Acessibilidade / Reportar erro

Teoria da Dança como uma Prática de Crítica

RESUMO

Ao utilizar a dança como um exemplo, o texto discute a questão de como a crítica estética pode manifestar a si mesma, como também do significado que ela comporta. Ao basear-se no registro filosófico e nas ciências sociais, no que tange à noção de crítica (Michel Foucault, Judith Butler, Pierre Bourdieu), o presente estudo procura desenvolver uma perspectiva pratico-teórica do processo da crítica na dança contemporânea.

Palavras-chave:
Crítica; Estética; Dança Contemporânea; Prática; Metodologias de Dança

ABSTRACT

Using dance as an example, the text discusses the questions of what aesthetic criticism means and how it manifests itself. Drawing on philosophical and social science positions on critique (Foucault, Butler, Bourdieu), he develops a practical-theoretical view of the practice of critique in contemporary dance.

Keywords:
Critic; Aesthetics; Contemporary Dance; Practice; Dance Methodologies

RÉSUMÉ

En s’appuyant sur l’exemple de la danse, cette contribution entend approfondir sur la question de quoi la critique esthétique est-elle le nom et quelles sont ses manifestations possibles? C’est à partir de positions acquises en philosophie et en sciences sociales à propos de la critique (Foucault, Butler, Bourdieu) que ce texte aborde une perspective pratico-théorique du processus critique en danse contemporaine.

Mots-clés:
Critique; Esthétique; Danse contemporaine; Pratique; Méthodologies en danse

Desde a década de 1990 a noção de dança e/ou prática coreográfica1 1 Esse texto toma o termo prática no sentido cunhado por Pierre Bourdieu. Prática designa aqui de maneira geral o uso de fato de uma ideia ou a sua aplicação, crença ou método assim como procedimentos habituais, costumeiros ou esperados de fazer alguma coisa de um modo ou outro. A prática, diferentemente da Práxis, não se distingue de maneira geral da teoria. como prática crítica tem desempenhado um papel importantíssimo nos estudos da dança. A descrição dos métodos artísticos de trabalho como uma prática crítica de Pirkko Husemann (2009)HUSEMANN, Pirkko. Choreographie als kritische Praxis. Bielefeld: transcript, 2009., o teorema da política de incorporação (ou política incorporada) de Susan Foster (1996FOSTER, Susan Leigh. Corporealities, Dancing, Knowledge, Culture and Power. London: Routledge, 1996.; 2002)FOSTER, Susan Leigh. Dances That Describe Themselves. Middleton: Wesleyan University Press, 2002., a teoria da mobilização de Randy Martin (1998)MARTIN, Randy. Critical Moves: dance studies in theory and politics. Durham: Duke University Press, 1998. ou o topos da política cinestésica de André Lepecki (2006)LEPECKI, André. Exhausting Dance: performance and the politics of movement. New York: Routledge, 2006. constituem exemplos formidáveis dessa tendência.

Todos os textos acima mencionados foram escritos na década de 1990, assim como as práticas artísticas a que se referem - ou seja, em uma época em que a sociedade começou a mudar radicalmente. A sociedade global, o capitalismo irrestrito, o suposto fim da sociedade de classes, o fim do estado de bem estar social, a política neoliberal são apenas algumas dentre as palavras-chaves usadas para descrever as transformações pelas quais a sociedade passou e ainda passa, como também para explicar a situação corrente das políticas pós-fordianas. Essas velozes e radicais transformações pareceram de igual modo serem anunciadas em textos como After Enlightment (Klein; Naumann-Beyer, 1995KLEIN, Wolfgang; NAUMANN-BEYER, Waltraud (ed.). Nach der Aufklärung? Beiträge zum Diskurs der Kulturwissenschaften. Berlin: Akademie, 1995.) e The End of the Criticism (Schödbauer; Vahland, 1997SCHÖDBAUER, Ulrich; VAHLAND, Joachim. Das Ende der Kritik. Berlin: Akademie -Verlag, 1997.). De acordo com essa ideia de fim, o prefixo pós, assim como os conceitos de limitação e fronteiras foram tópicos centrais dos discursos sociais e culturais acadêmicos da década de 1990.

Essas teorias da dança, em que a prática coreográfica é identificada como sendo crítica ou política (ou em que mesmo ocasionalmente é utilizado crítica como sinônimo de o político), posicionam-se, aparentemente, contra o clima apocalíptico. Elas não são apenas paradigmáticas para uma contextualização do ainda jovem - ao menos no contexto acadêmico e artístico - campo da teoria da dança, tomado como uma teoria crítica ou como uma filosofia política da dança, mas também - e intimamente associada com isso - a uma virada em direção à prática artística. De um lado, isso se deve às biografias dos respectivos autores. Muitos desses autores são eles mesmos - dramaturgos, performers, dançarinos ou coreógrafos - artistas na prática e não têm, como muitos de uma geração anterior, passado totalmente da prática artística para a teoria. De outro lado, a relação entre teoria e práxis na dança tem igualmente experienciado uma transformação histórica ao longo dos últimos anos, devido sobretudo às mudanças no como a dança, a coreografia e a teoria são ensinadas e subsequentemente praticadas: aqui, as fronteiras do pensamento dicotômico têm se tornado igualmente mais fluídas.

A teoria da dança, como a implícita e de vez em quando explícita premissa desses textos, só pode ser concebida como uma teoria da prática, ou seja, como uma teoria que não se concentra exclusiva ou primariamente em um produto, mas também - e o mais importante - em um processo, o qual busca refletir os métodos de trabalho usados e as formas de colaboração. Tal teoria da dança seria, portanto, apenas concebível no contexto de uma forma de estudos da dança que define a si mesma como uma ciência propriamente empírica (Erfahrungswissenschaft), como uma ciência da realidade, como uma ciência prática. A teoria da dança e essa seria a sua segunda premissa, deveria ser gerada pela reflexão guiada por meio da/ou baseada na prática artística. Tal teoria da dança se situaria por assim dizer em um entre-lugar, em um domínio entre as práticas científicas e artísticas e suas respectivas formas e métodos de reflexão. Desde essa perspectiva, ela se tornaria simultaneamente a premissa, o instrumento e o efeito da prática artística.

Baseada nesse entedimento, qual seja, de que a teoria da dança formula a si mesma e/por intermédio da dança ou da prática artística, eu gostaria de inverter a perspectiva ao focar na teoria da dança e no como ela pode se colocar e definir a si mesma como uma prática crítica. Assim sendo, eu gostaria de expor alguns pensamentos fragmentários acerca do extenso problema de uma teoria crítico-praxiológica da dança, isto é, de uma prática crítica de pensamento.

Duas questões me são de particular interesse: como nós podemos definir prática crítica na dança e na coreografia? E, qual seria o modelo de referência para essa prática crítica?

Dança e Coreografia como Práticas Críticas

Em sua tese, Pirkko Husemann analisa os processos de trabalho do coreógrafo francês Xavier Le Roy, como também do coreógrafo alemão Thomas Lehmen. A partir de suas análises, Husemann conclui que a coreografia é sim uma prática crítica, definindo-a mais precisamente como “[...] crítica imanentemente prática no modo da estética“ (Husemann, 2009HUSEMANN, Pirkko. Choreographie als kritische Praxis. Bielefeld: transcript, 2009., p. 29); como tal, ela se apresenta como o laço da prática artística, especialmente no que concerne aos métodos de trabalho e ao modo como ela revela a si mesma na e através da experiência. Husemann compartilha esse conceito de um entendimento parcial e imanente de crítica com uma porção de outros autores, os quais têm, como dramaturgos, enfatizado o processo artístico como um particular modus operandi e de domínio de crítica2 2 Conforme, por exemplo, Marianne van Kerkhoven, Bojana Kunst, Bojana Cvejic, Ana Vujanovic. .

Em suas argumentações, esses autores são da - implícita - opinião de que a crítica não pode, ao contrário do clássico conceito de crítica, daquele mesmo definido por Kant, ser reduzida a apenas um juízo. Ao invés disso, tais autores definem a crítica como um modo de trabalho que facilita outras experiências. Certos métodos artísticos de trabalho são críticos no sentido de que eles testam novas formas de comunidade, amizade e cumplicidade, assim como de experimentação de novas formas de produção. Esses espaços estruturados experimentalmente de experiência são, também, numa diferente perspectiva, campos de experimentação de práticas sociais alternativas. Assim sendo, eles também lidam - e este seria o meu principal argumento - com um diferente modo de socialização, de comunitarização da formação do sujeito. Contudo, faz-se necessário perguntar:

O que Significa Exercitar uma Crítica Prática Imanente?

Essa questão, de algum modo, modificada e expandida pela expressão prática imanente, foi primeiro colocada por Judith Butler em seu texto What is Critique? An Essay on Foucault’s Virtue (Butler, 2002BUTLER, Judith. What is Critique? An Essay on Foucault’s Virtue. In: INGRAM, David (ed.). The Political: Readings in Continental Philosophy. London: Basil Blackwell, 2002. P. 212-226.), no qual a autora reage ao ensaio de Foucault intitulado What is Critique?3 3 Esse ensaio foi originalmente uma palestra concedida em 27 de maio de 1978 à Sociedade Francesa de Filosofia e subsequentemente publicada no Bulletin de la Société Française de la Philosophie (Foucault, 1990). (Foucault, 1997FOUCAULT, Michel. What is Critique?. In: LOTRINGER, Sylvère; HOCHROTH, Lysa (ed.). The Politics of Truth. New York: Semiotext(e), 1997. P. 41-81.). Esse texto de Foucault, que antecipou o seu provavelmente mais famoso artigo What is Enlightment? (Foucault, 1984FOUCAULT, Michel. What is Enlightenment? In: RABINOW, Paul (ed.). The Foucault Reader. New York: Pantheon Books, 1984. P. 32-50. Available at: <http://foucault.info/documents/whatIsEnlightenment/foucault.whatIs-Enlightenment.en.html>. Accessed on: July 19, 2012.
http://foucault.info/documents/whatIsEnl...
), foi motivado pela ideia de achar uma saída para o impasse no qual, em sua opinião, a teoria crítica e, também, a teoria pós-crítica teriam se colocado. De acordo com Butler (2002)BUTLER, Judith. What is Critique? An Essay on Foucault’s Virtue. In: INGRAM, David (ed.). The Political: Readings in Continental Philosophy. London: Basil Blackwell, 2002. P. 212-226., Foucault estava tentanto repensar a crítica como uma espécie de prática ao questionar as limitações das habituais formas de pensamento - a princípio, exercitando aquilo que Horkheimer e Adorno chamaram de crítica da ideologia em suas reflexões sobre Marx, como também em suas respectivas reflexões sobre o conceito de reificação desde Georg Lukács (Horkheimer; Adorno, 2002HORKHEIMER, Max; ADORNO, Theodor W. Dialectic of Enlightenment. Translated by Edmund Jephcott. Stanford: Stanford University Press, 2002.).

Butler enfatizou três aspectos, os quais eu tomo como importantes no debate sobre os modos de trabalho coreográfico como prática crítica: o conceito de prática, o domínio da crítica e seus modelos. Ela escreve: “[...] crítica é sempre uma crítica de algumas práticas instituídas, discursos, epistemes, instituições, nesse sentido, ela perde seu caráter no momento em que é abstraída de sua operação e tomada à parte como uma prática puramente generalizável” (Butler, 2002BUTLER, Judith. What is Critique? An Essay on Foucault’s Virtue. In: INGRAM, David (ed.). The Political: Readings in Continental Philosophy. London: Basil Blackwell, 2002. P. 212-226., p. 212). A prática da crítica é, portanto, sempre particular, ainda que generalizável, isto é, ela sempre se refere a um contexto concreto, permitindo que conclusões sejam feitas e possam ser aplicadas a outros domínios e situações/modelos.

Apesar de Platão definir crítica como a habilidade ou técnica de diferenciação requerida para se passar ao juízo, Butler e Foucault insistem que a crítica é, de fato, muito mais e algo outro do que juízo. Entretanto, seria demasiado redutor afirmar que isso é uma posição de um pensamento genuinamente pós-estrutural. Kant coloca, em sua demarcação de crítica desde o monopólio medieval da exegese, que “[...] o método crítico suspende o juízo” (Kant, 1969KANT, Immanuel. Kants gesammelte Schriften, Handschriftlicher Nachlass, Logik (Akademie-Ausgabe): volume 16. Berlin: de Gruyter, 1969., p. 459). No caso de Kant, todavia, a suspensão aparece com a finalidade de alcançar um veredito, ao passo que nos casos de Butler e de Foucault, ocorre uma total suspensão, visto que a crítica é tomada como uma prática que pode apenas gerar uma nova ética baseada nessa mesma suspensão. A esse respeito, ambos estariam de acordo com autores do esclarecimento crítico, tais como Raymond Williams ou Adorno. Adorno, por exemplo, afirmou que “[...] quando a crítica cultural apela para um conjunto de ideias expostas e fetichiza categorias isoladas [...]” (Adorno, 1983ADORNO, Theodor W. Cultural Criticism and Society. In: ADORNO, Theodor W. Prisms. Translated by Samuel and Shierry Weber. Cambridge, MA: MIT Press, 1983. P. 17-34., p. 23), ela precisa necessariamente refletir “[...] os meios pelos quais as categorias são em si mesmas instituídas, como o campo de conhecimento é ordenado, e como aquilo que é suprimido retorna, por assim dizer, como sua própria oclusão constitutiva” (Butler, 2002BUTLER, Judith. What is Critique? An Essay on Foucault’s Virtue. In: INGRAM, David (ed.). The Political: Readings in Continental Philosophy. London: Basil Blackwell, 2002. P. 212-226., p. 213). Diferentemente do juizo, que ocorre dentro de categorias constituídas (como, por exemplo, nas categorias: clássico, moderno, contemporâneo), a crítica, para parafrasearmos Pierre Bourdieu, lida diretamente com a questão de como um campo é constituído, ou seja, como são o campo da dança contemporânea e suas epistemes históricas e respectivos dispositivos. A prática crítica torna-se assim uma prática que indaga esses princípios de constituição e figuras de pensamento que determinam eles mesmos o próprio campo; indaga também o respectivo conhecimento no campo gerado e revela os mecanismos subjacentes às práticas de inclusão e exclusão. A prática crítica é, portanto, sempre uma prática de experienciar a liminaridade, tanto epistemológica quanto ontológica. Essas definições de prática crítica aplicam-se a ambas as práticas, a artística e a acadêmica. Butler diz:

[...] não se chega aos limites por força de uma experiência emocionante, ou porque os limites são atraentes e perigosos, ou porque nos coloca para dentro de uma proximidade excitante com o Mal. Pode-se indagar sobre os limites dos meios de conhecimento porque se pode deparar com uma crise dentro do próprio campo epistemológico em que se vive (Butler, 2002BUTLER, Judith. What is Critique? An Essay on Foucault’s Virtue. In: INGRAM, David (ed.). The Political: Readings in Continental Philosophy. London: Basil Blackwell, 2002. P. 212-226., p. 215).

A crise do campo epistemológico da dança na modernidade começou com a assim chamada crise cultural ao longo do século XX. A história da dança pode desde então ostentar um número de disrrupções e fraturas epistemológicas, tais como aquelas infligidas, por exemplo, pela dança pós-moderna americana na década de 1960 (com o uso de não lugares de dança, com a integração de não dançarinos e mesmo com a performance de movimentos e gestos cotidianos) ou mesmo como nos anos de 1970 pelo Tanztheater (quando Pina Bausch começou a focar no próprio dançarino, em seu conhecimento incorporado, estabelecendo o papel de dramaturgo na dança e enfatizando o caráter processual da coreografia; com isso, Pina Bausch não apenas desenvolveu uma nova estética e uma estrutura composicional, como também desafiou a estabilidade epistemológica do campo da dança) (Lepecki, 2006LEPECKI, André. Exhausting Dance: performance and the politics of movement. New York: Routledge, 2006.). Não é necessário sequer mencionar as influências exercidas pelas danças populares, as quais abriram o campo da dança para o domínio do cotidiano em formas muito diferentes do que a dança contemporânea - produzindo assim uma nova crítica por si só. A prática crítica tem sido, desde sempre, enclausurada dentro de uma paisagem definida pela crise do campo epistemológico. E essa paisagem de crise é contingente. De acordo com Niklas Luhmann, contingência é algo que exclui

[...] ‘necessidade e impossibilidade’. Algo é contingente até o ponto em que não é necessário ou impossível, é apenas o que é (ou foi ou será), ainda que pudesse ser também outra coisa. O conceito descreve, portanto, algo dado (algo experienciado, esperado, rememorado, fantasiado) à luz da possibilidade de ser outra coisa, descrevendo objetos dentro do horizonte de variações possíveis (Luhmann, 1996LUHMANN, Niklas. Social Systems. Stanford: University Press, 1996., p. 106)4 4 “[...] necessity and impossibility. Something is contingent insofar as it is neither necessary nor impossible; it is just what it is (or was or will be), though it could also be otherwise. The concept thus describes something given (something experienced, expected, remembered, fantasised) in the light of its possibly being otherwise; it describes objects within the horizon of possible variations” (Luhmann, 1996, p. 106). .

Ser, a princípio, aberto para o futuro significa também que - ao contrário da ocasionalmente observável amnésia histórica da teoria e da prática da dança - o modelo de referência crítica precisa ser também e sempre histórico; precisa refletir sobre as respectivas estruturas de pensamento correntes, as formas de conhecimento e cognição contra o pano de fundo histórico da crise epistemológica da dança, que por sua vez está relacionada com a ordem social que eu referirei de maneira mais detalhada adiante. Desde essa perspectiva de reflexão histórica, eu gostaria de afirmar o seguinte: o momento crítico das atuais práticas artisticas é particular, podendo ser identificado apenas em sua forma concreta, nesse sentido, precisa ser sempre tomado em relação com seus antecedentes históricos. Disso se indaga: como práticas coreográficas atuais se relacionam, por exemplo, com métodos de trabalho - considerando apenas a história da dança da Alemanha Ocidental - tais como os métodos coletivos de trabalho de Gerhard Bohner em Darmstadt no final da década de 1960 ou as rupturas causadas na história da dança pelo método de trabalho de Pina Bausch? Como a prática crítica é possível hoje em meio ao espaço contingencional instável no qual a dança está situada desde a década de 1960? Essas questões nos leva, como se pode observar, para o conceito da prática em si mesma.

O que o Termo Prática Significa?

Em várias discussões sobre teoria e práxis, o termo prática é, às vezes, usado de forma coloquial. Em tais casos, prática significa criação artística e é considerada geralmente como práxis, que viria primeiro, e a teoria, como sendo a outra. O termo aparece também no debate que remonta à tradição de uma filosofia da práxis, baseada nos escritos iniciais de Karl Marx (2004 [1844]MARX, Karl. Economic and Philosophical Manuscripts (1844). In: FROMM, Erich (ed.). Marx’s Concepts of Man. London: Continuum, 2004. P. 78-132.; Marx; Engels, 1969 [1845])MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. The German Ideology (1845). New York: International Pub, 1969.. Marx define práxis como a atividade concreta ou sensual humana, como uma transformação material subjetiva da realidade objetiva, a qual envolve atos materiais produtivos, políticos, experimentais, artísticos, entre outros. Práxis seria, portanto, tomada como o parâmetro da realidade versus a teoria.

Em contraste, nós temos uma teoria da prática, que primeiro apareceu no século XX na forma de uma abordagem teórico-social. Em outras palavras, indaga-se a dual construção teoria e práxis que é histórica e, frequentemente, discutida na dança por meio da binaridade corpo e mente. Esse conceito de crítica distancia-se, além do mais, das noções baseadas no dualismo que favorecem a práxis em detrimento da teoria, argumentando que a prática artística é real e, portanto, um lugar privilegiado de crítica. Se seguimos essa linha de pensamento dualista é muito dificil considerar a prática artística como sendo capaz de crítica. O próprio dualismo se move dentro de epistemes estabelecidas, dentro de formas fixas de pensamento, conhecimento e ação que, de um lado, estabelece a teoria como um ato de aproximação de um veredito e a práxis como um lugar de experiência e, de outro, em que o conceito de prática é estipulado como uma categoria essencial ou ontológica. Nesse sentido, a prática sozinha poderia ser alocada no campo da dança, ao passo que a teoria se situaria fora do mesmo.

Desde uma perspectiva sociológica, especialmente da perspectiva da praxeologia de Pierre Bourdieu, esse uso da linguagem significa não apenas uma confusão em relação ao termo prática como também do termo campo. Tal uso terminológico favorece não obstante o essencialismo de modo a neglicenciar o fato de que a prática é um termo construtivista, que descreve processos de subjetivação e é orientado pela materialidade - corpos e objetos -, assim como situa o social nas práticas reais em si mesmas (Reckwitz, 2003RECKWITZ, Andreas. Grundelemente einer Theorie sozialer Praktiken. Zeitschrift für Soziologie, Bielefeld, n. 4, p. 282-301, 2003.). A teoria da prática define conhecimento coletivo não tanto como um saber que, mas mais como um saber como, isto é, como um conjunto de técnicas, como uma compreensão prática, como um ser hábil em algo. E esse conhecimento é, para parafrasearmos mais uma vez Bourdieu, incorporado: ele é mimética e performativamente produzido por práticas concretas, específicas. Prática consiste aqui, portanto menos numa totalidade enfática e mais em uma acumulação de procedimentos que segue uma lógica de práticas, as quais se conectam por uma habilidade prática. E isso está sempre relacionado com duas instâncias materiais: o corpo e os artefatos. Sejam práticas de organização, de amizade, de criação artística, de leitura e escrita, de lida com o corpo ou com ferramentas, desde essa perspectiva, práticas precisam sempre ser “[...] entendidas como hábeis performances de corpos competentes [...]”5 5 “[...] understood as the ‘skillful performance’ of competent bodies” (Reckwitz, 2003, p. 290, translated by Elana Polzer). (Reckwitz, 2003RECKWITZ, Andreas. Grundelemente einer Theorie sozialer Praktiken. Zeitschrift für Soziologie, Bielefeld, n. 4, p. 282-301, 2003., p. 290), mesmo quando envolverem práticas intelectuais.

Práticas constituem sujeitos. Se nos orientamos por Foucault, a prática constituirá um arcabouço de técnicas e artes para a formação de si, e isso sempre ocorre em relação a um campo, por exemplo, para o campo da dança e seus subcampos de dança popular ou artística, moderna, contemporânea ou pós-moderna etc; e suas respectivas regras, normas, convenções e ordens. Dito de outro modo, a prática designa o respectivo modus operandi de um campo imanente de socialização do sujeito, revelando-se a si mesmo em práticas coreográficas. Essa formação do sujeito não pode ser entendida simplesmente como uma introdução em estruturas sociais via socialização. Ela implica sempre e também uma espécie de de-subjugação (Foucault) ou de des-desistência. Esse é, de acordo com Foucault, o caso em que a prática de autoformação se torna uma prática crítica. Da perspectiva do autocultivo, prática crítica não pode nunca ser descrita como algo genérico ou mesmo uniforme. Ela existe apenas numa particular relação com algo outro que si mesma.

Desde essa perspectiva, qual seja, a de uma teoria da prática, a prática não deveria ser diferenciada da teoria e sim, ao invés disso, ser considerada como um termo coletivo para técnicas e práticas prevalentes no campo da dança - e em seus subcampos. Tais práticas são produzidas nesses métodos de trabalho e formas colaborativas e produtivas de conhecimento, por intermédio das quais dançarinos se tornam por si mesmos dançarinos, coreógrafos em coreógrafos, teóricos em teóricos etc.

Assim Sendo, como a Prática se Articula como Prática Crítica?

Foucault responde claramente a essa questão:

A crítica não precisa ser a premissa de uma dedução que algo conclui: isso então é algo que precisa ser feito. Ela deveria ser um instrumento para aqueles que lutam, para aqueles que resistem e se recusam ao dado. Seu uso deveria se dar em processos de conflito e confrontação, em ensaios de recusa. Não tem que estabelecer a lei pela lei. Não se trata de uma encenação a partir de um roteiro. É um desafio direto ao que é dado (Foucault, 2000FOUCAULT, Michel. The Essential Foucault: Selections from Essential Works of Foucault, 1954-1984. New York: New Press, 2000., p. 236)6 6 “Critique doesn’t have to be the premise of a deduction which concludes: this then is what needs to be done. It should be an instrument for those who fight, those who resist and refuse what is. Its use should be in processes of conflict and confrontation, essays in refusal. It doesn’t have to lay down the law for the law. It isn’t a stage in a programming. It is a challenge directed to what is” (Foucault, 2000, p. 236). .

Para Foucault, crítica é “[...] a arte da subordinação voluntária, aquela de intratabilidade refletida” (Foucault, 1997FOUCAULT, Michel. What is Critique?. In: LOTRINGER, Sylvère; HOCHROTH, Lysa (ed.). The Politics of Truth. New York: Semiotext(e), 1997. P. 41-81., p. 47)7 7 “[...] the art of voluntary subordination, that of reflected intractability” (Foucault 1997, p. 47). . Não por coincidência Foucault usa aqui o termo arte. Para ele, a prática da crítica está baseada em um modo de vida, o qual ele notoriamente chamou de “[...] arte da existência” (Foucault, 1990FOUCAULT, Michel. The Use of Pleasure: The History of Sexuality (Volume 2). New York: Vintage Books, 1990., p. 10). Para Foucault, essa arte da existência se dá no modus operandi da estética e da ética, isso porque, para ele, a crítica é também uma virtude; ela produz técnicas de si por intermédio das quais os homens procuram “[...] transformarem a si mesmos, modificarem a si mesmos em suas singulares formas de ser e de fazerem de suas vidas uma oeuvre que carrega certos valores estéticos e encontra certos critérios estilísticos” (Foucault, 1990FOUCAULT, Michel. The Use of Pleasure: The History of Sexuality (Volume 2). New York: Vintage Books, 1990., p. 10)8 8 “[...] to transform themselves, to change themselves in their singular being and to make their life into an oeuvre that carries certain aesthetic values and meets certain stylistic criteria” (Foucault, 1990, p. 10). .

A crítica mesma pode ser tomada como uma arte que revela as limitações do campo epistemológico e estabelece a si mesma em relação a essa limitação. Prática crítica no campo da dança é aquela que igualmente recusa aderir a uma categoria, em termos de: a teoria aqui, a prática acolá, o conhecimento aqui e a experiência lá etc., para ao invés disso “[...] constituir uma relação interrogativa com o próprio campo de categorização, referindo-se ao menos implicitamente aos limites do horizonte epistemológico dentro do qual práticas são formadas” (Butler, 2002BUTLER, Judith. What is Critique? An Essay on Foucault’s Virtue. In: INGRAM, David (ed.). The Political: Readings in Continental Philosophy. London: Basil Blackwell, 2002. P. 212-226., p. 217)9 9 “[...] but rather constitute an interrogatory relation to the field of categorization itself, referring at least implicitly to the limits of the epistemological horizon within which practices are formed” (Butler, 2002, p. 217). .

A crítica foca na relação entre as limitações da ontologia e da epistemologia, isto é, os limites “[...] do que eu posso me tornar e os limites do que eu posso arriscar conhecer” (Butler, 2002BUTLER, Judith. What is Critique? An Essay on Foucault’s Virtue. In: INGRAM, David (ed.). The Political: Readings in Continental Philosophy. London: Basil Blackwell, 2002. P. 212-226., p. 217)10 10 “[...] of what I might become and the limits of what I might risk knowing” (Butler, 2002, p. 217). . Prática crítica significa assim sempre arriscar a definição de um indivíduo como um sujeito, como dançarino, teórico, coreógrafo etc., e assumir uma posição ontologicamente precária, arriscada e altamente em crise.

Essa posição requer um grau de reflexividade, a qual não pode ser descrita apenas em termos de teoria crítica, tal como definida pela Escola de Frankfurt, mas deve ser vista como uma “[...] reflexividade objetificada [...]” (Bourdieu, 1993BOURDIEU, Pierre. Narzisstische Reflexivität und wissenschaftliche Reflexivität. In: EBERHARD, Berg; MARTIN, Fuchs (ed.). Kultur, soziale Praxis, Text: Die Krise der ethnografischen Repräsentation. Frankfurt am Main: Campus, 1993. P. 365-374.; Bourdieu; Wacquant, 1992BOURDIEU, Pierre; WACQUANT, Loic. An Invitation to Reflexive Sociology. Chicago, Ill; Cambridge, UK: University of Chicago Press; Polity Press, 1992.), dito de outro modo, não deve apenas refletir sobre o próprio ponto de vista, mas também as limitações imanentes do campo da arte. Nós estamos encurralados em nosso campo11 11 “We are trapped in our field” (Fraser apud Raunig, 2006). , diz a artista Andrea Fraser (apud Raunig, 2006RAUNIG, Gerald. Instituent Practices: Fleeing, Instituting, Transforming. Transversal, Vienna, v. 1, 2006. Available at: <http://eipcp.net/trans-versal/0106/rau-nig/en>. Accessed on: July 19th, 2012.
http://eipcp.net/trans-versal/0106/rau-n...
). No caso do campo da crítica de arte, formular crítica em termos de limitações significa também, como Jens Kastner (2010, p. 127)KASTNER, Jens. Zur Kritik der Kritik der Kunstkritik. Feld- und hegemonietheoretische Einwände. In: NOWOTNY, Stefan; RAUNIG, Gerald; MENNEL, Birgit (ed.). Kunst der Kritik. Vienna: Turia und Kant, 2010. P. 125-147. escreveu, “[...] rejeitar o fantasma do cativeiro como autodescrição restritiva e de insistir em nunca pensar sobre a crítica sem considerar igualmente as lutas sociais”12 12 “[...] to reject the phantasm of captivity as restricting self-description and to insist on never thinking about critique without also taking into consideration social battles” (Kastner, 2010, p. 127). . Lutas sociais significam aqui, sobretudo, a isenção da arte em relação à política e a declaração da arte como um campo autônomo - assim questionando radicalmente suas sínteses a priori como uma comunidade de crítica. Com essa separação, tal como Iris Därmann (2008, p. 32)DÄRMANN, Iris. Figuren des Politischen. Frankfurt am Main: Suhrkamp 2008. ilustrou convincentemente, “[...] comunidade se torna um mero conceito e uma fantasia que revoga sua conexão com o conflito e a política que cederam as regras de distribuição e divisão em relação à lei e ao estado”13 13 “[...] community becomes a mere concept and fantasy that has revoked its connection to conflict and the political and ceded the rules of distribution and division to the law and the state” (Därmann, 2008, p. 32, translated by Elena Polzer). . Isso é exatamente o ponto em que Därmann vê o caráter decisório da filosofia política, ou seja, quando a filosofia política não infringe contra essas desigualdades, ela suprime o político, “[...] isto é, que o poder do conjunto de práticas culturais estabelece sociabilidade, a qual produz a coexistência separada de um singular que nenhuma forma de política é capaz de produzir” (Därmann, 2008DÄRMANN, Iris. Figuren des Politischen. Frankfurt am Main: Suhrkamp 2008., p. 36)14 14 “[...] i.e. that power of the ensemble of cultural practices to establish sociality, which produces the separate coexistence of a singular that no form of politics is capable of producing” (Därmann, 2008, p. 36, translated by Elena Polzer). .

O que é o Modelo da Prática Crítica?

Em sua tese, Pirkko Husemann enfatizou que a crítica imanente prática na dança pode apenas ser reconhecida como prática crítica quando distinguível não só como uma estética, mas como uma prática social (Husemann, 2009HUSEMANN, Pirkko. Choreographie als kritische Praxis. Bielefeld: transcript, 2009., p. 61). Contudo, seria sobremaneira redutor - e deveras ultrapassado - definir o social como nada mais senão um enquadramento geral para a estética. Vários autores - de Bourdieu à Rancière - sinalizaram para a inseparabilidade da estética do social e mais ainda do político. Na esteira de Bourdieu, o social, como um pressuposto básico dos conceitos performativos, pode apenas ser experienciado como um conjunto de práticas sensuais, incorporadas, habitualizadas. Ele se revela mesmo no modus operandi da estética, ou seja, no modo como é produzido, percebido e experienciado.

Se o social e a estética são assim tão inseparavelmente relacionados no momento da experiência, o que pode e deve uma prática imanente crítica em dança e coreografia referir a fim de ser política?

Essa questão é muito complicada, se consideramos que nem toda prática crítica é inevitavelmente política e vice versa. O político não é necessariamente crítico. Se nós nos prendemos à teoria política, o político estará sempre relacionado com a política que pode inversamente ser definida como a prática de institucionalização de normas sociais. O político pode ser visto como ponto de desaparecimento da política. Se subtrairmos essa conexão, o político se torna irreconhecível. Da perspectiva da teoria crítico-social, a crítica pode apenas ser concebida como política quando formula a si mesma como crítica social, ou seja, quando referencia a institucionalização das normas sociais.

Vários teóricos pós-marxistas, tais como Lefort (1990)LEFORT, Claude. Die Frage der Demokratie. In: RÖDEL, Ulrich (ed.). Autonome Gesellschaft und libertäre Demokratie. Frankfurt a. M.: Suhrkamp, 1990. P. 281-297., Laclau e Mouffe (1985)LACLAU, Ernesto; MOUFFE, Chantal. Hegemony and Socialist Strategy: towards a radical democratic politics. London: Verso, 1985., como também Balibar (2010)BALIBAR, Étienne. La Proposition de l’Égaliberté: essais politique, 1989-2009. Presses Universitaires France: Paris 2010., Rancière (2007)RANCIÈRE, Jacques. Hatred of Democracy. Translated by Steve Corcoran. London; New York: Verso, 2007., Badiou (2013)BADIOU, Alain. Das Erwachen der Geschichte. Translated by Richard Steurer-Boulard. Wien: Passagen, 2013., Hardt e Negri (2001)HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Empire. Cambridge, Mass: Harvard University Press, 2001. e em seu rastro, Virno (2004)VIRNO, Paul. A Grammar of the Multitude: for an analysis of contemporary forms of life. New York: Semiotext[e], 2004., têm se voltado a essa identificação do político com a crítica social. Diferentemente dos conceitos políticos, liberais, comunitaristas ou deliberativos, esses autores enfatizam os cismas constitutivos do social, os quais formam a premissa para a determinação do lugar do político. Para eles, isso se manifesta reativamente, assim como situacionalmente no modo da ação e, aqui, quando da articulação do dissenso, da disrrupção, do incidental. O distinto e não o compartilhado é que é o verdadeiro lugar do político, e assim sendo ele contém as possibilidades para uma prática política de crítica. Enquanto as assertativas pelo compartilhado levam a categorias hegemônicas e a um conceito fechado de comunidade, o qual supõe inquestionavelmente um nós como um grupo capaz de ação, o distinto apresenta-se de outro lado como o único espaço que realmente fornece oportunidade para a crítica e o sentido de uma comum-unidade. E isso, se por ventura seguimos os argumentos dos pensadores pós-marxistas, encontra sua expressão numa prática de desordenamento, des-ordinariamento. Ou seja, algo que desestabiliza, irrita e des-loca uma ordem existente.

Nesse sentido, não se trata tanto de uma trama, de uma estratégia subversiva contra uma ordem estável, como bem exemplificou André Lepecki em sua teoria - na qual define movimento como uma política cinestésica contra a ordem da cinética, e com isso posiciona a relação entre ordem e movimento do mesmo modo que de uma microestrutura e macroestrutura (Lepecki, 2006LEPECKI, André. Exhausting Dance: performance and the politics of movement. New York: Routledge, 2006.) -, visto que, ao contrário, o político expressa a si mesmo em uma potência iressolúvel para o conflito que estaria contido no social e armazenado no seu cisma. Não se trata do contra ou do de fora, o independente contra a instituição, a práxis contra a teoria, o movimento contra a coreografia, os quais podem ser identificados como o domínio (normativo) do político contra a política instituída. A prática do político significa, ao invés disso, um colocar-se em relação ao caráter hegemônico de um sistema social, de modo que se possa tomá-lo, como bem observa Chantal Mouffe (2008, p. 4)MOUFFE, Chantal. Critique as Counter-Hegemonic Intervention. Transversal, Vienna, v. 4, 2008. Available at: <http://eipcp.net/transversal/0808/mouffe/en>. Accessed on: July 19th, 2012.
http://eipcp.net/transversal/0808/mouffe...
, como “[...] o produto de uma série de práticas cuja finalidade é estabelecer ordem em um contexto de contingencia”. Para Mouffe (2008, p. 4)MOUFFE, Chantal. Critique as Counter-Hegemonic Intervention. Transversal, Vienna, v. 4, 2008. Available at: <http://eipcp.net/transversal/0808/mouffe/en>. Accessed on: July 19th, 2012.
http://eipcp.net/transversal/0808/mouffe...
, “[...] cada ordem é a articulação temporária e precária de práticas contingentes”15 15 “[...] every order is the temporary and precarious articulation of contingent practices”. .

Como um modelo para a crítica, a ordem social - e ordem social significa também formas de incorporação dessas ordens, tais como a ordem do ballet ou outras epistemes de dança - pode, portanto ser concebida como uma ordem emergente, tal como definida por Luhmann, isto é, como uma flutuante, temporária e até mesmo performativamente produzida ordem cuja gênese não pode ser ao fim e ao cabo reconstruída, porquanto seja sempre moldada pela inclusão e exclusão de outras opções e relações de poder que são sempre específicas. Trata-se de uma ordem que é contingente, cuja articulação é precedida pela confrontação e cujo resultado não pode ser predeterminado.

A ideia de que sistemas podem ser pensados como emergentes e performativos não é de modo algum nova, tendo sido expressa já em 1930 por Norbert Elias em sua teoria sociológica da figuração (Elias, 1978ELIAS, Norbert. What Is Sociology?, Columbia University Press, 1978.). Um exemplo conceitual vívido para ordens coreográficas emergentes, as quais são sempre precárias e contingentes, pode ser achado, por exemplo, nos trabalhos realizados por Wylliam Forsythe e Dana Caspersen. Um dos exemplos desses objetos coreográficos trata-se da instalação White Bouncy Castle (1997), patrocinada pela Artangel, de Londres. A peça “White Bouncy Castle transfere vários estados de organização físico-espacial, visto que a coreografia está preocupada com um estado de autonomia, que não requer qualquer outra influência de canalização [...]”, afirma Forsythe (apud Rietz, 2010RIETZ, Christina. Hüpfen als Kunstform. Zeit Online, Hamburg, August 16, 2010. Available at: <http://www.zeit.de/lebensart/2010-08/huepfen-deichtorhallen>. Accessed on: July 19th, 2012.
http://www.zeit.de/lebensart/2010-08/hue...
, s.p.)16 16 “The White Bouncy Castle transfers the various states of physical-spatial organization, which choreography is concerned with, into a state of autonomy, which requires no further channeling influence” Forsythe (apud Rietz, 2010). . Se nós definimos participação como o ato de tomar parte, o público é ativo, todavia, ele se move para além do mero modelo de uma pres-crição conceitual. Isso porque o público, ao contrário, desempenha um papel ativo ao moldar performativamente a estrutura coreográfica por intermédio da prática corpórea dentro dos limites do material fornecido. White Bounce Castle é um projeto que questiona o conceito de coreografia, a substância da arte e o espaço artístico em si mesmo, dentro e por intermédio da participação de todas as pessoas envolvidas. Ao moverem-se em torno de um espaço de 30x11 metros do Bouncy Castle, os visitantes produzem uma ordem coreográfica efêmera, que é única em cada um de seus momentos e que não pode ser repetida. Uma comunidade assim produzida é aberta, ela não se presume em sua identidade e, além do mais, redefine continuamente o seu nós. O White Bounce Castle é um projeto político no sentido de que simboliza uma prática crítica de ordem coreográfica, compreendida como um sistema firmemente estabelecido, concebido por um indivíduo e implementado por especialistas. Ele é político porque aplica um modelo de democracia que a princípio permite a qualquer um tomar parte. E é simultaneamente relacionado à política, desde que marcado pelos pincípios de inclusão e exclusão - com efeito, nem todos têm acesso ao espaço artístico no qual White Bouncy Castle se localiza e nem todos os visitantes tomam parte, visto que alguns preferem apenas assistir ou participar de outra maneira. Ainda que o poder balance - configuração de ordem performativa e situacional criada quando os participantes pulam - seja uma estrutura de poder, ela se faz necessária para que o movimento possa efetivamente ser criado.

O que Poderia ser um Lugar de Crítica?

Em um estudo baseado no livro A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, de Max Weber (2001)WEBER, Max. The Protestant Ethic and the Spirit of Capitalism. London: Routledge, 2001., assim como nas teorias de Pierre Bourdieu e Robert Castel, Luc Boltanski e Ève Chaipello (2007)BOLTANSKI, Luc; CHAIPELLO, Ève. The New Spirit of Capitalism. London: Verso, 2007. demonstraram que a força por trás dessas transformações, sofridas pelo novo espírito do capitalismo, tem constituído uma crítica do capitalismo assim formulada por grupos sociais específicos. Um momento particularmente propulsor dessa mudança veio do que chamamos crítica de artista. Isto é, as teorias acima mencionadas demonstram que o estilo de vida dos artistas tem sido especialmente decisivo no estabelecimento de um novo espírito do capitalismo. Esse novo espírito rejeita todas as instituições e formas sociais que definem ou mesmo buscam reter limites. Ao invés disso, baseiam-se em um conceito de mundo que existe como a Rede, como um Projeto. Termos como trabalho de grupo, visão, competência, flexibilidade, inovação, auto-organização, trabalho imaterial, (re)produção de afetos representam melhor essa ideia.

Um problema similar dessa afirmação é evidente na prática coreográfica (Klein, 2009KLEIN, Gabriele. Das Flüchtige: Politische Aspekte einer tanztheoretischen Figur. In: HUSCHKA, Sabine (ed.). Wissenskultur Tanz. Bielefeld: transcript, 2009. P. 199-209.). As estruturas do pós-fordismo demandam formas de trabalho cooperativas, afetivas e criativas, seres humanos flexíveis, comunicativos, assim como trabalho intelectual e imaterial. Nesse sentido, indaga-se: como uma radical dissenção e intervenção pode se dar na prática artística, se as mesmas estratégias artísticas e modos de vida são tomadas pelas políticas neoliberais como protótipos e como um feedback para otimizar o sistema? Como o sujeito artista/teórico transforma a si mesmo, quando o modus operandi estético de autoformação, como bem demonstrou Foucault, é delineado por práticas éticas que requerem em troca um pano de fundo político, ou em outras palavras, uma política normativa? E, finalmente, como tal sujeito transforma a si mesmo quando esse mesmo ato de transformação é, ainda que conquistado pelo mesmo sujeito, confinado ao modelo das práticas de subjetivação, as quais, de fato, se submetem a posições neoliberais?

Essas questões não são apenas relevantes para a prática artística, mas também para a prática da teoria da dança: como a teoria crítica pode ser uma prática crítica quando a estandartização, a des-intelectualização, a constante re-avaliação e fabricação de consensos conceituais, os quais se manifestam em ranqueamentos, provocam formas particulares de pensamento e de prática?

Se o político for compreendido como uma prática de crítica social, que “[...] modifica o modelo que determina como as coisas funcionam [...]” (Zizek, 2000ZIZEK, Slavoj. The Ticklish Subject: the absent centre of political ontology. London: Verso, 2000., p. 199)17 17 “[...] changes the very framework that determines how things work” (Zizek, 2000, p. 199). , então isso significa dizer - especialmente no terreno acadêmico - que o político se tornou coisa rara ou mesmo impossível no contexto das novas formas de uma ordem (de conhecimento) hegemônica. A teoria da dança, compreendida como uma prática de crítica, requer, por sua vez, tanto que se opere ao longo das bordas limítrofes imanentes do campo epistemológico da dança, quanto que se arrisque a entrar no espaço de crise das instituições. “Uma intervenção propriamente política é sempre aquela que se ocupa com um aspecto da hegemonia existente com o intuito de des-articular/re-articular seus elementos constitutivos” (Mouffe, 2008MOUFFE, Chantal. Critique as Counter-Hegemonic Intervention. Transversal, Vienna, v. 4, 2008. Available at: <http://eipcp.net/transversal/0808/mouffe/en>. Accessed on: July 19th, 2012.
http://eipcp.net/transversal/0808/mouffe...
, p. 6)18 18 “A properly political intervention is always one that engages with a certain aspect of the existing hegemony in order to disarticulate/re-articulate its constitutive elements” (Mouffe, 2008, p. 6). . A teoria da dança consiste em uma prática que pode e deve ser operada desde um considerável número de lugares. Não deveria contudo formar a si mesma fora do campo das instituições, e sim ao invés disso intervir no mesmo desde vários pontos de vista com a finalidade de modificá-lo. Nós, de outro lado, deveríamos procurar desenvolver “[...] uma prática mais arriscada que buscasse produzir arte a partir das restrições [...]”19 19 “[...] a riskier practice that seeks to yield artistry from (the) constraint(s)”, “[...] the practical theorist/theoretical practitioner [...]” (Butler 2002, p. 226). das instituições e desenvolver “[...] formas de prática/antes teórica/os”, as quais criam ou podem criar uma dissenção em relação à política (de conhecimento) das instituições (Butler, 2002BUTLER, Judith. What is Critique? An Essay on Foucault’s Virtue. In: INGRAM, David (ed.). The Political: Readings in Continental Philosophy. London: Basil Blackwell, 2002. P. 212-226., p. 226). Essa tarefa pode também ser parte de uma prática crítica encorajada em muitos cursos de graduação e pós-graduação que têm, ao menos na Alemanha, surgido nos campos da dança, da performance e da coreografia. Na esteira do que foi pensado anteriormente, isso pode também ser parte de uma prática de crítica que alarga uma teoria da dança crítica da prática.

Notas

  • 1
    Esse texto toma o termo prática no sentido cunhado por Pierre Bourdieu. Prática designa aqui de maneira geral o uso de fato de uma ideia ou a sua aplicação, crença ou método assim como procedimentos habituais, costumeiros ou esperados de fazer alguma coisa de um modo ou outro. A prática, diferentemente da Práxis, não se distingue de maneira geral da teoria.
  • 2
    Conforme, por exemplo, Marianne van Kerkhoven, Bojana Kunst, Bojana Cvejic, Ana Vujanovic.
  • 3
    Esse ensaio foi originalmente uma palestra concedida em 27 de maio de 1978 à Sociedade Francesa de Filosofia e subsequentemente publicada no Bulletin de la Société Française de la Philosophie (Foucault, 1990FOUCAULT, Michel. The Use of Pleasure: The History of Sexuality (Volume 2). New York: Vintage Books, 1990.).
  • 4
    “[...] necessity and impossibility. Something is contingent insofar as it is neither necessary nor impossible; it is just what it is (or was or will be), though it could also be otherwise. The concept thus describes something given (something experienced, expected, remembered, fantasised) in the light of its possibly being otherwise; it describes objects within the horizon of possible variations” (Luhmann, 1996LUHMANN, Niklas. Social Systems. Stanford: University Press, 1996., p. 106).
  • 5
    “[...] understood as the ‘skillful performance’ of competent bodies” (Reckwitz, 2003RECKWITZ, Andreas. Grundelemente einer Theorie sozialer Praktiken. Zeitschrift für Soziologie, Bielefeld, n. 4, p. 282-301, 2003., p. 290, translated by Elana Polzer).
  • 6
    “Critique doesn’t have to be the premise of a deduction which concludes: this then is what needs to be done. It should be an instrument for those who fight, those who resist and refuse what is. Its use should be in processes of conflict and confrontation, essays in refusal. It doesn’t have to lay down the law for the law. It isn’t a stage in a programming. It is a challenge directed to what is” (Foucault, 2000FOUCAULT, Michel. The Essential Foucault: Selections from Essential Works of Foucault, 1954-1984. New York: New Press, 2000., p. 236).
  • 7
    “[...] the art of voluntary subordination, that of reflected intractability” (Foucault 1997FOUCAULT, Michel. What is Critique?. In: LOTRINGER, Sylvère; HOCHROTH, Lysa (ed.). The Politics of Truth. New York: Semiotext(e), 1997. P. 41-81., p. 47).
  • 8
    “[...] to transform themselves, to change themselves in their singular being and to make their life into an oeuvre that carries certain aesthetic values and meets certain stylistic criteria” (Foucault, 1990FOUCAULT, Michel. The Use of Pleasure: The History of Sexuality (Volume 2). New York: Vintage Books, 1990., p. 10).
  • 9
    “[...] but rather constitute an interrogatory relation to the field of categorization itself, referring at least implicitly to the limits of the epistemological horizon within which practices are formed” (Butler, 2002BUTLER, Judith. What is Critique? An Essay on Foucault’s Virtue. In: INGRAM, David (ed.). The Political: Readings in Continental Philosophy. London: Basil Blackwell, 2002. P. 212-226., p. 217).
  • 10
    “[...] of what I might become and the limits of what I might risk knowing” (Butler, 2002BUTLER, Judith. What is Critique? An Essay on Foucault’s Virtue. In: INGRAM, David (ed.). The Political: Readings in Continental Philosophy. London: Basil Blackwell, 2002. P. 212-226., p. 217).
  • 11
    “We are trapped in our field” (Fraser apud Raunig, 2006RAUNIG, Gerald. Instituent Practices: Fleeing, Instituting, Transforming. Transversal, Vienna, v. 1, 2006. Available at: <http://eipcp.net/trans-versal/0106/rau-nig/en>. Accessed on: July 19th, 2012.
    http://eipcp.net/trans-versal/0106/rau-n...
    ).
  • 12
    “[...] to reject the phantasm of captivity as restricting self-description and to insist on never thinking about critique without also taking into consideration social battles” (Kastner, 2010KASTNER, Jens. Zur Kritik der Kritik der Kunstkritik. Feld- und hegemonietheoretische Einwände. In: NOWOTNY, Stefan; RAUNIG, Gerald; MENNEL, Birgit (ed.). Kunst der Kritik. Vienna: Turia und Kant, 2010. P. 125-147., p. 127).
  • 13
    “[...] community becomes a mere concept and fantasy that has revoked its connection to conflict and the political and ceded the rules of distribution and division to the law and the state” (Därmann, 2008DÄRMANN, Iris. Figuren des Politischen. Frankfurt am Main: Suhrkamp 2008., p. 32, translated by Elena Polzer).
  • 14
    “[...] i.e. that power of the ensemble of cultural practices to establish sociality, which produces the separate coexistence of a singular that no form of politics is capable of producing” (Därmann, 2008DÄRMANN, Iris. Figuren des Politischen. Frankfurt am Main: Suhrkamp 2008., p. 36, translated by Elena Polzer).
  • 15
    “[...] every order is the temporary and precarious articulation of contingent practices”.
  • 16
    “The White Bouncy Castle transfers the various states of physical-spatial organization, which choreography is concerned with, into a state of autonomy, which requires no further channeling influence” Forsythe (apud Rietz, 2010RIETZ, Christina. Hüpfen als Kunstform. Zeit Online, Hamburg, August 16, 2010. Available at: <http://www.zeit.de/lebensart/2010-08/huepfen-deichtorhallen>. Accessed on: July 19th, 2012.
    http://www.zeit.de/lebensart/2010-08/hue...
    ).
  • 17
    “[...] changes the very framework that determines how things work” (Zizek, 2000ZIZEK, Slavoj. The Ticklish Subject: the absent centre of political ontology. London: Verso, 2000., p. 199).
  • 18
    “A properly political intervention is always one that engages with a certain aspect of the existing hegemony in order to disarticulate/re-articulate its constitutive elements” (Mouffe, 2008MOUFFE, Chantal. Critique as Counter-Hegemonic Intervention. Transversal, Vienna, v. 4, 2008. Available at: <http://eipcp.net/transversal/0808/mouffe/en>. Accessed on: July 19th, 2012.
    http://eipcp.net/transversal/0808/mouffe...
    , p. 6).
  • 19
    “[...] a riskier practice that seeks to yield artistry from (the) constraint(s)”, “[...] the practical theorist/theoretical practitioner [...]” (Butler 2002BUTLER, Judith. What is Critique? An Essay on Foucault’s Virtue. In: INGRAM, David (ed.). The Political: Readings in Continental Philosophy. London: Basil Blackwell, 2002. P. 212-226., p. 226).
  • Este artigo, traduzido por Marcelo de Andrade Pereira, também se encontra publicado em inglês neste número do periódico. A versão em inglês havia sido publicada em: KLEIN, Gabriele. Dance Theory as a Practice of Critique. In: BRANDSTETTER, Gabriele; KLEIN, Gabriele (ed.). Dance (and) Theory. Bielefeld: transcript, 2013. P. 137-149.

References

  • ADORNO, Theodor W. Cultural Criticism and Society. In: ADORNO, Theodor W. Prisms Translated by Samuel and Shierry Weber. Cambridge, MA: MIT Press, 1983. P. 17-34.
  • BADIOU, Alain. Das Erwachen der Geschichte Translated by Richard Steurer-Boulard. Wien: Passagen, 2013.
  • BALIBAR, Étienne. La Proposition de l’Égaliberté: essais politique, 1989-2009. Presses Universitaires France: Paris 2010.
  • BOLTANSKI, Luc; CHAIPELLO, Ève. The New Spirit of Capitalism London: Verso, 2007.
  • BOURDIEU, Pierre. Narzisstische Reflexivität und wissenschaftliche Reflexivität. In: EBERHARD, Berg; MARTIN, Fuchs (ed.). Kultur, soziale Praxis, Text: Die Krise der ethnografischen Repräsentation. Frankfurt am Main: Campus, 1993. P. 365-374.
  • BOURDIEU, Pierre; WACQUANT, Loic. An Invitation to Reflexive Sociology Chicago, Ill; Cambridge, UK: University of Chicago Press; Polity Press, 1992.
  • BUTLER, Judith. What is Critique? An Essay on Foucault’s Virtue. In: INGRAM, David (ed.). The Political: Readings in Continental Philosophy. London: Basil Blackwell, 2002. P. 212-226.
  • DÄRMANN, Iris. Figuren des Politischen Frankfurt am Main: Suhrkamp 2008.
  • ELIAS, Norbert. What Is Sociology?, Columbia University Press, 1978.
  • FOSTER, Susan Leigh. Corporealities, Dancing, Knowledge, Culture and Power London: Routledge, 1996.
  • FOSTER, Susan Leigh. Dances That Describe Themselves Middleton: Wesleyan University Press, 2002.
  • FOUCAULT, Michel. What is Enlightenment? In: RABINOW, Paul (ed.). The Foucault Reader New York: Pantheon Books, 1984. P. 32-50. Available at: <http://foucault.info/documents/whatIsEnlightenment/foucault.whatIs-Enlightenment.en.html>. Accessed on: July 19, 2012.
    » http://foucault.info/documents/whatIsEnlightenment/foucault.whatIs-Enlightenment.en.html
  • FOUCAULT, Michel. The Use of Pleasure: The History of Sexuality (Volume 2). New York: Vintage Books, 1990.
  • FOUCAULT, Michel. What is Critique?. In: LOTRINGER, Sylvère; HOCHROTH, Lysa (ed.). The Politics of Truth New York: Semiotext(e), 1997. P. 41-81.
  • FOUCAULT, Michel. The Essential Foucault: Selections from Essential Works of Foucault, 1954-1984. New York: New Press, 2000.
  • HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Empire Cambridge, Mass: Harvard University Press, 2001.
  • HORKHEIMER, Max; ADORNO, Theodor W. Dialectic of Enlightenment Translated by Edmund Jephcott. Stanford: Stanford University Press, 2002.
  • HUSEMANN, Pirkko. Choreographie als kritische Praxis Bielefeld: transcript, 2009.
  • KANT, Immanuel. Kants gesammelte Schriften, Handschriftlicher Nachlass, Logik (Akademie-Ausgabe): volume 16. Berlin: de Gruyter, 1969.
  • KASTNER, Jens. Zur Kritik der Kritik der Kunstkritik. Feld- und hegemonietheoretische Einwände. In: NOWOTNY, Stefan; RAUNIG, Gerald; MENNEL, Birgit (ed.). Kunst der Kritik Vienna: Turia und Kant, 2010. P. 125-147.
  • KLEIN, Gabriele. Das Flüchtige: Politische Aspekte einer tanztheoretischen Figur. In: HUSCHKA, Sabine (ed.). Wissenskultur Tanz Bielefeld: transcript, 2009. P. 199-209.
  • KLEIN, Wolfgang; NAUMANN-BEYER, Waltraud (ed.). Nach der Aufklärung? Beiträge zum Diskurs der Kulturwissenschaften Berlin: Akademie, 1995.
  • LACLAU, Ernesto; MOUFFE, Chantal. Hegemony and Socialist Strategy: towards a radical democratic politics. London: Verso, 1985.
  • LEFORT, Claude. Die Frage der Demokratie. In: RÖDEL, Ulrich (ed.). Autonome Gesellschaft und libertäre Demokratie Frankfurt a. M.: Suhrkamp, 1990. P. 281-297.
  • LEPECKI, André. Exhausting Dance: performance and the politics of movement. New York: Routledge, 2006.
  • LUHMANN, Niklas. Social Systems Stanford: University Press, 1996.
  • MARTIN, Randy. Critical Moves: dance studies in theory and politics. Durham: Duke University Press, 1998.
  • MARX, Karl. Economic and Philosophical Manuscripts (1844). In: FROMM, Erich (ed.). Marx’s Concepts of Man London: Continuum, 2004. P. 78-132.
  • MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. The German Ideology (1845). New York: International Pub, 1969.
  • MOUFFE, Chantal. Critique as Counter-Hegemonic Intervention. Transversal, Vienna, v. 4, 2008. Available at: <http://eipcp.net/transversal/0808/mouffe/en>. Accessed on: July 19th, 2012.
    » http://eipcp.net/transversal/0808/mouffe/en
  • RANCIÈRE, Jacques. Hatred of Democracy Translated by Steve Corcoran. London; New York: Verso, 2007.
  • RAUNIG, Gerald. Instituent Practices: Fleeing, Instituting, Transforming. Transversal, Vienna, v. 1, 2006. Available at: <http://eipcp.net/trans-versal/0106/rau-nig/en>. Accessed on: July 19th, 2012.
    » http://eipcp.net/trans-versal/0106/rau-nig/en
  • RECKWITZ, Andreas. Grundelemente einer Theorie sozialer Praktiken. Zeitschrift für Soziologie, Bielefeld, n. 4, p. 282-301, 2003.
  • RIETZ, Christina. Hüpfen als Kunstform. Zeit Online, Hamburg, August 16, 2010. Available at: <http://www.zeit.de/lebensart/2010-08/huepfen-deichtorhallen>. Accessed on: July 19th, 2012.
    » http://www.zeit.de/lebensart/2010-08/huepfen-deichtorhallen
  • SCHÖDBAUER, Ulrich; VAHLAND, Joachim. Das Ende der Kritik Berlin: Akademie -Verlag, 1997.
  • VIRNO, Paul. A Grammar of the Multitude: for an analysis of contemporary forms of life. New York: Semiotext[e], 2004.
  • WEBER, Max. The Protestant Ethic and the Spirit of Capitalism London: Routledge, 2001.
  • ZIZEK, Slavoj. The Ticklish Subject: the absent centre of political ontology. London: Verso, 2000.

Editado por

Editor-responsável: Marcelo de Andrade Pereira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    18 Maio 2020
  • Aceito
    19 Jul 2020
Universidade Federal do Rio Grande do Sul Av. Paulo Gama s/n prédio 12201, sala 700-2, Bairro Farroupilha, Código Postal: 90046-900, Telefone: 5133084142 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: rev.presenca@gmail.com