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Orientalismo em movimento: representações da dança do ventre em pinturas e literatura de viagem (séc XIX)

Orientalisme en mouvement: des représentations de la danse du ventre dans la peinture et la littérature de voyage (XIXe siècle)

RESUMO

Este artigo analisa representações da “dança do ventre” em pinturas e literatura de viagem produzidas por europeus(ias) no século XIX. Situando esta manifestação no tempo e no espaço, descrevendo características e sujeitos que foram importantes para o desenvolvimento desta prática, analisa-se sua profunda relação com o processo de colonização do Egito. Conclui-se que a dança praticada por homens e, sobretudo, mulheres no território egípcio passou por filtros e interpretações europeias antes de se consolidar no Ocidente como “dança do ventre”. Tal contexto sociopolítico deixou marcas ainda visíveis na forma como este repertório corporal é executado, representado e reputado na atualidade.

Palavras-chave:
Dança do Ventre; Orientalismo; Colonização; Representação; História Cultural

RÉSUMÉ

Cet article vise à analyser les peintures et la littérature de voyage produites par les Européens au 19ème siècle qui représentaient la «danse du ventre» et à décrire des groupes représentés. Avec cela, il s'agit de situer cette manifestation dans le temps et l'espace, d'énumérer les caractéristiques et les sujets qui ont été importants pour le développement de cette pratique, ainsi que de comprendre la relation profonde qu'elle entretient avec le processus de colonisation de l'Égypte. Avec des informations exposées, il est possible de conclure que la danse pratiquée par les hommes et, surtout, les femmes sur le territoire égyptien a subi des filtres et des interprétations européennes avant de se consolider en Occident comme la «danse du ventre ». Ce contexte sociopolitique a laissé des traces visibles dans la manière dont ce répertoire corporel est aujourd'hui interprété, représenté et reconnu.

Mots-clés:
Danse du ventre; Orientalisme; Colonisation; Représentation; Histoire Culturelle

ABSTRACT

This article analyses representations of “belly dance” in paintings and travel literature produced by Europeans in the 19th century. Locating this dance in time and space, describing characteristics and subjects that were important for the development of this practice, it analyses its deep relationship with the colonization process in Egypt. We conclude that the dances practiced by men and, above all, by women in the Egyptian territory in the 19th century underwent European filters and interpretations before consolidating in the West as “belly dancing”. This socio-political context left visible marks in the way this body repertoire is performed, represented and reputed today.

Keywords:
Belly Dance; Orientalism; Colonialism; Representation; Cultural History

Introdução: um olhar historiográfico para a Dança do Ventre

Em língua portuguesa, são poucos os trabalhos acadêmicos que se propõe a tratar do fenômeno da dança a partir de perspectiva historiográfica, lançando-se a observá-la como uma manifestação cultural diretamente ligada a um povo, a um tempo e espaço, a partir de metodologias próprias da disciplina histórica. Assim como possui potencial para ser estudada em qualquer âmbito das ciências humanas e das artes, a dança, como fenômeno inerente à espécie humana e sua ação geográfica e temporal, pode e deve ser historicizada. Entretanto, a dança ainda não se tornou um tema de pesquisa comum entre historiadores e historiadoras, mesmo após os estudos históricos terem se voltado com mais afinco às temáticas da cultura após o advento da Escola dos Annales e, posteriormente, dos estudos pós-coloniais.

Tratando do que convencionamos chamar de dança do ventre, a maior parte dos estudos científicos de caráter questionador sobre a história dessa modalidade, utilizando perspectivas ou metodologias próprias da História, ou mesmo das ciências humanas, é realizada fora do Brasil, o que diminui consideravelmente o acesso do potencial público interessado. Não obstante, convém ressaltar o esforço de algumas especialistas brasileiras em produzir e divulgar estudos sobre o tema e, aqui, destacamos particularmente os trabalhos de Cínthia Nepomuceno Xavier (2006)XAVIER, Cínthia Nepomuceno. ...5, 6, 7, ∞... Do Oito ao Infinito: por uma dança sem ventre, performática, híbrida, pertinente. 2006. 130 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Artes, Instituto de Artes, Universidade de Brasília, Brasília, 2006., Marcia Dib (2009DIB, Márcia. A diversidade cultural da Síria através da música e da dança. Dissertação (Mestrado em Língua, literatura e cultura árabe). São Paulo, Departamento de Letras orientais, Universidade de São Paulo, 2009.; 2011; 2013), Roberta Salgueiro (2012)SALGUEIRO, Roberta da Rocha. "Um Longo Arabesco": Corpo, subjetividade e transnacionalismo a partir da dança do ventre. 2012. 191 f. Tese (Doutorado) -Curso de Antropologia Social, Departamento de Antropologia, Unb, Brasília, 2012. Disponível em: <http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/11249/1/2012_RobertadaRochaSalgueiro.pdf>. Acesso em: 01 nov. 2014.
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, Naiara M. Rotta G. de Assunção (2014ASSUNÇÃO, Naiara Müssnich Rotta Gomes de. Entre Ghawázee e Awálim: a dança egípcia a partir da obra de Edward Willian Lane. 2014. 62 f. TCC (Graduação) - Curso de História. Porto Alegre, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2014. Disponível em: https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/182762 . Acesso em: 20 mar. 2020.
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; 2018) e Nina Ingrid C. Paschoal (2019)PASCHOAL, Nina Ingrid Caputo. Ventre colonizado: representações da mulher árabe e suas danças na pintura orientalista do século XIX. 2019. 155 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de História, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2019. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/handle/handle/22130. Acesso em: 18 abr. 2020.
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. As suas e outras obras serão mobilizadas para complementar e enriquecer a proposta deste artigo. Elas são relevantes tanto por abordarem a dança de uma perspectiva contemporânea, de certa forma já afastada das noções dispostas pelo Orientalismo clássico, ao qual se alinham muitas fontes do século XIX e XX, quanto por trazerem significativos olhares advindos de diferentes áreas do conhecimento científico em humanidades. Com o intuito de facilitar a leitura deste trabalho, optamos por traduzir as citações aqui utilizadas ao empregarmos a bibliografia em língua estrangeira, alertando que são traduções livres das autoras deste artigo.

As numerosas lacunas que permeiam a história e a trajetória de transformação e transnacionalização (Shay; Sellers-Young, 2005SHAY, Anthony; SELLERS-YOUNG, Barbara. Belly Dance: Orientalism, Transnacionalism and Harem Fantasy. Costa Mesa: Mazda Publishers, 2005.) da chamada dança do ventre tornam-se uma via de mão dupla para pesquisadores que se propõe a debruçar-se sobre elas. Por um lado, suscita questionamentos pouquíssimos ou nunca trabalhados, promovendo assim um certo caráter de ineditismo à pesquisa, e, por outra, se torna necessária uma maior atenção no tratar das informações que mais circulam no meio pois, na maioria dos casos, não se baseiam em pesquisas históricas e, sim, em mitos fundados no próprio discurso orientalista. Busca-se, portanto, criar uma alternativa às diversas lendas e explicações míticas sobre esta modalidade, que em geral a relacionam com práticas milenares e rituais de fertilidade para deusas no mundo antigo e que não possuem escopo científico ou comprovação histórica.

Kathleen W. Fraser pontua que “[...] uma busca (...) na completa bibliografia revela que o assunto da dança no Oriente Médio não se compara em popularidade com os assuntos sobre música, teatro e filmes, por exemplo, o que revela a necessidade de uma maior atenção por parte dos pesquisadores” (Fraser, 2015FRASER, Kathleen W. Before They Were Belly Dancers: European Accounts of Female Entertainers in Egypt, 1760-1870. Jefferson, United States: Publisher McFarland & Co Inc, 2015.). Essa é a temática sobre a qual este estudo propõe debruçar-se. Aqui buscaremos trazer informações a respeito das danças generalizadas sob a alcunha de dança do ventre que, de maneira geral, refere-se a práticas de dança com origens no Norte da África e no Oriente Médio “[...] caracterizadas por um repertório central de movimentos do torso, incluindo movimentos articulados do quadril e dos ombros, como tremidos, círculos e ‘figuras em oitos’ da pelve e ondulações do abdômen” (Ward, 2018WARD, Heather. Egyptian Belly Dance in Transition: The Raqṣ Sharqī Revolution, 1890-1930. McFarland & Company, Inc., Publishers. Kindle Edition, 2018.). Essa nomenclatura já é, por si só, uma consequência dos processos de colonização do chamado Oriente1, depreendidos majoritariamente no século XIX, recorte temporal que será abordado com afinco neste trabalho. Tentaremos, aqui, compreender o modo pelo qual essa(s) dança(s) foi(ram) representada(s) em duas principais fontes: pinturas orientalistas e relatos de viagem produzidos por europeus e europeias nos séculos XVIII e XIX.

Tais materiais foram selecionados a partir de referências na bibliografia especializada e de pesquisa com palavras-chave em repositórios digitais como o The Travelers in the Middle East Archive (TIMEA), Project Gutemberg, Internet Archive, Wikimedia Commons, entre outros. Sua análise se deu a partir do método historiográfico, levando em consideração o contexto político-social em que foram produzidos, as expectativas e impressões exprimidas em seu texto e o público a quem se dirigiam. Utilizou-se, como referencial teórico principal, para esta análise, o conceito de orientalismo de Edward Said.

O próprio Edward Said operou com base na literatura para elaborar sua obra seminal Orientalismo (2013SAID, Edward. Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia de Bolso, 2013., publicado originalmente em 1978). Porém, sua análise estava ancorada, sobretudo, em livros de ficção – ainda que, constantemente, relacionando-os com outros tipos de fonte escrita. Neste estudo traremos um diferente escopo de fontes, mas que são igualmente respaldadas por Said, já que ele define o Orientalismo como “[...] um modo de discurso2 2 Discurso é um termo da filosofia foucaultiana que foi apropriado por Edward Said em sua elaboração conceitual de Orientalismo. Discursos são conjuntos de enunciados baseados na mesma formação discursiva e que possuem direta ligação com as relações de poder, dando vazão tanto a este quanto a possibilidade de resistência. Ver mais em Foucault (2008). baseado em instituições, vocabulário, erudição, imagens, doutrinas, burocracias e estilos coloniais” (Said, 2013, p. 28SAID, Edward. Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia de Bolso, 2013.). Com sua epistemologia, Said abre as portas para novos tipos de análises sobre a história oriental, chamados atualmente de estudos pós-coloniais, possibilitando que sejam realizadas e difundidas pormenorizadas críticas sobre o que foi construído no campo historiográfico acerca do Oriente Médio e norte da África e, aqui acrescentamos, sobre suas danças.

Orientalismo e o período colonial

O que chamamos aqui de período colonial configura-se como a presença militar, burocrática e cultural europeia em territórios fora da Europa e, também, o colonialismo como “[...] a relação político-administrativa em que a autoridade e soberania sobre um determinado território reside em outro território, povo e nação” (Sibai, 2016, p. 24SIBAI, Sirin Adbli. La cárcel del feminismo: Hacia un pensamento islámico decolonial. Madrid: Akal, 2016.). Para o escopo deste artigo, tratamos especificamente da colonização francesa e inglesa de territórios do norte africano e do sudoeste asiático, tendo como marco inicial a invasão das tropas francesas de Napoleão Bonaparte no Egito, em 1798 (evento que será discutido mais a fundo adiante). A presença francesa no Egito foi breve, pois, em 1805, uma coalização militar otomana-britânica foi enviada para combater as tropas de Napoleão e colocar Muhammad ‘Ali, um turco da Macedônia, no poder. Ele e seus descendentes permaneceram no governo egípcio durante boa parte do século XIX. Mesmo configurando-se como representantes do Império Otomano, sua aliança política com a Grã-Bretanha garantiu a presença de militares, diplomatas, funcionários públicos, estudiosos, artistas e turistas europeus, sobretudo ingleses residindo e transitando pelo Egito.

As fontes históricas escolhidas para as análises deste trabalho foram produzidas nesse contexto, sendo determinantes para que o repertório corporal oriental de danças fosse disseminado no Ocidente. Mas é preciso salientar aberta e efetivamente que, ainda que continuem sendo importantes suportes para pesquisa, esses materiais foram criados e circularam sob a lógica do Orientalismo, “[...] pelo qual a cultura europeia foi capaz de manejar – e até mesmo produzir – o Oriente política, sociológica, militar, ideológica, científica e imaginativamente durante o período do pós-Iluminismo” (Said, 2013 p. 29SAID, Edward. Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia de Bolso, 2013.). O Orientalismo, junto da colonização que lhe ensejou, foi o maior responsável por difundir a dita dança do ventre, mas também por agregar uma série de intenções, estereótipos, julgamentos e conceitos que nem sempre fazem jus à forma com que estas danças eram realizadas antes do curso colonial.

A dança do ventre e outros vários elementos materiais e culturais advindos do Oriente ocasionaram um verdadeiro furor durante o século XIX na Europa. A fixação europeia por temas orientais e, mais especificamente, egípcios, foi chamada de Egiptomania ou Egiptofilia. Esse fascínio se materializava através de objetos, no comércio de bibelôs, mobiliário e ornamentos inspirados nas características orientais, assim como na circulação de livros (romances, enciclopédias e a própria literatura de viagem) que contavam sobre as distantes terras do Oriente, além das criações de personagens que bordavam o imaginário coletivo. Também, pode ser constatado até os dias atuais, através da presença arquitetônica em grandes cidades europeias, para onde foram levados monumentos como o obelisco de Luxor – removido do Egito para ser colocado na praça da concórdia em Paris, França, em 1833 – e da decoração egípcia no Victoria Embankment, às margens do rio Tâmisa, na área central de Londres (Figura 1), que também conta com um obelisco trazido do Egito em 1819 (Cleopatra’s Needle). Essa apropriação também é abundantemente visível no acervo de museus europeus compostos, sobretudo, de peças usurpadas durante o período colonial – caso do Museu do Louvre e do Museu Britânico.

Figura 1
À esquerda, o obelisco original do templo de Luxor (sul do Egito) em Paris e à direita, os bancos do Victoria Embankment em Londres.

A disseminação desses elementos teve um ponto primordial: a invasão francesa no Oriente a partir da Campanha napoleônica ao Egito, completada em julho de 1798, quando tropas de cerca de 36.000 homens chegaram a Alexandria. Essa foi “[...] a primeira grande incursão de uma potência europeia num país central do mundo muçulmano, e o primeiro contato de seus habitantes com um novo tipo de poder militar e as rivalidades dos grandes estados europeus” (Hourani, 2005, p. 269HOURANI, Albert. Uma História dos Povos Árabes. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.). Tal investida foi financiada e amparada pela política francesa e obteve importante investimento de membros das elites, além de contar com a presença de estudiosos que buscavam desbravar, classificar e categorizar o conhecimento sobre as novas terras conquistadas. Muitos desses eram intelectuais, que já exerciam funções como botânicos, catedráticos, arquitetos, gravadores, artistas, literatos, e outras profissões de alto grau de prestígio e especialização, deveras curiosos sobre as antigas dinastias do Egito. Esses homens foram chamados de savants.

Enquanto conjunto, representavam justamente a concepção de racionalidade, empirismo e produção de conhecimento que eram caros àquela modernidade ilustrada e racional que alvorecia em fins do século XVIII e início do XIX. O objetivo dos savants e do material que produziram sobre o Oriente após seu estabelecimento naquelas terras era “[...] promover o conhecimento humano” (Englund, 2005, p.107-108ENGLUND, Steven. Napoleão: uma biografia política. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.). Tais vestes científicas em que era trajado o discurso da colonização faziam com que o poder colonial pudesse operar por mais vias e com maior profundidade, conferindo sentido, inteligibilidade e realidade à invasão do Oriente.

A Campanha ao Egito era dita como tendo caráter civilizador. Moralmente se justificava com o fato de pretender levar certo grau de organização ao Egito, de modernizá-lo, de repaginar seus costumes a partir das teorias iluministas que estavam em voga. Para o Ocidente – em especial a França e a Inglaterra – o Oriente se enquadrava em um “[...] estado de natureza” (Hall, 2016, p. 168HALL, Stuart. Cultura e representação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio/Apicuri, 2016.) que não deveria ser aceitável para o já próximo século XIX. Como colocado por Anne McClintock (2010)MCCLINTOCK, Anne. Couro imperial: raça, gênero e sexualidade no embate colonial. Campinas: Editora da Unicamp, 2010., as colônias eram vistas pelos colonizadores como um “espaço anacrônico” já que as paisagens, costumes, crenças, vestimentas e arquitetura eram constantemente relacionadas com tempos remotos e míticos. Segundo a autora: “A diferença geográfica através do espaço é figurada como uma diferença histórica através do tempo” (McClintock, 2010, p. 72MCCLINTOCK, Anne. Couro imperial: raça, gênero e sexualidade no embate colonial. Campinas: Editora da Unicamp, 2010.) em que o espaço não-europeu é caracterizado como primitivo, atávico e irracional. Apesar do crescente processo de modernização do Oriente, impulsionado pelas próprias potências europeias e seguindo o modelo de dito progresso europeu, as representações desse Oriente quase nunca demonstravam este aspecto. Pelo contrário: buscavam salientar os elementos que remetessem à Antiguidade, às civilizações dinásticas já muito remotas do Egito, como se estivessem congelados no tempo e não possuíssem história desde então.

A partir dos relatos, estudos e figuras trazidas pelos savants à Europa, o interesse pelo Egito aumentava. É certo que já havia uma tradição de áreas do saber voltadas ao Oriente – como são os casos da linguística, da história e da arquitetura –, porém, essas áreas cresceram e ganharam maior espaço e importância após a paulatina divulgação do trabalho produzido pelos savants. O termo Orientalismo primeiro se referia justamente a esses saberes eruditos acerca do Oriente. Said, porém, argumenta que, com o tempo, o Orientalismo passou a abranger também outras duas categorias. Além do Orientalismo acadêmico, teríamos depois o Orientalismo imaginativo, como representativo de um estilo artístico e literário, baseado em uma “distinção ontológica e epistemológica” (Said, 2013, p. 29SAID, Edward. Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia de Bolso, 2013.) entre Oriente e Ocidente, inspirando o trabalho de poetas, romancistas, filósofos, teóricos, pintores, dramaturgos etc. Em terceiro lugar, Said define o Orientalismo histórico e material que se caracteriza como “[...] um estilo ocidental para dominar, reestruturar e ter autoridade sobre o Oriente” (Ibid).

Ainda que distintas, todas essas frentes de ação foram parte do mesmo corpo discursivo, que lança um olhar europeu sobre o Oriente, exercendo uma relação mista entre a alteridade e a hierarquia e produzindo não somente um efeito massivo na cultura, mas também na realidade material. Esse esforço ajudou não somente a moldar uma imagem do Oriente, mas da própria França, Inglaterra e Europa de modo geral. Profundamente ligado a essa segunda forma de ação relacionado ao Orientalismo imaginativo, agindo no estilo de pensamento e construção e retroalimentação do imaginário, Orientalismo também foi o nome que se deu à temática oriental das artes visuais, que teve seu auge justamente após a colonização do Egito, influenciado por este evento.

As pinturas orientalistas e a “dança oriental”

A burocratização da colônia e a tecnologia de transporte advinda da intensa disputa de influência entre a França e a Inglaterra, que compreendeu o desenvolvimento de estruturas como hotéis, restaurantes, rotas marítimas e terrestres com as modernas ferrovias e navios a vapor, fez com que a distância entre o norte da África e a Europa pudesse ser percorrida com mais facilidade, sobretudo no Egito. Waleed Hazbun (2016)HAZBUN, Waleed. Travel to Egypt. From the Nineteenth Century to the Second World War: Thomas Cook, the Mechanization of Travel, and the Emergence of the American Era. In: LE BAILLY, Marie-Charlotte (ed.). Red Star Line: Cruises (1894-1934). Luven: Davidsfonds/ Infodok, 2016. pp. 124-131. Disponível em: https://www.academia.edu/29660761/Travel_to_Egypt_From_the_Nineteenth_Century_to_the_Second_World_War_Thomas_Cook_the_Mechanization_of_Travel_and_the_Emergence_of_the_American_Era Acesso: 22 abr. 2021.
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afirma que o final do século XIX é palco do surgimento do turismo de massa com fins de lazer. Se anteriormente viajar longas distâncias era uma possibilidade apenas para exploradores e aventureiros que passavam anos longe de casa com o objetivo de desbravar ou estudar territórios e culturas selvagens e inóspitas, o crescimento da infraestrutura de transportes, hospedagens e entretenimento criou a possibilidade de viagens mais acessíveis e confortáveis. Neste sentido, “[...] o Egito se tornou a primeira grande região fora da Europa a testemunhar essa transição através da qual viajar para um território distante e exótico se tornou mais conveniente na forma dos pacotes turísticos da agência Thomas Cook & Son” (Hazbun, 2016, p. 3HAZBUN, Waleed. Travel to Egypt. From the Nineteenth Century to the Second World War: Thomas Cook, the Mechanization of Travel, and the Emergence of the American Era. In: LE BAILLY, Marie-Charlotte (ed.). Red Star Line: Cruises (1894-1934). Luven: Davidsfonds/ Infodok, 2016. pp. 124-131. Disponível em: https://www.academia.edu/29660761/Travel_to_Egypt_From_the_Nineteenth_Century_to_the_Second_World_War_Thomas_Cook_the_Mechanization_of_Travel_and_the_Emergence_of_the_American_Era Acesso: 22 abr. 2021.
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). Essas viagens se pretendiam um descanso da vida moderna, caótica e apressada que se estabeleceu com o desenvolvimento industrial e urbano das grandes cidades. No geral, os viajantes eram advindos das classes mais abastadas, membros das elites econômicas e culturais da burguesia europeia. Suas jornadas aos exóticos destinos se tornaram um fator de destaque social, entendidas como motivo de prestígio e fascínio entre seus pares.

Entre os savants da primeira caravana e os burgueses que foram chegando ao longo do século XIX figuraram também os artistas. Pintores, ilustradores, escultores e gravadores – e, muitas das vezes, pessoas que aglutinavam estas funções simultaneamente – se encorajaram a desbravar o Oriente primeiramente para buscar referências mais fiéis para construção visual de cenas bíblicas, que eram de gosto popular. Cenas épicas e históricas também estavam na moda nesses fins do século XVIII e no início do XIX, inseridas nos estilos romântico e neoclássico nas Belas Artes. O Orientalismo surge dentro deste contexto de, portanto, convivência entre estilos e se fez presente em vários deles por meio de retratos, paisagens e cenas de gênero (Tromans, 2010, p. 157TROMANS, Nicholas. Nineteenth-century Orientalist painting. In. Groniek: Gronings historisch tijdschrift, 187, 2010. pp. 157-170).

As imagens produzidas por esses pintores-viajantes que procuravam representar o Oriente, sua gente e sua paisagem conversaram diretamente com os interesses políticos coloniais europeus, seja mais ou menos intencionalmente. O impacto das viagens é visível nas temáticas, nas paisagens, nas personagens e no tipo de traço que esses artistas incorporaram. Os pintores que incorporariam o Orientalismo não eram movidos apenas por paixões ou curiosidades, como nos diria Robert Irwin (2008)IRWIN, Robert. Pelo amor ao saber: Os orientalistas e seus inimigos. Rio de Janeiro: Record, 2008. em sua obra Pelo amor ao saber, que é uma crítica a Edward Said. Suas intenções eram alinhadas ao sistema colonial de forma indivisível como frutos do seu tempo. Para eles, assim como para os cientistas e militares, o relato e a representação facilitariam a absorção e a dominação do que houvesse no Oriente.

Cabe dizer que o Orientalismo não se deu como uma escola da pintura, posto que figurou mais como temática ou elemento complementar aos estilos acadêmicos já existentes e naqueles que viriam a se constituir durante o século XIX e mesmo no XX, após o auge do imperialismo britânico e francês no Egito (Paschoal, 2019 p. 68PASCHOAL, Nina Ingrid Caputo. Ventre colonizado: representações da mulher árabe e suas danças na pintura orientalista do século XIX. 2019. 155 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de História, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2019. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/handle/handle/22130. Acesso em: 18 abr. 2020.
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). É possível notar que, ainda que ele não tenha sido fruto de um movimento específico e não tenha métodos canônicos de expressão, encontrou amplo espaço dentro do discurso visual de vários e diferentes artistas e repertórios estilísticos e formais. Essas obras são, então, aglomeradas por elementos que denotam o Oriente como metonímias e outros recursos estilísticos (Nochlin,1991, p. 51NOCHLIN, Linda. NOCHLIN, Linda. The imaginary Orient. in The Politics of vision: essays on nineteenth-century art and society. London: Thames and Hudson, 1991, p. 33-59.).

Para esses artistas-viajantes que chegavam ao Oriente, a dança era um dos pontos que notadamente chamava a atenção, inclusive sendo uma das principais razões que os motivava às travessias (Nieuwkerk, 1995NIEUWKERK, Karin van. "A trade like any other": Female Singers and Dancers in Egypt. Austin: University Of Texas Press, 1995.); e, depois, achavam praticamente impossível não escrever sobre o que lá viam (Fraser, 2015FRASER, Kathleen W. Before They Were Belly Dancers: European Accounts of Female Entertainers in Egypt, 1760-1870. Jefferson, United States: Publisher McFarland & Co Inc, 2015.). É claro que o olhar que lançavam para essas danças, bem como o lugar de onde produziam seus relatos e pinturas – que aqui são analisados como fontes – não são imparciais ou representativos da própria cultura oriental. Entretanto, entendemos que continuam a constituir importante material sobre o assunto, pois possuem uma profunda relação com o modo que a dança do ventre é vista no Ocidente e no mundo colonizado, onde o Brasil se encontra3 3 A posição do Brasil como parte do ocidente é problemática. Sendo um país do chamado “Sul Global” (Mignolo, 2011, p. 185), tendo sofrido tanto os processos relativos ao colonialismo e as consequências da colonialidade (Quijano 2007; Sibai, 2016), entendemos que essa herança colonial europeia e a influência de culturas imperialistas como a dos Estados Unidos determina também o imaginário brasileiro sobre o oriente, fortemente pautado por ideias orientalistas. Para mais detalhes sobre a reelaboração brasileira de estereótipos orientalistas, ver Karam (2010) e Hassan (2018). .

Aqui tentaremos entender particularmente como essas pinturas acabaram por criar estereótipos sobre a dança, assunto que fora, repetidas vezes, pictorializado, tornando-a um dos maiores clichês da temática Orientalista. Para isso, também é preciso tratar da forma como os ocidentais retrataram as mulheres orientais, uma vez que a dança geralmente aparece sendo praticadas por elas4 4 Cabe mencionar que, no período colonial, também há evidências de dançarinos egípcios homens, os khawalat, que não serão aqui abordados pelo fato de que seu apagamento histórico demanda análises que fogem do escopo deste trabalho. Para um olhar detalhado sobre a questão ver Karayanni (2004) e Sellers-Young (2014). . A representação da mulher oriental foi uma das colunas que sustentaram o pensamento, produção, exibição e comercialização das Belas Artes impregnadas com o discurso orientalista. A mulher oriental desses quadros não era somente bela e exótica, mas também passiva e submissa, logo, serviu de metáfora para representar o próprio Oriente. O Ocidente, com sua retórica de força e progresso, era visto como o lado masculino; já o Oriente, misterioso e encoberto, como um feminino passivo pronto para ser desvelado (Dib, 2011, p. 148DIB, Marcia. Mulheres árabes como odaliscas: Uma imagem construída pelo orientalismo através da pintura. UFG, v. 13, n. 11., dezembro, 2011. Disponível em: <https://www.revistas.ufg.br/revistaufg/article/view/48395/23730 Acesso em: Acesso em: 04 jun. 2018.DIB, Marcia. Música Árabe: expressividade e sutileza. São Paulo: Ed. do autor, 2013.
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).

Dispor elementos em oposição – inclusive entre aquele que pinta e o que é pintado, aquele que é tema da pintura e aquele que a observa no salão de artes – nada mais é do que, também, um recurso retórico para embasar o discurso. A pintura Orientalista se valeu dessa contraposição de extremos e criou, sobre a mulher oriental, não apenas uma curiosidade interessada, mas também uma denúncia como se fossem imorais, mal-educadas, sem civilidade. Essa contraposição é um recurso retórico explicado por Stuart Hall (2016)HALL, Stuart. Cultura e representação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio/Apicuri, 2016., que nos demonstra que o objeto de fetiche também pode lido com certo asco através de uma estrutura binária. Ele afirma, ainda, que ela é recorrentemente empregada em representações ligadas a relações de poder, em que os povos que se consideram superiores em civilidade e intelectualidade falam/pintam sobre aqueles que são vistos como inferiores raciais. Esses, então, são representados por meio de “[...] extremos acentuadamente opostos”, muitas vezes sendo “[...] as duas coisas ao mesmo tempo” (Hall, 2016, p. 145HALL, Stuart. Cultura e representação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio/Apicuri, 2016.). Esse recurso é aplicado, de modo geral, nos diversos contextos coloniais, mas se torna especialmente contundente no século XIX, quando as teorias científicas de evolução se desenvolviam e eram aplicadas também para fins sociais.

No caso específico das mulheres dançarinas, a sensualidade vista pelos europeus também era misturada à devassidão; suas formas de comportamento que pareciam expansivas, ao mesmo tempo em que eram convidativas, eram associadas à prostituição. Karin van Nieuwkerk (1995)NIEUWKERK, Karin van. "A trade like any other": Female Singers and Dancers in Egypt. Austin: University Of Texas Press, 1995. entende que essa associação vem do entendimento de que funções que pedem exposição do corpo para o lucro seriam desonrosas. Essas mulheres não eram lidas propriamente como sujeitos racionais. A dança entra aqui como um dos elementos que contribuía com essas associações.

Diferentemente dos corpos femininos aos quais os europeus estavam acostumados a conviver, regrados pela moral cristã e recobertos de vestes que não delineavam o corpo, as dançarinas orientais utilizavam tecidos esvoaçantes, coloridos, que se ajustavam à sua silhueta. As apresentações públicas das ruas ou de festas privadas organizadas por cônsules e governadores eram apenas uma pequena parcela das práticas de dança no Oriente, mas foram provavelmente lidas pelos europeus como representativas do todo, criando um espectro de fantasia sobre a dança e alimentando um imaginário fetichizado sobre as mulheres que a praticavam.

A vestimenta ostensiva das dançarinas egípcias, a notável aplicação de cosméticos, a recusa de se cobrirem com o véu, a pronunciada visibilidade em espaços públicos, e a participação em performances culturais previsivelmente levaram os viajantes a associarem estas mulheres com os estereótipos vitorianos da prostituição (Bunton, 2017, p. 10BUNTON, Robin. British Travelers and Egyptian ‘Dancing Girls’: Locating Imperialism, Gender, and Sexuality in the Politics of Representation, 1834-1870. 142 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Master Of Arts, Department Of History, Simon Fraser University, British Columbia, 2017. Disponível em: <http://summit.sfu.ca/system/files/iritems1/.../etd10347_RBunton.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2018.
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).

A dança do ventre – que só recebeu esse nome em meados do século XIX (Hawthorn, 2019HAWTHORN, Ainsley. Middle Eastern Dance and What We Call It. In: Dance Research 37.1. Edinburgh University Press. 2019.) – não era compreendida pelo homem europeu como expressão artística, mas, sim, como ritual, forma de entretenimento, muitas vezes ligado a uma finalidade sexual, ou ainda como artefato etnológico:

Como se não fosse uma dança artística e sim algo funcional, voltado para rituais, que não possui atributos válidos para ocupar um palco ou servir de inspiração para trabalhos contemporâneos de arte. O etnocentrismo na avaliação de objetos de arte coloca em risco o sentido inerente à criação destes objetos [...]. (Xavier, 2006, p. 37XAVIER, Cínthia Nepomuceno. ...5, 6, 7, ∞... Do Oito ao Infinito: por uma dança sem ventre, performática, híbrida, pertinente. 2006. 130 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Artes, Instituto de Artes, Universidade de Brasília, Brasília, 2006.).

Nas pinturas que elaboraram, os artistas desenharam as dançarinas como se movimentassem seus corpos de maneira desprendida, desimpedida, utilizando roupas que mal encobriam seu corpo, expondo a sensualidade de seus movimentos e de suas formas sinuosas. Elementos como a nudez (Arab dance de Paul Leroy), instrumentos musicais rústicos (Tambourine dancer de Otto Pilny), malabarismos (The harem de Achille Boschi), espadas (Sword dance de Jean-Léon Gérôme) e animais (Keeping the marabou amused de Ferdinand Roybet)5 5 Imagens destas obras podem ser vistas em Thornton, 1994a e Thornton, 1994b. foram pintados junto delas nessas cenas. Não inocentemente dispostos, esses elementos possuem funções discursivas específicas nas obras, alternando-se para evocar a fluência do corpo musical, a destreza quase ladina ou a proximidade exagerada com a natureza, traços demonstrativos da falta de decoro e civilidade das mulheres orientais, como se fossem seres involuídos, instintivos (Quinn, 2014, p. 7QUINN, Rebecca. Orientalism and Representations of Alterity. In: Gender and display. mai/2014.).

Qualquer semelhança com o que utilizamos hoje na dança do ventre enquanto movimentos, poses, ou objetos cênicos não é mera coincidência, já que a estética do repertório coreográfico derivou em grande parte da circulação de produções Orientalistas. De todo modo, foi através das apresentações de dança que uma parte dos viajantes europeus pôde observar as mulheres do Oriente. Isso porque, à época colonial, o ato de cobrirem-se já era um hábito feminino disseminado pelas doutrinas islâmicas. Os espaços de convivência também eram geralmente restritos, sendo impedida a entrada de homens – mesmo os orientais. Restava aos pintores que mobilizassem suas fantasias e desejos para imaginar e materializar artisticamente os locais que não lhes eram acessíveis. A figura da odalisca surge aí, como uma personagem do imaginário orientalista que corporifica tal expectativa ocidental em relação à mulher oriental, sendo um termo frequente nas pinturas para representar as orientais lânguidas, ociosas e disponíveis (Grande Odalisque, e Odalisque with slave de Jean Auguste Dominique Ingres, Odalisque de Renoir, Odalisque with tambourine de Henri Tanoux).

Figura 2
Grande Odalisque (1814) de Jean-Auguste-Dominique Ingres (1780–1867).

Em realidade, as odaliscas faziam parte de um baixo estrato social e uma de suas funções também girava em torno do entretenimento das famílias que as possuíam, uma vez que eram criadas de casa. Mas, como ambiente privado e restrito às famílias, provavelmente as odaliscas não foram vistas realmente pelos pintores. Quem provavelmente satisfez o afã ocidental sobre a dança foram as ghawazee6 6 Por conta da transliteração em relação ao árabe, a grafia deste termo pode aparecer de diversas formas, tanto nas fontes quanto na bibliografia: ghawāzī, ghawazi, ghawaze, ghawázee, ghawa'zee, ghawâzî, ghawazis (para غوازي, no plural, cuja transliteração mais correta seria ghawāzī) e ghāziya, ghazia, gaziah, ghazeah (para غازية, no singular, cuja correta transliteração seria ghāziya). Adotamos ghawazee e ghazya por serem as formas mais usuais. , classe de dançarinas empobrecidas e marginalizadas que performavam em locais públicos com dança e música, sobre as quais discutiremos em detalhes mais adiante, já que muitas das informações que temos sobre elas figuravam também nos relatos de viagens, que serão abordados na sessão a seguir.

Os relatos de viagem e a “dança oriental”:

A colonização de territórios asiáticos e africanos por potências europeias inundou as colônias, em um primeiro momento, de burocratas, soldados, administradores, diplomatas e estudiosos e, em um segundo momento, de turistas europeus advindos das classes abastadas. A maneira pela qual viajantes dividiam suas experiências com um público mais amplo era através dos relatos de viagem7 7 Muitos desses relatos publicados estão disponíveis na plataforma Travelers in the Middle East Archive (Arquivo dos Viajantes do Oriente Médio), acessível através do link: https://scholarship.rice.edu/handle/123456789/1 (Acesso em: 20 abr. 2021). . Especial atenção ao chamado Oriente já era dada desde o início do século XVIII, quando as histórias das Mil e Uma Noites ficaram conhecidas pelos europeus através das traduções de Antoine Galland e Robert Burton. Essas versões europeias, adaptadas para os gostos e expectativas do público leitor, representavam o Oriente como um espaço de exotismo e mistério, deslumbrando turistas que buscavam essa magia em suas viagens, ocasionando comparações – muitas vezes frustradas – com esses contos de fadas de origem oriental8 8 Segundo o professor Mamede Jarouche, tradutor das Mil e Uma Noites para o português, a compilação desse conjunto de narrativas, com as características que conhecemos até os dias atuais, teria sido um trabalho de letrados ocorrido entre os séculos XIII e XIV da era cristã, no espaço geográfico abrangido entre a Síria e o Egito, dominado pelo Estado mameluco. Tampouco “[...] são lendas ou fábulas orais que alguém um dia resolveu compilar, mas sim histórias elaboradas por alguém, por escrito, a partir de fontes diversas (das quais algumas por acaso poderiam ser orais, embora não exista nenhuma evidência disso) que foram sofrendo, de maneira crescente, a apropriação dos narradores de rua, os quais encontraram nelas um excelente material de trabalho.” (Jarouche, 2005, p. 11-12.) .

Para viajantes que iam ao Egito, algumas atrações eram fundamentais de serem descritas: as pirâmides, os templos faraônicos, as paisagens bíblicas, as pitorescas ruelas da cidade do Cairo com seus minaretes e janelas de treliça de madeira (mashrabias) e a dança oriental. As bailarinas egípcias ghawazee e awálim9 9 As grafias possíveis para esses termos, em fontes e bibliografia, aparecem como: awālim, awâlim, awalem, awálim, awalin, awálin, awaleem, almehs, almejas, etc (para عوالم, no plural, cuja correta transliteração seria awālim) e ālma, ālima almé, alme, almeh, halmeh, alimeh, halimeh, almeja, etc (para عالمة, no singular, cuja correta transliteração seria ālma). já haviam se popularizado no imaginário europeu através das pinturas orientalistas, mas, também, através de obras acadêmicas como An account of the manners and customs of the modern Egyptians10 10 “Um relato sobre os modos e costumes dos egípcios modernos”. (1836) de Edward Willian Lane.

Tal publicação consiste em uma detalhada enciclopédia elaborada a partir de observações realizadas durante a residência de Lane no Egito, entre os anos de 1825 e 1828, tendo sua primeira edição publicada em 1836. Propondo um saber objetivo e neutro sobre a realidade egípcia, essa obra é composta por vinte e oito capítulos, descrevendo, com grande minúcia, temas que variam desde o clima e geografia até características culturais, hábitos, leis e religião da população autóctone. Essa obra é caracterizada por como uma das “[...] grandes obras de orientalistas de erudição genuína” (Said, 2013 p. 35SAID, Edward. Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia de Bolso, 2013.) e como “[...] um clássico da observação histórica e antropológica” (Said, 2013 p. 44SAID, Edward. Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia de Bolso, 2013.), tendo sido lida e citada por figuras diversas – de estudiosos e acadêmicos, até artistas que buscavam um pano de fundo etnográfico para suas histórias ou pinturas.

Consolidando-se como “[...] uma autoridade de uso imperativo para quem escrevesse ou pensasse sobre o Oriente, e não apenas sobre o Egito” (Said, 2013 pg. 54SAID, Edward. Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia de Bolso, 2013.), cabe ressaltar que a enciclopédia de Lane foi, de fato, uma obra científica, com descrições baseadas na vivência direta do autor durante seus longos períodos de residência no Egito. Porém, deve-se levar em consideração que as características da escrita de um homem branco, inglês e cristão não são simplesmente suprimidas em detrimento de uma total e objetiva neutralidade (idealizada, porém inatingível). Dessa maneira, as marcas de que Lane era um homem de seu tempo são perceptíveis em várias passagens de seu texto. Por exemplo, ao abordar as características morais da sociedade egípcia o autor classifica lascívia e indolência como características naturais dos egípcios e egípcias, ocasionadas por questões climáticas do país (Lane, 1890, p. 4LANE, Edward Willian. An account of the manners and customs of the modern Egyptians. 3rd edn. London: Ward, Lock & Co., 1890. Disponível em: http://scholarship.rice.edu/jsp/xml/1911/9176/71/LanMa1890.tei-timea.html#index-div1-N102CA Acesso: 8 jun. 2017.
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), aplicando um determinismo geográfico típico da sociedade ocidental do século XIX e do discurso orientalista.

Lane dedica um capítulo inteiro de sua enciclopédia às dançarinas públicas egípcias, intitulado Public Dancers, no qual ele descreve principalmente as ghawazee, personagens que ficaram marcadas no imaginário europeu acerca da dança oriental, da mulher oriental e do Oriente como um todo. Além desse grupo, outros dois se destacaram na obra de Lane: os khawalat, dançarinos homens que, assim como as ghawazee, dançavam nas ruas, festivais e festas particulares, e as awálim, que, ao contrário dos anteriores, performavam apenas em ambientes fechados, ocultas de olhares masculinos, e possuíam diversas habilidades relacionadas à música, poesia, literatura e recitação – mas que também entraram no imaginário orientalista simplesmente como dançarinas. As detalhadas descrições e explicações de Lane sobre esses três grupos de performers, até hoje, consistem na principal fonte histórica para entender quem eram essas bailarinas e bailarinos na primeira metade do século XIX, e serão melhor analisadas na sessão a seguir.

Por enquanto, cabe ressaltar que os escritos de Lane influenciaram outros viajantes que estiveram no Egito depois dele. Muitos dos relatos de viagem propriamente ditos, escritos por viajantes e turistas ocasionais, baseavam-se nos escritos de Lane para desenvolverem suas próprias narrativas. É comum encontrar frases nesse tipo de literatura como as de Lady Duff-Gordon (1902): “[...] verei o que nenhum europeu, além de Lane, viu” (p. 124), “[...] detectei esta impressão até no livro de Lane” (p. 140) e “[...] eis uma contribuição para o folclore, nova até para Lane.” (p. 98). Portanto, ter em mente a abrangência e importância da enciclopédia de Lane é de suma importância para quem se ocupa de estudar representações da dança egípcia.

De modo geral, os abundantes relatos de viagem que circularam na Europa durante o período, trazendo descrições sobre as danças egípcias, construíam e contribuíam para o corpus da produção orientalista, reforçando estereótipos e visões geralmente negativas em relação às dançarinas e à dança. Afirmações como “[...] sua ghawazee, que não era nem bonita nem graciosa, estava se apresentando quando eu cheguei; fiquei totalmente enojada devido à licenciosidade audaciosa de sua exposição.” (Romer, 1846, p. 127ROMER, Isabella Frances. A pilgrimage to the temples and tombs of Egypt, Nubia, and Palestine, in 1845-6. London: Richard Bentley, 1846. 2 ver., v. 1. Disponível em: https://archive.org/details/pilgrimagetotemp01rome Accesso: 8 jun. 2017.
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) e “[...] a nossa tripulação deu uma festa à noite e nos entreteve com ensurdecedora música e dança. A última, que consiste apenas em colocar o corpo em atitudes estranhas, curvando-se para trás e equilibrando-se sobre os joelhos dobrados, é tão deselegante quanto possível;” (Beaufort, 1862, p. 37BEAUFORT, Emily Anne. Egyptian sepulchres and Syrian shrines, including a visit to Palmyra. Volume 1. London: Longman, Green, Longman and Roberts, 2 vols. 1862. Disponível em: https://archive.org/details/egyptiansepulchr11stra Acesso: 8 jun 2017.
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) eram comuns. Classificar a dança como deselegante, vulgar, lasciva e imprópria para os gostos europeus era, definitivamente, mais habitual que os comentários elogiosos.

Algumas exceções à regra, porém, existem. A inglesa Lucie Duff-Gordon, que morou por uma longa temporada no sul do Egito (de 1862 a 1869) procurando um clima mais seco que o inglês para tratar sua tuberculose, narra seus encontros com dançarinas ghawazee em suas cartas para a família, que foram posteriormente publicadas. É possível perceber, ao longo de sua estadia, uma crescente simpatia em relação às dançarinas e aos egípcios em geral, com quem aos poucos vai desenvolvendo amizade e empatia. Em janeiro de 1864, ela menciona ter ficado feliz em ver uma apresentação de dança; porém ainda considerando-a “[...] estranha e aborrecida”, e descrevendo-a como “[...] feita de contorções, mais ou menos graciosas, maravilhosas como façanhas de ginástica, e não mais que isso” (Gordon, 1902, p. 99GORDON, Lucie Duff. Lady Duff Gordon’s Letters from Egypt. New York: McLure, Phillips & Co, 1902. Disponível em: https://archive.org/details/lettersfromegypt00duff Accesso: 8 jun. 2017.
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).

Após alguns anos de convívio com os habitantes do sul do Egito, ela chega a dar informações sobre a vida difícil das dançarinas, os pesados impostos que tinham que pagar e sobre sua amizade com algumas delas, escrevendo em carta para o marido em maio de 1868: “[...] como você teria se divertido ao ouvir a garota que veio dançar para nós em Esneh, (...) ela era uma velha amiga minha, e nos deu bons conselhos” (Gordon, 1902, p. 375GORDON, Lucie Duff. Lady Duff Gordon’s Letters from Egypt. New York: McLure, Phillips & Co, 1902. Disponível em: https://archive.org/details/lettersfromegypt00duff Accesso: 8 jun. 2017.
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). As cartas de Lady Duff Gordon contêm, portanto, várias informações pertinentes para estudiosos e estudiosas da dança oriental, ainda que também não estivessem livres dos filtros orientalistas inerentes à época, perceptíveis através de sua empatia paternalista carregada da ideia de “[...] salvadora branca” (Assunção, 2018, p. 87ASSUNÇÃO, Naiara Müssnich Gomes de (2018). Entre Ghawazee, Awalim e Khawals: viajantes inglesas da Era Vitoriana e a “Dança do Ventre”. 198 f. Dissertação (Mestrado). Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2018. Disponível em: <https://lume.ufrgs.br/handle/10183/182762> Acesso em: 20 mar. 2021.
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).

De modo geral, os relatos de viagem europeus, ao descreverem a dança egípcia das ghawazee e awálim, corroboram com a ideia sexualizada, exotizante e erotizante dos corpos femininos orientais, especialmente os corpos que dançam. Em língua portuguesa, o relato de Eça de Queiroz no livro O Egipto: Notas de Viagem, publicado postumamente em 1926, é um exemplo bastante evidente dessa leitura. Apresentando o diário do escritor português em sua visita ao Egito entre 1869 e 1870, ocasião da abertura do Canal de Suez, o qual foi cobrir como jornalista para o jornal Évora, ele dedica um capítulo inteiro à dança e suas dançarinas, intitulado Dança de Almejas. Em um trecho ele comenta:

As ghawazis tiveram em todos os tempos a previdência de celebrizar as suas danças estranhas: vêem-se já nos baixos-relevos que cobrem os túmulos dos antigos faraós, quase nuas, volteando em atitudes lascivas nas pompas dos funerais e nos regozijos das vitórias. (...) No entanto, as ghawazis que dançam para os estrangeiros estão bem longe de ter aquele encanto que na Europa faz suspirar os colegiais que lêem As Mil e Uma Noites. O ideal aí é substituído pelo ofício. A graça das danças, a intenção amorosa, a admirável música dos movimentos, perde a primitiva originalidade: é apenas uma habilidade vulgar, maquinal, sabida, rotineira. (...) Sempre que as vi dançar em festas populares, senti-me dominado por aquele baile misterioso, quase lúgubre, duma sensualidade tão grave que mais parece um culto do que um espectáculo (Queiroz, 2015QUEIROZ, Eça. O Egipto: Notas de viagem. Relato da inauguração do Canal de Suez. Alêtheia Editores, Lisboa: 2015. Edição do Kindle., s/p.).

Nesse trecho já é possível observar vários elementos característicos do discurso orientalista e dos estereótipos relacionados à dança oriental. Primeiro, a associação de elementos culturais egípcios a um passado distante, como se essa cultura estivesse estagnada no tempo, representando uma contrapartida à modernidade e progresso exclusivos dos europeus. Em segundo lugar, a associação do Oriente – através da dança – com mistérios, erotismo e sensualidade. Ao mesmo tempo, a dança é caracterizada como estranha, vulgar e maquinal, demonstrando as ansiedades do autor em relação ao corpo feminino egípcio em movimento.

Segundo Keft-Kennedy (2005)KEFT-KENNEDY, Virginia. Representing the belly-dancing body: feminism, orientalism and the grotesque. Tese (Doutorado) - Curso de Philosophy, Departamento de Faculty Of Arts - School Of English Literatures, Philosophy, And Languages, University Of Wollongong, Wollongong, 2005. 380 f. Disponível em: <http://ro.uow.edu.au/theses/843/>. Acesso em: 21 jun. 2014.
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, o conceito de grotesco é útil para pensar essas representações a partir da racialização e generificação da dança oriental pelos europeus. Apresentados como um elemento entre as fronteiras do convencional e do desconhecido, os corpos em movimento aparecem como imagens ambivalentes, identificados pela ausência de fixidez, estabilidade e ordem (Keft-Kennedy, 2005, p. 49KEFT-KENNEDY, Virginia. Representing the belly-dancing body: feminism, orientalism and the grotesque. Tese (Doutorado) - Curso de Philosophy, Departamento de Faculty Of Arts - School Of English Literatures, Philosophy, And Languages, University Of Wollongong, Wollongong, 2005. 380 f. Disponível em: <http://ro.uow.edu.au/theses/843/>. Acesso em: 21 jun. 2014.
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). Segundo a autora, a expressão paradoxal entre desejo e horror em relação às bailarinas e sua dança, manifestada na maioria dos relatos, é uma característica da construção grotesca do outro: fascinante, feio, exótico, exagerado, estranho, erótico, desordenado, disforme ou até mesmo deformado (Keft-Kennedy, 2005, p. 50KEFT-KENNEDY, Virginia. Representing the belly-dancing body: feminism, orientalism and the grotesque. Tese (Doutorado) - Curso de Philosophy, Departamento de Faculty Of Arts - School Of English Literatures, Philosophy, And Languages, University Of Wollongong, Wollongong, 2005. 380 f. Disponível em: <http://ro.uow.edu.au/theses/843/>. Acesso em: 21 jun. 2014.
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). Especial destaque era dado às “[...] torções e ondulações dos corpos femininos que, para os espectadores ocidentais, parecem fundir humano com animal, e mesclar-se com os outros corpos dançantes à sua volta” (Keft-Kennedy, 2005, p. 51KEFT-KENNEDY, Virginia. Representing the belly-dancing body: feminism, orientalism and the grotesque. Tese (Doutorado) - Curso de Philosophy, Departamento de Faculty Of Arts - School Of English Literatures, Philosophy, And Languages, University Of Wollongong, Wollongong, 2005. 380 f. Disponível em: <http://ro.uow.edu.au/theses/843/>. Acesso em: 21 jun. 2014.
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).

Assim, dominados pelo cânone de representações orientalistas e pelo valor comercial de certas demandas europeias em relação ao exotismo e sexualidade – que faziam parte um ideal de oriente mágico apresentado pelos contos das Mil e Uma Noites e das pinturas orientalistas – essas publicações corroboraram para a ideia de uma dança oriental sexy, misteriosa e exótica. Porém, tendo em vista que esses relatos são abundantes e ricos em informações – mesmo que distorcidas pelas lentes orientalistas – eles seguem sendo as principais fontes históricas para entender o processo de desenvolvimento do que, hoje, chamamos de dança do ventre.

Ghawazee e awálim: a dança feminina egípcia no século XIX.

Por meio das análises nas sessões anteriores, pode-se constatar que as representações da dança egípcia em pinturas orientalistas e relatos de viagem, pautadas pelo discurso orientalista, determinaram a maneira como essa dança foi vista e trazida para o Ocidente. Percebemos que muitos dos estereótipos sobre a dança do ventre que perduram nos dias atuais – de uma dança misteriosa, exótica, sensual, inerentemente erótica e direcionada para o olhar masculino – foram construídos nesse período. Por outro lado, essas pinturas e relatos configuram as principais fontes históricas que permitem acesso à dança praticada em regiões do Oriente Médio e Norte da África no período da invasão europeia. A análise delas se faz, portanto, essencial para historiadoras e historiadores interessadas(os) em investigar os processos que levaram à constituição da dança do ventre enquanto prática transnacional, lançando um olhar crítico e atento aos fortes filtros orientalistas determinantes nestas representações.

Analisaremos, agora, o que essas fontes nos podem dizer sobre as ghawazee, as dançarinas públicas egípcias. Edward Willian Lane, em sua enciclopédia de 1836LANE, Edward Willian. An Account of the Manners and Customs of the Modern Egyptians. Volume 2. 1ª ed. London: Charles Knight & Co., 1836. 2 v. Disponível em: http://scholarship.rice.edu/jsp/xml/1911/9175/41/LanMa1836v2.tei-timea.html#p079. Acesso em: 15 abr. 2021.
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, define as ghawazee como pertencente a uma tribo, da qual uma mulher é chamada ghazeeyeh e um homem ghazee, sendo, portanto, de uma etnia distinta à da maioria dos egípcios, ainda que falassem majoritariamente o árabe e fossem muçulmanas. Em relação à dança, Lane relata que, em geral, as ghawazee se apresentavam nas ruas ou eram contratadas para animar festas, como casamentos e comemorações de nascimentos, sendo pagas pelas famílias contratantes. Nesses casos, dançavam nos pátios internos das casas, em frente ao local onde estava sendo realizada a festa. Também comenta que as ghawazee nunca eram admitidas em um harém de respeito; porém, comumente, eram contratadas para animar festas masculinas. Nesse caso, o autor caracteriza as performances como mais lascivas já que as dançarinas se vestiam com menos pudor, usando roupas decotadas e transparentes, sendo embriagadas com brandy ou outra bebida alcoólica.

As informações trazidas por Lane são preciosas para lançar bases para entender as ghawazee e seus ofícios como dançarinas públicas, detendo informações extremamente relevantes para a compreensão dessas personagens históricas e possibilitando que fossem questionadas por pesquisadores posteriores, por exemplo, em relação à origem étnica e histórica deste grupo. Até o momento não foi possível comprovar com outros indícios que elas pertencessem à uma tribo específica, havendo, porém, evidências de que muitas ghawazee estivessem ligadas a grupos de ciganos no Oriente Médio (Parrs, 2014PARRS, Alexandra. Egypt’s Invisible Gypsies. Global Dialogue: Magazine of the International Sociological Association, Madri, v. 4, n. 4, dez. 2014. Disponível em: https://globaldialogue.isa-sociology.org/category/volume-4/v4-i4/page/2/. Acesso em: 15 abr. 2021.
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). Por outro lado, as avaliações de Lane relativas à lascívia de sua dança e impropriedade de seu caráter também fomentam os estereótipos orientalistas relacionados às dançarinas egípcias.

Edward William Lane também é a principal referência histórica para delimitar as diferenças entre as dançarinas ghawazee e as awálim, alertando seus leitores de não confundir os dois grupos. Afirma que awálim designaria mulher instruída e que essas artistas eram mais conhecidas por suas performances de canto, havendo ocasiões em que recitavam poemas e, ocasionalmente, dançavam – porém apenas nos ambientes domésticos dos haréns. As awálim, assim como as ghawázee, eram profissionais do entretenimento; porém, seus serviços constituídos de recitais, nos quais declamavam poesias, cantavam e tocavam instrumentos, raramente eram vistos por homens. Buscando respeitar as normas islâmicas de recato, as awálim se apresentavam apenas em frente às mulheres dos haréns de casas abastadas, normalmente escondidas dos olhares masculinos por paredes de treliça. Ainda segundo Lane, as awálim que dançavam eram consideradas de uma classe inferior às que apenas cantavam; porém, mesmo essas possuíam um status mais elevado que as ghawazee, por aparecerem em público sempre veladas e não se apresentarem na frente de homens.

Nesse caso, se as pinturas orientalistas podem ser úteis para visualizar como eram as ghawazee e suas vestimentas, o mesmo não pode ser dito no caso das awálim. Algumas das pinturas que buscaram retratar ghawazee podem ser consideradas relativamente fiéis, pois são identificados elementos semelhantes conferíveis em várias delas e recorrentes também nos relatos de viagem, sabendo ainda que, dançando nas ruas, elas eram facilmente acessíveis aos europeus. Tomemos, por exemplo, a pintura Ghawazee, or dancing girls of Cairo do pintor inglês David Robert (Figura 3), cuja fidelidade na representação das dançarinas pode ser contraposta com as ilustrações que constam na enciclopédia de Lane (Figura 4). Em ambos os casos, constata-se que, no início do século XIX, as ghawazee apresentavam-se, basicamente, com as vestimentas utilizadas por mulheres de classe média dentro dos haréns no Egito durante o século XIX.

Figura 3
“Dançarinas do Cairo” (1846) do pintor escocês David Roberts (1796-1864).
Figura 4
Ghawázee em ilustração de Edward Willian Lane.

Mesmo levando em consideração o fato de que as ghawazee buscavam chamar a atenção e despertar o fascínio do público europeu, algo que lhes renderia maior retorno financeiro, suas pictorializações, na maior parte dos casos, exageravam o aspecto erótico da dança. As dançarinas eram representadas de forma mais imaginativa do que real, sobretudo quando se referiam às cenas internas dos haréns ou às awálim. Sabendo que homens estrangeiros eram proibidos de entrar nos haréns e que as awálim do início do século XIX não se apresentavam em frente aos homens, as pinturas que se referem a elas podem ser tomadas como fruto da criação colonial masculina, como é o caso de A Dança da Almeh, do pintor francês Jean-Léon Gérôme, um dos maiores nomes do Orientalismo nas artes visuais (Figura 5).

Figura 5
La danse de l’almée (1863) de Jean-Léon Gérôme (1824 – 1904).

Constatamos que, por conta destas representações orientalistas, ao longo do século XIX, os termos ghawazee e awálim vão se transformando, tomando sentidos pejorativos e sendo usados para julgar moralmente mulheres que exibiam seus corpos, o que era extremamente repreensível tanto do ponto de vista islâmico quanto cristão. De acordo com Adra (2005)ADRA, Najwa. An urban folk genre. In: SHAY, Anthony; SELLERS-YOUNG, Barbara. Belly Dance: Orientalism, Transnacionalism and Harem Fantasy. Costa Mesa: Mazda Publishers, 2005., bailarinas profissionais foram e são estigmatizadas na sociedade egípcia por desenvolverem, em público, habilidades e atividades consideradas apropriadas apenas no âmbito doméstico e em ocasiões informais. Ainda assim, a visão da dança como inerentemente sexual foi uma asserção europeia que, imbuída de sua própria moral e procurando um significado nos movimentos de torso e quadril das bailarinas, pressupôs um jogo de sedução.

Uma vez que o turismo e circulação de viajantes foram deveras impulsionados pela dança11 11 Segundo Karin van Nieuwkerk (1995, p. 34), “[...] para muitos viajantes, o principal propósito de suas viagens para o sul era ver as celebradas dançarinas. Quando elas ainda performavam no Cairo, as dançarinas eram relativamente anônimas e dispersas [pelo território]. No Alto Egito, elas ficavam mais próximas e, portanto, mais visíveis e notáveis.” , as aparições de suas praticantes em público se tornaram cada vez mais frequentes, a fim de atender a essa demanda, tornando comum que aqueles que desconheciam ou ignoravam as origens das dançarinas se referissem de forma genérica a qualquer delas. Solicitadas em grande parte pelo público masculino, tanto as ghawazee quanto as awálim passaram a ser associadas com prostituição, e a distinção entre os dois grupos esfaleceu.

Soma-se, às representações europeias homogeneizantes e erotizantes da dança, a perseguição do próprio governo egípcio, que baniu dançarinas e prostitutas dos centros urbanos na década de 1830 (Nieuwkerk, 1995NIEUWKERK, Karin van. "A trade like any other": Female Singers and Dancers in Egypt. Austin: University Of Texas Press, 1995.), fazendo com que muitas delas se exilassem no sul do Egito, aprofundando o frágil status social que essas mulheres possuíam nesta sociedade. Também, a partir desse fato, é possível notar o grande impacto que a invasão europeia no norte da África e Oriente Médio sobre os povos dominados, tanto em questões político e econômicas quanto em questões culturais, uma vez que parte da motivação foi o projeto de modernização ocidentalizante empreendido pelo governante egípcio Mohamed Ali Pasha (1769-1849). Em uma coalisão de processos, é importante perceber que as dançarinas originais da dança do ventre pertenciam a baixas classes sociais e passaram por diversos processos de marginalização, ainda que também fossem olhadas com um fascínio em relação ao exótico outro oriental.

Conclusão: o impacto das representações europeias na história da dança do ventre

Neste artigo, foram mobilizadas fontes de diversos suportes para extrair dados e informações sobre as danças no Oriente Médio e norte da África no momento da invasão colonial. Para o pesquisador ou pesquisadora interessada(o) no estudo dos materiais aqui analisados, é necessário alertar, porém, que esses não são neutros, inocentemente compostos ou objetivos: como todo projeto humano, contém características ideológicas, morais, afinidades e aversões. No caso específico das representações das danças egípcias, o conteúdo é, em geral, carregado de fortes doses de idealização, uma vez que o contato com mulheres orientais era parco e, muitas vezes, mediado. Assim, tanto relatos de viagem quanto pinturas do período passaram por um processo de construção imagética e discursiva baseados em imaginação, fantasias e interesses comerciais – aplicados na venda do material produzido.

As danças descritas, nas fontes aqui analisadas, foram extensamente representadas pelas vias textuais e visuais de forma a incorporar os elementos básicos da formulação discursiva do Orientalismo: a ideia de estagnação histórica do Oriente, a hierarquização racial, a estrutura binária de comparação com o Ocidente, a exotização geográfica e dos corpos, e a dita incivilidade. As danças orientais, nas representações analisadas, serviram, portanto, como metonímia para aglutinar esses elementos, inclusive, servindo para compor a justificativa moral da colonização opressiva do Oriente.

Apesar de homogeneizar possíveis características regionais, e de ter um forte filtro exotizante e erotizante da manifestação corporal, esse material torna viável compreender as figuras que exerciam a função da dança naquele período, como seu trabalho era dado, em quais ambientes e sob quais circunstâncias. Também nos ajudam a compreender como essas representações determinaram a maneira como a dança do ventre se constituiu como uma modalidade de dança transnacional, muito permeada pelo imaginário orientalista.

Hoje em dia, sobretudo no ocidente e regiões ocidentalizadas como o Brasil, persistem os estereótipos que se originaram nessa época. Imagens comuns nos meios de comunicação de massa e no imaginário popular caracterizam a dança oriental como inerentemente erótica, exótica, misteriosa, sensual e que é realizada com o objetivo de provocar, agradar e seduzir o olhar masculino. Ao mesmo temo, sobretudo entre praticantes ocidentais, alimenta-se a ideia igualmente orientalista de que a dança do ventre é uma prática originada em tempos remotos em rituais femininos para deusas da fertilidade, reiterando a ideia que surgiu no século XIX, de que o chamado oriente e suas práticas culturais são essencialmente relacionadas a um passado antigo, místico, atávico, pouco conhecido e à uma espiritualidade esotérica genérica. Essa dança acaba nunca sendo relacionada a um povo, cultura ou comunidade específica, mas a um oriente distante, exótico e homogêneo.

Ao manipular esses materiais para aproximá-los e contrastá-los, foi possível depreender um breve histórico do que se convencionou chamar de dança do ventre e a forma pela qual ela foi utilizada para compor um corpus discursivo que identificamos como Orientalismo, dentro da convenção proposta por Edward Said. É importante destacar que o discurso orientalista também teve – e continua a ter – impacto nas dimensões materiais, não sendo apenas uma base de ordem subjetiva. O discurso orientalismo moldou e ainda molda a maneira pela qual o Oriente é imaginado, representado e produzido na nossa sociedade. Esperamos, com este artigo, ensejar maiores debates e pesquisas sobre o assunto, a fim de aprofundar o entendimento da dança do ventre como uma manifestação inerentemente relacionada à história do Oriente Médio e norte da África e de sua colonização, em toda sua complexidade e heterogeneidade.

Notas

  • 1
    O termo Oriente e oriental serão aqui utilizados reconhecendo-se que as designações Oriente e Ocidente são intrínsecas ao processo histórico do colonialismo, tendo suas implicações culturais e materiais, denotando o esforço ocidental de representar a alteridade com que se defrontava no empreendimento da dominação imperial.
  • 2
    Discurso é um termo da filosofia foucaultiana que foi apropriado por Edward Said em sua elaboração conceitual de Orientalismo. Discursos são conjuntos de enunciados baseados na mesma formação discursiva e que possuem direta ligação com as relações de poder, dando vazão tanto a este quanto a possibilidade de resistência. Ver mais em Foucault (2008)FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008..
  • 3
    A posição do Brasil como parte do ocidente é problemática. Sendo um país do chamado “Sul Global” (Mignolo, 2011, p. 185MIGNOLO, Walter. The Global South and World Dis/Order. Journal of Anthropological Research, 67(2), p. 165-188, 2011. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/41303282 Acesso em: 25 jun. 2020.
    https://www.jstor.org/stable/41303282...
    ), tendo sofrido tanto os processos relativos ao colonialismo e as consequências da colonialidade (Quijano 2007QUIJANO, Aníbal. Colonialidad del poder y clasificación social. In: CASTROGÓMEZ, Santiago; GROSFOGUEL, Ramón (ed.). El giro decolonial: Reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre Editores, 2007.; Sibai, 2016SIBAI, Sirin Adbli. La cárcel del feminismo: Hacia un pensamento islámico decolonial. Madrid: Akal, 2016.), entendemos que essa herança colonial europeia e a influência de culturas imperialistas como a dos Estados Unidos determina também o imaginário brasileiro sobre o oriente, fortemente pautado por ideias orientalistas. Para mais detalhes sobre a reelaboração brasileira de estereótipos orientalistas, ver Karam (2010) e Hassan (2018)HASSAN, Waïl. Carioca Orientalism: Morocco in the imaginary of a Brazilian telenovela. In: BYSTROM, Kerry; SLAUGHTER, Joseph R. (ed.). The Global South Atlantic. New York: Fordham University Press, 2018. P. 274-294..
  • 4
    Cabe mencionar que, no período colonial, também há evidências de dançarinos egípcios homens, os khawalat, que não serão aqui abordados pelo fato de que seu apagamento histórico demanda análises que fogem do escopo deste trabalho. Para um olhar detalhado sobre a questão ver Karayanni (2004)KARAYANNI, Stavros Stavrou. Dancing Fear and Desire: Race, Sexuality and Imperial Politics in Middle Eastern Dance. Waterloo: Wilfrid Laurier University Press, 2004. e Sellers-Young (2014)SELLERS-YOUNG, Barbara. Masculine or Feminine - Ancient or Contemporary: "Raqs Sharqi" and a World of Converged Images. In: The World of Music, new series, v. 3, n. 2, p. 123-139, Music, Movement, and Masculinities, 2014..
  • 5
    Imagens destas obras podem ser vistas em Thornton, 1994aTHORNTON, Lynne. The orientalists: painter-travellers. Paris: ACR Edition Internationale, 1994a. e Thornton, 1994bTHORNTON, Lynne. Women as portrayed in orientalist painting. Paris: ACR Edition Internationale, 1994b..
  • 6
    Por conta da transliteração em relação ao árabe, a grafia deste termo pode aparecer de diversas formas, tanto nas fontes quanto na bibliografia: ghawāzī, ghawazi, ghawaze, ghawázee, ghawa'zee, ghawâzî, ghawazis (para غوازي, no plural, cuja transliteração mais correta seria ghawāzī) e ghāziya, ghazia, gaziah, ghazeah (para غازية, no singular, cuja correta transliteração seria ghāziya). Adotamos ghawazee e ghazya por serem as formas mais usuais.
  • 7
    Muitos desses relatos publicados estão disponíveis na plataforma Travelers in the Middle East Archive (Arquivo dos Viajantes do Oriente Médio), acessível através do link: https://scholarship.rice.edu/handle/123456789/1 (Acesso em: 20 abr. 2021).
  • 8
    Segundo o professor Mamede Jarouche, tradutor das Mil e Uma Noites para o português, a compilação desse conjunto de narrativas, com as características que conhecemos até os dias atuais, teria sido um trabalho de letrados ocorrido entre os séculos XIII e XIV da era cristã, no espaço geográfico abrangido entre a Síria e o Egito, dominado pelo Estado mameluco. Tampouco “[...] são lendas ou fábulas orais que alguém um dia resolveu compilar, mas sim histórias elaboradas por alguém, por escrito, a partir de fontes diversas (das quais algumas por acaso poderiam ser orais, embora não exista nenhuma evidência disso) que foram sofrendo, de maneira crescente, a apropriação dos narradores de rua, os quais encontraram nelas um excelente material de trabalho.” (Jarouche, 2005, p. 11-12JAROUCHE, Mamede Mustafa. Prefácio: Uma poética em ruínas. In: O livro das mil e uma noites. Volume I - ramo Sírio. São Paulo: Globo, 2005. p. 11-35. Tradução Mamede Mustafa Jarouche..)
  • 9
    As grafias possíveis para esses termos, em fontes e bibliografia, aparecem como: awālim, awâlim, awalem, awálim, awalin, awálin, awaleem, almehs, almejas, etc (para عوالم, no plural, cuja correta transliteração seria awālim) e ālma, ālima almé, alme, almeh, halmeh, alimeh, halimeh, almeja, etc (para عالمة, no singular, cuja correta transliteração seria ālma).
  • 10
    “Um relato sobre os modos e costumes dos egípcios modernos”.
  • 11
    Segundo Karin van Nieuwkerk (1995, p. 34)NIEUWKERK, Karin van. "A trade like any other": Female Singers and Dancers in Egypt. Austin: University Of Texas Press, 1995., “[...] para muitos viajantes, o principal propósito de suas viagens para o sul era ver as celebradas dançarinas. Quando elas ainda performavam no Cairo, as dançarinas eram relativamente anônimas e dispersas [pelo território]. No Alto Egito, elas ficavam mais próximas e, portanto, mais visíveis e notáveis.”
  • Este texto inédito também se encontra publicado em inglês neste número do periódico.

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Editado por

Editores responsáveis: Arnaldo de Siqueira Junior, Cassia Navas, Henrique Rochelle, Gilberto Icle

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Set 2021
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    24 Abr 2021
  • Aceito
    11 Ago 2021
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