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Videodança Bárbara e suas Poéticas de Diálogos ‘CCC’, ou dos entres Corpo, Crenças e Cidade

Vidéodanse Bárbara et sa Poétique des Dialogues ‘CCC’, ou Entre Corps, Croyances et la Ville

RESUMO

O objetivo é refletir como a obra Bárbara cria poéticas artísticas a partir do diálogo entre espaço urbano e videodança problematizando crenças arraigadas da arte contemporânea e tensionando outras, diferentes, da cultura digital. Adotam princípios da prática como pesquisa para discutir as interfaces entre dança, tecnologia audiovisual e a arquitetura moderna de Cataguases, Minas Gerais. Destacam-se estratégias de gravação e edição presentes no processo de criação da videodança Bárbara, e discute-se o estado de transe, de estranhamento, que aconteceu tanto com a personagem, quando ousou dançar em espaço sacro da cidade, quanto com os pesquisadores que se atreveram a se aventurar, de forma errante, pelos caminhos híbridos da arte contemporânea que dialoga dança e audiovisual.

Palavras-chave:
Videodança; Processo de Criação; Espaço Urbano; Modernismo; Arte Contemporânea.

RÉSUMÉ

L’objectif est de réfléchir sur la façon dont le travail de Bárbara crée une poétique artistique à partir du dialogue entre l’espace urbain et la vidéodanse, problématisant les croyances profondément enracinées de l´art contemporain et mettant en tension d’autres, différentes, de la culture numérique. Des principes de pratique sont adoptés comme recherche pour discuter des interfaces entre la danse, la technologie audiovisuelle et l’architecture moderne à Cataguases, Minas Gerais. Les stratégies d’enregistrement et de montage sont mises en évidence dans le processus de création de la vidéodanse Bárbara, et l’état de transe, d’éloignement, qui est arrivé à la fois au personnage, lorsqu’il a osé danser dans l’espace sacré de la ville et aux chercheurs qui osé s’aventurer, de manière déambulatoire, dans le voies hybrides de l’art contemporain qui fait dialoguer danse et audiovisuel.

Mots-clés:
Vidéodanse; Processus Créatif; Espace Urbain; Modernisme; Art Contemporain.

ABSTRACT

The objective is to reflect on how the work Bárbara creates artistic poetics from the dialogue between urban space and screendance, problematizing deeply rooted beliefs from contemporary art and tensioning others, different ones, from digital culture. Principles of practice are adopted as research to discuss the interfaces between dance, audiovisual technology and modern architecture in Cataguases, Minas Gerais. Recording and editing strategies are highlighted in the creative process of the videodance Bárbara, and the state of trance, of estrangement that happened both to the character, when she dared to dance in a sacred space of the city, and to the researcher who dared to venture, in a wandering way, through the hybrid paths of contemporary art that dialogue dance and audiovisual.

Keywords:
Screendance; Creative Process; Urban Space; Modernism; Contemporary Art.

Situando Bárbara

Este texto, uma reflexão sobre influências mútuas entre tecnologia e o processo de criação artístico, situa-se em estudos (e.g., Aires; Dantas, 2021AIRES, Daniel; DANTAS, Mônica Fagundes. Criação em videodança: contaminações e desdobramentos entre corpos e tecnologias. Moringa: artes do espetáculo, João Pessoa, v. 12, n. 1, p. 113-133, 2021.; Linardi, 2021LINARDI, Renata Maria Daibes de Oliveira. De fora para dentro: olhando o quotidiano e o urbano através da videodança. 2021. Dissertação (Mestrado, Práticas Artísticas em Artes Visuais) - Universidade de Évora, Évora, 2021.; Wildhagen, Andraus, 2015WILDHAGEN, Joana; ANDRAUS, Mariana Baruco Machado. Videodança e a produção/difusão de conhecimento em arte. IPOTESI Revista de Estudos Literários - Intermidialidade e seus diálogos contemporâneos, v. 19, n. 1, p. 1-15, 2015.) que, de forma direta ou indireta, procuram entender como se processam videodanças em que os corpos dançantes dialogam com os espaços urbanos. Quais poéticas foram elaboradas, pelos artistas envolvidos, para a realização da videodança Bárbara, na qual há íntima conexão com a arquitetura da cidade de Cataguases/MG? Ao discutir tais poéticas, introduzimos o panorama de processos, artefatos tecnológicos, metodologias, estratégias e dispositivos utilizados na obra, o que auxilia a compreensão do nosso recorte: possíveis conexões entre linguagem audiovisual, ocupações e ações artísticas corporificadas com e naquela cidade.

Para adensar interfaces entre dança, tecnologia audiovisual e a arquitetura modernista de uma cidade interiorana mineira, Cataguases, que tem destaque no cenário cinematográfico nacional, adotamos princípios da pesquisa in-ex-corporada (Vieira, 2020VIEIRA, Alba Vieira. Trocas in-ex-corporadas na formação em artes: uma proposta que valoriza formas de conhecimento do corpo e de povos originários. Teatro: Criação e Construção de Conhecimento, Palmas, v. 8, n. 1-2, p. 203-218, 2020. Disponível em: https://sistemas.uft.edu.br/periodicos/index.php/teatro3c/article/view/11805/18523. Acesso em: 10 jan. 2022.
https://sistemas.uft.edu.br/periodicos/i...
; 2021VIEIRA, Alba Vieira. Dramaturgia do cóccix na videoperformance Ábar. Repertório, Salvador, v. 1, n. 36, p. 37-62, 2021. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/revteatro/article/view/38207. Acesso em: 10 ago. 2022.
https://periodicos.ufba.br/index.php/rev...
; Vieira et al. 2022VIEIRA, Alba et al. Pesquisa como re-existências somato-ambientais. In: GERALDI, Silvia et al. (Org.). Artes da Cena e Direitos Humanos em tempos de pandemia e pós-pandemia. E-book. Campinas: ABRACE, 2022. P. 318-344.). Essa proposta metodológica é um desdobramento da prática como pesquisa (Midgelow, 2019MIDGELOW, Vida L. Practice-as-Research. In: DODDS, Sherril (Org.). The Bloomsbury Companion to Dance Studies. Londres: Bloomsbury Academic, 2019. P. 111-144.), assim como a practiced-based research (Candy, 2006CANDY, Linda. Practice based research: A guide. CCS Report, Sidney, University of Tecnology, v. 1, p. 1-19, Nov. 2006.; Candy; Edmonds 2010CANDY, Linda; EDMONDS, Ernest. The role of the artefact and frameworks for practicebased research. In: BIGGS, Michael; KARLSSON, Henrik. The Routledge Companion to Research in the Arts. London: Routledge, 2010.). A in-ex-corporação, como explicado por Vieira (2020VIEIRA, Alba Vieira. Trocas in-ex-corporadas na formação em artes: uma proposta que valoriza formas de conhecimento do corpo e de povos originários. Teatro: Criação e Construção de Conhecimento, Palmas, v. 8, n. 1-2, p. 203-218, 2020. Disponível em: https://sistemas.uft.edu.br/periodicos/index.php/teatro3c/article/view/11805/18523. Acesso em: 10 jan. 2022.
https://sistemas.uft.edu.br/periodicos/i...
, p. 205), privilegia a cognição corporal segundo a compreensão de que cérebro é corpo, e de que há uma “tempestade corporal” durante pesquisas artísticas que se nutrem da prática em relação simétrica com a teoria. Esse conceito, para a pesquisadora, mais bem reflete o turbilhão holístico que invade o ser humano durante o processo de construção de conhecimento que conjuga prática artística com a leitura e a escrita, além de outros procedimentos investigativos, constituindo-se em camadas que complementam e tensionam a complexa geração de pensamentos nos entres dos fluxos internos e externos, compreensões e reflexões. A proposta também reconhece a importância da intuição e do conhecimento tácito nas pesquisas em Artes.

O processo de busca pelo entendimento de relações entre dança, vídeo e cidade, embora não tenha seguido uma ordem rígida e cronológica, pode ser dividido em três etapas: 1) diálogo somático-espacial, entre corpo artístico e espaço urbano, para escolha do local onde iríamos afinar as relações dança e audiovisual para criação da videodança; 2) corporificação de experimentações em videodança no local escolhido, a Praça Santa Rita, incluindo a Igreja Santa Rita de Cássia; 3) concepção e montagem das videodanças.

Bárbara é fruto de uma pesquisa que privilegia aspectos híbridos e colaborativos entre dança e audiovisual. Na obra existem, a nosso ver, quatro categorias de performers protagonistas: intérprete-criadora, câmera, diretorcinegrafista e a cidade1 1 Link da videodança Bárbara: https://vimeo.com/291991127. Senha de acesso: burlemarx. Acesso em: 02 jun. 2022. . Nesse contexto intermidiático, o processo de criação artístico se beneficia das contaminações entre dança contemporânea, improvisação e a arquitetura de Cataguases. Todos se tornaram coperformers nesta investigação, em que um dos focos foi criar considerando o contexto arquitetônico, histórico e social do espaço pesquisado em Cataguases, visando expandir possibilidades de inovação poética em videodança.

Essa Tal de Videodança

A videodança, no contexto das novas mídias, caracteriza-se pelo hibridismo entre dança e tecnologia. Supostas fronteiras, ao se diluírem, possibilitam poéticas e narrativas inimagináveis. Angeli (2017)ANGELI, Diogo Theotonio. A dança no século XXI: o hibridismo e a tecnologia nas criações em dança contemporânea. 2017. Dissertação (Mestrado em Artes da Cena) - Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2017. reforça essa compreensão ao discutir as relações híbridas entre dança e tecnologia pela mistura de elementos e características das duas linguagens com suporte de aparatos tecnológicos disponíveis. Dentre esses aparatos, duas ferramentas importantes na concepção de obras artísticas são o vídeo e o computador. Na videodança, o relacionamento de várias linguagens (a princípio a dança e o audiovisual) encontra-se no cerne da sua existência: é impossível falar de videodança e não levar em consideração seu aspecto híbrido e intermidiático.

Ao abordarmos a videodança como uma arte híbrida, a partir do conceito de híbrido discutido por Canclini (1998)CANCLINI, Néstor García. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. 2. ed. Tradução: Heloísa P. Cintrão e Ana Regina Lessa. São Paulo: Edusp, 1998., assumimos que ela se torna um campo decorrente da intersecção de outros campos da prática artística (e.g., sonoro, verbal, visual, corporal, cinético). Para compreendê-la, é preciso discutir a forma como ela é contaminada pelo campo da arte de onde partiu, como uma nova estrutura.

Desde o início do século passado, artistas como Loie Fuller e Isadora Duncan, posteriormente Merce Cunningham e mais adiante no tempo Willian Forsythe - para citar alguns -, têm revelado suas descobertas acerca das potencialidades da dança em diálogo com outras linguagens artísticas. Do uso de dispositivos técnicos do teatro enquanto estrutura legitimadora das artes cênicas às relações entre softwares e câmeras de vídeo portáteis, a dança vem se desenvolvendo permeada por relações intermidiáticas.

Em seus primórdios, o vídeo relacionado à dança possuía um caráter de registro, já que ela é considerada efêmera. As notações de Rudolf Laban (Abe et al., 2017ABE, Naoko et al. On the use of dance notation systems to generate movements in humanoid robots: The utility of Laban notation in robotics. Social Science Information, v. 56, n. 2, p. 328-344, 2017.), uma das tentativas de sistematizar e registrar a dança, arte atrelada ao instante do movimento, revela como tem sido difícil para os pesquisadores e criadores seu registro pela escrita ou imagem estática (Spanghero, 2003SPANGHERO, Maíra. A dança dos encéfalos acesos. São Paulo: Itaú Cultural, 2003.).

Longe de ser um mero registro de dança, a videodança caracteriza-se como forma de experimentação entre dança e vídeo. Suas raízes têm íntima ligação com o cinema, incluindo os importantes trabalhos de Maya Deren na fase embrionária do que hoje conhecemos e nomeamos como videodança. Spanghero (2003SPANGHERO, Maíra. A dança dos encéfalos acesos. São Paulo: Itaú Cultural, 2003., p. 38) esclarece que:

[...] o que interessa primordialmente é que a câmera dance com o bailarino e que o bailarino se coloque no espaço e no tempo da câmera. No olhar da câmera. Quando a dança é captada pelo olho da imagem, ela ganha uma outra existência. Na realidade, este jogo adaptativo permite o florescimento de novas práticas para a dança e a modificação do corpo.

A autora destaca três tipos de prática presentes na relação dança e vídeo. A primeira se resume no registro em estúdio, palco ou outro local, sendo nada mais que a gravação da coreografia original, sem a sua alteração. A segunda prática diz respeito à adaptação coreográfica para a tela, uma transposição intermidiática de um meio para outro. A terceira refere-se às danças criadas especialmente para o vídeo, “[...] um processo carregado de transformações que constroem novos conceitos. São danças criadas para o corpo do vídeo e para o olho que se habituou a conviver com televisão, vídeo e cinema” (Spanghero, 2003SPANGHERO, Maíra. A dança dos encéfalos acesos. São Paulo: Itaú Cultural, 2003., p. 38).

Há diversos artistas e grupos nacionais (e.g., Almeida, 2021ALMEIDA, Karina. Por uma lógica do corpo: cinestesia e coreografia na criação em videodança. In: PEREIRA, Sayonara (Org.). Dança(s), lugares e paisagens: Escritos cênicos dos pesquisadores do LAPETT. São Paulo: ECA-USP, 2021. P. 88-101.; Caldas, 2012CALDAS, Paulo. Poéticas do movimento: interfaces. In: CALDAS, Paulo (Org.) et al. Dança em foco: ensaios contemporâneos de videodança. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2012. P. 239-253.; Graça, 2019GRAÇA, Lilian Seixas. A Percepção cinéstesica na Videodança: ReverberAÇÕES empáticas entre corpos de carne e da tela. 2019. Tese (Doutorado em Artes Cênicas) - Escola de Teatro, Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2019. Disponível em: https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/30515. Acesso em: 22 mar. 2022.
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) e internacionais com trabalhos de dança em diálogo com o vídeo; dentre aqueles bastante reconhecidos internacionalmente, há muitas décadas, estão Anne Teresa de Keersmaeker, DV8 Physical Theatre e Merce Cunningham. Um exemplo das obras destes artistas é Westbeth, lançada em 1975, produzida pelo coreógrafo e bailarino Merce Cunningham e pelo videomaker Charles Atlas. Essa videodança, que selou a primeira de muitas parcerias entre ambos os artistas, divide-se em seis partes e tem como premissa a ideia segundo a qual a tela modifica o modo de olhar dança, pois altera a sensação de tempo. Na América Latina diversos nomes têm se destacado na videodança há décadas, tais como os brasileiros Analívia Cordeiro e Leonel Brum (2012)BRUM, Leonel B. Videodança: uma escrita cênica da dança. 2012. Tese (Doutorado em Artes Visuais) - Programa de Pós-graduação em Artes Visuais, Escola de Belas Artes, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012., a argentina Silvina Szperling e a mexicana Pola Weiss (sobre essas duas últimas artistas, vide pesquisa de Figueiredo e Vieira (2022)FIGUEIREDO, Maryah dos Santos; VIEIRA, Alba Pedreira. Videodança na América Latina: mulheres em movimento. In: REUNIÃO CIENTÍFICA DA ANDA, 7., Encontro Virtual. 2022. Anais […]. 2022.).

Importante ressaltar que, se a videoarte conquistou seu lugar em museus, provavelmente por seus criadores serem artistas plásticos e visuais, os produtores de videodança acabaram encontrando circulação em caminhos não tradicionais à dança, como festivais de vídeo e de cinema, conforme aponta Monten (2015)MONTEN, Joshua. Algo Velho, Algo Novo, Algo Emprestado... Ecletismo na Dança Pós-Moderna. Tradução de Mariana Baruco Machado Andraus e Joana Wildhagen. Conceição| Conception, Campinas, Universidade Estadual de Campinas, v. 4, n. 2, p. 111-128, dez. 2015.. No Brasil, festivais de videodança têm se firmado no cenário nacional, como por exemplo Dança em Foco e IMARP (Mostra Internacional de Dança).

Estímulos Estéticos do Elemento Urbano na Videodança

Como nosso objetivo é refletir como a obra Bárbara cria poéticas artísticas a partir do diálogo entre espaço urbano e videodança, é necessário destacar algumas características dessa cidade. Cataguases é uma cidade do estado de Minas Gerais, localizada na Zona da Mata, porção geográfica do país que manteve preservada a Mata Atlântica desde o começo do processo de colonização, iniciado no século XVI. Pela estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em 2021 a cidade possuía 75.942 habitantes.

Berço dos vários movimentos culturais que se instauraram a partir da década de 1920, a cidade mineira guarda, em suas ruas e esquinas, marcas de um significativo patrimônio cultural legado pelo movimento modernista. Esse período se caracteriza como fator primordial no processo de ocupação, construção e valorização da cidade. Entre esses movimentos culturais, que iniciaram no século XX, o cinema, a arquitetura moderna e o movimento literário Verde encontram-se como as primeiras manifestações artísticas e culturais da cidade que obtiveram sucesso e reconhecimento nacional.

Parece consenso entre os investigadores da história e cultura de Cataguases, principalmente aquela desenvolvida no início do século XX, o fato de que o tamanho da cidade e sua distância de grandes centros urbanos, como Rio de Janeiro e São Paulo, causem espanto por ela ter sido (e ainda ser) uma referência no patrimônio modernista brasileiro. Esse fato perpassa não apenas a Arquitetura, mas a Literatura e o Cinema (Couto, 2004COUTO, Thiago Segall. Patrimônio modernista em Cataguases: razões de reconhecimento e o véu da crítica. Arquitextos, São Paulo, Romano Guerra Editora, ano 05, n. 054, 04 nov. 2004. Disponível em: https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/05.054/527. Acesso em: 20 maio 2022.
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).

Influenciada pela Escola Carioca, o modernismo invade a cidade e, entre suas facetas, a Arquitetura se apresenta como uma referência de modernismo nela. No início, o art-déco foi o estilo adotado nas construções que renovaram a cidade na década de 1930; apesar de a arquitetura modernista ter invadido a cidade em 1940, o art-déco continuou como uma das representações da modernidade local em quase toda aquela década (Mello, 2014MELLO, Fernando Antonio Oliveira. Cataguases e suas modernidades. 2014. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade de Brasília, Brasília, 2014.).

A sede da Companhia Industrial Cataguases, as agências dos Correios e do Banco Nacional (Figura 1) são alguns exemplos desse primeiro momento modernista cataguasense, sem contarmos o número de residências e prédios comerciais no mesmo estilo que compõem o espaço urbano da cidade.

Figura 1
Agência do Banco Nacional. Fonte: Costa (1977)COSTA, Levy Simões. Cataguases centenária: dados para sua história. Juiz de Fora: Esdeva Empresa Gráfica, 1977..

Avançando na cronologia modernista presente na cidade, é fácil encontrar edifícios e construções que levam o nome de Oscar Niemeyer (Figura 2), Francisco Bolonha, Edgar Guimarães do Valle, sem contar esculturas de artistas renomados como Jan Zach, painéis de Cândido Portinari, entre outros. A relação próxima dos industriais locais com o movimento modernista, que se instalava no Rio de Janeiro e São Paulo, foi de extrema importância para o desenvolvimento de toda arte e cultura cataguasense que se desenvolveria a partir da segunda década do século XX.

Figura 2
Fachada do Colégio Cataguases, projeto de Oscar Niemeyer.

É justamente nesse cenário que a análise do espaço urbano para realizar Bárbara acontece: identificar elementos estéticos presentes na arquitetura moderna (nesse caso específico, a Igreja de Santa Rita de Cássia) e suas relações com a dança e o vídeo, no contexto de um processo de criação em videodança. Centra-se, dessa forma, nas relações entre o corpo dançante e o espaço urbano, o cinegrafista e a câmera, para investigar possibilidades poéticas.

Ao pensarmos no desenvolvimento desse processo de criação que dilui as fronteiras entre dança, vídeo e o espaço urbano, concordamos com Greiner (2019GREINER, Christine. O reenactment político da performance e seus microativismos de afetos. Revista Científica/FAP, Curitiba, Faculdade de Artes do Paraná, v. 21, n. 2, p. 18-32, jun/dez, 2019., p. 23), ao adotarmos uma atitude investigativa performativa que não apenas provoca a hibridação das duas linguagens, mas também, “[...] modos de pensar e agir, impregnados por uma disponibilização radical para enfatizar a metaestabilidade de cada um destes sistemas artísticos, irremediavelmente fragilizados pela exposição àquilo que não é dado a priori, mas sim, constituído na ação”. Bárbara então é uma videodança que assume a desestabilização do habitual; a postura política dos artistas envolvidos tem compromisso com o abandono da zona de conforto em prol da quebra de paradigmas, padrões e modelos para perceber e experimentar o espaço urbano de maneiras outras, inusitadas. Abraçamos a potencialidade do cruzamento entre as artes e problematizamos a legitimidade da arte nos seus espaços tradicionais (por exemplo, palcos, teatros, museus, galerias) para possibilitar ao transeunte (durante a gravação) e ao expectador (do trabalho finalizado) um olhar para uma estética diferenciada.

Videodança Bárbara

A videodança Bárbara1 1 Link da videodança Bárbara: https://vimeo.com/291991127. Senha de acesso: burlemarx. Acesso em: 02 jun. 2022. , gravada em maio de 2018 no Santuário de Santa Rita de Cássia, localizado no centro da cidade de Cataguases, Minas Gerais, é discutida em diálogo com diversos autores (e.g. Francksen, 2014FRANCKSEN, Kerry. Taking care of bodies ~ tracing gestures betwixt and between live-digital dancing. Body, Space & Technology, n. 13, p. 1-14, 2014. Disponível em: https://www.bstjournal.com/article/id/6818/. Acesso em: 12 jan. 2022.
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; Portanova, 2006PORTANOVA, Stamatia. Thinking movement and the creation of dance through numbers. International Journal of Performance Arts and Digital Media, v. 2, n. 2, p. 139-151, 2006.). A relação da intérprete-criadora com a igreja com a/na qual dança, sutilmente estabelece o ritmo, como o de um ritual de transe, estratégia que, esperamos, possa ser observada, pois foi intencionalmente reforçada na edição da obra. Nas relações com o espaço, o ponto de vista da câmera por vezes assume o ponto de vista da intérprete-criadora - seu olhar para a cidade desfocada, e em outras vezes há efeitos de focalização e close em partes do seu corpo. A proximidade entre o corpo câmera e o corpo humano parece ressaltar certa insistência em procurar revelar uma intimidade que não se concretiza. O insistente olhar baixo de Bárbara tensiona a insistência do ‘olhar’ da câmera para ela.

A repetição de movimentos e gestos fragmentados, os cortes secos e a aceleração, contrastam com o uso de pequenos planos sequência em que a personagem Bárbara se move de forma mais lenta. Blackouts ao longo da obra, que repetem o preto do figurino, sandálias e vestido pretos, parecem destoar ou evidenciar as cores quentes presentes: o amarelo do ambiente e o tom vinho da meia calça, que parece prolongar o cabelo ruivo da intérpretecriadora. Nessa complexa relação corpo humano e ambiente forma-se uma elipse narrativa em que Bárbara parece estar transtornada e confusa enquanto insiste em dançar em um grandioso edifício religioso que pede corpo em reverência, parado. Esse desconforto de Bárbara é revelado visualmente pelo enquadramento, que busca a centralidade da personagem, enquanto ela se desloca horizontalmente no jardim (de um lado para outro, fugindo desse lugar central), e verticalmente, quando ‘derrete’ para o chão quando está diante da parede de cerâmica de tijolinhos marrons.

A realização da gravação de uma videodança, que se nutre da cultura midiática/digital, na igreja, local que mantém a tradição religiosa na cidade, denota a provocação de pensar o corpo contemporâneo que pode existir tri e/ou bidimensionalmente. A modernidade presente na estrutura arquitetônica da igreja se encontra nesse evento artístico com um corpo-mundo que se confronta com/enfrenta supostas dicotomias como a realidade física e virtual, noções de espaço/tempo na/da dança e busca ampliar as possibilidades dessa arte por meio das suas articulações com as novas tecnologias digitais. Parece haver um choque entre passado e futuro, tradição e vanguarda, que exacerba demandas de diferentes posturas e ações artísticas, corporificadas, teóricas, investigativas, biopsicossociais, relacionais. Corpo e meio se retroalimentam e questionam valores, tradições, hábitos e crenças que ainda predominam na dança: videodança é dança? Qual corpo dança em uma videodança? Há necessidade de o corpo humano dançar em uma videodança? O que determina/caracteriza um trabalho de videodança?

A prática da reflexão corporificada foi fundamental para a concepção dramatúrgica orientada pelo impacto que o local de fé e espiritualidade causou na personagem Bárbara. Questionar o que parece historicamente consolidado tanto em arte e dança como na religiosidade. Como reconhecer princípios modernistas, românticos, clássicos, neoclássicos, tradicionais, ancestrais e outras referências que estão presentes nas nossas obras contemporâneas?

Para a concepção da videodança, o roteiro se embasou na discussão sobre dança e tecnologia digital de Francksen (2014)FRANCKSEN, Kerry. Taking care of bodies ~ tracing gestures betwixt and between live-digital dancing. Body, Space & Technology, n. 13, p. 1-14, 2014. Disponível em: https://www.bstjournal.com/article/id/6818/. Acesso em: 12 jan. 2022.
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: nessa relação, o corpo não é um, está/é expandido. Assim, corpo e tecnologia digital não se separam quando em relação. Esse é o estado de devir do corpo ser digital-vivo emergente. Essa ideia embasa a forma como a intérprete-criadora reconceitua sua dança e, simultaneamente, entrelaça tempo, espaço, movimento, gesto, com a potencialidade do que é continuamente emergente. Se não há ‘eu’, se existimos em relação, ou melhor, coexistimos, essa é uma forma de se entender o corpo humano em relação ao digital.

Esse movimento de relação, corpo humano e corpo arquitetônico/templo de fé, foi evidenciado na edição, para construir uma poética que evidenciasse três aspectos da dramaturgia:

1) Aproximação com outras crenças: A grade separa o local da igreja do restante da praça. Cruzar para o lado de dentro da grade é como estar/deixarse ser enjaulada para enfim se liberar por meio da exploração espaço/temporal nas articulações corpo e máquina. Uma cisão marcada pela Revolução Industrial procura então, na obra, momentos de reconciliação quando Bárbara resolve se lançar no espaço de descoberta, novidade e (re)conhecimento das infinitas possibilidades que se abrem com a dança que se faz em íntima parceria com tecnologias digitais. Concepções engendradas na dança contemporânea podem trazer desafios que subvertem a nossa ‘fé’ artística. Esse dilema se evidencia no encontro de Bárbara com a igreja, local que congrega fiéis que devem obedecer a autoridade eclesiástica. As conexões da dança com a cultura digital não buscam reforçar cisões de séculos. Ao contrário, ao ‘abraçar e acariciar’ (como Bárbara faz com plantas no jardim da igreja) a invenção de articulações inéditas, busca-se expandir e flexibilizar o entendimento éticoestético da arte. Permitir-se a aproximação a outras crenças, propostas, poéticas, linguagens e culturas pode trazer uma sensação de estar mais à vontade no processo de libertação de seguir fielmente dogmas ditados por códigos pré-determinados e gêneros reconhecíveis.

Essa aproximação a outras crenças é retratada no vídeo a partir de duas características principais: os takes em que aparece o percurso realizado pela intérprete-criadora no jardim da igreja (Figura 3), e os takes em que ela se relaciona com a porta da capela da igreja.

Figura 3
A personagem Bárbara adentra no jardim da igreja e o explora.

No jardim, ela observa, toca, percorre e se move naquele espaço que é assumido como o jardim do Éden do paraíso sagrado. Ali ela busca encontrar uma maçã (que nunca aparece na obra), símbolo na fé cristã do fruto do conhecimento, mas que é ao mesmo tempo fruto do pecado. A cor avermelhada da maçã está sutilmente presente no cabelo e meia-calça de Bárbara. O vermelho invade seus pensamentos curiosos de melhor compreender essa tal de videodança, esse mundo das novas tecnologias, e recobre suas pernas, que se movem inquietas, como se fosse uma andarilha em terras novas e estranhas, mas que perdeu o seu mapa. O estado de errância de Bárbara é diretamente conectado ao que Lepecki (2016)LEPECKI, André. Errância como trabalho: sete notas dispersas sobre dramaturgia da dança. In: CALDAS, Paulo; GADELHA, Ernesto (Org.). Dança e dramaturgia(s). São Paulo: Nexus, 2016. P. 61-83. aponta: uma possibilidade do encontro inusitado consigo mesmo, com outros seres (vivos e não vivos, humanos e não humanos, visíveis e não visíveis) e com outros espaços e tempos, deixando-se orientar pelo derivar, perder-se, extraviar-se. Bárbara dança em estado de movência e pausa sem saber ao certo para onde se dirige. É como se estivesse em um estado de transe (o que será discutido mais à frente neste texto).

Lepecki (2013LEPECKI, André. Coreo-política e coreo-polícia. Ilha Revista de Antropologia, Florianópolis, v. 13, n. 1-2, p. 041-060, jan. 2013., p. 56) defende trabalhos de arte em diálogo com os espaços urbanos e identifica essa orientação como política que, diferentemente da politicagem dos políticos, é “uma intervenção no fluxo de movimento da cidade e nas suas representações”. Então, a dança de Bárbara rompe com uma suposta visão do espaço público como vazio ou livre de acidentes de terreno. Na terra do jardim há pedras e gramas, até na cerâmica que reveste o piso da igreja há irregularidades. A videodança transforma o local sacralizado da igreja em espaço que tensiona “vetores de sujeitificação pré-dados” (Lepecki, 2013LEPECKI, André. Coreo-política e coreo-polícia. Ilha Revista de Antropologia, Florianópolis, v. 13, n. 1-2, p. 041-060, jan. 2013., p. 56).

A porta simboliza passagem, processo, fase de transição. Do lado de dentro da porta, por alguns segundos, podemos observar ao fundo um fiel fazendo o sinal da cruz e uma imagem de Santa Rita de Cássia, ambos desfocados. Qual movimento Bárbara precisa realizar para se aproximar de outras crenças? O ritmo alucinado de imagens revela incertezas entre ficar do lado de fora ou de dentro da grade que circunda a igreja, e também entrar ou não na capela. Optou-se por utilizar essas duas takes na edição da videodança por serem metáforas de uma espécie de curiosidade em relação ao novo (mundo virtual, digital, tecnológico). Isso é particularmente evidenciado nos planos e enquadramentos que focam o percurso de Bárbara no jardim, lugar de morte e vida constantes. O zoom busca deixar o espectador mais próximo desse momento de conflito vivenciado pela personagem. O mundo interno se agita enquanto as plantas do jardim permanecem firmes e enraizadas; somente as folhas das plantas se movem suavemente pela brisa leve.

2) Insights pessoais ou encontros com pequenas epifanias: a parede da igreja com revestimentos cerâmicos marrons se mostra como caminho da fé a ser percorrido cuidadosamente. Bárbara mede essa jornada com as mãos. A sentença matemática lhe faz ir ao chão no momento de ahas! A espiritualidade revela possibilidades de entendimento do incompreensível a partir de epifanias, é possível caminhar deitada, deixando seus pés serem conduzidos pela fé. Seu corpo na horizontal lhe permite escalar o edifício sagrado verticalmente.

3) Transformação pela fé: a grade e o jardim são novamente evidenciados. A cidade e o mundo são convidativos e chamam Bárbara. Há mesclas de movimentos rápidos e lentos, contínuos e quebrados durante a transformação que ocorre no fluxo interno e externo. As mãos se unem e são postas como símbolo de respeito e reverência, o que se reforça pelo corpo curvado. Consolida-se o processo dramatúrgico da obra: aproximação, encontro e transformação.

O nome Bárbara foi escolhido a partir de um fato histórico presente no Brasil escravocrata. No nosso país, a escravidão iniciou-se com a produção de açúcar na primeira metade do século XVI. Os portugueses traziam homens e mulheres africanos de suas colônias na África para usá-los como mão de obra escrava nos engenhos de açúcar do Nordeste. O período escravocrata, que também teve a utilização de mão de obra escrava indígena, durou oficialmente até 1888, ano em que a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea.

No cotidiano dos escravos, praticar as atividades que eram comuns quando estes viviam na África, era algo praticamente impossível, o mesmo em relação à religião. Os bantos, oriundos da Angola, Congo entre outros países trouxeram consigo suas práticas religiosas, como o candomblé de nação angola e o candomblé de nação ketu, assim como a devoção aos seus orixás.

Portanto, a prática dessas religiões era motivo de punição. Em várias ocasiões, quando os escravos rezavam ou cantavam para Iansã, orixá presente nessas culturas figurando como a senhora dos ventos e tempestades, para evitar qualquer tipo de repressão, substituíam a orixá por Santa Bárbara, cultuada na Igreja Católica como protetora contra raios e tempestades.

A escolha do nome Bárbara como título da videodança surgiu a partir da contextualização histórica da religião no Brasil, fato que mostra o sincretismo religioso como uma das principais características em relação a esse recorte sociocultural. A Umbanda, criada no início do século passado, ilustra bem esse fato, na qual santos católicos e orixás são reverenciados e utilizados em seus cultos e rituais. Essa mistura de crenças negras e europeias se relaciona ao hibridismo presente na videodança, como discutido anteriormente neste texto, bem como ao acolhimento de vários gêneros, linguagens, técnicas e vocabulários na arte contemporânea.

Outro motivo pela escolha do nome foi a corporalidade presente em diversas crenças africanas, em que a dança assume um papel importante no ritual. Corpo templo ritualístico. Corpo em templo ritualístico. A fé e a espiritualidade se manifestam não apenas internamente, ganham espaço e dialogam com o espaço.

Opções Estéticas e Técnicas

A instabilidade na imagem é orientada pelo ritmo de um transe religioso. A performance acontece como um ritual de passagem, de atravessamento. Um corpo no ciberespaço que se deixou contaminar pelo espaço da igreja de arquitetura moderna de Cataguases, mas que, ao mesmo tempo, tensiona os princípios modernistas que embasam tal edifício.

Alterações nos estados corporais e de consciência têm sido objeto de estudo em praticamente todas as sociedades humanas, principalmente no âmbito das práticas religiosas, apresentando-se de maneiras diferentes. Nesse contexto, os termos “transe” e “êxtase” são vocábulos comuns para vários religiosos e fiéis. O Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa define o êxtase (do grego ékstasis, pelo latim extase) como arrebatamento íntimo; enlevo, arroubo, encanto ou admiração de coisas sobrenaturais; pasmo, assombro. O que Bárbara estranha no edifício?

O transe, dessa forma, apresenta-se como uma prática ritual complexa, pois atrai seres sobrenaturais, sejam espíritos, divindades, santos ou orixás, porém é necessário que a pessoa tenha habilidades para possibilitar esse estado de consciência alterado. Segundo Rivas Neto (1994RIVAS NETO, Francisco. Umbanda: o elo perdido. São Paulo: Ícone Editora, 1994., p. 109), “nem todos os seres humanos são veículos de espíritos”, além de uma extensa lista de competências que são necessárias para a manifestação de uma divindade no corpo de um ser humano.

Essas definições não esgotam o significado dos termos supracitados e colocam três tipos de significação que geralmente estão associados a ele, conforme Maués (2003)MAUÉS, Raymundo Heraldo. “Bailando com o Senhor”: técnicas corporais de culto e louvor (o êxtase e o transe como técnicas corporais). Revista de Antropologia, São Paulo, Universidade de São Paulo, v.46, n. 1, p. 9-40, mar. 2003.: em primeiro lugar, um sentido ligado a estados que, embora sejam emocionais, podem ser experimentados por todos (arrebatamento); em segundo lugar, estados alterados de consciência provocados por doença psíquica; e, em terceiro lugar, estados místicos ou não místicos, resultados de uma influência, considerada exterior, sobre o corpo e a mente do indivíduo, através da hipnose, intrusão de espírito entre outros.

Como destacado por Schneider e Antunes (2010)SCHNEIDER, Daniela Ribeiro; ANTUNES, Larissa. A função imaginária no uso de substâncias psicoativas: contribuições de Jean-Paul Sartre. Revista do NUFEN, v. 2, n. 1, p. 66-91, jan./jun. 2010., uma das mais difundidas formas de transe ao longo da história, em diferentes culturas ao redor do mundo, é o uso de substâncias psicoativas. Nos contextos religiosos, o uso dessas substâncias ajuda o fiel a ter uma experiência de transcendência, mediando a transição entre o mundo físico e o mundo espiritual. Nos rituais, as substâncias são utilizadas como meio de acesso ao divino, havendo uma sabedoria oculta guardada nas ervas e plantas de poder capazes de proporcionar inspiração através de experiências visionárias. São plantas conhecidas e utilizadas desde a antiguidade, atuando como uma ponte para o sagrado, favorecendo a busca espiritual.

No Brasil, desde o início da colonização, inúmeras práticas utilizam essas substâncias. Uma das mais populares é a jurema, planta da família das leguminosas, bastante presente no litoral nordestino. A planta é muito utilizada em rituais religiosos indígenas, entre outras manifestações sincréticas, como o Catimbó e a Umbanda. A ayahuasca, utilizada em rituais xamânicos, é preparada com a Psychotria viridis, também conhecida como chacrona, uma planta arbórea, de caule escuro, da família Rubiaceae. A chacrona, juntamente com o cipó-mariri, é ingrediente fundamental na preparação da bebida enteógena.

O transe desempenha um papel de grande importância nas culturas tribais antigas e, como escreve Krippner (apud Ramalho, 2016RAMALHO, Thales Barbosa. Transe religioso: uma revisão crítica da produção bibliográfica em Psicologia no Brasil. 2016. Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia: Psicologia Clínica, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, 2016., p. 22), a capacidade de vivenciar estados ampliados de consciência é uma capacidade psicobiológica básica de todos os seres humanos, desenvolvida nas eras Paleolítica Média e Superior, sendo institucionalizada e instrumentalizada em procedimentos e técnicas através das tradições xamânicas.

Krippner (apud Ramalho, 2016RAMALHO, Thales Barbosa. Transe religioso: uma revisão crítica da produção bibliográfica em Psicologia no Brasil. 2016. Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia: Psicologia Clínica, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, 2016.) destaca também uma característica importante sobre os xamãs: seu domínio sobre as experiências de transe, em que se permite ser possuído por espíritos, mas ainda detém o controle, apenas abdicando dele em situações específicas, retomando-o a qualquer momento, ou seja, o xamã direciona a experiência do transe, entrando e saindo dele quando quiser e comunicando-se abertamente com outros indivíduos durante o êxtase.

O transe xamânico é definido como uma viagem que o xamã faz no mundo dos espíritos; no transe de possessão é um espírito (geralmente um ancestral ou um orixá) que entra no corpo do fiel e o possui. O segundo tipo de transe está ligado a tradições da África e da bacia do Mediterrâneo, assim como na América povoada por escravos africanos, enquanto que, o primeiro, às áreas culturais indígenas americanas e asiáticas.

Rouget (1986ROUGET, Gilbert. Música e transe. Turim: Einaudi, 1986., p. 30) define a possessão como:

[…] um comportamento socializado de um indivíduo que, dadas algumas circunstâncias especiais, consiste numa mudança que nele acontece, com o efeito de que a sua personalidade usual (que atua no seu comportamento cotidiano) se transfere para a divindade, que provoca diferentes formas de comportamentos; essa substituição deve ser acompanhada por uma alteração da atividade psíquica chamada, geralmente, de transe.

As experiências de transe que antes faziam parte dos saberes tradicionais de povos antigos e culturas não europeias, além de serem utilizadas de maneira terapêutica ou como acesso a uma realidade transcendental, começaram a ser perseguidas, coma a expansão da Igreja Católica Ellenberger (1970)ELLENBERGER, Henri. The Discovery of the Unconscious. Nova York: Basic books, 1970., como práticas de bruxaria ou passaram a ser entendidas como originadas pela influência de demônios.

5rhythms2 2 Site do 5rhythms: https://www.5rhythms.com/. Acesso em: 02 jun. 2022. , da coreógrafa e musicista americana Gabrielle Roth (19412012), figura nessa interface entre dança e religiosidade. Criado na década de 1970, é uma prática de meditação em movimento e dança criada por Gabrielle Roth durante uma vida de explorações radicais em dança, transe, cura, teatro e prática espiritual. Os 5rhythms não são ritmos sonoros no sentido de padrões de bateria, mas sim ritmos experienciais que descrevem paisagens de movimento físico. Cada um dos cinco ritmos é um campo dinâmico de energia com o qual o dançarino se move, com e através de. Os ritmos são chamados de Flowing, Staccato, Chaos, Lyrical e Stillness (fluído, staccato, caos, lírico e quietude) e juntos em sequência formam uma onda.

Simples, criativo e vasto em potencial, os 5rhythms apresentam-se como um mapa potente da presença do corpo e da realização da alma. Essa prática de ondas físicas é a base dos “mapas para o êxtase” de Gabrielle, que também incluem o trabalho com as emoções (Heartbeat); história pessoal e a mente (ciclos); a dança do Ego e da Alma (Espelhos) e a realização mística (Deserto de Prata).

O que nos interessa neste recorte é exatamente aquela primeira significação sugerida por Maués (2003)MAUÉS, Raymundo Heraldo. “Bailando com o Senhor”: técnicas corporais de culto e louvor (o êxtase e o transe como técnicas corporais). Revista de Antropologia, São Paulo, Universidade de São Paulo, v.46, n. 1, p. 9-40, mar. 2003.. Bárbara em determinados momentos da videodança se encontra em uma espécie de transe. Esse transe é evidenciado através de movimentos de câmera instáveis. A instabilidade da imagem videográfica, realizada a partir do movimento corporal da pessoa que filma, pode acontecer por dois âmbitos: um, de âmbito técnico, relativo às características do equipamento utilizado; e dois, de âmbito subjetivo, em que o cameraman assume propositalmente uma postura trêmula e favorece, a partir daí, uma imagem instável.

Em relação à Bárbara, consideramos ambos como causadores da instabilidade da imagem. Em relação ao primeiro âmbito, o equipamento utilizado foi uma câmera DSLR, de entrada, com uma lente 50 mm sem estabilizador de imagem. Em termos técnicos, uma lente 50 mm geralmente possui entre f1.2 e f2.0 de abertura do diafragma, sendo que a lente utilizada no processo possui f1.8 de abertura. A abertura do diafragma pode variar entre maior abertura (provocando uma grande profundidade de campo) e uma menor abertura (provocando pouca profundidade de campo, ou seja, apenas uma zona do plano estará focada), que normalmente vai até f22. Lentes 50 mm são consideradas lentes claras, devido à abertura do diafragma, apesar de não serem as únicas lentes disponíveis no mercado com essa abertura.

Nesse caso optou-se por essa lente, em grande parte do vídeo, por dois motivos. O primeiro diz respeito à câmera utilizada, no caso uma Canon EOS Rebel T6S, com sensor cropado. As câmeras com lentes intercambiáveis podem ser divididas entre full frame e crop (por ser um equipamento de marca Canon, os sensores cropados recebem o nome de APS-C), que dizem respeito ao tipo de sensor que a câmera possui. O sensor full frame tem um tamanho de 36 x 24 mm e, o sensor APS-C, tem 22 x 15 mm. Essa variação de tamanho possibilita algumas diferenças na captação da imagem, que podem tornar um ou outro sensor mais interessante, dependendo da estética escolhida para determinado trabalho.

Assim sendo, a imagem torna-se recortada: caso seja preciso incluir grande parte do plano em cena, um distanciamento em relação ao recorte a ser filmado é necessário. O vídeo indica e mostra a parte ou as partes do corpo da performer que o espectador deve observar, residindo aí um direcionamento do olhar. Na filmagem/experimentação da videodança foram utilizados o plano americano, o primeiro plano e o primeiríssimo plano, resultando desse direcionamento do olhar uma espécie de scanner videográfico. O plano foi praticamente todo ocupado pelo corpo da bailarina, sendo que, em nenhum momento de uso dessa lente Canon 50 mm f1.8, a performer foi registrada em sua totalidade. Vários planos revelavam a performer pela parte superior de seu corpo ou pela parte inferior.

A videodança Pé de Bolso3 3 Link da videodança Pé de bolso: https://www.youtube.com/watch?v=w4wC9E8d-rE. Acesso em: 02 jun. 2022. (31 segundos, Brasil, 2009), de Anahi Santos (Figura 4), exibe essa característica. Foi confeccionada na oficina Videodança de bolso, ministrada por Nacho Durán e Maíra Spanghero, em 2009, no LabMis do Museu da Imagem e do Som, em São Paulo.

Figura 4
Os recortes em Pé de bolso revelam mãos, pés, olhos entre outras partes dos corpos, embora vários deles não possuam nenhum movimento, é transmitida uma ideia de dança.

A sequência de imagens da videodança Pé de Bolso, de partes dos corpos das bailarinas em determinado ritmo, associada a uma trilha sonora remetem o espectador a uma sensação de movimento, apesar de não revelarem os corpos em sua forma integral e muito menos em movimentação ampla. A dança é legitimada através desse diálogo, por meio da dança de quadros recortados presentes na videodança.

Destaca-se uma característica presente na visualidade da videodança, em Bárbara e em Pé de Bolso. Embora a principal característica da dança seja o movimento, no contexto da videodança o movimento ganha outras formas. O movimento surge da imagem e dos corpos presentes, sem contar as possibilidades de manipulação da imagem na edição, permeando mais ainda de movimento a videodança. Dentro dessa perspectiva, o movimento é a principal característica da dança, assim como é do vídeo, então a videodança é duplamente contaminada pelo movimento.

O direcionamento do olhar, uma particularidade da imagem videográfica e que de certa forma é um movimento da imagem, permite ao espectador perceber outras possibilidades do conceito da dança, potencializando a expressividade presente tanto no vídeo quanto na dança. O movimento da imagem (a sequência de frames por segundo) sugere uma expressividade em qualquer segmento do corpo humano, por exemplo um torço, que já é extremamente expressivo, como no caso da videodança Westbeth de Merce Cunningham. Conforme apontam Capelatto e Mesquita (2014)CAPELATTO, Igor; MESQUITA, Kamilla. Vídeodança. Guarapuava: Unicentro, 2014., a videodança de Cunningham oferece ao espectador uma visão metonímica do nosso corpo, já que um recorte imagético do torso consegue ser tão comunicativo quanto o corpo humano em sua totalidade. Além da questão da expressividade, o recorte da imagem conduz o espectador a uma narrativa.

O segundo motivo para a utilização dessa lente na confecção de Bárbara foi o plano de fundo desfocado que essa lente possui em sua abertura máxima. A filmagem dessa videodança foi realizada na parte externa da igreja, que possui uma marquise ondulada, sustentada por pilastras de aço em toda a fachada da igreja (Figura 5).

Figura 5
Fachada da Igreja Santa Rita de Cássia. Fonte: Arquivo pessoal dos autores.

Como escolha estética, optou-se por revelar parcialmente a Praça Santa Rita, por meio dos movimentos da performer. A praça é revelada no vídeo em alguns momentos, na maioria das vezes em desfoque, possibilitando assim um distanciamento entre primeiro plano e segundo plano. Em apenas um momento do vídeo, o plano de fundo é focado. Propositalmente o foco da câmera se alterna entre as mãos postas da performer acima de sua cabeça e o prédio da Prefeitura de Cataguases ao fundo, construído em estilo neoclássico no século XIX (Figura 6).

Figura 6
Bárbara em desfoque e o prédio da prefeitura ao fundo em foco.

Além de questões técnicas terem sido determinantes na confecção do vídeo, destaca-se aqui o âmbito subjetivo como outra característica da instabilidade da imagem. As filmagens realizadas com a câmera na mão ou em movimento, com algum tipo de estrutura, como um steadycam ou estabilizador de imagem, possibilitam uma aproximação e uma humanização da imagem. Humanização esta que destacamos como uma característica subjetiva, a partir da perspectiva de quem assiste ao vídeo.

Inúmeros trabalhos audiovisuais utilizam em sua estética esse recurso. Em determinada cena do filme Cidade de Deus (2002), de Fernando Meirelles, podemos percebê-lo: o personagem Buscapé corre atrás de uma galinha e a câmera percorre todo o caminho realizado pelo personagem, incluindo o espectador na cena, levando-o a experimentar a ação da cena estando dentro da cena, o espectador acompanha e realiza, mesmo que apenas visualmente, o caminho percorrido pelo personagem.

Outro filme que destacamos aqui é Irreversível (2002), do argentino Gaspar Noé, dividido em cenas que foram gravadas em plano sequência. Em vários momentos do filme, o espectador acompanha o desenrolar da história transitando pela cena, como um personagem silencioso que observa tudo que está acontecendo, tornando-se um espectador-personagem com uma visão subjetiva, uma visão humana, que não interage nem afeta a história, porém permanece presente em todos os momentos.

Em Bárbara, essa subjetividade é representada pela movimentação da câmera, e sua consequente aproximação, distanciamento e escaneamento, realizada pela câmera. O espectador é convidado a adentrar no contexto religioso e, mais especificamente, no transe que invade a performer no decorrer do vídeo.

Nessa perspectiva, a instabilidade na imagem na videodança Bárbara foi proporcionada, a princípio, por esses dois âmbitos, o técnico, relativo às questões técnicas do equipamento utilizado, que consequentemente determinou algumas escolhas estéticas; e o subjetivo, em que a instabilidade foi proporcionada propositalmente, enfatizando a ideia de transe pela qual a personagem passa. Um transe em que a personagem questiona os princípios do modernismo presentes na arquitetura do espaço urbano e, ao mesmo tempo, acolhe a contemporaneidade que assume o dançar na cidade como uma postura política.

Na videodança Bárbara percebe-se que, em vários momentos, a performer é revelada pela câmera a partir de uma divisão corporal entre membros superiores e membros inferiores, ou, quando o mesmo plano mostra a bailarina por completo, a câmera realiza um scanner videográfico, como descrito no tópico anterior. Em relação à movimentação de membros superiores, em vários trechos a performer executa movimentos de abrir, fechar, levantar e abaixar os braços e tronco, além de tocar nas árvores do jardim e nas pilastras da marquise. Sobre a movimentação dos membros inferiores, a performer flexiona, levanta, abaixa, gira, entre outros movimentos realizados por pernas e pés.

A escolha pela divisão entre tronco, braços e pernas, além das questões técnicas descritas anteriormente, também teve embasamento simbólico em algumas características presentes na cultura cristã. Primeiramente foi realizada uma divisão conceitual entre plano espiritual e plano físico. Na cultura cristã, existe uma divisão entre céu e inferno, ou algum paralelo antagônico como destino no post-mortem. Segundo algumas crenças, aquele que for caridoso, amável e servo ganhará as graças do reino de Deus, assim também como aquele que não seguir os preceitos da bondade, pregados em vários contextos religiosos, irá para o inferno e pagará por seus pecados por toda a eternidade.

Sendo assim, há uma divisão de planos físico e espiritual e o nosso destino após a morte será condicionado pelo nosso comportamento na terra. Além disso, é no plano espiritual que as entidades, divindades e santos vivem. Se o transe compreende um processo interno e espiritual, favorecido por algumas situações específicas, como a disponibilidade da pessoa para a situação ou o uso de substâncias psicotrópicas como desencadeador do processo, a personagem Bárbara entra em contato com o plano espiritual.

Esse contato com o plano espiritual é evidenciado pela divisão entre movimentos de membros superiores e inferiores. A personagem simboliza uma ponte entre o plano físico e o plano espiritual. Destacamos aqui duas características dessa ligação entre esses planos: mãos levantadas e estar de pé. Suas mãos e braços se movimentam de variadas formas e, por vezes, percebemos suas mãos levantadas. Na Igreja Católica, as mãos levantadas simbolizam súplica e entrega a Deus, além de ser uma atitude comum dos orantes. Durante quase toda a videodança a personagem Bárbara se encontra de pé, posição de quem ouve com atenção e respeito, além de indicar a prontidão e disposição para obedecer. Bárbara está pronta, disposta a obedecer, escuta com atenção e se entrega a Deus. Digamos então que seus membros superiores representem o plano espiritual em que Bárbara está em contato através desse transe. No fim do vídeo, observamos a personagem com as mãos unidas e sobre sua cabeça. Outra característica presente na cultura cristã são as mãos juntas, simbolizando busca de Deus, recolhimento interior, súplica, fé e entrega.

Dessa forma, a personagem atua como uma ponte de ligação entre o plano espiritual e o plano físico, favorecendo assim seu transe, revelando a dicotomia do ser humano que está literalmente preso, no plano físico, no entanto, entra em contato com o plano espiritual.

Elementos Presentes na Montagem da Videodança Bárbara

Destacamos agora outra questão relativa à instabilidade da imagem: efeitos usados na edição do vídeo. Desde o início da pesquisa, a ideia de uma câmera dançante, que possibilitasse perceber a dança das imagens, havia sido trabalhada. Além da dança das imagens proporcionada pela movimentação da câmera, a dança das imagens também foi pensada na edição do vídeo.

Se considerarmos a videodança como uma linguagem híbrida, que se diferencia daquele simples registro videográfico, conforme aponta Spanghero (2003)SPANGHERO, Maíra. A dança dos encéfalos acesos. São Paulo: Itaú Cultural, 2003., a dança se torna a principal característica da videodança, sendo ela percebida através da movimentação dos bailarinos/intérpretes e pela movimentação da imagem. Reside aí uma dupla significação da dança: dança física (em seu primeiro significado, em que a dança se caracteriza como uma ação a priori física, ou seja, realizada por seres humanos) e dança das imagens.

Na montagem da videodança foram elencadas algumas características para enfatizar o transe da personagem. Como discorrido acima, o transe é uma característica comum em inúmeras práticas religiosas, sendo que, em várias delas, o transe é reverberado através de movimentos corporais, um tipo de conexão entre entidade e corporeidade da pessoa que passa por esse processo.

Pensando na possibilidade de o transe acontecer de forma aleatória (no sentido de que cada viagem transcendental e espiritual possa acontecer das mais variadas formas) e subjetiva, três características foram escolhidas na edição: aceleração, retrocesso e repetição. Sendo que essas características também foram pensadas como uma representação visual para o espectador de um possível transe espiritual.

Vemos a personagem Bárbara realizar sua movimentação de forma acelerada, na maioria das vezes, e repetitiva: a personagem passa por um processo interno e pessoal por meio do qual inúmeras percepções e imagens surgem, representadas pela aceleração e repetição, apesar de não sabermos ao certo quais insights e imagens possivelmente Bárbara está tendo.

O transe dessa forma torna-se corporal e favorece, por intermédio esse deslocamento do espiritual para o físico, um estado de transe do espectador. Quem assiste percebe um transe que a personagem da videodança está tendo, porém o transe sempre é pessoal e estará dependente de fatores internos e externos. O que revela ao espectador uma possível percepção desse transe é a dança das imagens, a coreografia criada consoante a escolha dos trechos, assim como sua ordem e características na edição. O transe torna-se duplo, a personagem Bárbara passa por esse transe e a dança presente na videodança (através da dança física e da dança das imagens) convida o espectador a ver, perceber, notar ou sentir o transe da personagem.

A instabilidade da imagem na videodança Bárbara é caracterizada, dessa forma, por três características principais: escolhas estéticas em cima do aparato técnico, movimento de câmera como desestabilizador da imagem e uso de efeitos temporais na edição. Assim sendo, a instabilidade da imagem proporcionou, a partir do processo de criação, compreendido desde as experimentações e finalização do vídeo, uma percepção do transe espiritual vivenciado pela personagem Bárbara.

Todas as características supracitadas foram destacadas por algumas questões técnicas e estéticas: a própria divisão entre parte superior e inferior, como dito anteriormente, instabilidade na imagem proporcionada pela manipulação da câmera e a alteração na velocidade das cenas, provocando de certa forma um mal-estar, devido à movimentação irregular das imagens e a utilização de uma trilha sonora quase hipnótica, que enfatizou a instabilidade visual.

Considerações Provisoriamente Finais

Destacamos estratégias de edição presentes no processo criativo da videodança Bárbara, como a instabilidade e recortes da imagem entre tronco e pernas, como elementos estéticos que reforçam a dramaturgia acerca do espaço fragmentado, em constante mutação, e o caos urbano, bem como as mútuas contaminações entre corpo dançante e cidade.

Fica evidente a relevância das características técnicas da coperformer câmera utilizada na experimentação e gravação da videodança Bárbara, e do programa de edição usado para ambientação e dramaturgia da obra. Destacamos que, diferentemente do registro de dança, na videodança busca-se uma estética dançante através dos elementos técnicos e escolhas éticoestéticas, que em Bárbara foi materializada por meio dos elementos do aparato tecnológico utilizado; por exemplo, câmera e suas características, e as possibilidades do programa de edição utilizado. Para dançar com uma câmera acoplada ao corpo, era necessário que a intérprete-criadora pudesse contar com um equipamento leve e adequado para capturar com precisão as mudanças de níveis, deslocamentos rápidos, inversões corporais e assim por diante. Isso torna claro como as dimensões técnicas e estéticas do processo de criação em videodança andam atreladas e se autocontaminam na concepção da obra em si, aliando-se aos compromissos éticos de artistaspesquisadores/as envolvidos/as na apresentação de um trabalho capaz de explorar poéticas diferenciadas.

Assim, Bárbara foi ao encontro do que aponta Stamatia Portanova (2006)PORTANOVA, Stamatia. Thinking movement and the creation of dance through numbers. International Journal of Performance Arts and Digital Media, v. 2, n. 2, p. 139-151, 2006.: a ligação do ser humano com a tecnologia digital permite que a poética da coreografia torne-se uma composição autopo(i)ética, animada por novas ideias e ritmos, que traz à tona diferentes potências e estímulos para realizar movimentos impossíveis e frases de movimento idiossincráticas. Para a pesquisadora, tal ligação permite que leis biológicas e anatômicas possam ser desafiadas, pois o corpo expandido digital permite a exploração e descoberta de capacidades e habilidades que talvez fossem anteriormente desconhecidas. Artistas que trabalham com videodança descortinam oportunidades de descobrir sempre o que ainda podem fazer com o auxílio dos aparatos tecnológicos. A partitura ganha oportunidades quase infinitas no momento da edição, ampliando as possibilidades dramatúrgicas. Multiplicam-se combinações de movimentos, passos, gestos, pausas, disposições e deslocamentos espaciais e, sendo assim, inúmeras são as possibilidades.

Ainda dialogando os pensamentos de Portanova (2006)PORTANOVA, Stamatia. Thinking movement and the creation of dance through numbers. International Journal of Performance Arts and Digital Media, v. 2, n. 2, p. 139-151, 2006. com a criação de Bárbara, supomos que a apreciação da obra possa levar ao tensionamento de crenças e ideias do que é dança, o que é corpo humano dançante, o papel do espaço urbano em uma composição artística. A possibilidade de rever a obra várias vezes, de pausar o vídeo quando se quiser, de começar a assisti-lo em diferentes momentos, provoca mudanças nas relações obra/artista/público, pois quem o assiste também é outro artista que pode intensificar e animar o que assiste criando ainda um outro evento artístico pelas possibilidades tecnológicas do aparato que usa para se encontrar com a obra.

Na videodança Bárbara, as características presentes na religiosidade brasileira, como transe e possessão, ambas com destaque nas religiões de matriz africana, vieram à tona através da estética da instabilidade, presente na experimentação, gravação e edição dessa obra. Outra característica presente em relação à religiosidade foi o uso de um templo católico (Igreja Santa Rita), não como cenário da obra, mas como espaço a ser construído na relação com Bárbara, o que nos permite perceber, a níveis subjetivos, relações antagônicas e de poder, haja vista toda a história dos colonizadores europeus em relação às religiões africanas. A Igreja Católica figurou-se como a religião oficial do Império e o sincretismo religioso que se estabeleceu a partir do momento de interação entre as religiões africanas e o catolicismo, além dos cruzamentos entre elas, pois, entre os africanos cá escravizados, um de seus objetivos foi preservar as práticas culturais realizadas em solo africano antes do processo de escravidão e colonização.

Em relação à arquitetura moderna presente nessa obra, percebemos que as estruturas e suas características (estruturas em pilotis, amplos espaços para uso e deslocamento dos transeuntes, estética minimalista) forneceram uma retroalimentação para a experimentação e consequente estruturação dessa videodança, sendo a Igreja Santa Rita, de caráter modernista, o lugar das vivências e experiências vividas pela personagem no decorrer da obra, além de figurar entre os locais de destaque na religiosidade cataguasense.

Para a estruturação do vídeo foram elencados três aspectos considerados centrais nesse processo de criação (aproximação a outras crenças, insights pessoais ou encontros com pequenas epifania e transformação pela fé) e, por intermédio das características técnicas do equipamento de filmagem, buscou-se uma estética da instabilidade, representando, dessa forma, o transe religioso vivido pela personagem Barbara. Outra estratégia de edição e montagem foi no sentido de evidenciar a divisão entre a parte superior e a parte inferior da personagem, enfatizando-se assim (ou tentando, pelo menos) a materialidade do ser humano como um conglomerado de células e sentimentos, ou seja, um ser físico de carne e ossos e sua relação com o plano espiritual.

Como estratégias de criação e edição para a videodança Bárbara, foram elencados aspectos presentes na prática religiosa, exploração espacial através da dança em diálogo com as questões técnicas do equipamento, o que possibilitou enfatizar o transe vivido pela personagem, além das filmagens, cujo palco foi a fachada da igreja de Santa Rita de Cássia, um dos cartões-postais da cidade e templo tradicional na cultura católica de Cataguases.

Diante da complexidade que envolveu esta pesquisa, discutimos o transe e ritual de passagem que nós, artistas-pesquisadores, vivenciamos. Na videodança Bárbara, aproximamo-nos do pensamento de arte digital contemporâneo discutido por Parisi e Portanova (2012)PARISI, Luciana; PORTANOVA, Stamatia. Soft thought in architecture and choreography. Computational Culture: a Journal of Software Studies, v. 1, 2012. Disponível em: https://eprints.bbk.ac.uk/id/eprint/6230/. Acesso em: 12 out. 2022.
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: a estética do assim chamado ‘erro’ ou acaso digital revela que códigos digitais são modos de pensamento, na medida em que concretamente fazem ou realizam coisas, ainda que por muitas pessoas. Considerados como modos imperfeitos ou errôneos, códigos são dispositivos de produção que podem ser regidos pelo governo e controle, mas também pela confusão e caos.

Bárbara pode provocar, via tecnologia digital, alterações ou efeitos sensoriais diferenciados em como corpos humanos/sujeitos percebem a arquitetura modernista de Cataguases. A digitalização de imagens das interações da performer com as linhas geométricas do edifício da igreja e com os elementos naturais do jardim que aparecem na obra têm um potencial de revelar a fonte física e o propósito da arte, conforme sugerido por Hansen (2004)HANSEN, Mark. New Philosophy for New Media. Massachusetts: MIT, 2004.. Nessa linha de pensamento, a videodança estabeleceria diferentes relações interativas entre sistemas geométricos estruturais e a fenomenologia corporificada, ao explorar inimagináveis e inesperadas maneiras de provocar no espectador percepções e experiências físicas ‘outras’. Quem assiste, simultaneamente, veria e imaginaria tempo e espaço da cidade de Cataguases por outros ângulos, enquadramentos, ritmos; diferentes daqueles sem a mediação tecnológica. Filmagem e edição do vídeo buscariam então uma forma mais fluida de criar um ambiente de interação entre humanos e tecnologia digital.

Parisi e Portanova (2012)PARISI, Luciana; PORTANOVA, Stamatia. Soft thought in architecture and choreography. Computational Culture: a Journal of Software Studies, v. 1, 2012. Disponível em: https://eprints.bbk.ac.uk/id/eprint/6230/. Acesso em: 12 out. 2022.
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propõem uma outra lógica, a estética do que cunham como pensamento suave, por acreditarem que a tecnologia digital é um modo conceitual de pensamento, o qual é, por si só, um modo de sentimento ordenado em códigos binários que não devem ser confundidos com sensações e pensamentos humanos. Por esse viés, Bárbara então cria um espaço urbano que ainda não existe, porque será um experimento da captação das imagens durante a interação da performer em sua relação com o espaço urbano, e também há um experimento feito pelo programa de edição. Não apresentamos em Bárbara somente o protótipo da arquitetura modernista de Cataguases, os dados arquitetônicos não modelam um espaço urbano existente, mas sim constroem sua ordem. A obra não estabelece referências a ideias pré-determinadas pela arquitetura modernista ou à concretude da realidade, mas simplesmente descreve uma apreensão conceitual dessa arquitetura de abstração.

Bárbara não é a filmagem de uma pessoa que dança e interage com uma cidade pronta; a coreografia da filmagem e edição constrói uma cidade que cresce e reduz, contrai e expande. Para além da captação de imagens de uma cidade cuja arquitetura está pronta e acabada, e precisa ser somente capturada, a arquitetura é dinâmica, pois é reprogramada, refeita, redesenhada à medida que a tecnologia elabora a dança que se desenvolve. Limites estruturais, como a grade do jardim que separa a igreja do resto da praça e da cidade, parecem não existir quando a câmera foca na imagem da performer em primeiro plano, e esta se integra à imagem da cidade ao fundo, que é desfocada pela máquina. A luz natural é captada pelo sensor da câmera de forma a realçar e dar brilho a certas cores como o vinho do cabelo de Bárbara. Como Parisi e Portanova (2012)PARISI, Luciana; PORTANOVA, Stamatia. Soft thought in architecture and choreography. Computational Culture: a Journal of Software Studies, v. 1, 2012. Disponível em: https://eprints.bbk.ac.uk/id/eprint/6230/. Acesso em: 12 out. 2022.
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afirmam, coisas (ou máquinas) não pensam, mas são pensadas. Não somente hospedam pensamentos ou se tornam implementações de uma estrutura cognitiva predeterminada. Pensamentos resultam das modalidades ou maneirismos da máquina: o que o pensamento se torna é como a máquina pensa. A máquina/filmadora, então, não complementa o pensamento humano; ela é seu próprio pensamento4 4 Este estudo foi financiado pelo Centro de Investigação em Artes e Comunica-ção (CIAC), órgão de pesquisa da Universidade do Algarve, Faro, Portugal. .

Notas

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Editado por

Editor responsável: Gilberto Icle

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    30 Jul 2022
  • Aceito
    23 Nov 2022
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