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Corpo Brincante: a presença travesti nas performances dos quilombos de Reisado1 1 Pesquisa desenvolvida com apoio da CAPES-PROEX.

Corps Brincante: la présence travesti dans les performances des quilombos du Reisado

RESUMO

Este artigo analisa a performance dos quilombos de Reisado a partir da presença travesti na cultura popular de Juazeiro do Norte, região do Cariri, interior do Ceará. No objetivo de refletir sobre a performance e suas formas animadas, considera-se uma das passagens da cartografia que segue em curso pelas dissidências sexuais e de gênero nos Reisados cearenses, em que se acompanhou o quilombo do grupo Sagrada Família entre a performance de gênero e a animação da brincadeira. Por meio da rota de uma das primeiras Mestras travestis, aponta-se o encantravar do corpo brincante como caminho para, nas espirais do tempo brincado, louvar o corpo travesti.

Palavras-chave:
Corpo; Reisado; Travesti; Performance; Quilombo

RÉSUMÉ

L’article analyse la performance du Reisado quilombos à partir de la présence travesti dans la culture populaire de Juazeiro do Norte, région de Cariri, intérieur du Ceará. Afin de réfléchirsurla performance et ses formes animées, ilconsidèreundespassages de la cartographie qui suit les dissidences sexuelles et de genredansles Reisados de Ceará, dans le quelle quilombo du groupe Sagrada Família a été suivi entre la performance de genre et l’animation de la brincadeira. A travers le parcours d’unedes premiers maîtres travestis, l’encantravamento du corps brincante est pointé comme une manière, dans les spirales du temps brincado, de faire l’éloge du corps travesti.

Mots-clés:
Corps; Reisado; Travesti; Performance; Quilombo

ABSTRACT

This article analyzes the performance of the Reisado quilombos from the travesti presence in the popular culture of Juazeiro do Norte, Cariri region, in the countryside of Ceará. In order to reflect on the performance and its animated forms, we consider one of the passages from the cartography that flows through sexual and gender dissidences in Ceará’s Reisados, in which we follow the quilombo of the Sagrada Família group between the performance of gender and the animation of the game. Using the route of one of the first travesti Maestras, we point to the encantravar of the brincante body as a way to praise the travesti body, in the spirals of time played.

Keywords:
Body; Reisado; Travesti; Performance; Quilombo

Para Rayanny Gomes (in memoriam), pelos encontros de Reis em vida.

Quem me ensinou a jogar espada?

A primeira vez que estive com uma espada de Reisado nas mãos foi no bairro João Cabral, na cidade de Juazeiro do Norte, região do Cariri, interior do Ceará. Era 12 de janeiro de 2019, eu estava na sala da casa da Mestra Lúcia, 41 anos, e uma travesti me ensinou um dos golpes mais simples do jogo de espadas. Sentada no sofá, a Mestra via a brincante2 2 Brincante é um termo muito utilizado para nomear pessoas que participam de tradições populares no Brasil. No caso do Reisado, destaca-se a brincadeira pelo universo infantil da própria manifestação, em que os brincantes adentram os grupos ainda quando crianças. Por discutir questões singulares das vivências LGBT-QIA+, considero a potência do termo em dialogar com a linguagem inclusiva do gênero por não se referir somente ao masculino ou feminino, embora alguns brincantes se chamem de brincadores, por uma função derivada na ação do trabalho dentro da cultura. Mellysa Giselly, 29 anos, mais conhecida na comunidade como Pinto, conduzir-me com os olhos cerrados e as pernas cruzadas. “Vou conduzir, vou conduzir tu. Agora é tua vez, bateu furou, aí entendeu? Já é um ponto!”3 3 Entrevista concedida por Mellysa Giselly no dia 12 de janeiro de 2019, em Juazeiro do Norte/CE. , dizia Mellysa ao referir-se ao ponto, um dos primeiros golpes que ela aprendeu ainda com Francisco Novaes, 66 anos, mais conhecido como Mestre Nena, o brincante do qual ela se considera discípula por ter aprendido a jogar espadas com ele quando criança. Após esse primeiro encontro, um pouco depois do Ciclo de Reis de 2019-2020, que havia ocorrido na última semana, período datado pelos festejos natalinos no calendário municipal, entre os dias 25 e 31 de dezembro e 6 de janeiro, fui afetado tanto pelo peso da espada como pela condução de Pinto. Digo isso porque, se um dia eu chegar a ser brincante de Reisado, seria discípulo de uma travesti negra que faz da cultura popular uma busca por si como romeira do Padre Cícero e consagrada de Nossa Senhora da Conceição.

De certa forma, fiquei pensando na minha falta de manejo em envivecer a espada. Contudo, não posso deixar de destacar os afetos cruzados por esta pesquisa, que segue em desenvolvimento há aproximadamente seis anos, no horizonte metodológico da cartografia sentimental (Rolnik, 1989ROLNIK, Suely. Cartografia sentimental: transformações contemporâneas do desejo. São Paulo: Estação Liberdade, 1989.), sobre as dissidências sexuais e de gênero na tradição dos Reisados no Ceará. Embora a tenha começado por meio da leitura de um grupo específico, de 2016 a 2018, a partir de um estudo monográfico sobre a vivência de Francisca da Silva, 58 anos, mais conhecida como Tica4 4 Para uma visão mais aprofundada sobre a vivência de Tica como rainha nos Reisados, ver Oliveira Junior (2019) e Oliveira Junior e Fortes (2020). , uma brincante transexual que ocupou pela primeira vez a figura da Rainha em 2015 no Reisado do Mestre Dede do bairro Frei Damião, segui os fluxos da brincadeira por intermédio de outros bairros de Juazeiro do Norte que possuem a presença de pessoas LGBTQIA+5 5 LGBTQIA+ é a sigla utilizada para lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais ou transgêneros, queer, intersexuais e assexuais. . Foi o caso do bairro João Cabral, acompanhado de 2019 a 2020, visto como a localidade da cidade que mais possui a presença de brincantes travestis, transexuais, transgeneros, bissexuais, drag queens6 6 Destaco o termo drag queen nessas vivências acompanhadas, em que se percebe a presença das brincantes Emilly e Evellyn, que em 2019 faziam a arte drag, na montação como artistas que imitam uma personagem feminina em cena de modo hiperbólico, ao lado da participação na tradição do Reisado. Em 2022, as brincantes seguem em processo de transição de gênero, sendo reconhecidas como jovens trans no grupo Beija-flor. , lésbicas e gays no cortejo de Reis. De 2021 a 2022, fiz da cidade de Juazeiro do Norte o ponto de partida para continuar essa cartografia no Ceara, partindo do eixo Sul para o eixo Norte do estado, no sentido de percorrer as cidades possuidoras do registro da manifestação com a busca por tecer um mapa constelar de um Reisado por vir.

Diante disso, este artigo faz parte de uma pausa em um dos pontos da cartografia, sobretudo diante da passagem do último quilombo7 7 Tipo de performance brincada nas ruas, na qual o grupo se desloca de uma localidade para a outra, em peregrinação, com cantorias, duelos e danças, envolvendo o improviso na condução do Mestre. que acompanhei em Juazeiro do Norte no dia 14 de julho de 2019. Ao lado da pesquisadora e educadora Bárbara Tenório, que esteve comigo no percurso brincado do quilombo, retomo reflexões sobre o teatro como encantamento e suas formas animadas. Reabrir cadernos de campo, reouvir sons da performance e rever imagens da encenação me fez pensar que o Reisado encarna no corpo como presença encantada entre os afetos da brincadeira. Nesse sentido, penso com Deleuze e Guattari (1992)DELEUZE; Gilles; GUATTARI, Félix. O que é filosofia?. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992. sobre a manifestação ser em si mesma um bloco de sensações, em que o acontecimento se faz pela fabulação, despertando sensações no enlace da cena. “É de toda a arte que seria preciso dizer: o artista é mostrador de afectos, inventor de afectos, criador de afectos, em relação com os perceptos ou as visões que nos dá” (Deleuze; Guattari, 1992DELEUZE; Gilles; GUATTARI, Félix. O que é filosofia?. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992., p. 227). Nessas afetações, lancei para Bárbara uma questão que me move neste trabalho: o que faz a espada animar o corpo brincante? Para responder isso, a colega relembrou sua pesquisa, desenvolvida com o grupo de mulheres Guerreiras Joana D’arc da Mestra Margarida Guerreira. Bárbara conta que percebeu algo no campo e fez da minha questão uma dobra quando disse que a “espada ganha vida no jogo, mas nem todo jogo dá vida a espada”. A pesquisadora exemplificou isso ao mencionar o quanto admirava Deborah Pinheiro, 28 anos, uma das brincantes a quem fui, por Bárbara, apresentado.

Lésbica e guerreira, Deborah me disse uma frase importante quando relembrou como aprendeu a jogar espadas, pois, pelo fato de ter aprendido a jogar com homens, a brincante explicou que “joga como cabra macho”8 8 Entrevista concedida por Deborah Pinheiro no dia 13 de março de 2019, em Juazeiro do Norte/CE. . De fato, em 2019, quando vi Deborah duelar no palco do Núcleo de Arte Educação e Cultura Marcos Jussier, localizado no bairro Pirajá, no mesmo dia em que ela me apresentou Germano Pereira, 30 anos, um brincante gay que atua como tocador nos Reisados, eu olhava mais para a espada do que para ela. Se Bárbara expõe que a espada fica ainda mais viva sendo jogada pela brincante, cabe pensar na forma como esse ato deriva de um gesto capaz de afirmar a diferença, esgotando o próprio possível na brincadeira. “Para esgotar as palavras, é preciso remetê-las aos Outros que as pronunciam, ou melhor, que as emitem, as secretam, seguindo fluxos que às vezes se misturam e às vezes se distinguem” (Deleuze, 2010DELEUZE, Gilles. Sobre o teatro. Rio de Janeiro: Zahar, 2010., p. 23). É interessante perceber como, na fala das Mestras e dos Mestres, a presença de brincantes LGBTQIA+ nos Reisados da cidade aparece como algo recente, a exemplo dos últimos 10 a 15 anos, em que essa participação nos grupos se tornou mais visível, apesar de ser questionada pela devoção religiosa da brincadeira ou pelo imaginário do que supostamente seria a tradição, na visão de que essas encenações poderiam desmoralizar os sentidos da cultura popular.

Nesse sentido, interessa-me discutir essa presença como algo que provém de um imaginário indefinido sobre a performance brincante. Nos termos de Icle (2011)ICLE, Gilberto. Estudos da Presença: prolegômenos para a pesquisa das práticas performativas. Revista Brasileira de Estudos da Presença, Porto Alegre, UFRGS, v. 1, n. 1, p. 9-27, jul./dez. 2011., penso como ela é capaz de indicar uma sensação do que escapa à brincadeira, ou seja, não cabe na linguagem, pois, se a presença é sempre um movimento, as travestis movimentam a tradição com o efeito das suas participações nos grupos. “A presença, assim, configura uma dimensão esquecida de nossa cultura” (Icle, 2011ICLE, Gilberto. Estudos da Presença: prolegômenos para a pesquisa das práticas performativas. Revista Brasileira de Estudos da Presença, Porto Alegre, UFRGS, v. 1, n. 1, p. 9-27, jul./dez. 2011., p. 19). A partir disso, busco problematizar a noção de teatro como encantamento de Barroso (2013)BARROSO, Oswald. Teatro como encantamento: bois e reisados de caretas. Fortaleza: Armazém Cultural, 2013., tecida na visão de Artaud, que mostra como as pessoas na tradição se encantam na incorporação de uma figura lúdica e se desencantam no retorno ao cotidiano. Embora o autor cite que a presença de mulheres tende a crescer nos grupos, ele não aborda em nenhuma parte da sua cartografia pelos Reisados cearenses a presença de brincantes LGBTQIA+. Dessa forma, penso como se movem e se aninam os corpos dissidentes em ação durante a performance, a exemplo do teatro de animação que atravessa o corpo trans na brincadeira. “Esses personagens são tirados dos brincantes num processo de encantamento e desencantamento, ou seja, o brincante, com a ajuda do Mestre, desencanta a figura ou o entremeio que nele vive oculto ou encantase na figura” (Barroso, 2013BARROSO, Oswald. Teatro como encantamento: bois e reisados de caretas. Fortaleza: Armazém Cultural, 2013., p. 385).

Ao longo do artigo, mostro como o movimento gerado pela presença de um corpo travesti no Reisado mobiliza movimentos e ressignifica espaços, principalmente no aflore entre o eu e o outro, ou seja, pelo “duplo que provoca as transformações” (Amaral, 1996AMARAL, Ana Maria. Teatro de formas animadas. São Paulo: Edusp, 1996., p. 194). Na relação entre as noções de animant (Waszkiel, 2019WASZKIEL, Halina. Teatro de Formas Animadas. Móin-Móin, Florianópolis, Udesc, v. 2, n. 21, p. 208-221, dez. 2019.) e de performance de gênero (Butler, 2020BUTLER, Judith. Corpos que importam: os limites discursivos do “sexo”. São Paulo: n-1 edições, 2020.), vê-se que, se o gênero é performativo, o efeito dessas presenças LGBTQIA+ no Reisado mostra que não só a brincadeira, mas o próprio gênero pode ser improvisado na performance. Portanto, o quilombo pode ser entendido como uma performance que reveste o tempo presente com animações que atualizam o rito encenado, uma vez que a presença travesti enuncia a “palavra-rizoma” (Martins, 1997MARTINS, Leda. Afrografias da memória: o reinado do rosário do Jatobá. São Paulo: Perspectiva, 1997.) com a força da espada que rasga identidades e marca corpos. Nessas fabulações travestis, Leal (2021)LEAL, Dodi Tavares Borges. Fabulações travestis sobre o fim. Conceição/Conception, Campinas, Unicamp, v. 10, n. 1, p. 1-19, maio, 2021. me permite repensar o teatro como encantamento do Reisado em uma deriva do teatro como encantravamento, no qual a existência travesti faz do encantar um modo de inventar a tradição como mutação de si mesma. Nas próprias palavras de Pinto, valeria pensar como acontece a surpresa no meio do quilombo, isto é, como ela se encanta para animar uma parte dela mesma que se lança ao desconhecido na rua.

O teatro brincante e suas formas animadas: afrografias9 9 Afrografias é um termo de Martins (1997) que busca relacionar rito e memória pelas diásporas negras, sobretudo pelas grafias do que pode ser visto como oralitura, no enredo da tradição que se enovela nos fios da lembrança e no esquecimento no corpo. encantadas

Ao partir de Artaud (1993)ARTAUD, Antonin. O teatro e seu duplo. São Paulo: Martins Fontes, 1993., com a visão da cultura como meio refinado de entender e exercer a vida, vê-se que o teatro brincante se serve de diversas linguagens convocadas pelo corpo para produzir suas manifestações como espetáculo da vida envolta da mágica. Dessa forma, quando procura abandonar a palavra, o autor destaca a encantação pelas vibrações e pelos ritmos que no teatro “visa exaltar, exacerbar, encantar, deter a sensibilidade” (Artaud, 1993ARTAUD, Antonin. O teatro e seu duplo. São Paulo: Martins Fontes, 1993., p. 77). Ao mencionar o teatro artaudiano, Amaral (1996)AMARAL, Ana Maria. Teatro de formas animadas. São Paulo: Edusp, 1996. fala de como o teatro desperta imagens captadas pelos sentidos, sobretudo quando uma palavra se aproxima mais de uma sensação recebida através de uma imagem. Na linguagem teatral, a autora traz que o teatro de animação não se expressa somente pelo corpo brincante e nem pelas palavras, mas no emaranhado entre as formas, os símbolos, as imagens e as metáforas diante do tracejar de uma rota do invisível pelo visível. Ao incluir objetos, máscaras e bonecos em seus múltiplos sentidos, a partir dos seus respectivos gêneros teatrais, o teatro de animação adquire características próprias e se constitui como um teatro de formas animadas.

Se máscaras são rostos em busca de um corpo ou seres em busca de alma, pode-se dizer que as espadas no Reisado são movimentos em busca de encantamento? Assim, penso sobre isso diante do que Amaral (1996)AMARAL, Ana Maria. Teatro de formas animadas. São Paulo: Edusp, 1996. traz pelos objetos que possuem uma energia como símbolos, sendo a arte de transformá-los o próprio ato dramatizado na criação das personagens. O corpo comunica e, por assim dizer, brinca. “O teatro de formas animadas tem afinidades com a performance, pois os seus espetáculos se baseiam no performer” (Amaral, 1996AMARAL, Ana Maria. Teatro de formas animadas. São Paulo: Edusp, 1996., p. 244). Dessas formas animadas, destaca-se o teatro tradicional de Congos a partir do que Barroso (1997)BARROSO, Oswald. Teatro popular tradicional: Reis de Congo. Fortaleza: Minc/MIS, 1997. situa no seu surgimento entre as manifestações culturais dos Maracatus, das Taiêiras, dos Cucumbis e das Congadas, sobretudo pelos seus elementos de origem europeia, africana e ameríndia que geraram os Reisados, os Guerreiros e os Bumba-meu-boi. Ao trazer os fatos históricos permeados por Quilombo dos Palmares, ele aponta que as manifestações do cortejo em quilombos consistem em batalhas e disputas de rainhas, sendo esses atos um dos pontos mais altos nas performances de Reisado, caracterizados pelo momento em que há o encontro de dois grupos na rua.

Em suma, de acordo com Barroso (1997)BARROSO, Oswald. Teatro popular tradicional: Reis de Congo. Fortaleza: Minc/MIS, 1997., o Reisado de Congo pode ser visto como um folguedo dramatizado de motivação africana que evoca o nascimento do menino Deus em cima da peregrinação dos Três Reis Magos, cujos momentos de comemoração faziam difundir relações entre a monarquia fictícia e os elementos da corte portuguesa no Brasil. Ao trazer os Reis de Congo cearenses, o autor destaca que a dança teatral guarda em si uma estrutura múltipla, desde “[...] os engenhos de açúcar, da sociedade canavieira do Brasil colônia, bem como nos cortejos de vaqueiros e tangerinos que acompanhavam o transporte de boiadas, do sertão às feiras” (Barroso, 1997BARROSO, Oswald. Teatro popular tradicional: Reis de Congo. Fortaleza: Minc/MIS, 1997., p. 84). É interessante perceber a relação entre os Reis de Congo do Ceará em Barroso (1997)BARROSO, Oswald. Teatro popular tradicional: Reis de Congo. Fortaleza: Minc/MIS, 1997. com o Reinado do Jatobá de Minas Gerais em Martins (1997)MARTINS, Leda. Afrografias da memória: o reinado do rosário do Jatobá. São Paulo: Perspectiva, 1997., sobretudo pelos entrelaçamentos entre o que pode ser visto pela coreografia lacunar da memória. Nesses enredos, relacionados por um ritual de linguagem encenado através de cantos e enunciados, encontram-se diálogos entre um reino negro que atravessa repertórios nos matizes das palavras, dos gestos e dos encantamentos imanentes na materialidade significante dos festejos.

Assim, os atos de fala e as performances se desvelam em uma oralitura10 10 Oralitura também é um termo de Martins (2002) para designar saberes perpassados pela performance que vão além da literatura, desenhando rotas pelas manifestações culturais na oralidade e no caminho do corpo como lugar de memória. que grafa o sujeito no território composto e rasurado pela enunciação da narrativa, na epifania da linguagem que faz do ser imanente uma aparição capaz de revelar o não-esquecimento como fôlego para a presença brincante nomeada. “No circuito da tradição, que guarda a palavra ancestral, e no da transmissão, que a reatualiza e movimenta no presente, a palavra é sopro, hálito, dicção, acontecimento e performance, índice de sabedoria” (Martins, 1997MARTINS, Leda. Afrografias da memória: o reinado do rosário do Jatobá. São Paulo: Perspectiva, 1997., p. 146, grifo original). Dessas afrografias da memória, Martins (2002)MARTINS, Leda. Performances do tempo espiralar. In: ARBEX, Márcia; RAVETTI, Graciela (Org.). Performance, exílio, fronteiras: errâncias territoriais e textuais. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002. P. 69-92. traz a forma como o rito evoca um lugar perdido e encontrado, transcriado perenemente pela performance, na medida em que o corpo se curva ao gesto. Aqui, o gesto não é apenas narrativo ou descritivo, mas sim performativo, em que a cultura negra como lugar de encruzilhadas emerge de processos entrecruzados de performances e de cosmovisões populares. “Torna-se possível, assim, ler nas entrelinhas da enunciação fabular o gesto pendular [...]” (Martins, 2002MARTINS, Leda. Performances do tempo espiralar. In: ARBEX, Márcia; RAVETTI, Graciela (Org.). Performance, exílio, fronteiras: errâncias territoriais e textuais. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002. P. 69-92., p. 81).

A fábula seria um modo de configurar o rito de passagem da situação posta para uma outra direção, ou seja, o ritual reterritorializa a ancestralidade, no qual tanto o tempo como o espaço se tornam imagens espelhadas. Como palimpsestos performáticos, os gestos da oralitura entre o corpo e a voz desenham a performance como local de um saber em contínua recriação, cuja corporalidade se deriva em adereços e engendra em um tempo outro. O tempo espiralar habita o presente e o futuro como lugares de experiências no ainda e no já é. Assim, de acordo com Pavis (2008)PAVIS, Patrice. O teatro no cruzamento de culturas. São Paulo: Perspectiva, 2008., ao falar da cultura e os seus duplos, a encenação teatral pode ser vista no cruzamento das culturas, principalmente pela forma como interroga os contextos de representações culturais e delas se apropria. O ato de encenar seria uma resultante da concretização de novos enunciados, tendo em vista o que está para acontecer. Nas performances do Reisado, a presença do corpo que brinca traz caminhos que conduzem à questão inicial: o que é a presença brincante?

Diante do trabalho performado e a relação com o seu significado, Icle (2011, p. 15)ICLE, Gilberto. Estudos da Presença: prolegômenos para a pesquisa das práticas performativas. Revista Brasileira de Estudos da Presença, Porto Alegre, UFRGS, v. 1, n. 1, p. 9-27, jul./dez. 2011. traz uma perspectiva importante sobre os Estudos da Presença que oferece um horizonte para pensar o corpo brincante. “A presença, ainda, pode fazer alusão a algo invisível ou desaparecido que se torna presente. Assim, objetos, lugares, seres podem ter uma presença, a presença de algo invisível”. A própria palavra brincante abre os sentidos da qualidade da atuação de quem brinca, pois quando o quilombo performado é visto, as artes da presença aparecem como uma mágica vibração do encantamento. A presença do corpo travesti no quilombo pode demandar a construção de uma outra linguagem da brincadeira, criada pela possibilidade de ele existir por intermédio dos seus próprios efeitos de presença, que invocam a experiência de significar outra temporalidade. Como trazem Ferracini e Puccetti (2011)FERRACINI, Renato; PUCCETTI, Ricardo. Presença em acontecimentos. Revista Brasileira de Estudos da Presença, Porto Alegre, UFRGS, v. 1, n. 2, p. 360-369, jul./dez. 2011., sobre a presença que se completa com o público, percebe-se a performance do quilombo e do corpo de quem brinca a partir do que pode ser visto como presença-acontecimento-espetáculo que mobiliza o plano poético e de experiência.

“Através do treinamento cotidiano, o ator, como, artesão que é, se constrói a cada dia, no confronto consigo, com suas forças e fraquezas” (Ferracini; Puccetti, 2011FERRACINI, Renato; PUCCETTI, Ricardo. Presença em acontecimentos. Revista Brasileira de Estudos da Presença, Porto Alegre, UFRGS, v. 1, n. 2, p. 360-369, jul./dez. 2011., p. 361). Em sua porosidade e abertura, o corpo brincante se materializa não apenas pela mágica do rito no ato de se encantar, mas pela materialidade do encontro performativo que revela a potência como diferenciação de si. Nos termos de Fabião (2008)FABIÃO, Eleonora. Performance e teatro: poéticas e políticas da cena contemporânea. Sala Preta, São Paulo, USP, v. 8, p. 235-246, nov. 2008., as ações performativas são programas, de modo que não se improvisa uma ideia, mas se criam programas para realizar, ativando a experiência como uma ação em si mesma. Programas anunciam corpos como sistemas relacionais abertos, ou seja, a pessoa brincante evidencia um corpo, ele torna o corpo-mundo evidente. “Performers são, antes de tudo, complicadores culturais” (Fabião, 2008FABIÃO, Eleonora. Performance e teatro: poéticas e políticas da cena contemporânea. Sala Preta, São Paulo, USP, v. 8, p. 235-246, nov. 2008., p. 237, grifo original). Dessa forma, Barroso (2013)BARROSO, Oswald. Teatro como encantamento: bois e reisados de caretas. Fortaleza: Armazém Cultural, 2013. traz o Reisado como um teatro nômade, peregrinal e processual que, por meio de uma grande caminhada, tece uma narrativa sem começo ou fim na busca interminável de utopia, em que o espetáculo depende de um grupo fixo para sequenciar dramatizações e danças.

Assim, é pelo pensamento de Alcure (2019)ALCURE, Adriana Schneider. Rir de si: comicidade, política e a noção de “brincadeira”. Moringa, João Pessoa, UFPB, v. 10, n. 2, p. 151-172, jun./dez. 2019., sobre o rir de si, que encontro o suporte para pensar a noção de brincadeira a partir das dissidências sexuais e de gênero no teatro encantado. Partindo da hipótese de que a noção de brincadeira é uma das peças fundamentais para compreender determinado ethos popular no Brasil, Alcure (2019)ALCURE, Adriana Schneider. Rir de si: comicidade, política e a noção de “brincadeira”. Moringa, João Pessoa, UFPB, v. 10, n. 2, p. 151-172, jun./dez. 2019. mostra como o termo pode se constituir como um campo eficaz de resistência, tendo em vista a visão dos mecanismos socioculturais de exclusão historicamente hegemônicos. Entre o ritual e a política, a autora arrisca dizer que a brincadeira carrega uma potência épica que, de modo intencional, é política por conta de os espectadores, nos brinquedos, distribuírem em si mesmos os meios do brincar. “Praticar o estado de brincadeira, como tenho compreendido, é experimentar uma fluidez entre arte e vida, relacionando jogo, presença, escuta, memória e ancestralidade” (Alcure, 2019ALCURE, Adriana Schneider. Rir de si: comicidade, política e a noção de “brincadeira”. Moringa, João Pessoa, UFPB, v. 10, n. 2, p. 151-172, jun./dez. 2019., p. 161).

Como uma prática coletiva de partilha por meio do que comumente se tem como tradição, é possível perceber que a pessoa brincante dispõe de linguagens artísticas de forma híbrida, produzindo o que Alcure (2019)ALCURE, Adriana Schneider. Rir de si: comicidade, política e a noção de “brincadeira”. Moringa, João Pessoa, UFPB, v. 10, n. 2, p. 151-172, jun./dez. 2019. chama de outra epistemologia para a cena, no exercício de descolonizar sensibilidades. Diante da exclusão e ilegibilidade do corpo dissidente sexual e de gênero no campo da política e da arte, levando em conta o potencial coletivo da brincadeira, vale pensar como a presença travesti evoca o estado do brincar e qual a relação entre as formas animadas e a performance de gênero no teatro brincante. Ao levar em consideração as reflexões de Waszkiel (2019)WASZKIEL, Halina. Teatro de Formas Animadas. Móin-Móin, Florianópolis, Udesc, v. 2, n. 21, p. 208-221, dez. 2019. sobre os termos animant e forma animada, procuro nuances entre o corpo da pessoa brincante e a dimensão da teatralidade do gênero diante do pensamento de Butler (2020)BUTLER, Judith. Corpos que importam: os limites discursivos do “sexo”. São Paulo: n-1 edições, 2020.. Em referência ao termo animação, Waszkiel (2019)WASZKIEL, Halina. Teatro de Formas Animadas. Móin-Móin, Florianópolis, Udesc, v. 2, n. 21, p. 208-221, dez. 2019. denota, com o termo criado animant, uma figura cênica, ou seja, um objeto estético que constrói uma metáfora, o que leva a pessoa brincante ao palco e aparece aos espectadores como uma espécie de terceiro elemento performático.

Assim, é preciso que na atuação se coloque parte da sua própria vida nas ações do objeto, até mesmo mais do que nas suas próprias ações. Dessa forma, se o animant se refere a qualquer objeto, material ou imaterial, que é submetido ao processo de animação em cena, a forma animada aparece definida na performance através da outra presença cênica além do corpo que brinca. A construção de um protagonista beira a matéria animação (pessoas), a matéria inanimada (objetos, figurinos e adereços) e a matéria animada (animants). Na cena, cria-se uma nova entidade a partir do seu corpo físico, dos seus gestos ou da sua expressão. “O teatro de formas animadas nos ensina a empatizar com seres que são diferentes de nós” (Waszkiel, 2019WASZKIEL, Halina. Teatro de Formas Animadas. Móin-Móin, Florianópolis, Udesc, v. 2, n. 21, p. 208-221, dez. 2019., p. 220). Diante disso, se quem brinca é capaz de emprestar um pedaço da sua vida para um objeto inventado por ações intencionais que levam à emergência de uma ilusão de objetos que se movem, falam e tomam atitudes, vale destacar o reconhecimento da tensão entre o real e a ficção da cena brincante nos processos criativos por meio da transformação e da experiência através da performance de gênero.

Sobre a teatralidade do gênero, Butler (2020)BUTLER, Judith. Corpos que importam: os limites discursivos do “sexo”. São Paulo: n-1 edições, 2020. diz que o gênero não é nem uma verdade puramente psíquica, nem é redutível a uma aparência superficial, ou seja, possui um caráter flutuante que deve ser qualificado como um jogo entre a própria psique e a aparência. Ao mencionar que a redução da performatividade à performance seria um erro, a autora explica que em nenhum sentido a parte do gênero que é atuada constitui a verdade do gênero, pois, se a performatividade consiste na reiteração das normas que a precedem, a performance se delimita ao ato. A partir do termo animant em Waszkiel (2019)WASZKIEL, Halina. Teatro de Formas Animadas. Móin-Móin, Florianópolis, Udesc, v. 2, n. 21, p. 208-221, dez. 2019., definido como matéria inanimada, e da questão da performatividade em Butler (2020)BUTLER, Judith. Corpos que importam: os limites discursivos do “sexo”. São Paulo: n-1 edições, 2020., tida como algo que excede o sujeito, que não pode ser visto como a vontade, mas como o que aparece atuado e não performático, penso sobre o que há entre a performance cênica e a performance de gênero que anima a nova entidade surgida no palco. Afinal, o corpo brincante cria um protagonista que difere dele como indivíduo, mas a sua performance de gênero pode alegorizar o elemento como uma perda de si nesse processo de animação.

Isso parece pertinente tendo em vista que o que vemos performatizado na prática de brincantes LGBTQIA+ é o signo do gênero fantasiado pelos enredos na brincadeira, que muitas vezes não é o mesmo do corpo que o representa, porém sem o mesmo corpo não pode ser brincado. No momento em que a perda do gênero é alegorizada pelo terceiro elemento performático que protagoniza a performance cênica, o lugar das normas pode ser revisto em seu caráter obrigatório. O fenômeno de animar o inanimado permite que, de modo hiperbólico, as normas sejam negociadas, pois no próprio ato de brincar elas se mostram ineficazes. “A ressignificação das normas é, pois, uma função da sua ineficácia e, por essa razão, a questão da subversão, de aproveitar-se da debilidade da norma, torna-se uma questão de habitar as práticas da sua rearticulação” (Butler, 2020BUTLER, Judith. Corpos que importam: os limites discursivos do “sexo”. São Paulo: n-1 edições, 2020., p. 392, grifo original). Dessa forma, o encantamento que torna a espada um animant mostra a ineficácia das normas e a performance que opera de modo temporário possibilita a subversão do gênero, despontando modos de habitar por práticas transformadoras e, assim, a própria rearticulação da legibilidade do gênero.

Encantravamento11 11 Encantravamento aparece na leitura de Leal (2021) em relação ao encantamento travesti do mundo, ou seja, ao contexto de interrupção de marcas coloniais do gênero. Encantravar o mundo seria recusar o paradigma disciplinar e fazer da indisciplina uma episteme fabular. nas fabulações Reisado: o corpo-quilombo

Ao passo que Alcure (2019)ALCURE, Adriana Schneider. Rir de si: comicidade, política e a noção de “brincadeira”. Moringa, João Pessoa, UFPB, v. 10, n. 2, p. 151-172, jun./dez. 2019. discute a brincadeira como modo de descolonizar sensibilidades, penso nas tensões de gênero e sexualidade no teatro brincante a partir dos “estudos transviados” (Bento, 2017BENTO, Berenice. Transviad@s: gênero, sexualidade e direitos humanos. Salvador: Edufba, 2017.). Dessa forma, aproprio-me do que Bento (2017)BENTO, Berenice. Transviad@s: gênero, sexualidade e direitos humanos. Salvador: Edufba, 2017. diz quando explica a necessidade de acabar com o gênero como marcador da diferença, tendo em vista o sentido binário e naturalizado que vigora, para pensar no “brincar de gênero”. “Veja, não estou falando em acabar com a ideia de gênero, mas se eu não tenho obrigação de corresponder a um estereótipo de gênero, e se eu posso ‘brincar de gênero’, qual o problema?” (Bento, 2017BENTO, Berenice. Transviad@s: gênero, sexualidade e direitos humanos. Salvador: Edufba, 2017., p. 154-155). Ao seguir os afetos, Lopes (2016)LOPES, Denilson. Afetos. Estudos queer e artifício na América Latina. E-Compós, Brasília, Compós, v. 19, n. 2, p. 1-16, out. 2016. pensa a cultura e a arte pelas sensibilidades. De tal modo, a brincadeira se dá mais pelas sensações teatralizadas e pelos afetos performatizados do que pela expressão das emoções e dos sentimentos brincados. Isso dialoga com o que ele pontua na questão das sensações e de os afetos interessarem mais do que sexo e gênero. “A beleza do mundo é o espetáculo das imagens. Poses. Não gestos. Máscaras. Não rostos. Peles. Não corpos” (Lopes, 2016LOPES, Denilson. Afetos. Estudos queer e artifício na América Latina. E-Compós, Brasília, Compós, v. 19, n. 2, p. 1-16, out. 2016., p. 11).

Pelas afetações do campo, penso com Colling (2021)COLLING, Leandro. A vontade de expor: arte, gênero e sexualidade. Salvador: Edufba, 2021. que a performance de gênero e a performatividade de gênero das pessoas brincantes não são a mesma coisa. O que se sugere, com a encenação do teatro brincante nas performances nos quilombos, abarca a reflexão de como as brincantes trazem a sua vida e o seu gênero para a reivindicação do espaço público, mesmo que no momento de desencanto após o cortejo elas performem seu gênero de outra forma. “Também é completo diferenciar performance de gênero e performatividade de gênero porque, em muitas obras, as vidas dos(as) artistas e suas produções artísticas são indissociáveis [...]” (Colling, 2021COLLING, Leandro. A vontade de expor: arte, gênero e sexualidade. Salvador: Edufba, 2021., p. 241). No Reisado, o gênero e a sexualidade não passam de uma brincadeira na fabricação da cultura. Com o objetivo de desnaturalizar a cultura popular, Albuquerque Junior (2013)ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz de. Feira dos mitos: a fabricação do folclore e da cultura popular (Nordeste 1920-1950). São Paulo: Intermeios, 2013. oferece um horizonte possível para se pensar o próprio gênero naturalizado no enredo das tradições. “A fabricação do folclore e da cultura popular, feita por letratos, tem que se defrontar e dar significado a práticas culturais em que o corpo e não a mente exerce uma grande centralidade” (Albuquerque Junior, 2013ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz de. Feira dos mitos: a fabricação do folclore e da cultura popular (Nordeste 1920-1950). São Paulo: Intermeios, 2013., p. 189).

No caso da presença travesti nos quilombos de Reisado como acontecimento performático, as brincadeiras e os encantos podem ser transformados e reinventados pelos modos de subjetivação na deriva de outras sensibilidades. Nesse sentido, as reflexões que Leal e Rosa (2020)LEAL, Dodi; ROSA, André. Transgeneridades em Performance: desobediências de gênero e anticolonialidades das artes cênicas. Revista Brasileira de Estudos da Presença, Porto Alegre, UFRGS, v. 10, p. 1-29, jul./set. 2020. trazem pelos dispositivos cênicos em relação à questão trans oferecem um arsenal para pensar o corpo brincante. O que de fato interessa na miragem transpófaga de pensar o teatro brincante e suas formas animadas seria não criar a partir de uma hegemonia, mas sim criar diante de novos imaginários e repertórios, por meio dos quais até mesmo a cisgeneridade pode ser convidada a transicionar de gênero enquanto os próprios sentidos do que significa ser travesti nessa visão transmutam na incorporação. Dentro do quilombo, é como se os atos do ser ou não ser não fossem colocados em questão e a reconfiguração do que significa ser uma pessoa transgênera ressoasse na presença da brincadeira que faz do corpo uma renovação nas lógicas do saber e do poder operadas na transgeneridade. O imaginário do Reisado instiga, pois opera na intervenção e na mutação dos corpos por atos de desidentificação de si mesmos.

Desse modo, o gênero atravessa o lugar de presença pela improvisação e pelo efêmero, causando uma tensão nos enredos da tradição que redesenha e borra novas rotas para re-apresentar memórias pessoais na busca das utopias. Entre o poético e o político, as estéticas do Reisado compartilham uma dimensão ética de deslocamento do mundo e dos sentidos de criação de si. “Como criar um espaço que seja orientado por uma ética que reafirma a vida [...] no qual possamos acessar e reativar as forças da presença das desobediências de gênero em âmbito populacional?” (Leal; Rosa, 2020LEAL, Dodi; ROSA, André. Transgeneridades em Performance: desobediências de gênero e anticolonialidades das artes cênicas. Revista Brasileira de Estudos da Presença, Porto Alegre, UFRGS, v. 10, p. 1-29, jul./set. 2020., p. 22). Se Simas e Rufino (2020)SIMAS, Luiz Antonio; RUFINO, Luiz. Encantamento: sobre política de vida. Rio de Janeiro: Mórula Editorial, 2020. seguem a flecha que atravessa o tempo na afirmação de que o contrário da vida não é a morte, o contrário da vida é o desencanto, sigo o apito na boca da Mestra Pinto na visão de como as fabulações aparecem nas encruzilhadas do quilombo como “encruzi-travas” (Leal, 2021LEAL, Dodi Tavares Borges. Fabulações travestis sobre o fim. Conceição/Conception, Campinas, Unicamp, v. 10, n. 1, p. 1-19, maio, 2021.). Embora Simas e Rufino (2020)SIMAS, Luiz Antonio; RUFINO, Luiz. Encantamento: sobre política de vida. Rio de Janeiro: Mórula Editorial, 2020. reflitam sobre o encantamento, penso mais na visão de Leal (2021)LEAL, Dodi Tavares Borges. Fabulações travestis sobre o fim. Conceição/Conception, Campinas, Unicamp, v. 10, n. 1, p. 1-19, maio, 2021. sobre os sentidos populares do encantravamento. “Encantravar a humanidade é transpor os enigmas de gênero para feitiços de enigmas da espécie” (Leal, 2021LEAL, Dodi Tavares Borges. Fabulações travestis sobre o fim. Conceição/Conception, Campinas, Unicamp, v. 10, n. 1, p. 1-19, maio, 2021., p. 15).

Se o encantamento aparece na capacidade de transitar nas inúmeras voltas do tempo, o encantamento travesti possibilita o amulheramento12 12 Amulheramento também é um termo de Leal (2021) que busca desencadear um ato de melhorar o mundo a partir da ação contra a dominação. Assim, mulherar, para a autora, quer dizer melhorar nos modos de fabular o tempo na perspectiva transgênera. do mundo e da cultura por uma política comunitária entre a poética e o cotidiano como rito que mostra as formas de inteligibilidade do gênero para além das normas do desencanto. Assim, Leal (2021)LEAL, Dodi Tavares Borges. Fabulações travestis sobre o fim. Conceição/Conception, Campinas, Unicamp, v. 10, n. 1, p. 1-19, maio, 2021. diz que as fabulações travestis esgarçam os ditames desencantados. Essa afirmação se torna relevante para as reflexões aqui apresentadas, pois ela menciona práticas que colocam o teatro em seu próprio desgaste, apontando para outros alinhamentos e outras reinvenções paradigmáticas das artes cênicas como um processo de cura da cena. “Mas, de que forma enfeitiçar, de uma perspectiva transgênera, os prazos de validade da cena, do corpo, da espécie humana e do mundo?” (Leal, 2021LEAL, Dodi Tavares Borges. Fabulações travestis sobre o fim. Conceição/Conception, Campinas, Unicamp, v. 10, n. 1, p. 1-19, maio, 2021., p. 10). Se tanto o encantamento como a encruzilhada são chaves que permitem compreender as experiências estéticas pela instauração de outros lugares e de outras temporalidades forjadas na fabricação da cultura popular, o corpo travesti na tradição pode ser visto no espaço onde as vidas impossíveis se manifestam umas nas outras.

É o movimento que Mombaça (2021)MOMBAÇA, Jota. Não vão nos matar agora. Rio de Janeiro: Editora Cobogó, 2021. faz nas ficções colonizadas e recoloniais que permite enxergar as curvas e os nós por travessias e fugas, a exemplo do quilombo em performance que pode deslocar as posições da matriz cisgênera pela conexão afetiva. “Falo aqui de uma presença que escapa ao gesto mesmo de apreensão a que este texto se gere; falo de uma força que não é nem sujeito e nem o mundo, mas atravessa tudo” (Mombaça, 2021MOMBAÇA, Jota. Não vão nos matar agora. Rio de Janeiro: Editora Cobogó, 2021., p. 14-15). Quando Mombaça (2021)MOMBAÇA, Jota. Não vão nos matar agora. Rio de Janeiro: Editora Cobogó, 2021. fala da quebra como o que não se define e não cabe em si mesmo, no movimento abrupto, desordenado e errático do estilhaçamento, recordo os cacos de espelhos quebrados nos trajes, nas espadas e nos capacetes de alguns figurinos do Reisado. Tal comparação permite-me refletir pelas formas estéticas da performance sobre o encantamento como movimento que beira a ética e a política no fluxo da coletividade forjada no movimento de estilhaçar os sentidos da cultura popular. Talvez seja pela cultura que o corpo travesti encontre uma forma de celebrar a presença desobediente de gênero para habitar e enfrentar o mundo. “Não como povo, mas como peste: no cerne mesmo do mundo, e contra ele” (Mombaça, 2021MOMBAÇA, Jota. Não vão nos matar agora. Rio de Janeiro: Editora Cobogó, 2021., p. 19).

Em um paralelo com o pensamento de Brasileiro (2021)BRASILEIRO, Castiel Vitorino. Eclipse. New York: CSS Bard/Hessel Museum, 2021., encontra-se a visão dos espaços perecíveis de liberdade atravessados por situações geográficas e instaurados por lapsos tempoespaciais que expandem a consciência cósmica para ultrapassarem os limites criados. Com uma memória que transfigura, Pinto pode ser qualquer coisa no quilombo que não seja necessariamente travesti. Em movimento, o corpo de Pinto no quilombo, celebrado por si mesmo e pela comunidade no tempo do rito, transmuta-se para um lugar de escape, onde as espadas fazem frente ao reino fabulado da diáspora negra travesti. Aliás, travesti talvez seja um dos nomes, e o mais provisório para designá-la, enquanto ela se transmuta, como a própria travessia quilomba. “Tradição não existe porque, na passagem do conhecimento a outros corpos, o que acontece com esse conteúdo é sempre uma modificação, sutil ou radical. Se existe algo que permanece na tradição é sua condição mutante” (Brasileiro, 2021BRASILEIRO, Castiel Vitorino. Eclipse. New York: CSS Bard/Hessel Museum, 2021., p. 51). A espiritualidade travesti atravessa a cultura popular e permite viver a travestilidade para além dessa própria identidade. Acompanhemos o corpo-quilombo.

Era o dia 14 de julho de 2019. Às 13h, as portas e janelas da casa do Mestre Xexéu estavam abertas. Do lado de fora, a zambumba tocava e animava crianças e jovens. A pequena sala, na qual aconteciam os ensaios, era o próprio espaço do desencanto: os figurinos, as espadas e os capacetes estavam nas prateleiras da venda do Mestre Xexéu, sem vida, como se estivessem adormecidos. Aos 37 anos, o Mestre faz um suspense em torno da expectativa do seu traje, cotidianamente veste apenas o manequim na sala. Há uma delicadeza no olhar e no toque dele com seus figurinos, pois, além de escolher as cores, os tipos e as texturas do material, Xexéu parece enxergar como aquele tecido encarna no seu corpo. O figurino parece ser até mais importante do que a espada para ele.

Figura 1
Figurino com espelhos do Reisado Sagrada Família (2019).

Como pesquisador, percebo que transito de modo mais fluido entre os limites convencionados da casa do Mestre do que algumas pessoas brincantes, mesmo sendo visto diversas vezes como brincante do Reisado Sagrada Família por acompanhar os ensaios e por ter sido convidado pelo Mestre Xexéu a participar do grupo. Havia uma atenção dobrada de Rayanny Gomes13 13 Rayanny faleceu no dia 12 de agosto de 2021, vítima de Covid-19. Os encontros desta pesquisa remontam as lembranças em memória da esposa do Mestre Xexéu. , 24 anos, esposa do Mestre, que sempre oferecia água, café ou vodca enquanto me via na sala. Enquanto Xexéu se arrumava, Rayanny vestia o filho de quatro anos, que já era tido como o Príncipe do cortejo. Apesar de humilde, a venda do Mestre Xexéu é completa e organizada, com uma estante de aço de até seis prateleiras em um cômodo de aproximadamente 8m2. De alimentos a produtos de limpeza, cada prateleira, de baixo para cima, possui uma disposição específica por meio da utilidade dos produtos para compra dos clientes.

Antes daquele dia de quilombo, o grupo Sagrada Família estava ensaiando semanalmente e havia convidado Pinto para acompanhar os encontros. Cheguei a ver e dançar em três ensaios do grupo, sempre às quintasfeiras, quando eu encontrava Pinto às 18h no João Cabral, na Rua Beata Maria de Araújo, e de lá seguíamos de motocicleta para o Pirajá até à casa do Mestre, na Avenida Guanabara, percorrendo uma distância de quase 2 km. Naquele dia, Pinto disse que não queria brincar o quilombo, mesmo tendo ensaiado nos últimos dias. Na sala, ela ajudava as pessoas na vestimenta e treinava alguns golpes de espada na rua com as fileiras de brincantes que já estavam prontas. Antes de começar o quilombo, Xexéu convida Pinto mais uma vez para participar, oferecendo um traje que sobrou do grupo, já que ela, pela indecisão, não havia levado o seu. Apesar de não querer participar, Pinto disse que apenas acompanharia os quilombos e ajudaria no que fosse necessário.

Figura 2
Pinto duelando espadas com um brincante do Mestre Xexéu (2019).

Anunciado o cortejo, ouvi o primeiro chicote estalar no asfalto. Os Cães já haviam começado a arruaça na abertura do quilombo. Mestre Xexéu já estava pronto e o seu filho, pensando que iria acompanhar o pai, ficou na porta com Rayanny, que se despediu do cortejo e ali ficou, para não deixar a venda sozinha naquela tarde. Ao todo, foram sete paradas pelas esquinas, ruas e casas.

Decido descrever no diário de campo cada momento do quilombo, puxado pelo Sagrada Família, com a atenção cartográfica e o recurso do corpo vibrátil (Rolnik, 1989ROLNIK, Suely. Cartografia sentimental: transformações contemporâneas do desejo. São Paulo: Estação Liberdade, 1989.). O quilombo começou com o apito do Mestre Xexéu, apesar de os Cães já terem iniciado a performance na rua. Na boca do Mestre, o objeto ganha vida com o sopro que cria a atmosfera de encantamento do cortejo e abre os sentidos do quilombo. Eram 14h52 quando o grupo saiu da Avenida Guanabara no sentido das primeiras ruas do João Cabral, cruzando uma das principais avenidas de Juazeiro do Norte, a central Avenida Castelo Branco, e desencadeando o devir sensível entre os afetos e as sensações (Deleuze; Guattari, 1992DELEUZE; Gilles; GUATTARI, Félix. O que é filosofia?. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992.).

Sem rota e com improviso, os brincantes do Sagrada Família fazem das ruas um manto azul pelo traje do grupo que matiza a dança nas cores vermelho e branco. O grupo de Cães abre o quilombo seguindo na frente do cortejo formado pelos cordões. Com um vestido cinza sem alças e de cabelo preso, Pinto acompanha o grupo pelas margens, nas calçadas, como espectadora. Mestre Xexéu dá a palavra de ordem, a banda que tocava desde o começo daquela tarde pausa e recomeça a tocar com caixa e zabumba para o quilombo dançar. Misturam-se os sons entre estalos de chicotes, instrumentos de percussão e cantos de brincantes. A primeira peça é puxada pelo Mestre e os brincantes respondem com a segunda resposta na repetição do verso. Os corpos que ensaiavam golpes de espada na frente da casa de Xexéu já estão aquecidos.

Figura 3
Figura do Cão no começo do quilombo do Reisado (2019).

Acredito que os primeiros personagens que se encantam nos Reisados são os Cães, que abrem o rito pelo estalo do chicote de 2m e pelas máscaras, que dão aos brincantes um rosto monstruoso e disforme, proporcionando a diferenciação de si pela deriva encantada do outro como coisa que vem no duplo da animação (Amaral, 1996AMARAL, Ana Maria. Teatro de formas animadas. São Paulo: Edusp, 1996.). Afinal, o Cão é uma das únicas figuras mascaradas nesses Reisados. Mestre apitou, cordão formou. No quilombo existiam aproximadamente 35 brincantes. Os 15 Cães, agora mais distantes da casa do Mestre, seguem abrindo tempos pelas ruas. O Mateu, um dos personagens mais importantes do quilombo, por pregar peças e conseguir trocados, segue na frente do Mestre, da Rainha, do Rei e da Princesa, que ficam no meio dos dois cordões de brincantes. Do lado esquerdo e do lado direito, oito brincantes cantam e dançam cercando a performance, totalizando 16 brincantes. A banda toca atrás da cena, junto do público que, caminhando ou pilotando motos ao som de buzinas e gritos, acompanha a performance.

Até aquele momento, o cortejo estava sem Contraguia, pois Pinto decidiu não participar. Ao cruzar a Avenida Castelo Branco, os Cães atrapalham o trânsito ameno daquele domingo. Os carros buzinam, alguns motoristas reclamam, outros fotografam e participam da performance com gritos e vaias. Os mascarados sobem nos capôs dos carros, brincam com os motoristas e não esperam o sinal vermelho, cruzam a avenida até as imediações do João Cabral, onde a atmosfera da brincadeira instaura o tempo outro. O rito religioso encarnou nos corpos que dançam no grupo Sagrada Família. O Mestre Xexéu canta a segunda peça e avista a primeira casa aberta. Os Cães ficam na porta, a banda na calçada e os brincantes adentram o recinto após pedirem licença para o dono da casa. É hora de entrar para tirar o primeiro Divino no rito da brincadeira pelo tilintar de espadas e pelos risos ecoados nas preces.

Louvai o corpo travesti no quilombo espiralar: Pinto se encanta

1. Uma travesti entra nesta nobre sala

A primeira parada aconteceu em uma casa no bairro João Cabral. A organização dentro da residência ocorre da mesma forma que na rua, os brincantes entram e puxam a primeira reza. Nesse momento, próximo da banda, algumas pessoas que ficam na calçada bebem vodca e outros brincantes duelam espadas do lado de fora da casa. O alvoroço faz os moradores do bairro saírem de suas casas no meio do cortejo na vizinhança. Alguns abraçam os seus conhecidos brincantes e outros passam despercebidos pelo traje ou pelas máscaras. No alpendre da casa onde Mestre Xexéu faz performance do Sagrada Família, a presença de Pinto ressoa entre os brincantes, pois ela adentra o cortejo sem traje, sendo a última do cordão no lado esquerdo e criando um efeito pelo encantamento (Icle, 2011ICLE, Gilberto. Estudos da Presença: prolegômenos para a pesquisa das práticas performativas. Revista Brasileira de Estudos da Presença, Porto Alegre, UFRGS, v. 1, n. 1, p. 9-27, jul./dez. 2011.). Nesse momento, a voz de Pinto ecoa por cima da voz de Xexéu, fortalecendo o vínculo com a oração.

Figura 4
Momento em que Pinto adentra a peça do quilombo com cantoria (2019).

Durante a reza existem sons que tanto o Mateu como os outros brincantes fazem e relembram muito os aboios dos vaqueiros nos currais pelos caminhos das boiadas e, até mesmo, os ilás que os orixás emitem quando sinalizam que estão na terra incorporados. É interessante perceber como o corpo consagrado de Pinto se constitui na travestilidade que resgata, pela cultura, os lapsos ancestrais que enredam a sua presença no rito, seja no momento daquela performance cênica ou na sua trajetória pelos grupos de tradição. Aos pés do Sagrado Coração de Jesus, as cantorias versificam uma reza com base no catolicismo popular, fazendo daquela parada quase uma cerimônia de Renovação. Ainda sem traje, Pinto canta e louva o tempo.

[...] Quando eu entro nesta nobre sala / Eu vejo a donzela coberta com véu / A mulher é a imagem do homem/ A princesa, a rainha do céu/ [...]

2. As bênçãos do Mestre Nena

Após a tiração do Divino, o grupo toma água na casa, despede-se e segue performando o quilombo. Ao cruzar algumas ruas guerreando, cantando e rindo, o Mestre Xexéu sinaliza uma parada na casa do Mestre Nena, que fica nas redondezas da Praça Carlos Cruz, mais conhecida como Praça do CC, próxima à casa de Pinto. Ela some no meio da multidão brincante. É um momento de dispersão pela praça, mas o Mestre Xexéu apita e o quilombo se forma na frente da casa de Mestre Nena, que, fumando um cigarro ao lado da sua companheira, Dona Gorete, assiste à homenagem religiosa. É possível perceber respeito e agilidade em cada gesto dançado, como se Xexéu, como Mestre mais jovem, cobrasse do seu grupo uma performance que pudesse agradar a Nena como reverência.

O calor daquela tarde fazia os corpos brincantes suarem a cada canto dançado. Dona Gorete traz da casa uma garrafa de água gelada e oferece para os brincantes. Em nenhum momento o canto cessa, as vozes se alternam e, por meio dos cordões, Gorete adentra a cena oferecendo água de brincante em brincante. Mestre Nena saúda o grupo e agradece com gestos positivos a performance. Depois disso, Xexéu anuncia uma pausa de 10 min. Em seguida, o apito ressoa pela quadra da praça e o som da zabumba convoca os brincantes a formarem o cortejo que segue pelas ruas do João Cabral, avistando alguma porta aberta ou procurando o percurso da devoção na presentificação do corpo em rito.

3. Pinto se encanta

Sigo pelas calçadas, acompanhando o cortejo como espectador da brincadeira, quando avisto em uma das esquinas Pinto de traje verde e espada na mão. O que fez Pinto se encantar? Ela chega intervindo em um jogo de espadas e duelando com a primeira pessoa que encontra em cortejo. De repente, o apito passa da boca do Mestre Xexéu para a boca de Pinto. Ao lado do Mestre, a brincante assume o papel de Contraguia e conduz algumas peças. Alguns brincantes que já dançavam com Pinto em outros grupos abrem o sorriso e gritam alto durante a procissão: “rapariga!”. Quando ela me vê, pergunto-lhe o porquê de entrar no quilombo somente naquele momento, ao que ela diz: “é que sou assim, pego de surpresa”14 14 Entrevista concedida por Mellysa Giselly no dia 14 de julho de 2019, em Juazeiro do Norte/CE. . De fato, foi uma surpresa ter visto Pinto trajada naquele cortejo. Encantada, vejo-a duelar com Germano Pereira, que assistia como espectador a cena.

Nessa cena, quando Germano observa Pinto, trajada na encenação e no duelo, algo acontece e o duplo do encantamento produz o corpo brincante na pele de quem brinca com o gênero performatizado (Butler, 2020BUTLER, Judith. Corpos que importam: os limites discursivos do “sexo”. São Paulo: n-1 edições, 2020.). Duelando com Germano que estava no momento sem traje, Pinto transmite e repassa os saberes da tradição por outra corporalidade que afeta os enredos da brincadeira. Olhares que são como golpes de espadas, golpes que são como poses com a espada e poses que criam uma fabulação sobre a espada que corta o tempo nas partículas efêmeras e fugazes. As cicatrizes da espada não marcam apenas a pele, mas cortam identidades pelos gestos dos corpos brincantes. O que anima Pinto e afeta Germano está entre a performance do Reisado e a performance de gênero como “animant” (Waszkiel, 2019WASZKIEL, Halina. Teatro de Formas Animadas. Móin-Móin, Florianópolis, Udesc, v. 2, n. 21, p. 208-221, dez. 2019.). O que pode ser Pinto para além de uma travesti que maneja espadas?

Figura 5
Pinto e Gesman duelando no bairro João Cabral (2019).

4. Encontro de Mestres e a tomada da Rainha

Após o duelo de Gesman e Pinto, fico pensando no quanto a espada conduz o corpo. É como se a espada fizesse da pessoa brincante um outro objeto animado. Talvez na tentativa de pensar a relação do teatro brincante com suas formas animadas, na dimensão performativa dessas manifestações das dissidências sexuais e de gênero em cena, o dom brincante esteja no elo entre as sabenças dos corpos fora da norma sexual e de gênero e a animação de Reis. Na voz e com o apito, Pinto pede para formar o cordão. Enquanto isso, o Mestre Xexéu toma uma cerveja e entrega uma latinha para o zabumbeiro. No quilombo quase nada fica parado, mesmo nos momentos de pausa, os duelos, as trocas e os encontros continuam acontecendo todo o tempo.

Figura 6
Quilombo cantando na parada do Salão (2019).

Com uma mão na zabumba e outra na lata de cerveja, o músico me olha e diz que “tocador não toma ‘gagau’ e sim álcool”. Pinto pega uma cerveja para mim. A quarta parada acontece em outra casa que estava aberta, onde funcionava um salão de beleza no bairro. Após a cantoria na frente da casa, o Mestre Xexéu pede licença e pergunta se pode entrar com o grupo. O ambiente climatizado esfria o corpo brincante que canta com mais calma para uma imagem do Padre Cícero pendurada em um altar próximo ao teto do salão. Entre fios de cabelo no chão, os brincantes dançam, cantam e se olham nos grandes espelhos do ambiente. Pinto retoma a pose, arruma os cabelos e ajeita o traje. O dono do salão oferece para as crianças água e achocolatado. A caminhada continua na relação entre o percurso e o corpo que se afeta na brincadeira.

Do outro lado da performance, Mestre Xexéu interrompe a marcha e combina com Pinto quais as ruas ainda deveriam ser seguidas a partir do percurso dançado e do improviso cantado. Agora, estávamos no meio do quilombo, momento da encenação principal, a mais aguardada pelo público: a tomação de Rainha na batalha entre Mestres. Como o quilombo estava sendo tirado por apenas um grupo, o Mestre Xexéu dividiu o Sagrada Família em dois grupos e enunciou Pinto como Mestra para realizar aquela batalha. A performance fica completa com as vaias e os gritos do público que assiste das calçadas. Os Cães formam um grande círculo, uma espécie de cerco com os cordões dos chicotes impedindo que alguma pessoa invada a cena, atrapalhe ou se machuque.

*** Eu não tenho medo/ Eu nasci pra guerrear/ Com a espada de São Jorge/ Todo mal eu vou cortar/ Eu não tenho medo de dragão de devorador/ Porque tenho São Jorge ele é meu protetor! [...]

Figura 7
Salto da brincante no figural de Reis durante o jogo de espadas (2019).

A batalha começa15 15 Vídeo da performance disponível em: www.youtube.com/watch?v=nLPxg0YJvUs&t=69s. Acesso em: 20 set. 2021. . Xexéu golpeia, protege a Rainha, não acerta Pinto. Ela estava com a Princesa que, na divisão dos grupos, encenava a Rainha. Pinto golpeia, protege a Rainha com a mão esquerda e dá o golpe com a direita. Assim, a disputa se intensifica quando os dois protegem as suas Rainhas, mas por um momento brusco, em um pequeno deslize, Pinto consegue tomar a Rainha da mão de Xexéu e derruba a espada dele no chão. O público grita e as calçadas formam uma arena para observar Pinto no ‘aqui e agora’ a partir de uma misteriosa existência do que não existe (Mombaça, 2021MOMBAÇA, Jota. Não vão nos matar agora. Rio de Janeiro: Editora Cobogó, 2021.), mas que na fantasia se anima como o experimento de fricção pela espiritualidade travesti (Brasileiro, 2021BRASILEIRO, Castiel Vitorino. Eclipse. New York: CSS Bard/Hessel Museum, 2021.). Esse momento para mim é um dos mais importantes, pois o corpo negro travesti fabula o tempo do rito na política da vida pelo espectro do encantamento, reverberando, pela performance, uma trama social que se desenrola pelo reconhecimento do seu gênero no contexto da aparição, no espaço público, de modo artístico. Na mesma rapidez que se forma o cerco, ele se dissolve pelas ruas e calçadas, como o tempo que escorre no ainda e no já é (Martins, 1997MARTINS, Leda. Afrografias da memória: o reinado do rosário do Jatobá. São Paulo: Perspectiva, 1997.).

5. Chuva, mungunzá e descanso

Anoitece, mas os chicotes continuam estalando e a zabumba continua tocando. 18h32 no João Cabral. Diante de outra porta aberta, o grupo pede licença e homenageia a dona da casa. A maioria do cordão brincante está cansada. Nessa parada, o grupo se surpreende por ser o aniversário de alguém. As peças cantadas se misturam ao coro de parabéns. Os brincantes recebem como refeição um prato de mungunzá. Não coube todo mundo dentro da casa e Pinto me convida para comer no quintal. A aniversariante pede que somente os brincantes do Reisado entrem, pois não conseguiria servir todo mundo naquela noite. Consigo entrar com algumas pessoas do grupo, recebo um prato pequeno e, fundo de mungunzá, debaixo de uma fina chuva no quintal, escuto a peça cantada na sala. Em nenhum momento a performance cênica para. Aos poucos, cada brincante sai da cena para pegar o prato e volta para a cena depois de comer.

Figura 8
Pinto no duelo de espadas próximo a casa do Mestre Nena com espectador da cena (2019).

6. Cachaça, suor e chuva

De volta ao bairro Pirajá, a sexta parada tem cheiro de cachaça, suor e asfalto molhado. A chuva engrossa um pouco, mas logo para. O calor retorna como se não houvesse chovido naquele começo de noite. Com a camisa colada ao corpo e os óculos embaçados, paro debaixo de um poste de luz amarelada. Da esquina escura, vejo algum brincante levantar uma garrafa de cachaça. Quase desmanchando pela exaustão, o quilombo enfraquece. Pinto começa a sambar entre os passos de Reisado e me oferece outra lata de cerveja. Molhados, os brincantes continuam o duelo. O meu caderno de campo se borra e, sentado em uma calçada, tento me recompor dos goles de cerveja. Ao me ver, Pinto pergunta: “já cansou?”.

*** Lavadeira, quem te ensinou a lavar? / Foi o tambor do navio e o balanço do mar/ [...]

7. O Príncipe na porta

Como uma encruzilhada, o quilombo do Reisado Sagrada Família para no sétimo ponto. 20h15 no Pirajá. O Mestre Xexéu está quase sem voz. Os Cães estão sem máscara, alguns sem camisa e outros com os chicotes nas mãos. Os brincantes chegam e se deitam na calçada. O zabumbeiro vai para casa e deixa o instrumento pendurado no armador de rede na sala de Mestre Xexéu. O Príncipe, que ficou chorando ao ver o quilombo sair, comemora o retorno do pai mamando no peito da mãe. Rayanny me pergunta se o quilombo foi bom. Pinto abre os botões da bata verde e afrouxa o cinto do saiote no final dessa performance. As crianças e os jovens assistem às transmissões ao vivo do quilombo que foram realizadas nas redes sociais e compartilham os vídeos entre si. Sem traje, Pinto aparece de camisa roxa e saia rosa, mas ainda assim pega o apito do Mestre Xexéu e conduz algumas peças para quem brinca, ainda disposto, na sala. Na calçada, ela fuma um cigarro comigo.

*** Não tenho medo de outro Mestre de Reisado/ Pode vir de outro estado/ Até do Rio de Janeiro/ Pode chegar bem cedo de madrugada/ Nós se ‘trava’ na espada e salta pro meio do terreiro [...]

Cigarro na porta, considerações finais

Na análise dessa performance de quilombo no Reisado, percebo como o corpo travesti possui um efeito de presença capaz de desnudar o teatro brincante na sua própria incapacidade de representação na cena. Ao retomar essas vibrações do quilombo, não encontro palavras para encerrar, pois a encantaria do corpo brincante não cessa, apenas adormece. Nas performances do tempo espiralar, encontra-se uma curva onde Pinto resiste pelo encantamento e faz do instante uma forma de habitar o presente. De 2020 a 2022, tive a oportunidade de acompanhar a constituição do grupo de Guerreiro Beija-flor, que Pinto montou no bairro João Cabral. Sendo reconhecida como Mestra, talvez a primeira travesti nesse papel na cultura popular do Cariri cearense, é possível ver a presença e a significação como efeitos capazes de fazer do mundo o encantravar de si.

Assim, entre o animant e a performance de gênero, o corpo brincante é conduzido pelas espadas e forjado pela indumentária na animação como uma parte de si que se perde, mas que se acopla no impossível ao invocar a experiência vivida da presença. Nas bênçãos dos Mestres, a cultura circula em um lugar-comum que reverbera nas partículas efêmeras pela brincadeira. Ao passo que o tempo aparece bordado no espiral, o corpo brincante busca a renovação pela devoção. Estou a falar de um acervo de gestos e movimentos herdados da tradição e encorpados pelas afrografias da memória que materializam a vida, percorrendo as narrativas tradicionais e alargando os limites discursivos, corporais e imagéticos diante das dissidências sexuais e de gênero que permeiam o manejo das formas animadas convocadas na performance do Reisado. De tal modo, o espaço criado por Pinto no quilombo atravessa frestas enquanto se amalgama no viés da religiosidade na tradição.

Se a presença travesti na folia de Reis pode deslocar códigos rígidos de gênero na tradição, destaca-se que a cultura popular pode ser disputada pelas afrografias do corpo dissidente. Dessa forma, sinalizam-se o esforço e a necessidade de refletir sobre as análises dos estudos do teatro e suas formas animadas pelas transgeneridades em performance, sobretudo por ser um tema ainda escasso nos debates sobre corpo, brincadeira e animação nas culturas populares, sendo um debate importante nas leituras do corpo e da cena contemporânea. Assim, a presença travesti nos quilombos conduz ao modo da encantaria de não subverter totalmente as nuances entre o gênero e a tradição, mas de enfraquecer a convenção da identidade cultural para direcionar a política do corpo nos próprios enredos da performance, em que se torna possível desmantelar as engrenagens binárias do sistema sexogênero cis heteronormativo pela via da cultura. Como uma prece, louvado seja o corpo travesti, nas espirais do tempo brincado seja louvado.

Notas

  • 1
    Pesquisa desenvolvida com apoio da CAPES-PROEX.
  • 2
    Brincante é um termo muito utilizado para nomear pessoas que participam de tradições populares no Brasil. No caso do Reisado, destaca-se a brincadeira pelo universo infantil da própria manifestação, em que os brincantes adentram os grupos ainda quando crianças. Por discutir questões singulares das vivências LGBT-QIA+, considero a potência do termo em dialogar com a linguagem inclusiva do gênero por não se referir somente ao masculino ou feminino, embora alguns brincantes se chamem de brincadores, por uma função derivada na ação do trabalho dentro da cultura.
  • 3
    Entrevista concedida por Mellysa Giselly no dia 12 de janeiro de 2019, em Juazeiro do Norte/CE.
  • 4
    Para uma visão mais aprofundada sobre a vivência de Tica como rainha nos Reisados, ver Oliveira Junior (2019)OLIVEIRA JUNIOR, Ribamar José de. Tica nasceu de papo para cima: enunciados performativos na rainha do Reisado Santa Helena. Cadernos Pagu, Campinas, n. 55, p. 1-25, maio 2019. e Oliveira Junior e Fortes (2020)OLIVEIRA JUNIOR, Ribamar José de; FORTES, Lore. O simulacro da Rainha: performance, ritual e corpo no Reisado Santa Helena. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 26, p. 87-115, jan./abr. 2020..
  • 5
    LGBTQIA+ é a sigla utilizada para lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais ou transgêneros, queer, intersexuais e assexuais.
  • 6
    Destaco o termo drag queen nessas vivências acompanhadas, em que se percebe a presença das brincantes Emilly e Evellyn, que em 2019 faziam a arte drag, na montação como artistas que imitam uma personagem feminina em cena de modo hiperbólico, ao lado da participação na tradição do Reisado. Em 2022, as brincantes seguem em processo de transição de gênero, sendo reconhecidas como jovens trans no grupo Beija-flor.
  • 7
    Tipo de performance brincada nas ruas, na qual o grupo se desloca de uma localidade para a outra, em peregrinação, com cantorias, duelos e danças, envolvendo o improviso na condução do Mestre.
  • 8
    Entrevista concedida por Deborah Pinheiro no dia 13 de março de 2019, em Juazeiro do Norte/CE.
  • 9
    Afrografias é um termo de Martins (1997)MARTINS, Leda. Afrografias da memória: o reinado do rosário do Jatobá. São Paulo: Perspectiva, 1997. que busca relacionar rito e memória pelas diásporas negras, sobretudo pelas grafias do que pode ser visto como oralitura, no enredo da tradição que se enovela nos fios da lembrança e no esquecimento no corpo.
  • 10
    Oralitura também é um termo de Martins (2002)MARTINS, Leda. Performances do tempo espiralar. In: ARBEX, Márcia; RAVETTI, Graciela (Org.). Performance, exílio, fronteiras: errâncias territoriais e textuais. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002. P. 69-92. para designar saberes perpassados pela performance que vão além da literatura, desenhando rotas pelas manifestações culturais na oralidade e no caminho do corpo como lugar de memória.
  • 11
    Encantravamento aparece na leitura de Leal (2021)LEAL, Dodi Tavares Borges. Fabulações travestis sobre o fim. Conceição/Conception, Campinas, Unicamp, v. 10, n. 1, p. 1-19, maio, 2021. em relação ao encantamento travesti do mundo, ou seja, ao contexto de interrupção de marcas coloniais do gênero. Encantravar o mundo seria recusar o paradigma disciplinar e fazer da indisciplina uma episteme fabular.
  • 12
    Amulheramento também é um termo de Leal (2021)LEAL, Dodi Tavares Borges. Fabulações travestis sobre o fim. Conceição/Conception, Campinas, Unicamp, v. 10, n. 1, p. 1-19, maio, 2021. que busca desencadear um ato de melhorar o mundo a partir da ação contra a dominação. Assim, mulherar, para a autora, quer dizer melhorar nos modos de fabular o tempo na perspectiva transgênera.
  • 13
    Rayanny faleceu no dia 12 de agosto de 2021, vítima de Covid-19. Os encontros desta pesquisa remontam as lembranças em memória da esposa do Mestre Xexéu.
  • 14
    Entrevista concedida por Mellysa Giselly no dia 14 de julho de 2019, em Juazeiro do Norte/CE.
  • 15
    Vídeo da performance disponível em: www.youtube.com/watch?v=nLPxg0YJvUs&t=69s. Acesso em: 20 set. 2021.
  • Este texto inédito também se encontra publicado em inglês neste número do periódico.

Referências

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Editado por

Editoras responsáveis: Fabiana Marcello; Rossana Della Costa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    22 Set 2021
  • Aceito
    25 Fev 2022
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