limites da pintura não estão mais presentes. Um trabalho pode ser tão poderoso quanto ele foi concebido para sê-lo. O espaço real é intrinsecamente mais poderoso e mais específico do que a tinta sobre uma superfície plana. Obviamente, qualquer coisa em três dimensões pode assumir qualquer forma [shape], regular ou irregular, e pode ter qualquer relação com a parede, o piso, o teto, a sala, os quartos, o exterior ou nenhum desses elementos. Qualquer material pode ser utilizado, pintado ou não (Judd, 1975JUDD, Donald. Specific Objects. In: JUDD, Donald. Complete Writings 1959-1975. New York: New York University Press, 1975. P. 181-189., p. 184).

Em entrevista a Bruce Glaser, o artista reafirma sua desconfiança a respeito dos arranjos pictóricos compositivos tradicionais, vinculando-os às tendências construtivas europeias precedentes. A despeito da economia formal que aproxima os trabalhos de Stella e Judd às obras de Malevich, do Construtivismo, de Mondrian, do Neoplasticismo e de De Stijl, os artistas estadunidenses estabelecem uma descontinuidade entre eles. A distância em relação à tradição europeia baseia-se, em grande parte, na desconfiança que ambos nutrem em relação a dois princípios subjacentes às obras: o equilíbrio compositivo e o racionalismo. Formada fundamentalmente por pinturas relacionais8 8 Stella: “Os pintores geométricos europeus realmente se dedicam ao que eu chamo de pintura relacional. A base desta ideia é o equilíbrio” (Glaser, 1968, p. 149). , as tendências construtivas europeias se diferenciam da proposta estrutural9 9 Lucy R. Lippard, em sua introdução ao texto publicado na ARTNews, afirmou que a entrevista continha “a primeira extensa declaração de Frank Stella, amplamente reconhecido por ser o responsável de grande parte da pintura estrutural atual, e Donald Judd, um dos expoentes inaugurais da estrutura primária escultural”, sendo a última menção uma explícita referência à exposição Primary Structures, que ocorreu no Jewish Museum entre abril e junho de 1966 com curadoria de Kynaston McShine, tendo participado diversos artistas, tais como Carl Andre, Dan Flavin, Donald Judd, Sol LeWitt, Walter De Maria, Robert Morris etc. (Glaser, 1968, p. 148). Trata-se de uma formulação interessante na medida em que sublinha a questão sistêmica do trabalho de ambos, havendo uma relação fundamental entre os elementos que está no cerne da noção de estrutura. norte-americana, que, por sua vez, faz uso da simetria como forma de evitar os efeitos compositivos pretéritos. Por outra via, Judd e Stella tratam de enfatizar o caráter totalizante de suas obras, em detrimento da valorização de suas partes, o que, na perspectiva do segundo, mutilaria e destruiria a própria obra10 10 Stella chega a afirmar que desejaria proibir os observadores de suas obras de explorar os detalhes pictóricos. . Ao lado disso, sublinha-se ainda o aspecto impessoal e anti-ilusionista, levando Stella ao seu famoso comentário tautológico:

Minha pintura é baseada no fato de que apenas o que pode ser visto na tela está lá. É realmente um objeto. Qualquer pintura é um objeto e quem quer que se envolva o bastante com isso precisa finalmente encarar a objetualidade [objectness] de qualquer coisa que esteja fazendo. Ele está fazendo uma coisa. [...] Tudo o que eu quero que os indivíduos apreendam das minhas pinturas, e tudo o que eu apreendo delas, é o fato de que você pode visualizar toda a ideia sem a mínima confusão... O que você vê é o que você vê (Glaser, 1968GLASER, Bruce. Questions to Stella and Judd. In: BATTCOCK, Gregory (Ed.). Minimal Art - A Critical Anthology . New York: E. P. Dutton, 1968. P. 148-164., p. 158).

Para Judd, os princípios europeus estão vinculados a um modo de produção pictórica que submete a execução à ideação. Em suas palavras, “[...] toda aquela produção artística se baseia em sistemas construídos de antemão, sistemas apriorísticos; elas expressam um certo tipo de pensamento e de lógica que é bastante desacreditada atualmente enquanto forma de descobrir como é o mundo” (Glaser, 1968GLASER, Bruce. Questions to Stella and Judd. In: BATTCOCK, Gregory (Ed.). Minimal Art - A Critical Anthology . New York: E. P. Dutton, 1968. P. 148-164., p. 151). Há, todavia, algumas contradições associadas à reprovação da presença de ordens e ideias preconcebidas, uma vez que as propostas de Judd e Stella são ainda baseadas em elementos compositivos e estruturais definidos de antemão (como as séries matemáticas em Progressions). Quanto a isso, Judd, aproximando-se tanto de Morris quanto de Smith, esclarece que a ordem e os princípios formais encontrados em seus trabalhos apresentam tal economia a ponto de não serem capazes de se transformar em uma qualidade dominante da obra. Havendo ou não divergência quanto à prevalência das ordens compositivas em relação à execução, um fato é inegável: a rejeição declarada da tradição europeia. Enquanto Stella afirma que “não é contínuo” (Glaser, 1968, p. 148), Judd, por sua vez, reforça a opinião ao dizer que existe uma “enorme ruptura” (Glaser, 1968, p. 149), estando ele “[...] talvez mais interessado agora no Neoplasticismo e no Construtivismo do que estava antes, mas nunca fui influenciado por eles, sou certamente mais influenciado pelo que acontece nos Estados Unidos do que qualquer coisa como esta” (Glaser, 1968, p. 155).

O último texto comentado por Michael Fried em Art and Objecthood refere-se à conversa que o arquiteto e escultor norte-americano Tony Smith11 11 Se, para Fried, Tony Smith é um artista minimalista, para Harold Rosenberg, ele é sua antítese: “Com os simbolistas da virada do século, a ‘arte pura’ foi uma arte de essências metafísicas. As estruturas de Smith são puras nesse sentido simbolista, tão silenciosas e solitárias como o espaço sob um viaduto à meia-noite. As construções minimalistas têm um caráter exatamente oposto; desprovidas de insinuações metafísicas, elas afirmam sua pureza confrontando o público por meio de um desafio agressivo às suas capacidades periciais, como algo oferecido ‘como é’. A arte primária é tanto arte ambiental quanto arte para a participação do público em um grau não inferior a uma casa cinética de diversão ou um Happening” (Rosenberg, 1968, p. 307). tivera com Samuel Wagstaff, Jr. Trata-se de uma breve fala informal e transcrita em duas partes. Enquanto a primeira seção do texto oferece algumas chaves de leitura para sua obra, a segunda parte constitui o foco da crítica de Michael Fried. Nela, Smith recorda-se de uma experiência em uma rodovia ainda em construção em Nova Jersey. Em companhia de três estudantes, o artista dirigia à noite nessa estrada, sendo essa experiência noturna em um local semiabandonado bastante reveladora. Para ele, a situação anunciou o fim da arte, na medida em que a experiência mais marcante de Smith teria acontecido por meio de estruturas urbanas abandonadas, despidas de funcionalidade. Há, com isso, uma insuficiência da arte, tendo em vista que situações externas ao seu circuito poderiam ser tão ou mais reveladoras esteticamente do que uma determinada obra.

Todavia, há que se considerar um fato: a transcrição não se encerra de maneira apocalíptica, anunciando a morte da arte, mas volta-se para as esculturas de Smith, em especial Generation (1965), a qual o artista descreve como um “um monumento citadino, tão urbano e objetivo quanto possível”. Não se trata, portanto, de um manifesto, muito menos de um texto teórico, mas de uma fala transcrita por interposta pessoa (Wagstaff). Essa consideração é de extrema importância, visto que Smith, apesar de comparar sua experiência na rodovia com o acontecimento artístico, não parece decretar o fim de suas construções escultóricas. E será essa mesma experiência que Michael Fried classifica de teatral, pondo um fim, com isso, à arte12 12 O problema suscitado pela poética de Tony Smith é o seguinte: como vincular a simplicidade formal de suas obras com a experiência noturna em Nova Jersey e também o convite do artista a uma permanente investigação de seus cubos? A leitura realizada por Georges Didi-Huberman, em O que vemos, o que nos olha, é bastante esclarecedora da conjugação entre esses elementos. Situando a trajetória de Tony Smith em contraste com o pictorialismo de David Smith, Didi-Huberman interpreta os seus cubos negros no contexto de um paradigma noturno - são blocos de noite, blocos de latência - onde as coordenadas cartesianas, as soluções tautológicas e as crendices se mostram, em conjunto, insuficientes. Há aqui um processo - e uma imagem - dialético(s), visto que a simplicidade do cubo não motiva apenas conclusões tautológicas, mas se revela como uma mancha no visível que induz à desorientação do observador, desnorteamento resultante do apagamento dos limites entre a realidade psíquica e a realidade material. Assim, “[...] a mais simples imagem nunca é simples, nem sossegada como dizemos irrefletidamente das imagens. A mais simples imagem, contanto venha à luz como veio à luz o cubo de Tony Smith, não dá a perceber algo que se esgotaria no que é visto, e mesmo no que diria o que é visto. [...] O cubo de Tony Smith, apesar de seu formalismo extremo - ou melhor, por causa da maneira como seu formalismo se dá a ver, se apresenta -, frustra de antemão uma análise formalista que se considerasse como pura definição das ‘especificidades’ do objeto. Mas frustra igualmente uma análise iconográfica que quisesse considerá-la a todo custo como ‘símbolo’ ou alegoria no sentido trivial desses termos. [...] As imagens de arte - por mais simples e ‘minimais’ que sejam - sabem apresentar a dialética visual desse jogo no qual soubemos (mas esquecemos de) inquietar nossa visão e inventar lugares para essa inquietude [...] Uma escultura de Tony Smith - e em primeiro lugar seu cubo - poderia ser assim considerada como um grande brinquedo (Spiel) que permite operar dialeticamente, visualmente, a tragédia do visível e do invisível, do aberto e do fechado, da massa e da escavação” (Didi-Huberman, 1998, p. 95-97; p. 107). Portanto, Didi-Huberman substitui as implicações metafísicas que Rosenberg via nas esculturas de Smith por implicações psicanalíticas. .

A Teatralidade para Michael Fried

Em Art and Objecthood, Fried menciona Antonin Artaud e Bertolt Brecht como dois homens de teatro já envolvidos com as reorientações do conceito de teatralidade. Sem demorar-se nas visões de ambos, o que ele desejou foi simplesmente explicitar a genealogia de seu questionamento. Ainda assim, deve-se perguntar a respeito da noção de teatralidade de Fried e sua menção aos nomes dos dois teatrólogos fundamentais para o teatro moderno. Pois ambos os autores, ao investigarem esse conceito, organizam-no, em termos gerais, segundo pares opositivos13 13 O teatro épico foi definido por Bertold Brecht (2005) em franca oposição àquilo que se conhece por teatro dramático tradicional. Arrisca-se a dizer que a teatralidade de Artaud é muito mais radical do que a desenvolvida por Brecht, posto que não tenta substituir um conjunto de convenções por outras. O teatro da crueldade, longe de ser um apanhado de técnicas, questiona radicalmente todos os fundamentos da prática teatral ocidental, em especial o logocentrismo que submete a cena ao texto. Se o teatro do distanciamento seria alheio ao teatro da crueldade, o mesmo poderia ser dito também para o que Derrida denomina de teatro abstrato, o qual deve ser compreendido como um acontecimento cênico que prescinde de alguns recursos de significação (dança, música, volume, profundidade plástica, imagem visível, sonora, fônica etc.), não sendo, pois, um teatro total. “Um teatro abstrato”, pontua Derrida, “é um teatro no qual a totalidade do sentido e dos sentidos não seria consumida” (Derrida, 2014, p. 356). A fragmentação da experiência perceptiva em recursos de significação voltados para sentidos específicos faz com que o teatro abstrato ecoe, por assim dizer, a perspectiva greenbergiana de compartimentalização das artes de acordo com os mediums respectivos. .

Considerando a argumentação de Fried em favor da pintura modernista, o teatro seria não mais uma forma artística, mas o fim da arte. De que modo se deve entender a desconfiança de Fried quanto à teatralidade? É evidente que essa noção não deve ser compreendida à luz nem do teatro do distanciamento de Brecht, nem do teatro da crueldade de Artaud. A teatralidade em Fried, porém, parece se aproximar da tradição dramática clássica, que é o alvo dos ataques tanto de Brecht quanto de Artaud. Quanto a isso, é bastante significativo que a teatralidade seja definida como um teatro sem texto. Jean-Pierre Sarrazac, em seu Léxico do Drama Moderno e Contemporâneo, esclarece que “[...] essa concepção cênica da teatralidade, ligada ao despertar da encenação no fim do século XIX, procura a autonomia completa da encenação em relação à literatura” (Sarrazac, 2012SARRAZAC, Jean-Pierre (Org.). Léxico do Drama Moderno e Contemporâneo. São Paulo: Cosac Naify, 2012., p. 179). Interessante notar aqui que, se a teatralidade, para Sarrazac, está associada ao fim do textocentrismo, o texto passa a ser um elemento cênico entre outros, assim como o objeto minimalista, no caso de Morris, é apenas um dos termos da situação. Se assim é, a noção de teatralidade recuperada por Michael Fried lida com a autonomia do teatro em relação à autonomia da pintura - visto que ambos descartam a literatura -, devendo ser compreendida juntamente com as práticas teatrais indesejadas tanto por Brecht quanto por Artaud.

Contudo, os recursos reprovados pelos teóricos do teatro - representação, submissão do logos, hierarquia entre profissionais etc. - não reaparecem na censura do crítico. Para Fried, a teatralidade está associada não à representação, mas à utilização literal dos objetos, de modo que não haja separação entre palco e plateia, entre o espaço mobilizado pela obra e o do espectador. Trata-se de uma noção de teatralidade muito específica, na medida em que não a considera conforme a história de sua prática, apesar de lidar com a questão da autonomia estética da encenação. Quanto a isso, pergunta-se o motivo que tenha levado Fried à eleição da noção de teatralidade. Duas respostas são possíveis. De um lado, deve-se ter em mente a seguinte frase: “O que reside entre as artes é o teatro” (Fried, 1998, p. 164). O teatro, em sua autonomia em relação à literatura, é o oposto da compartimentalização modernista das artes: englobando diversos procedimentos e recursos de significação, a prática teatral seria promíscua e impura. O teatro, a despeito mesmo de sua autonomia moderna, é o antimedium. Isto significa que, surpreendentemente, apesar da desconfiança compartilhada em relação aologos, a pintura modernista e o teatro moderno instituem campos distintos de autonomia: domediume doantimedium, respectivamente.

Além disso, ele é invariavelmente antropométrico, já que solicita sempre a copresença do ator e do espectador (mesmo nas poéticas de Gordon Craig, Adolphe Appia, Tadeusz Kantor e, mais recentemente, Heiner Goebbels, haveria certo antropomorfismo, mesmo que não literal). O caso minimalista é exemplar, uma vez que as situações propostas por Judd, Morris e os demais artistas apostam em unidades formais, ordenadas de maneira simples e submetidas à verificação perceptiva conforme as variações da luz, do espaço e do campo visual. Por consequência da negação ao teatro abstrato da redução modernista, a teatralidade minimalista suscitaria uma experiência vazia para o espectador, situação que, guardadas as devidas diferenças, remete à passividade do público na tradição teatral clássica, conforme descrevem tanto Brecht quanto Artaud. E aqui Fried reflete a respeito do corpo do espectador nas situações minimalistas:

A minha crítica em relação ao endereçamento literalista ao corpo do observador não partia do fato de que a corporeidade enquanto tal não possuía lugar na arte, mas sim que o literalismo teatralizava o corpo, o situava interminavelmente sobre o palco, tornou-o estranho ou opaco a si mesmo, esvaziou-o, atenuou sua expressividade, negou sua finitude e, em certo sentido, sua humanidade, e assim por diante. Existe, eu poderia ter dito, algo vagamente monstruoso sobre o corpo no literalismo (Fried, 1998FRIED, Michael. Art and Objecthood. Chicago: University of Chicago Press, 1998., p. 42).

É difícil compreender objetivamente de que maneira a teatralização do espectador em uma obra minimalista gera um corpo monstruoso, misterioso e opaco a si mesmo. A dificuldade está evidentemente relacionada a uma certa carência analítica dos textos de Fried, que se debruçam menos nas obras e mais nos escritos minimalistas (pelo fato de o crítico considerar essa discussão fundamentalmente ideológica). Uma solução dialética a esse impasse é fornecida por Didi-Huberman, que redistribui os elementos identificados por Fried, em especial a articulação entre a opacidade e o antropomorfismo14 14 O antropomorfismo é investigado por Didi-Huberman tanto pela recorrência com que as obras minimalistas se utilizam das dimensões humanas (em especial, a altura) quanto pela cadeia associativa latente na simplicidade da forma geométrica: “O cubo de Tony Smith é antropomorfo na medida em que tem a capacidade, por sua própria apresentação, de nos impor um encadeamento de imagens que nos farão passar da caixa à casa, da casa à porta, da porta ao leito e do leito ao ataúde” (Didi-Huberman, 1998, p. 127). inerente à teatralidade que o crítico nota em resposta à rejeição do antropomorfismo decretada por Judd.

De fato, Didi-Huberman, assim como Krauss, observa um descompasso entre os enunciados teóricos dos artistas minimalistas, notadamente os textos de Judd, Stella e Morris. Para ele, enquanto Judd e Stella sustentam o discurso da especificidade do objeto por meio de proposições tautológicas, Morris, por outro lado, recorre à simplicidade formal para endossar o caráter fenomenológico da experiência minimalista. Para que essa situação fenomenológica ocorra, é preciso que o objeto rasgue sua objetualidade autônoma resguardada pelo discurso tautológico, e passe a assumir uma condição de quase-sujeito, pois

[...] a força do objeto minimalista foi pensada em termos fatalmente intersubjetivos. [...] O objeto aqui pensado como ‘específico’, abrupto, forte, incontrolável e desconcertante - na medida mesmo que se tornava insensivelmente, face a seu espectador, uma espécie de sujeito (Didi-Huberman, 1998DIDI-HUBERMAN, Georges. O Que Vemos, O Que Nos Olha. São Paulo: Ed. 34, 1998., p. 63).

Isso é revelado, por exemplo, na descrição que Krauss realiza em Passages in Modern Sculpture para os Untitled [L-Beams] (1965), de Morris, em que se nota um deslocamento da especificidade dos objetos para as relações específicas dos elementos no espaço. Nessa situação fenomenológica, está abrigada, portanto, a teatralidade descrita por Fried como uma experiência subjetiva complexa catalisada por uma simplicidade formal. Sendo assim, há um jogo dialético entre especificidade e presença, visto que, nos objetos minimalistas, há, de um lado, uma atenção dirigida

[...] à simplicidade formal, à ‘literalidade’ geométrica de volumes sem equívocos; de outro, sua irresistível vocação a uma presença obtida por um jogo - fatalmente equívoco - sobre as dimensões do objeto ou seu pôr-se em situação face ao espectador (Didi-Huberman, 1998, p. 71).

Ora, é exatamente esse jogo de equívocos e significações a partir da literalidade formal das obras minimalistas que está no cerne da argumentação que, como se constatou acima, Rosalind Krauss desenvolve em Allusion and Illusion in Donald Judd. Sendo assim, observa-se que Fried, assim como Krauss, notou os paradoxos do Minimalismo: se ela observa a ilusão em contraponto à especificidade, ele identifica a teatralidade em contraste com a literalidade.

A Teatralidade para Rosalind Krauss

De todo modo, o aspecto monstruoso do corpo (seja do espectador, seja do artista) e também a recuperação da noção de teatralidade são dois tópicos que, desde então, receberam inúmeros tratamentos e derivações no âmbito das artes visuais15 15 Não se pode ignorar, por exemplo, que a vocação não representativa da performance art explora com certa frequência a noção de monstruosidade (pense-se nos Happenings, nos Acionistas Vienenses, em Marina Abramovic pré-commodity, em Paul McCarthy etc.). Por outra via, a emergência da curadoria nas últimas décadas, paralela ao florescimento das instalações, relaciona-se também com uma certa noção de teatralidade. Indícios disso são encontrados na presença de curadores com trajetória anterior no teatro, a exemplo do suíço Harald Szeemann, do italiano Francesco Bonami e do costa-riquenho Jens Hoffmann. E, ainda, em recentes exposições que propõem um diálogo mais explícito entre o teatro e as artes visuais, em especial The World as a Stage, com curadoria de Jessica Morgan e Catherine Wood; e Theatrical Fields, com curadoria de Ute Meta Bauer. Se a noção de teatralidade em Fried, apesar de pouco se relacionar com o desenvolvimento moderno das artes cênicas, prevê negativamente a disseminação de exibições cênicas, ela, por outro lado, recupera do século XIX o debate em torno do termo através de seu vínculo com a teoria, tanto teatral quanto pictórica, de Denis Diderot. . Krauss, por exemplo, investiga a teatralidade em Mechanical Ballets: light, motion, theater, sexto capítulo de Passages in Modern Sculpture. Nele, a dicotomia entre as duas modalidades escultóricas se manifesta em torno da oposição entre dois grupos de artistas a partir dos três eixos sugeridos no título: luz, movimento e teatro. Sintetizando sua abordagem, Krauss (1981, p. 204) afirma:

Agora, é incontestável que um grande número de escultores europeus e americanos do pós-guerra se interessaram tanto pelo teatro quanto pela experiência temporal estendida que parecia constituinte das convenções do palco. A partir desse interesse, surgiram algumas esculturas usadas como adereços em apresentações de dança e teatro, algumas atuando enquanto performers substitutos, e outras gerando efeitos cênicos sobre o palco. E, mesmo que não funcionando em um contexto especificamente teatral, algumas esculturas destinavam-se a teatralizar o espaço em que eram expostas - projetando um jogo cambiante de luzes em torno desse espaço ou usando dispositivos como alto-falantes ou monitores de vídeo para conectar partes separadas do espaço em uma arena contrapontisticamente moldada pela performance. No caso de o trabalho não tentar transformar todo o seu espaço em um contexto teatral ou dramático, muitas vezes ele internalizaria um senso de teatralidade - projetando, enquanto sua razão de ser, um sentido de si mesmo como um ator, como um agente de movimento. Nesse sentido, toda a vasta gama da escultura cinética pode ser vista como vinculada ao conceito de teatralidade.

A teatralidade é, portanto, um termo que engloba muitas propostas recentes da arte moderna: sejam elas vinculadas ao espaço expositivo de uma galeria, como a arte cinética de Alexander Calder ou ainda os quadros escultóricos de George Segal e Edward Kienholz, sejam elas apresentadas como elementos cênicos de espetáculos de dança (as parcerias entre Robert Morris e Yvonne Rainer e também entre Robert Rauschenberg, Trisha Brown e Merce Cunningham); ou ainda aquelas inseridas no contexto heterogêneo e multidisciplinar do happening (neste caso, Claes Oldenburg). Todo esse conjunto heterogêneo de obras pode ser analisado pelo viés da teatralidade, sendo exatamente esse o esforço de Rosalind Krauss.

A ensaísta organiza sua argumentação a partir da dicotomia - transversal ao livro - entre as propostas fundadas em, por um lado, um espaço ilusório análogo à interioridade do artista; e, por outro, aquelas baseadas em um campo de atuação pautado pela relação exterior entre os elementos, sublinhando assim a mútua implicação entre externalidade e expressão. Ao confrontar a Light Prop (1923-30)16 16 “Como uma figura humana, o Light Prop tem uma estrutura interna que afeta sua aparência externa e, mais crucialmente, uma fonte interna de energia que faz com que ela se mova” (Krauss, 1981, p. 208). , de Moholy-Nagy, e Rêlache (1924)17 17 “[Rêlache] perturba a premissa do espectador de que ele deve possuir alguma medida de controle sobre os eventos no palco, sabendo como antecipar os rumos que a ação irá tomar” (Krauss, 1981, p. 212). , de Francis Picabia, ambas as obras utilizadas em um contexto cênico, Krauss (1981KRAUSS, Rosalind. Passages in Modern Sculpture. Cambridge, Massachusetts: The MIT Press, 1981., p. 213) postula:

Embora os dispositivos de Light Prop e Rêlache sejam ambos teatrais, eles são tipos extremamente diferentes de objetos. O primeiro é uma contribuição tecnológica para o sentido dramático convencional de espaço e tempo, enquanto o segundo está envolvido em um movimento para radicalizar a relação entre o teatro e seu público.

De modo semelhante, a autora contrapõe a poética de Alexander Calder e as esculturas cinéticas com as obras de Claes Oldenburg e dos minimalistas. Nesse caso, a oposição é formulada por meio da função catalisadora do movimento. No caso de Calder, a ação dos móbiles, por exemplo, é fundamental à criação de volumes virtuais que, por sua vez, funcionam como metáforas do corpo humano, sendo as obras consideradas atores mecânicos. Por essa ótica, tanto a gravidade e o equilíbrio quanto o deslocamento das partes integrantes do móbile constituem uma imagem antropométrica através de uma concisão geométrica que alude às esculturas de Gabo. De modo semelhante, os artistas cinéticos, ao prover os objetos de movimentos mecânicos, produzem ventríloquos que aludem à presença de uma interioridade subjetiva. O movimento, tanto no caso de Calder quanto no da arte cinética, é o responsável pela subjetivação do objeto.

Tendência inversa é encontrada nas esculturas de Claes Oldenburg e também nas propostas minimalistas. Aqui, o movimento não é utilizado para subjetivar o objeto, mas, em vez disso, objetificar o sujeito. Para Krauss, as ampliações em larga escala de objetos cotidianos realizadas por Oldenburg em materiais maleáveis, ao apostarem em uma dupla inversão (o pequeno se torna grande; o rígido se torna flexível) também teatralizam o espaço expositivo. Nesse caso, porém, ao invés de o objeto se tornar sujeito, o sujeito se identifica - seja pelo tamanho, seja pela flexibilidade orgânica - com o objeto. E assim:

Embora suavizada e velada pela ironia, a relação que o trabalho de Oldenburg possui com a audiência é de ataque. A suavidade das esculturas solapa as convenções da escultura racional e suas associações para o espectador questionam seus pressupostos de que ele é o agente conceitual do desdobramento temporal do evento. Quando Picabia virou os holofotes em direção ao público de Rêlache, seu ato de incorporação foi simultaneamente um ato de terrorismo. Se o trabalho de Oldenburg é teatral, ele o é mais no sentido de Rêlache do que nos termos de um teatro convencional, mesmo que esses termos sejam realizados pelo movimento de Light Prop de Moholy-Nagy ou pela natureza estática do quadro escultural (Krauss, 1981KRAUSS, Rosalind. Passages in Modern Sculpture. Cambridge, Massachusetts: The MIT Press, 1981., p. 230).

Ao identificar um ato terrorista na obra de Oldenburg associado ao ataque luminoso do enorme dispositivo cênico de Picabia, Krauss sugere, de um lado, uma conexão dessas poéticas com o Teatro da Crueldade de Antonin Artaud (único encenador moderno mencionado pela crítica) e, de outro, com os happenings. O vínculo, por sua vez, entre os happenings e Artaud é tomado de empréstimo da argumentação de Susan Sontag em Happenings: an art of radical juxtaposition18 18 Em ‘End of Art’ or ‘End of History’?, Fredric Jameson situa o advento do happening no contexto mais amplo de experimentação teatral que marcou a década de 1960. Para o autor, a principal característica da produção dessa década seria a emancipação cênica, não mais submetida aos ditames de uma dramaturgia, sendo esta utilizada como pretexto: “[...] A prática teatral deste período fica a uma certa distância mínima dos textos que ela pressupõe como pretextos e das suas condições de possibilidade: os happenings levariam essa situação ao seu limite extremo, alegando acabar completamente com o pretexto do texto e oferecendo um espetáculo da mais pura performance enquanto tal, e que também paradoxalmente busca abolir a fronteira e a distinção entre ficção e fato, ou entre arte e vida” (Jameson, 1998, p. 74-75). O autor não hesita em ressaltar o viés político da experimentação teatral da década de 1960, sendo a performance considerada uma práxis social estreitamente vinculada aos protestos políticos que marcaram o período. .

Nesse texto, é traçada a genealogia19 19 Sontag ressalta a importância de Allan Kaprow, figura pioneira do happening, e também de um conjunto de artistas visuais e músicos envolvidos nesse tipo de atividade (Jim Dine, Red Grooms, Robert Withman, Claes Oldenburg, Al Hansen, George Brecht, Yoko Ono, Carolee Schneemann, Dick Higgins, Philip Corner e LaMonte Young). Além disso, a ensaísta defende a hipótese de os happenings serem um desenvolvimento lógico da New York School of Painting dos anos 1950, atestando também a confluência entre esses eventos e as assemblages e combine paintings (algo que é bastante evidente na poética de Schneemann, por exemplo). Ressalta-se, por fim, que o interesse de Sontag tanto pelo happening quanto pela estética camp agrupa-se em torno de sua desconfiança quanto ao método hermenêutico de interpretação. Sontag propõe então uma substituição da tarefa hermenêutica da arte por um erotismo da arte, sendo esta uma provocação a um pensamento hegemônico que postula que o valor da arte residiria inteiramente no seu conteúdo, devendo este ser então interpretado. Para a autora, a pletora de interpretações sobre arte produzidas até o século XX, antes de liberar os sentidos latentes nas obras, envenenaria as nossas sensibilidades e domesticaria a produção artística (Sontag, 1966). do novo gênero de espetáculo emergente em Nova York, sendo também identificados os traços gerais dessa manifestação cênica. Se a filiação entre os happenings e a pintura estadunidense não causa surpresa, a eleição por Sontag de um princípio surrealista de justaposição - que não deveria ser, contudo, identificado unicamente com o movimento de André Breton - é intrigante. Tal princípio, apesar de comum entre os artistas desse movimento, se manifesta também em outros contextos artísticos, como é o caso do happening, configurando, pois, uma sensibilidade surrealista.

Um dos traços mais marcantes desse procedimento é o modo provocativo como ele atinge o público. O princípio de justaposição é um traço transversal às concepções divergentes de happening20 20 Há, de fato, um debate acirrado entre os propositores do happening quanto ao justo significado do termo. O exemplo mais adequado a esse contexto é, sem dúvida, o debate epistolar entre Allan Kaprow e Claes Oldenburg, ocorrido entre julho e dezembro de 1961, a partir das discordâncias do segundo frente aos textos publicados pelo primeiro. Basicamente, os dois discordariam quanto à natureza de vínculo entre a arte e a realidade: enquanto Kaprow descarta toda a autonomia da arte em proveito de sua total fusão com a vida, a ponto de comprometer inclusive a existência e o status de suas produções, Oldenburg, por sua vez, considera inaceitável a perda da intenção artística e do objeto estético. Ao comentar o ensaio Happenings in the New York Scene (ARTNews, maio de 1961), onde Kaprow expõe suas dúvidas quanto à condição artística de sua produção, Oldenburg diz: “A criação artística é a capacidade de projeção de uma ilusão de realidade que existe em certos indivíduos. Ela existe nessas pessoas como uma necessidade e um ato natural. Eles o exalam, lá ela está. Ela não existe emancipada de um artista como um objeto e livre do criador e submetida a um tema como ‘comércio de cavalos’ ou ‘vida criativa’, ‘questões éticas’ ou algo do tipo” (Oldenburg apud Ehninger, 2014, p. 196). No mesmo texto, menciona-se também o diálogo epistolar entre Kaprow e Harold Rosenberg, no qual os dois autores refletem a respeito da importância dos termos happening e action painting, ao que o primeiro afirma: “É bastante auspicioso, portanto, que você e, até certo ponto eu, encontramos duas metáforas basilares: Action and Happenings” (Kaprow apud Ehninger, 2014, p. 200). , sendo esta uma estratégia comum utilizada pelos artistas para frustrar as expectativas do público, chocando-o sempre que possível. Articulada a essa tática, há ainda uma tendência de despersonalização, tanto dos performers quanto da plateia. Soma-se a isso o caráter imprevisível, aberto e multidisciplinar das propostas, o uso não convencional da palavra, bem como a ênfase em uma estética camp, que, em conjunto, protestam contra a concepção asséptica, museológica e transcendental da arte. Esse conjunto de características é sintetizado, na perspectiva de Sontag, pelo Teatro da Crueldade de Artaud, sendo este o caso mais exemplar do uso terrorista da sensibilidade surrealista:

As prescrições que Artaud oferece em ‘O Teatro e seu duplo’ descrevem melhor do que qualquer outra coisa o que são os Happenings. Artaud mostra a conexão entre três características típicas do Happening: primeiro, o tratamento supra-pessoal ou impessoal das pessoas; em segundo lugar, a ênfase no espetáculo e no som, e uma desconsideração pela palavra; e terceiro, seu objetivo profissional de confrontar o público (Sontag, 1966SONTAG, Susan. Against Interpretation and Other Essays. New York: Picador, 1966., p. 272-273).

De fato, os happenings estão fundados em um confronto entre artistas e público. O próprio Oldenburg, ao tecer comentários sobre City Upside Down (1962) - uma das únicas esculturas remanescentes da época de seus happenings -, sublinha o tom provocativo dessas proposições artísticas. Realizada com a mesma linguagem que as demais esculturas (larga escala e flexibilidade do material), City Upside Down, como o próprio título sugere, é uma paisagem escultórica da cidade de Nova York, suspensa no teto de cabeça para baixo. Na época de sua criação, a escultura fora utilizada em um dos eventos organizados por Oldenburg em 1962 no East Village, em um espaço alugado que o artista batizou de Ray Gun Manufacturing Co21 21 A obra de Oldenburg também é incluída no projeto teórico do informe, no verbete Ray Guns, cujo título refere-se a uma série infinita que o artista produz a partir da articulação perpendicular entre duas tiras dos mais variados materiais. “A ray gun é o ‘ângulo universal’” esclarece Bois, que reflete a respeito do interesse de Oldenburg por elementos descartados da sociedade de consumo, em especial, nas primeiras exposições do artista - The Street (janeiro a março de 1960), The Store (1961-3) e o museu ficcional da Documenta de Kassel V (1972). No primeiro caso, por mais que a Judson Gallery (onde ocorreram também os happenings) tenha se transformado em uma lata de lixo, dado o acúmulo de detritos trazidos para o espaço pelo artista, haveria ainda um processo de estetização do lixo, resolvido pelo projeto posterior, visto que “a ideia da loja partiu da premissa de que toda a audácia vanguardista é assimilável, recuperável pela cultura de classe média [...] A solução projetada para este dilema: ignorar o estágio ilusório em que a arte pretende escapar da mercantilização” (Krauss; Bois, 1999, p. 175-176). . City Upside Down participou ativamente de World’s Fair II, visto que houvera a performance de sua instalação exatamente no local onde o público se encontrava. Conforme recorda o próprio artista22 22 O comentário pode ser visto em: <https://www.youtube.com/watch?v=UP-8O-M0b18>. Acesso em: 19 mar. 2017. , a estratégia de tal ação fora diminuir o espaço do espectador, a fim de espremê-lo e desconfortá-lo. Em outro momento, os performers, portando grandes telas de papelão, pressionaram o público contra a parede, a tal ponto que, em uma das ocasiões, um integrante da audiência, intimidado, fez uso de uma faca, perfurando o anteparo. Tal reação, sem dúvida alguma, atesta o tipo de relação que os happenings estabeleciam com o público.

Mas se as esculturas, ao serem manipuladas pelos performers no contexto de um happening, são as ferramentas para deslocar o público de sua zona de conforto, pode-se dizer o mesmo para os objetos dispostos no espaço expositivo da galeria? O ato terrorista não está vinculado à performance dos atores, ou ele está implícito no vocabulário formal de Oldenburg? É possível operar o deslocamento da violência do happening para os objetos destituídos desse contexto? Além disso, há que se ter em mente que algumas esculturas de Oldenburg, se não são manipuladas por performers, apresentam, tais como as esculturas cinéticas, um movimento automático que alude ao corpo humano. Tome-se, por exemplo, a obra Ice-Bag (Bag-Scale C, 1971), que infla e murcha tal qual o ritmo respiratório, produzindo, segundo o artista23 23 O comentário pode ser visto no site do Whitney Museum pelo link: <http://whitney.org/WatchAndListen/Exhibitions?context=Exhibition&play_id=53>. Acesso em: 19 mar. 2017. , um “sentido inquietante de estar vivo” a partir de um “efeito mágico”. Esse trabalho, dada sua misteriosa pulsação, não poderia estar localizado no outro polo descrito por Krauss?

De todo modo, é por meio do tratamento impessoal do ser humano que Krauss observa um elo entre os happenings e a dança contemporânea de Merce Cunningham, Simone Forti e os artistas vinculados ao Judson Dance Theatre (Yvonne Rainer, Trisha Brown, Meredith Monk, Carole Schneemann, Lucinda Childs, entre outros). Ou melhor: Krauss adota uma postura diametralmente oposta à de Michael Fried, sublinhando a importância da teatralidade para a produção escultórica americana:

Assim como o trabalho de Oldenburg começou a florescer no contexto teatral do happening, uma preocupação com a performance no contexto da nova dança moldou algumas das atitudes iniciais no trabalho de Robert Morris [...] Foi a própria dependência do teatro em relação a uma situação variável que foi capaz de pressionar e interromper as convenções do classicismo arraigadas tão profundamente em suas variantes do século XX, no Futurismo, no Construtivismo e nas suas extensões tecnológicas. Em meados da década de 1960, ficou claro que a teatralidade e a performance poderiam produzir uma divisão operacional entre o objeto escultórico e as preconcepções sobre o conhecimento que o espectador poderia ter sobre o objeto e sobre si próprio (Krauss, 1981KRAUSS, Rosalind. Passages in Modern Sculpture. Cambridge, Massachusetts: The MIT Press, 1981., p. 236-240).

É bastante esclarecedora a menção a Robert Morris no fragmento acima. Daí compreende-se que, se o posicionamento crítico de Rosalind Krauss pouco se alterou no que concerne à ilusão minimalista, a autora, por outro lado, reavalia posteriormente determinadas poéticas sob a égide da externalidade. O idealismo hard-edged que ela notara inicialmente nas Mirrored Boxes de Morris cede passagem às relações fenomenológicas específicas aos elementos dispostos espacialmente e tomadas de empréstimo da nova dança. Sendo assim, o artista desvia-se tanto do pictorialismo de Judd e Flavin quanto do “caminho equívoco de uma estética das formas ideais” (Krauss, 2013KRAUSS, Rosalind. The Mind/Body Problem: Robert Morris in series (1994). In: BRYAN-WILSON, Julia (Ed.). October Files 15: Robert Morris. Cambridge, Massachusetts: The MIT Press , 2013. P. 65-109. , p. 89) sugerido pelos títulos das exposições debutantes dos minimalistas, em especial Primary Structures (1966) e Systemic Painting (1967).

Uma questão, contudo, permanece. Se, de fato, as investigações no campo das artes cênicas e do happening se aproximam em sua recusa das convenções teatrais (narrativa, quarta parede, personagens etc.), e se elas também são paralelas às mudanças de rumo da escultura moderna, a investida promovida por cada uma dessas manifestações não é necessariamente da mesma natureza. Justamente por isso, a aproximação realizada por Krauss em nome de um “[...] ataque escultórico contra a explicação clássica de como as coisas são conhecidas” (Krauss, 1981, p. 240) merece ainda uma investigação mais detida. Pois, nada mais distante do assalto ao observador e sua reação violenta no happening de Oldenburg do que o vocabulário formal solipsista de Yvonne Rainer em Trip A.

Referências

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  • SONTAG, Susan. Against Interpretation and Other Essays. New York: Picador, 1966.
  • 1
    As traduções das citações são do autor do artigo. Alguns termos - em especial, medium e shape - foram mantidos na língua inglesa, por indicarem conceitos específicos utilizados por Krauss e Fried que não seriam adequadamente traduzidos por palavras como meio e forma.
  • 2
    Judd utiliza progressões geométricas, formadas por uma sequência numérica na qual o número seguinte é obtido a partir da multiplicação do número precedente por uma razão fixa (exemplo: 1, 2, 4, 8, 16); progressões aritméticas, nas quais o número seguinte é obtido a partir da soma do número precedente por uma razão fixa (exemplo: 1, 4, 7, 10, 13); séries harmônicas alternadas (1, -1/2, 1/3, -1/4), cuja soma é considerada o ln 2, havendo portanto um ponto convergente; e, ainda, a Sequência de Fibonacci, formada por uma sequência de números inteiros (geralmente iniciando-se com 0 ou 1), em que cada termo subsequente corresponde à soma dos dois precedentes. A Sequência de Fibonacci, conhecida desde a Antiguidade, surge em configurações biológicas, como nas conchas espiraladas dos náutilos, nas folhas distribuídas em uma haste ou no caule de determinadas plantas, ou ainda em arranjos de cones de alcachofras, bromélias e abacaxis. Cabe ressaltar ainda que a taxa de crescimento dessa sequência tende à razão áurea, recorrente nas pinturas renascentistas.
  • 3
    Ao vincular Albers a Judd, Yve-Alain Bois também endereça tal pictorialismo: “A posição de Judd é clara e perfeitamente congruente com seu declarado empirismo: mesmo que a estrutura seja idêntica, nenhuma das suas pilhas, nenhuma das obras relacionadas à peça de Wallraf-Richartz, nenhuma das progressões do mural, nenhum trabalho é o mesmo que outro. É exatamente como a Homage to the Square de Albers, um pintor com quem Judd, ao basear grande parte de seu trabalho na brecha potencial entre uma forma ou cor ‘factual’ e sua percepção ‘real’ (como coloca Albers), desde cedo sentiu certa afinidade eletiva” (Bois, 1991BOIS, Yve-Alain. The Inflection. New York: Pace Gallery, 1991. , p. 11). De fato, a relação entre Judd e Albers é confirmada pelos escritos do primeiro sobre o segundo. Como crítico de arte, Judd escreveu reviews publicadas na Arts Magazine sobre as mostras de Albers em 1959, em 1963 e em 1964. Por fim, em um ensaio-homenagem para uma exposição de Albers em 1991, na Chinati Foundation, confrontando o que ele denomina de know-nothingism (algo como um nada-saberismo) da crítica de arte (Clement Greenberg e Hilton Kramer incluídos), Judd se esforça por reabilitar o mestre valorizando sua preocupação geométrico-cromática e seu vínculo com a Bauhaus (Judd, 2006JUDD, Donald. Josef Albers, 1991, Chinati Foundation exhibition catalogue. In: THE CHINATI FOUNDATION. Newsletter. Marfa, Texas, 2006. v. 11. ).
  • 4
    Mel Bochner, em seu ensaio Serial Art, Systems, Solipsism, também nota o pictoralismo de Dan Flavin: “Um dos artistas que fez basicamente uso de um procedimento progressivo foi Dan Flavin. [...] Embora a sua colocação de lâmpadas fluorescentes paralelas e adjacentes umas às outras em números ou tamanhos variados seja ‘plana’ e óbvia, os resultados são qualquer coisa menos isso. São justamente esses efeitos ‘brilhantes’ que confundem e compõem as dificuldades” (Bochner, 1968BOCHNER, Mel. Serial Art, Systems, Solipsism. In: BATTCOCK, Gregory (Ed.). Minimal Art - A Critical Anthology. New York: E.P. Dutton, 1968. P. 92-102., p. 99).
  • 5
    Para Foster, a poética de Dan Flavin, apesar de estar inserida no movimento de Judd e Andre, não representa por completo um objeto específico, mas um fenômeno específico. Eis a catástrofe do Minimalismo, também referida por Krauss (1990KRAUSS, Rosalind. The Cultural Logic of the Late Capitalist Museum. October , Cambridge, The MIT PRESS, v. 54, p. 3-17, Autumn 1990.) em The Cultural Logic of the Late Capitalist Museum, na medida em que a segunda linha do Minimalismo se torna dominante com os trabalhos, por exemplo, de Olafur Eliasson, James Turrel e os demais artistas da Light Art.
  • 6
    Tal consideração questiona a própria argumentação de Fried de que seu ensaio baseia-se não apenas nos textos, mas também nas experiências minimalistas. De acordo com o autor, a questão da teatralidade provém de sua “[...] experiência com as obras e exposições literalistas durante os anos precedentes, em particular a minha impressão recorrente, especialmente em mostras dedicadas a um ou outro artista, da eficácia singular do literalismo enquanto mise-en-scène (Morris e Carl Andre eram mestres disso)” (Fried, 1998FRIED, Michael. Art and Objecthood. Chicago: University of Chicago Press, 1998., p. 40).
  • 7
    Thierry de Duve também nota uma contradição na argumentação de Judd, na medida em que ressoa nela um viés greenbergiano, a despeito do ceticismo do artista quanto à doutrina do crítico: “A noção de objeto específico de Judd me parece, paradoxalmente, uma defesa bastante greenbergiana contra a proposição de Greenberg sobre a separação de mediums. Deixe-me desenhar um pequeno esquema. Aqui está a sobreposição da pintura, onde todos os trabalhos que Judd menciona em seu artigo, incluindo os dele próprio, podem ser localizados. Greenberg lê esta área como simultaneamente pintura e escultura, e é assim que ele valida o trabalho de Anne Truitt, por exemplo. Mas Judd tenta isolar esta área, ler seu conteúdo como não sendo nem pintura nem escultura, autonomizando-a por meio de um novo nome, tão específico quanto a pintura e a escultura, mas novo: objetos específicos, precisamente” (Buchloh et al., 1994BUCHLOH, Benjamin et al. The Reception of the Sixties. In: BRYAN-WILSON, Julia (Ed.). October Files 15: Robert Morris. Cambridge, Massachusetts: The MIT Press, 2013. P. 111-136., p. 142). Krauss recorre à opinião de Duve em Specific’ Objects, onde ela também reconhece que a ênfase na tridimensionalidade por Judd não seria nada mais do que o reconhecimento das conquistas pós-cubistas (Krauss, 2010KRAUSS, Rosalind. Perpetual Inventory. Cambridge, Massachusetts: MIT Press, 2010., p. 48). Já Hal Foster, em What’s Neo about the Neo-Avant-Garde?, considera a enorme lista de precursores desenvolvida por Judd - envolvendo aí a justaposição incoerente entre Duchamp e a New York School Painting - como um método que procura extrair uma prática nova para além da objetividade - promovida tanto pelo nominalismo de Duchamp quanto pelo formalismo da escola norte-americana - rumo aos objetos específicos.
  • 8
    Stella: “Os pintores geométricos europeus realmente se dedicam ao que eu chamo de pintura relacional. A base desta ideia é o equilíbrio” (Glaser, 1968GLASER, Bruce. Questions to Stella and Judd. In: BATTCOCK, Gregory (Ed.). Minimal Art - A Critical Anthology . New York: E. P. Dutton, 1968. P. 148-164., p. 149).
  • 9
    Lucy R. Lippard, em sua introdução ao texto publicado na ARTNews, afirmou que a entrevista continha “a primeira extensa declaração de Frank Stella, amplamente reconhecido por ser o responsável de grande parte da pintura estrutural atual, e Donald Judd, um dos expoentes inaugurais da estrutura primária escultural”, sendo a última menção uma explícita referência à exposição Primary Structures, que ocorreu no Jewish Museum entre abril e junho de 1966 com curadoria de Kynaston McShine, tendo participado diversos artistas, tais como Carl Andre, Dan Flavin, Donald Judd, Sol LeWitt, Walter De Maria, Robert Morris etc. (Glaser, 1968, p. 148). Trata-se de uma formulação interessante na medida em que sublinha a questão sistêmica do trabalho de ambos, havendo uma relação fundamental entre os elementos que está no cerne da noção de estrutura.
  • 10
    Stella chega a afirmar que desejaria proibir os observadores de suas obras de explorar os detalhes pictóricos.
  • 11
    Se, para Fried, Tony Smith é um artista minimalista, para Harold Rosenberg, ele é sua antítese: “Com os simbolistas da virada do século, a ‘arte pura’ foi uma arte de essências metafísicas. As estruturas de Smith são puras nesse sentido simbolista, tão silenciosas e solitárias como o espaço sob um viaduto à meia-noite. As construções minimalistas têm um caráter exatamente oposto; desprovidas de insinuações metafísicas, elas afirmam sua pureza confrontando o público por meio de um desafio agressivo às suas capacidades periciais, como algo oferecido ‘como é’. A arte primária é tanto arte ambiental quanto arte para a participação do público em um grau não inferior a uma casa cinética de diversão ou um Happening” (Rosenberg, 1968ROSENBERG, Harold. Defining Art. In: BATTCOCK, Gregory (Ed.). Minimal Art - A Critical Anthology . New York: E.P. Dutton , 1968. P. 298-307., p. 307).
  • 12
    O problema suscitado pela poética de Tony Smith é o seguinte: como vincular a simplicidade formal de suas obras com a experiência noturna em Nova Jersey e também o convite do artista a uma permanente investigação de seus cubos? A leitura realizada por Georges Didi-Huberman, em O que vemos, o que nos olha, é bastante esclarecedora da conjugação entre esses elementos. Situando a trajetória de Tony Smith em contraste com o pictorialismo de David Smith, Didi-Huberman interpreta os seus cubos negros no contexto de um paradigma noturno - são blocos de noite, blocos de latência - onde as coordenadas cartesianas, as soluções tautológicas e as crendices se mostram, em conjunto, insuficientes. Há aqui um processo - e uma imagem - dialético(s), visto que a simplicidade do cubo não motiva apenas conclusões tautológicas, mas se revela como uma mancha no visível que induz à desorientação do observador, desnorteamento resultante do apagamento dos limites entre a realidade psíquica e a realidade material. Assim, “[...] a mais simples imagem nunca é simples, nem sossegada como dizemos irrefletidamente das imagens. A mais simples imagem, contanto venha à luz como veio à luz o cubo de Tony Smith, não dá a perceber algo que se esgotaria no que é visto, e mesmo no que diria o que é visto. [...] O cubo de Tony Smith, apesar de seu formalismo extremo - ou melhor, por causa da maneira como seu formalismo se dá a ver, se apresenta -, frustra de antemão uma análise formalista que se considerasse como pura definição das ‘especificidades’ do objeto. Mas frustra igualmente uma análise iconográfica que quisesse considerá-la a todo custo como ‘símbolo’ ou alegoria no sentido trivial desses termos. [...] As imagens de arte - por mais simples e ‘minimais’ que sejam - sabem apresentar a dialética visual desse jogo no qual soubemos (mas esquecemos de) inquietar nossa visão e inventar lugares para essa inquietude [...] Uma escultura de Tony Smith - e em primeiro lugar seu cubo - poderia ser assim considerada como um grande brinquedo (Spiel) que permite operar dialeticamente, visualmente, a tragédia do visível e do invisível, do aberto e do fechado, da massa e da escavação” (Didi-Huberman, 1998, p. 95-97; p. 107). Portanto, Didi-Huberman substitui as implicações metafísicas que Rosenberg via nas esculturas de Smith por implicações psicanalíticas.
  • 13
    O teatro épico foi definido por Bertold Brecht (2005) em franca oposição àquilo que se conhece por teatro dramático tradicional. Arrisca-se a dizer que a teatralidade de Artaud é muito mais radical do que a desenvolvida por Brecht, posto que não tenta substituir um conjunto de convenções por outras. O teatro da crueldade, longe de ser um apanhado de técnicas, questiona radicalmente todos os fundamentos da prática teatral ocidental, em especial o logocentrismo que submete a cena ao texto. Se o teatro do distanciamento seria alheio ao teatro da crueldade, o mesmo poderia ser dito também para o que Derrida denomina de teatro abstrato, o qual deve ser compreendido como um acontecimento cênico que prescinde de alguns recursos de significação (dança, música, volume, profundidade plástica, imagem visível, sonora, fônica etc.), não sendo, pois, um teatro total. “Um teatro abstrato”, pontua Derrida, “é um teatro no qual a totalidade do sentido e dos sentidos não seria consumida” (Derrida, 2014DERRIDA, Jacques. A Escritura e a Diferença. São Paulo: Perspectiva, 2014., p. 356). A fragmentação da experiência perceptiva em recursos de significação voltados para sentidos específicos faz com que o teatro abstrato ecoe, por assim dizer, a perspectiva greenbergiana de compartimentalização das artes de acordo com os mediums respectivos.
  • 14
    O antropomorfismo é investigado por Didi-Huberman tanto pela recorrência com que as obras minimalistas se utilizam das dimensões humanas (em especial, a altura) quanto pela cadeia associativa latente na simplicidade da forma geométrica: “O cubo de Tony Smith é antropomorfo na medida em que tem a capacidade, por sua própria apresentação, de nos impor um encadeamento de imagens que nos farão passar da caixa à casa, da casa à porta, da porta ao leito e do leito ao ataúde” (Didi-Huberman, 1998DIDI-HUBERMAN, Georges. O Que Vemos, O Que Nos Olha. São Paulo: Ed. 34, 1998., p. 127).
  • 15
    Não se pode ignorar, por exemplo, que a vocação não representativa da performance art explora com certa frequência a noção de monstruosidade (pense-se nos Happenings, nos Acionistas Vienenses, em Marina Abramovic pré-commodity, em Paul McCarthy etc.). Por outra via, a emergência da curadoria nas últimas décadas, paralela ao florescimento das instalações, relaciona-se também com uma certa noção de teatralidade. Indícios disso são encontrados na presença de curadores com trajetória anterior no teatro, a exemplo do suíço Harald Szeemann, do italiano Francesco Bonami e do costa-riquenho Jens Hoffmann. E, ainda, em recentes exposições que propõem um diálogo mais explícito entre o teatro e as artes visuais, em especial The World as a Stage, com curadoria de Jessica Morgan e Catherine Wood; e Theatrical Fields, com curadoria de Ute Meta Bauer. Se a noção de teatralidade em Fried, apesar de pouco se relacionar com o desenvolvimento moderno das artes cênicas, prevê negativamente a disseminação de exibições cênicas, ela, por outro lado, recupera do século XIX o debate em torno do termo através de seu vínculo com a teoria, tanto teatral quanto pictórica, de Denis Diderot.
  • 16
    “Como uma figura humana, o Light Prop tem uma estrutura interna que afeta sua aparência externa e, mais crucialmente, uma fonte interna de energia que faz com que ela se mova” (Krauss, 1981, p. 208).
  • 17
    “[Rêlache] perturba a premissa do espectador de que ele deve possuir alguma medida de controle sobre os eventos no palco, sabendo como antecipar os rumos que a ação irá tomar” (Krauss, 1981, p. 212).
  • 18
    Em ‘End of Art’ or ‘End of History’?, Fredric Jameson situa o advento do happening no contexto mais amplo de experimentação teatral que marcou a década de 1960. Para o autor, a principal característica da produção dessa década seria a emancipação cênica, não mais submetida aos ditames de uma dramaturgia, sendo esta utilizada como pretexto: “[...] A prática teatral deste período fica a uma certa distância mínima dos textos que ela pressupõe como pretextos e das suas condições de possibilidade: os happenings levariam essa situação ao seu limite extremo, alegando acabar completamente com o pretexto do texto e oferecendo um espetáculo da mais pura performance enquanto tal, e que também paradoxalmente busca abolir a fronteira e a distinção entre ficção e fato, ou entre arte e vida” (Jameson, 1998JAMESON, Fredric. The Cultural Turn: Selected Writings on the Postmodern (1983-1998). London; New York: Verso Books, 1998. , p. 74-75). O autor não hesita em ressaltar o viés político da experimentação teatral da década de 1960, sendo a performance considerada uma práxis social estreitamente vinculada aos protestos políticos que marcaram o período.
  • 19
    Sontag ressalta a importância de Allan Kaprow, figura pioneira do happening, e também de um conjunto de artistas visuais e músicos envolvidos nesse tipo de atividade (Jim Dine, Red Grooms, Robert Withman, Claes Oldenburg, Al Hansen, George Brecht, Yoko Ono, Carolee Schneemann, Dick Higgins, Philip Corner e LaMonte Young). Além disso, a ensaísta defende a hipótese de os happenings serem um desenvolvimento lógico da New York School of Painting dos anos 1950, atestando também a confluência entre esses eventos e as assemblages e combine paintings (algo que é bastante evidente na poética de Schneemann, por exemplo). Ressalta-se, por fim, que o interesse de Sontag tanto pelo happening quanto pela estética camp agrupa-se em torno de sua desconfiança quanto ao método hermenêutico de interpretação. Sontag propõe então uma substituição da tarefa hermenêutica da arte por um erotismo da arte, sendo esta uma provocação a um pensamento hegemônico que postula que o valor da arte residiria inteiramente no seu conteúdo, devendo este ser então interpretado. Para a autora, a pletora de interpretações sobre arte produzidas até o século XX, antes de liberar os sentidos latentes nas obras, envenenaria as nossas sensibilidades e domesticaria a produção artística (Sontag, 1966SONTAG, Susan. Against Interpretation and Other Essays. New York: Picador, 1966.).
  • 20
    Há, de fato, um debate acirrado entre os propositores do happening quanto ao justo significado do termo. O exemplo mais adequado a esse contexto é, sem dúvida, o debate epistolar entre Allan Kaprow e Claes Oldenburg, ocorrido entre julho e dezembro de 1961, a partir das discordâncias do segundo frente aos textos publicados pelo primeiro. Basicamente, os dois discordariam quanto à natureza de vínculo entre a arte e a realidade: enquanto Kaprow descarta toda a autonomia da arte em proveito de sua total fusão com a vida, a ponto de comprometer inclusive a existência e o status de suas produções, Oldenburg, por sua vez, considera inaceitável a perda da intenção artística e do objeto estético. Ao comentar o ensaio Happenings in the New York Scene (ARTNews, maio de 1961), onde Kaprow expõe suas dúvidas quanto à condição artística de sua produção, Oldenburg diz: “A criação artística é a capacidade de projeção de uma ilusão de realidade que existe em certos indivíduos. Ela existe nessas pessoas como uma necessidade e um ato natural. Eles o exalam, lá ela está. Ela não existe emancipada de um artista como um objeto e livre do criador e submetida a um tema como ‘comércio de cavalos’ ou ‘vida criativa’, ‘questões éticas’ ou algo do tipo” (Oldenburg apud Ehninger, 2014, p. 196). No mesmo texto, menciona-se também o diálogo epistolar entre Kaprow e Harold Rosenberg, no qual os dois autores refletem a respeito da importância dos termos happening e action painting, ao que o primeiro afirma: “É bastante auspicioso, portanto, que você e, até certo ponto eu, encontramos duas metáforas basilares: Action and Happenings” (Kaprow apud Ehninger, 2014EHNINGER, Eva. What’s Happening? Allan Kaprow and Claes Oldenburg Argue about Art and Life. Getty Research Journal, Los Angeles, n. 6, p. 195-202, 2014., p. 200).
  • 21
    A obra de Oldenburg também é incluída no projeto teórico do informe, no verbete Ray Guns, cujo título refere-se a uma série infinita que o artista produz a partir da articulação perpendicular entre duas tiras dos mais variados materiais. “A ray gun é o ‘ângulo universal’” esclarece Bois, que reflete a respeito do interesse de Oldenburg por elementos descartados da sociedade de consumo, em especial, nas primeiras exposições do artista - The Street (janeiro a março de 1960), The Store (1961-3) e o museu ficcional da Documenta de Kassel V (1972). No primeiro caso, por mais que a Judson Gallery (onde ocorreram também os happenings) tenha se transformado em uma lata de lixo, dado o acúmulo de detritos trazidos para o espaço pelo artista, haveria ainda um processo de estetização do lixo, resolvido pelo projeto posterior, visto que “a ideia da loja partiu da premissa de que toda a audácia vanguardista é assimilável, recuperável pela cultura de classe média [...] A solução projetada para este dilema: ignorar o estágio ilusório em que a arte pretende escapar da mercantilização” (Krauss; Bois, 1999KRAUSS, Rosalind; BOIS, Yve-Alain. Formless - a user’s guide. New York: Zone Books, 1999., p. 175-176).
  • 22
    O comentário pode ser visto em: <https://www.youtube.com/watch?v=UP-8O-M0b18>. Acesso em: 19 mar. 2017.
  • 23
    O comentário pode ser visto no site do Whitney Museum pelo link: <http://whitney.org/WatchAndListen/Exhibitions?context=Exhibition&play_id=53>. Acesso em: 19 mar. 2017.
  • Este texto inédito também se encontra publicado em inglês neste número do periódico.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Ago 2018
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    10 Ago 2017
  • Aceito
    20 Mar 2018
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