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A Antinomia do Mortal e da Imortalidade no Âmbito da Educação

RESUMO

Este artigo busca mostrar de que maneira a atividade da educação no mundo moderno está vinculada com o projeto filosófico arendtiana. A partir de uma breve exposição da hipótese de leitura proposta por Paul Ricoeur, primeiramente, pretende-se destacar o sentido ético-político do projeto filosófico arendtiano. Para Ricoeur, a investigação levada a cabo por Hannah Arendt em A Condição Humana pode ser lida como uma antropologia filosófica, isto é, como um gênero de meditação que busca identificar os traços perduráveis da condição humana, que podem resistir às vicissitudes do mundo moderno. Em seguida, tenta-se explicitar os desdobramentos dessa interpretação a fim de pensar a antinomia do mortal e da imortalidade no âmbito da educação, uma vez que a questão central da antropologia filosófica, conforme Ricoeur, repousa na desproporção íntima da condição temporal dos seres mortais.

Palavras-chave
Educação; Imortalidade; Mundo Comum

ABSTRACT

This paper to show how the activity of education in the modern world is linked to the Arendtian philosophical project. Starting with a brief exposition of the reading hypothesis proposed by Paul Ricoeur, I first intend to highlight the ethical-political sense of the Arendtian philosophical project. For Ricoeur, the investigation carried out by Hannah Arendt in The Human Condition can be read as a philosophical anthropology, that is, as a genre of meditation that seeks to identify the enduring traits of the human condition that can resist the vicissitudes of the modern world. Next, I will try to explain the unfoldings of this interpretation in order to think about the antinomy of mortal and immortality in the field of education, since the central question of philosophical anthropology, according to Ricoeur, lies in the intimate disproportion of our temporal condition as mortal beings.

Keywords
Education; Immortality; Common World

O Sentido Ético-Político do Projeto Filosófico Arendtiano

No1 1 Este artigo é uma releitura da interpretação de Paul Ricoeur (2016) acerca do projeto filosófico arendtiano, que desenvolvo no primeiro capítulo de minha tese de doutorado (Batista, 2021a). Prefácio da segunda edição francesa de A Condição Humana, publicada em 1983, sob o título de Condition de l’homme moderne, Paul Ricoeur (2016)RICOEUR, Paul. Préface. In: ARENDT, Hannah. Condition de l’Homme Moderne. Tradução: George Fradier. Paris: Pocket, 2016. P. 5-32. busca interpretar o hiato que haveria entre as duas obras que deram a Hannah Arendt sua fama e seu reconhecimento como pensadora política. Contra a perplexidade de interpretações que viam nesse hiato nada mais que “[…] uma mudança de registro inexplicável […]”, Ricoeur (2016, p. 05)RICOEUR, Paul. Préface. In: ARENDT, Hannah. Condition de l’Homme Moderne. Tradução: George Fradier. Paris: Pocket, 2016. P. 5-32. sustenta que há uma relação fundamental entre Origens do Totalitarismo e A Condição Humana. Com essa hipótese de leitura, Ricoeur busca tecer o fio que possibilita um vínculo entre essas obras que, tanto do ponto de vista temático quanto metodológico, são demasiado distintas. Nesse sentido, a linha mestra do projeto filosófico arendtiano, segundo Ricoeur (2016)RICOEUR, Paul. Préface. In: ARENDT, Hannah. Condition de l’Homme Moderne. Tradução: George Fradier. Paris: Pocket, 2016. P. 5-32., consiste em pensar, por um lado, quais foram as condições de possibilidade para o surgimento dos movimentos e regimes totalitários e, por outro, sob quais condições seria possível edificar um mundo não totalitário.

Em primeiro lugar, é preciso não negligenciar “[…] o caráter próprio do pensamento político que se exprime aí [nesse suposto hiato], seu percurso essencialmente problemático […]”, isto é, a tarefa de compreender uma realidade absolutamente nova a partir de categorias que nos foram legadas por uma tradição de pensamento político que, para tanto, mostra-se insuficiente (Ricoeur, 2016RICOEUR, Paul. Préface. In: ARENDT, Hannah. Condition de l’Homme Moderne. Tradução: George Fradier. Paris: Pocket, 2016. P. 5-32., p. 08-09). E aqui é oportuno lembrar que, para Arendt (2012, p. 12)ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. Tradução: Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012., compreender não significava descrever um fenômeno por meio de procedimentos analógicos e genéricos; muito menos negar a infâmia do que havia acontecido, como se tudo não tivesse passado de um pesadelo da razão esclarecida, mas antes tem a ver com “[…] encarar a realidade sem preconceitos e com atenção, e resistir a ela – qualquer que seja”. É por isso que, segundo a interpretação de Ricoeur, Arendt teria se voltado para os elementos que se cristalizaram nessa nova realidade, isto é, para as origens do totalitarismo, buscando compreender os acontecimentos políticos que marcaram profundamente o seu tempo.

Cabe nos perguntar, então, de que maneira nossa pensadora política buscou compreender, em seu projeto filosófico, o surgimento dos movimentos e regimes totalitários. Segundo Arendt (2012)ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. Tradução: Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012., o totalitarismo deve ser considerado como um acontecimento absolutamente novo. Ou seja, o fenômeno totalitário não poderia ser compreendido por meio de analogias ou comparações genéricas que nos remetessem à alguma experiência política do passado (Arendt, 2012ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. Tradução: Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.). Tão pouco poderia ser explicado à luz de teorias deterministas, pois, no projeto filosófico arendtiano, como destaca Newton Bignotto (2001, p. 42)BIGNOTTO, Newton. O Totalitarismo Hoje? In: AGUIAR, Odílio Alves et al. (Org). Origens do Totalitarismo 50 Anos Depois. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001. P. 37-47., o totalitarismo “[…] advém da condição criadora do homem, de sua capacidade de inventar novas ordens e instaurar novas formas de organização da vida em comum”. Contudo, continua Bignotto (2001, p. 42)BIGNOTTO, Newton. O Totalitarismo Hoje? In: AGUIAR, Odílio Alves et al. (Org). Origens do Totalitarismo 50 Anos Depois. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001. P. 37-47., não se pode afirmar que o fenômeno totalitário seja “[…] uma decorrência direta do exercício da liberdade humana […]”, visto que, para Arendt (2008, p. 347)ARENDT, Hannah. Homens em Tempos Sombrios. Tradução: Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 2008., “[…] o totalitarismo é a negação mais radical da liberdade”. Isso significa, conforme Bignotto (2001, p. 42)BIGNOTTO, Newton. O Totalitarismo Hoje? In: AGUIAR, Odílio Alves et al. (Org). Origens do Totalitarismo 50 Anos Depois. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001. P. 37-47., que o fenômeno totalitário surge precisamente da “[…] indeterminação fundamental de nossa condição e, por isso, não pode ser afastado definitivamente do horizonte humano”.

A análise arendtiana do totalitarismo vai mostrar que os movimentos e regimes totalitários surgiram a partir de uma constelação histórica específica e, ainda que seus elementos possam não ter desaparecido completamente após a derrocada do nazismo e do estalinismo, eles jamais podem se repetir tal qual se cristalizaram no passado. Inscritos na ordem da contingência, como tudo aquilo que pertence ao domínio dos assuntos humanos, os movimentos e regimes totalitários não podem ser explicados por uma mera descrição e concatenação de elementos que se amalgamaram em uma dada conjuntura histórica. Se assim o fosse, seria possível identificar tais elementos no presente – o que seria absolutamente possível nos dias de hoje – para vislumbrar, em um futuro próximo, o ressurgimento de sistemas totalitários, como se eles resultassem necessariamente da presença e articulação desses elementos. “Nada mais distante, no entanto, da maneira como nossa pensadora compreendia a tarefa do pensador político e a natureza do totalitarismo” (Bignotto, 2001BIGNOTTO, Newton. O Totalitarismo Hoje? In: AGUIAR, Odílio Alves et al. (Org). Origens do Totalitarismo 50 Anos Depois. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001. P. 37-47., p. 41).

Se, para Arendt, nossas categorias de pensamento se mostravam insuficientes para compreender o surgimento do totalitarismo, como é possível pensar, por exemplo, a experiência dos campos de concentração? Ao reconhecer a singularidade desse evento político, Arendt buscou encarar essa realidade sem preconceitos e com atenção, a fim de não confundir o fenômeno totalitário com nenhuma das experiências políticas do passado. Pois, para Arendt, não se pode reconhecer a singularidade de um evento sem fazer distinções. Ao contrário das interpretações que buscavam explicar o totalitarismo por meio de analogias e comparações, Arendt (2012)ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. Tradução: Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. insiste no fato de que era preciso distinguir conceitualmente os regimes totalitários de toda sorte de ditaduras e tiranias que existiram no passado. Ainda que o medo e a violência estivessem presentes em todos eles, o traço distintivo dos sistemas totalitários consistia no uso da ideologia e do terror como elementos centrais dessa nova forma de dominação. Nesse sentido, de acordo com Adriano Correia (2014, p. xxi),CORREIA, Adrian. Hannah Arendt e a Modernidade: política, economia e a disputa por uma fronteira. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014. para pensar conceitualmente as condições para o surgimento de um fenômeno sem precedentes, é preciso identificar a novidade que o caracteriza, de modo que “[…] o pensamento tem de operar antes por esclarecimento via distinção que por análise via associação”.

Para os nossos propósitos, é importante não perder de vista que o pensamento político de Arendt parte “[…] da contingência do evento à irrupção do conceito” (Ricoeur, 2016RICOEUR, Paul. Préface. In: ARENDT, Hannah. Condition de l’Homme Moderne. Tradução: George Fradier. Paris: Pocket, 2016. P. 5-32., p. 11). Nesse sentido, poderíamos afirmar que o conceito de totalitarismo é forjado por Arendt a fim de compreender como foi possível a invenção de um mundo fictício2 2 Para Arendt (2012), um mundo fictício, um mundo que é organizado com base em um único ponto de vista, só pode surgir quando o mundo comum foi completamente destruído. “O mundo comum acaba quando é visto somente sob um aspecto e só se lhe permite apresentar-se em uma única perspectiva” (Arendt, 2015, p. 71). Os regimes totalitários são mundos fictícios na medida em que eles foram estruturados ideologicamente para verificar suas premissas, que jamais poderiam resistir à condição humana da pluralidade. A destruição do espaço no qual os seres humanos podem se reunir e compartilhar o mundo foi uma das condições de possibilidade para a existência de um mundo fictício. Mais precisamente, conforme a análise arendtiana do fenômeno totalitário, o que garante a existência de um mundo fictício não é simplesmente o fato de que ele é estruturado por uma ideologia na qual tudo é possível, mas que a lógica dessa ideia pode ser verificada em laboratórios cientificamente controlados, os campos de concentração e extermínio, onde se podia confirmar a validade de suas premissas fundamentais. E, para isso, segundo Arendt (2012), os regimes totalitários lançavam mão não apenas do uso da força e da violência, como ocorre em qualquer tirania ou ditadura, mas do terror. Para Arendt (2012), o terror é a essência do totalitarismo. “Em lugar das fronteiras e dos canais de comunicação entre os homens individuais, [o terror] constrói um cinturão de ferro que os cinge de tal forma que é como se a pluralidade se dissolvesse em Um-Só-Homem de dimensões gigantescas” (Arendt, 2012, p. 619). , no qual a realidade é substituída pela coerência interna dos elementos que faziam operar a lógica de uma ideia. “A ideologia trata o curso dos acontecimentos como se seguisse a mesma ‘lei’ adotada na exposição lógica da sua ‘ideia’” (Arendt, 2012ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. Tradução: Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012., p. 624). A invenção de um mundo fictício criado pela propaganda e divulgação massiva através dos meios de comunicação permitiu aos regimes totalitários a implementação de um gigantesco aparelho de terror, os campos de concentração e extermínio, no qual era possível verificar as premissas da lógica totalitária. Somente nesses laboratórios cientificamente controlados, os campos de concentração e extermínio, os seres humanos podiam ser submetidos integralmente às supostas leis da Natureza, no caso do nazismo, e às supostas leis da História, no caso do estalinismo. “Vistos através do prisma da ideologia, os campos parecem até ser lógicos demais” (Arendt, 2012ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. Tradução: Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012., p. 606). Esse mundo fictício, como mostrou as análises de Hannah Arendt (2012)ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. Tradução: Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012., pressupunha a hipótese monstruosa de que tudo é possível, tudo é permitido. Conforme a interpretação de Ricoeur (2016)RICOEUR, Paul. Préface. In: ARENDT, Hannah. Condition de l’Homme Moderne. Tradução: George Fradier. Paris: Pocket, 2016. P. 5-32., é precisamente a partir deste ponto que se pode entender a relação entre Origens do Totalitarismo e A Condição Humana: se o horror e a infâmia dos sistemas totalitários partem das premissas de que tudo é possível e tudo é permitido, é preciso, percorrendo o caminho inverso, se perguntar quais são os obstáculos para a verificação dessa hipótese monstruosa.

Ora, se os campos de concentração e extermínio surgiram nesse mundo fictício criado pelos sistemas totalitários, servindo de laboratórios cientificamente controlados a fim de fazer experimentos e modificar aquilo que os totalitarismos entendiam como natureza humana, é preciso se perguntar agora em quais condições é possível edificar um mundo não totalitário (Arendt, 2012ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. Tradução: Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.). Em outras palavras, “[…] em quais condições um mundo não concentracionário é possível? Segundo quais pressupostos o homem deixa de ser supérfluo?” (Ricoeur, 2016RICOEUR, Paul. Préface. In: ARENDT, Hannah. Condition de l’Homme Moderne. Tradução: George Fradier. Paris: Pocket, 2016. P. 5-32., p. 14). Na interpretação de Ricoeur, essas são as perguntas que orientaram a nova investigação de Arendt em A Condição Humana. Para o filósofo francês (Ricoeur, 2016RICOEUR, Paul. Préface. In: ARENDT, Hannah. Condition de l’Homme Moderne. Tradução: George Fradier. Paris: Pocket, 2016. P. 5-32., p. 14), essa obra deve ser lida, no projeto filosófico arendtiano, “[…] como o livro da resistência e da reconstrução”.

À luz dessa interpretação, é possível entender a mudança no modo como Arendt buscou compreender o fenômeno totalitário. Se, em Origens do Totalitarismo, Arendt mostrou como o racismo, o antissemitismo e o imperialismo se cristalizaram e tornaram possível o surgimento dos sistemas totalitários, é somente em A Condição Humana que a autora vai pensar sob quais condições se pode erigir um mundo não totalitário. Para Ricoeur (2016)RICOEUR, Paul. Préface. In: ARENDT, Hannah. Condition de l’Homme Moderne. Tradução: George Fradier. Paris: Pocket, 2016. P. 5-32., essa é a questão fundamental que foi deixada em aberto por Arendt em sua primeira grande obra. “Tendo ficado pendente essas implicações propriamente políticas [em Origens do Totalitarismo]”, observa Ricoeur (2016, p. 14)RICOEUR, Paul. Préface. In: ARENDT, Hannah. Condition de l’Homme Moderne. Tradução: George Fradier. Paris: Pocket, 2016. P. 5-32., a nova investigação de Arendt precisa ser entendida e julgada no mesmo plano em que foi realizada pela autora. Assim, conforme a interpretação de Ricoeur (2016, p. 15)RICOEUR, Paul. Préface. In: ARENDT, Hannah. Condition de l’Homme Moderne. Tradução: George Fradier. Paris: Pocket, 2016. P. 5-32., A Condição Humana pode ser lida como uma antropologia filosófica, isto é, “[…] uma investigação que visa identificar os traços mais duráveis da condição humana, aqueles que são menos vulneráveis às vicissitudes da era moderna”. Essa hipótese de leitura busca enfatizar os traços temporais da análise que Arendt empreende acerca das atividades em que os seres humanos se encontram ativamente engajados no mundo. Ainda que a interpretação do filósofo francês enfatize o aspecto temporal da análise arendtiana, ela não negligencia a centralidade do espaço no pensamento de Hannah Arendt. De acordo com José Sérgio Carvalho (2019)CARVALHO, José Sérgio Fonseca de. Experiências Temporais da Vita Activa e os Desafios da Transmissão Intergeracional. Princípios: Revista de Filosofia, Natal, v. 25, n. 48, p. 259-280, set.-dez., 2019., essa ênfase, sustentada por Paul Ricoeur em sua interpretação do sentido político do pensamento arendtiano, encontra respaldo nas últimas linhas do Prólogo de A Condição Humana, visto que, segundo Arendt (2015, p. 07)ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução: Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015. , um de seus objetivos nessa nova investigação era o de analisar aquelas “[…] capacidades humanas gerais que provém da condição humana e são permanentes, isto é, que não podem ser irremediavelmente perdidas enquanto não mudar a própria condição humana”.

Portanto, conforme a interpretação de Ricoeur (2016)RICOEUR, Paul. Préface. In: ARENDT, Hannah. Condition de l’Homme Moderne. Tradução: George Fradier. Paris: Pocket, 2016. P. 5-32., a nova investigação levada a cabo por Arendt em A Condição Humana mantém um laço de filiação (lien de filiation) com sua primeira grande obra. Para Ricoeur (2016, p. 15)RICOEUR, Paul. Préface. In: ARENDT, Hannah. Condition de l’Homme Moderne. Tradução: George Fradier. Paris: Pocket, 2016. P. 5-32., essa mudança de plano foi necessária para resolver a questão deixada em aberto em Origens do Totalitarismo; para resolver o que se poderia chamar, conforme a leitura de Ricoeur (2016)RICOEUR, Paul. Préface. In: ARENDT, Hannah. Condition de l’Homme Moderne. Tradução: George Fradier. Paris: Pocket, 2016. P. 5-32., de “[…] o impasse epistemológico de Origens do Totalitarismo”. Esse impasse apontava para o paradoxo no qual os sistemas totalitários só podiam verificar suas premissas por meio dos campos de concentração e extermínio. Ou seja, a hipótese totalitária segundo a qual se podia modificar a natureza humana dependia da instalação de um gigantesco aparelho de terror; da construção das fábricas de morte e dos poços de esquecimento a fim de verificar a superfluidade dos seres humanos.

De acordo com Ricoeur (2016)RICOEUR, Paul. Préface. In: ARENDT, Hannah. Condition de l’Homme Moderne. Tradução: George Fradier. Paris: Pocket, 2016. P. 5-32., diante desse impasse epistemológico colocado pela lógica totalitária, na qual somente sob certas condições tudo era permitido e tudo era possível, Arendt teria buscado estabelecer as linhas fundamentais de sua nova investigação a partir de um plano ético-político. Pode-se conjecturar que esse deslocamento do plano lógico-epistemológico para o plano ético-político teria provocado certa perplexidade em seus intérpretes. Se, na obra Origens do Totalitarismo, Arendt mostrou como a destruição do mundo comum permitiu sua substituição por um mundo fictício no qual as premissas monstruosas dos regimes totalitários puderam ser verificadas, então A Condição Humana deve ser lida, com efeito, como uma obra de resistência e de reconstrução (Ricoeur, 2016RICOEUR, Paul. Préface. In: ARENDT, Hannah. Condition de l’Homme Moderne. Tradução: George Fradier. Paris: Pocket, 2016. P. 5-32.). É somente em sua segunda grande obra que as análises arendtianas apontam para as condições segundo as quais seria possível reconstruir o espaço de aparência e visibilidade no qual cada ser mortal pode revelar sua identidade pessoal mediante atos e palavras; pode confirmar seu aparecimento único e singular para o mundo como um alguém que nunca existiu antes de seu nascimento e jamais existirá depois de sua morte. Ou seja, a reconstrução de um espaço entre os seres humanos, no qual cada um pode revelar aos outros sua distinção única, é imprescindível para resistir à tentativa totalitária de tornar supérfluos os seres humanos. É, portanto, desse impasse que Arendt teria extraído um critério filosófico para realizar sua nova investigação, deslocando suas análises de um plano lógico-epistemológico para um plano ético-político (Ricoeur, 2016RICOEUR, Paul. Préface. In: ARENDT, Hannah. Condition de l’Homme Moderne. Tradução: George Fradier. Paris: Pocket, 2016. P. 5-32.). Esse critério, segundo Ricoeur (2016, p. 15, grifos do autor)RICOEUR, Paul. Préface. In: ARENDT, Hannah. Condition de l’Homme Moderne. Tradução: George Fradier. Paris: Pocket, 2016. P. 5-32.:

[…] corresponde exatamente à questão deixada sem resposta dez anos antes: sob qual condição um universo não totalitário é possível? Se a hipótese totalitária é aquela da ausência de estabilidade da natureza humana, aquela da possibilidade de mudar a natureza humana, o critério mais apropriado para a nova pesquisa [em A Condição Humana] deve consistir em uma avaliação das diferentes atividades humanas do ponto de vista temporal de sua durabilidade.

Cônscio do perigo de uma interpretação que, em vez de de enfatizar a crítica da era moderna como a principal contribuição de Hannah Arendt ao pensamento contemporâneo, o filósofo francês põe o acento no que se poderia chamar de “[…] o caráter trans-histórico das análises de A Condição Humana […]” (Ricoeur, 2016RICOEUR, Paul. Préface. In: ARENDT, Hannah. Condition de l’Homme Moderne. Tradução: George Fradier. Paris: Pocket, 2016. P. 5-32., p. 15). Para Ricoeur, sua interpretação pode ser sustentada ainda a partir da própria composição da obra arendtiana. Segundo Ricoeur (2016)RICOEUR, Paul. Préface. In: ARENDT, Hannah. Condition de l’Homme Moderne. Tradução: George Fradier. Paris: Pocket, 2016. P. 5-32., o fato de que, a despeito de suas repetidas incursões no problema da modernidade nos primeiros cinco capítulos, a autora tenha dedicado um sexto e último capítulo, em A Condição Humana, vinculando explicitamente a análise da vita activa à era moderna, justificaria uma leitura que buscasse enfatizar o aspecto temporal da nova investigação arendtiana.

Do ponto de vista da composição de A Condição Humana, Ricoeur (2016, p. 16)RICOEUR, Paul. Préface. In: ARENDT, Hannah. Condition de l’Homme Moderne. Tradução: George Fradier. Paris: Pocket, 2016. P. 5-32. observa que a distinção entre vita activa e vita contemplativa é “[…] a pressuposição implícita de toda a obra, que não será abordada de frente senão em sua obra póstuma e inacabada A vida do espírito”. Assim, para o filósofo francês, a essa distinção estão subordinadas as demais distinções fundamentais de A Condição Humana, a saber, a distinção entre domínio público e domínio privado; e a distinção entre trabalho (labor), obra (work) e ação (action). Segundo Ricoeur (2016, p. 16)RICOEUR, Paul. Préface. In: ARENDT, Hannah. Condition de l’Homme Moderne. Tradução: George Fradier. Paris: Pocket, 2016. P. 5-32., essas três categorias que correspondem aos capítulos centrais de A Condição Humana não devem ser entendidas no sentido kantiano, isto é, como “[…] estruturas a-históricas do espírito”. Ou seja, essas categorias não devem ser entendidas como conceitos puros do entendimento, mas antes como estruturas históricas que, “[…] ao longo de suas múltiplas mutações, conservam um tipo de identidade flexível que autoriza a designá-las como traços perduráveis da condição humana” (Ricoeur, 2016RICOEUR, Paul. Préface. In: ARENDT, Hannah. Condition de l’Homme Moderne. Tradução: George Fradier. Paris: Pocket, 2016. P. 5-32., p. 16).

Se podemos identificar no projeto filosófico arendtiano uma antropologia filosófica, conforme a interpretação de Ricoeur (2013RICOEUR, Paul. Anthropologie Philosophique: écrits et conferences. Paris: Éditions du Seuil, 2013.; 2016)RICOEUR, Paul. Préface. In: ARENDT, Hannah. Condition de l’Homme Moderne. Tradução: George Fradier. Paris: Pocket, 2016. P. 5-32., é porque nossa pensadora política desloca, de um plano ontológico-metafísico para um plano ético-político, o problema específico e revelador desse gênero de meditação, ou seja, desloca o problema da natureza ou essência do homem, que nos remete à experiência do eterno, para o problema da desproporção íntima de nossa condição temporal de seres mortais, que nos remete à experiência do imortal. Nesse sentido, a distinção entre trabalho, obra e ação é a linha fundamental que delimita o problema antropológico traçado por Arendt em um plano ético-político e que aponta para a estrutura antinômica do humano, a qual se distende entre um polo da finitude e um polo da infinitude (Ricoeur, 2013RICOEUR, Paul. Anthropologie Philosophique: écrits et conferences. Paris: Éditions du Seuil, 2013.). Por isso, adverte Ricoeur (2013)RICOEUR, Paul. Anthropologie Philosophique: écrits et conferences. Paris: Éditions du Seuil, 2013., é preciso considerá-lo dialeticamente a partir de ambos os polos, isto é, não a partir do limitado, mas antes da antinomia do limite e da ilimitação. À luz dessas considerações, pode-se afirmar que, no projeto filosófico arendtiano, o problema da desproporção íntima de nossa condição temporal de seres mortais é colocado não a partir da mortalidade, que para Arendt (2015)ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução: Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015. é a categoria central do pensamento metafísico, mas da antinomia do mortal e da imortalidade.

A Antinomia do Mortal e da Imortalidade no Âmbito da Educação

Com base na hipótese de leitura proposta por Ricoeur (2016)RICOEUR, Paul. Préface. In: ARENDT, Hannah. Condition de l’Homme Moderne. Tradução: George Fradier. Paris: Pocket, 2016. P. 5-32., buscaremos explicitar o vínculo temporal entre a atividade da educação e a antinomia do mortal e da imortalidade. Para nós, modernos, a preocupação com a imortalidade não é algo imediato, afirma Arendt (2013)ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. Tradução: Mauro Barbosa. São Paulo: Perspectiva, 2013.. Ainda menos imediato é vincular essa preocupação à atividade da educação. O constante influxo de recém-chegados no mundo põe em jogo a permanência e a estabilidade das coisas mundanas, que são fabricadas com vistas a erigir uma morada para a vida efêmera de seres mortais. Embora essas coisas sejam feitas para durar no tempo, a sua durabilidade depende do modo como nos relacionamos com elas. Para Arendt (2013, p. 243)ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. Tradução: Mauro Barbosa. São Paulo: Perspectiva, 2013., “[…] o mundo é criado por mãos mortais e serve de lar aos mortais durante tempo limitado”. Para que nosso mundo comum possa transcender a brevidade de nossas vidas e permanecer através de gerações, é preciso assumir a responsabilidade, pessoal e coletiva, por sua imortalidade.

É notadamente dessa responsabilidade pelo mundo que, segundo Arendt (2013)ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. Tradução: Mauro Barbosa. São Paulo: Perspectiva, 2013., podemos deduzir um conceito de autoridade que seja válido somente para o âmbito da educação, ainda que jamais seja possível aplicá-lo a qualquer outro âmbito da existência humana. Nesse sentido, de acordo com Rodrigo Ribeiro Alves Neto (2019, p. 90)NETO, Rodrigo Ribeiro Alves. Arendt e a Crise da Educação como Crise do Tempo Histórico. Teias, v. 20, n. 58, p. 88-114, 2019., “[…] a autoridade está vinculada à responsabilidade por algo que queremos que perdure e se mantenha digno de recordação futura”. O vínculo temporal que constitui toda e qualquer relação educativa repousa precisamente na tensão entre a mudança que surge da chegada constante de seres novos no mundo e a permanência que o mundo humano exige para abrigar os recém-chegados.

No âmbito da educação, o que está em jogo é a potencial imortalidade das coisas materiais e simbólicas que constituem nosso mundo comum. Estamos sempre assumindo a responsabilidade de educar os mais novos em um mundo perecível e rente à destruição, em um mundo cuja continuidade depende não apenas do fato de que seres novos nascem no mundo, tal fato, para Arendt (2013)ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. Tradução: Mauro Barbosa. São Paulo: Perspectiva, 2013., é a essência da educação, mas também, e sobretudo, do modo de relação específico com as obras e os monumentos do passado que julgamos dignos de permanecer entre nós. Por isso, segundo Arendt (2013)ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. Tradução: Mauro Barbosa. São Paulo: Perspectiva, 2013., a educação exige de nós juízos diretos; requer o exercício de nossa faculdade de julgar para decidir o que é digno de cuidado e o que desejamos abrigar e proteger contra as ruínas do tempo, pois somente dessa maneira é possível transmitir aos mais novos o legado de nossos antepassados. A educação é, conforme Vanessa Sievers de Almeida (2018)ALMEIDA, Vanessa Sievers de. Mortalidade e Educação: uma leitura às avessas das reflexões de Hannah Arendt sobre a educação. Educação & Sociedade, Campinas, v. 39, n. 143, p. 267-281, abr.-jun., 2018., uma atividade que instaura potencialmente um espaço agonístico de luta contra o esquecimento do passado e de resistência contra a mortalidade do mundo. Segundo Almeida (2018, p. 276)ALMEIDA, Vanessa Sievers de. Mortalidade e Educação: uma leitura às avessas das reflexões de Hannah Arendt sobre a educação. Educação & Sociedade, Campinas, v. 39, n. 143, p. 267-281, abr.-jun., 2018.:

A atividade educativa é um lugar privilegiado para proteger o mundo contra o esquecimento, para dar nome aos acontecimentos e saberes do passado, para narrar as histórias que compõem o grande livro da história e apresentar os mortos aos vivos.

Para que os mais novos possam dar nome aos acontecimentos e saberes do passado e se inscrever em uma linguagem humana e comum, é preciso, antes de tudo, se familiarizar com o mundo de coisas estranhas com o qual nos deparamos desde o primeiro instante de nosso nascimento. Esse é, pois, o início do processo educativo. À medida que esse mundo de coisas estranhas vai se tornando familiar, os recém-chegados vão pouco a pouco adquirindo certa intimidade com aquilo que herdamos de nossos antepassados sem nenhum testamento (Arendt, 2013ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. Tradução: Mauro Barbosa. São Paulo: Perspectiva, 2013.). Esse processo de se familiarizar com o mundo pode ser entendido como um processo no qual os mais novos se apropriam à distância das coisas que possuímos em comum. Em outras palavras, para os recém-chegados, a atividade da educação consiste em tornar próprio o que antes era visto como algo estranho e desinteressante.

É no corpo a corpo com as coisas mundanas, no contato direto com o mundo mediado pelas obras e pelos monumentos do passado, que um ser novo e em formação vai inscrevendo sua história de vida individual no grande livro de história da humanidade (Arendt, 2013ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. Tradução: Mauro Barbosa. São Paulo: Perspectiva, 2013.; 2015ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução: Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015. ). Dessa maneira, se somos inseridos pelo nascimento como seres estranhos e, de um ponto de vista mundano, somos vistos como estrangeiros, a educação propicia aos mais novos um tempo oportuno para que possam construir suas identidades pessoais no enlace com o mundo, de modo a entrelaçar histórias de vida individuais com os enredos e as personagens que compõem o grande livro de história. É nesse sentido que, ao apresentar o mundo e narrar aos mais novos as histórias que desejamos abrigar e proteger contra o esquecimento, a educação se torna um espaço de resistência contra a mortalidade do mundo (Almeida, 2018ALMEIDA, Vanessa Sievers de. Mortalidade e Educação: uma leitura às avessas das reflexões de Hannah Arendt sobre a educação. Educação & Sociedade, Campinas, v. 39, n. 143, p. 267-281, abr.-jun., 2018.), pois, ao inseri-los em uma trama narrativa na qual possam dar continuidade ao enredo desse grande livro de histórias, a educação pode fazer frente à tentação totalitária de produzir tempestades de areia para encobrir o passado e, assim, desertificar o mundo. “É por meio de narrativas que os rastros deixados por seres mortais em um mundo sempre rente à destruição podem se imortalizar” (Batista, 2021bBATISTA, Eduardo Pereira. O que estamos fazendo da Infância? Considerações sobre o nascimento e a natalidade a partir de Hannah Arendt. Zero-a-Seis, Florianópolis, v. 23, n. especial, p. 1116-1131, ago.-ago., 2021b., p. 1221).

A atividade da educação envolve o exercício da capacidade humana de se admirar com as coisas mundanas, com as obras de diferentes tradições culturais, e de fazer perguntas no sentido de se familiarizar com elas. Em uma passagem de seu Diário Filosófico, escrito em 1969, Arendt (2005, p. 757)ARENDT, Hannah. Diário Filosófico. Tradução: Raúl Gabás. Barcelona: Herder, 2005. descreve o gesto inaugural do processo educativo e aponta para o movimento de sua realização:

Quando nascemos no mundo, primeiro nos vemos confrontados exclusivamente com o que aparece, com o perceptível sensivelmente. Visto que nascemos nele como estranhos, como estrangeiros se somos vistos a partir do mundo, nos sentimos de repente tomados pela admiração e nossas perguntas se colocam no sentido de nos familiarizarmos com o mundo.

Na medida em que tudo o que existe no ato de nossa chegada ao mundo é sempre mais velho do que nós, o processo educativo é atravessado do começo ao fim pelo diálogo, amistoso ou não, com aqueles que nos precederam. Cabe, então, aos mais novos não apenas tocar a superfície das coisas no sentido de se familiarizar com elas, mas também vasculhar os vastos domínios do passado e escolher, entre vivos e mortos, na companhia de quem o mundo vai se tornando paulatinamente menos estranho ou mais familiar. Ainda que a educação seja uma atividade que exija um modo de relação específico com esse mundo de coisas, que é sempre mais velho do que nós e, ao mesmo tempo, um diálogo incessante com nossos antepassados, educar não é uma atividade voltada exclusivamente para o passado. A educação é o âmbito da existência humana no qual o passado e o futuro se articulam. Nesse sentido, de acordo com Rodrigo Ribeiro Alves Neto (2019)NETO, Rodrigo Ribeiro Alves. Arendt e a Crise da Educação como Crise do Tempo Histórico. Teias, v. 20, n. 58, p. 88-114, 2019., na medida em que instaura e conserva a existência de um mundo comum entre os mais velhos e os mais novos, a educação permite que nos tornemos contemporâneos tanto daqueles que vieram antes de nós, quanto daqueles cuja tarefa é a de renovar nosso mundo comum.

A educação é o âmbito de ligação dos novos com os mais velhos. Educar-se é elaborar quem somos e o que vem a ser na tradição cultural a qual pertencemos, pois o passado, em seu percurso histórico, não apenas nos entrega o que fomos, mas, sobretudo, nos responsabiliza pelo que nos tornamos

(Neto, 2019NETO, Rodrigo Ribeiro Alves. Arendt e a Crise da Educação como Crise do Tempo Histórico. Teias, v. 20, n. 58, p. 88-114, 2019., p. 91).

Nesse sentido, podemos dizer que a educação é a atividade através da qual os mais novos, ao se situarem entre o passado e o futuro, respondem à pergunta que é feita a todo recém-chegado: quem és? Ou ainda, o lugar de onde é possível escutar e meditar sobre as vozes humanas que ressoam do passado, dizendo a cada recém-chegado: torna-te quem tu és! Seja como for, o processo educativo coloca uma questão para o sujeito da educação, uma questão que o interroga sobre o modo de se relacionar com nosso mundo comum, sobre como se mover nesse espaço-entre onde vivos e mortos coabitam. “A questão não é saber ou aprender quem sou eu, quem você é ou quem somos nós, a questão é cuidar de si como sendo um cuidado sobre o que inter-essa” (Masschelein; Simons, 2014MASSCHELEIN, Jan; SIMONS, Maarten. A Pedagogia, a Democracia, a Escola. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014., p. 166). O que está em jogo na atividade da educação é, portanto, se amamos o mundo suficientemente para proteger e abrigar as coisas mundanas que julgamos dignas de continuar a existir entre nós (inter-esse). Assim, a educação interroga os mais novos acerca do que nosso mundo comum tem a lhes dizer. E diante dessa interrogação, os mais novos, na condição de sujeitos da educação, têm a oportunidade de responder ao mundo de que maneira essas vozes que vêm do passado podem ou não se tornar vivas no presente e ressoar futuramente para os que virão depois de nós.

Para Arendt (2015, p. 68)ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução: Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015. , “[…] o mundo comum é aquilo que adentramos ao nascimento e que deixamos para trás quando morremos”. Contudo, esse mundo comum não é algo pronto e acabado à espera dos mais novos (Neto, 2019NETO, Rodrigo Ribeiro Alves. Arendt e a Crise da Educação como Crise do Tempo Histórico. Teias, v. 20, n. 58, p. 88-114, 2019.), nem algo que nos é dado imediatamente por aqueles que nos receberam no ato de nosso nascimento. Familiarizar-se com nosso mundo comum é, pois, a condição básica e fundamental para que seja possível renová-lo. Por isso, é preciso acolher o passado e comunizar com os mais novos um mundo de coisas materiais e simbólicas que nos foram transmitidas por nossos antepassados. Somente dessa maneira, como uma aposta sem garantias, podemos esperar que nosso mundo comum possa resistir às vicissitudes de cada nova geração. Por isso, ainda que sejamos inseridos em um mundo comum pelo nascimento, a tarefa da educação é precisamente a de comunizar o mundo para que seja possível instaurar o comum. Conforme Masschelein e Simons (2014, p. 165)MASSCHELEIN, Jan; SIMONS, Maarten. A Pedagogia, a Democracia, a Escola. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014., “[…] comunização é, antes de tudo, e talvez, apenas, um termo educativo, e não político. Como a educação apresenta o mundo, mais uma vez, inacabado, transforma o mundo em uma coisa comum […]”. Com esse gesto de comunizar o legado de nossos antepassados e torná-lo potencialmente algo que pode permanecer ilimitadamente em um mundo que serve de morada para seres mortais durante um tempo limitado, a educação exprime de um modo específico sua preocupação com a imortalidade.

Se para nós, modernos, a preocupação com a imortalidade não é algo imediato, para os antigos, ao contrário, na medida em que a mortalidade era o emblema da existência humana, a preocupação com a imortalidade se traduzia na preocupação com a grandeza de seus ditos e feitos no sentido de inscrevê-los nessa espécie de memória organizada que era a pólis (Arendt, 2015ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução: Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015. ). Na autocompreensão dos gregos, segundo Arendt (2015)ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução: Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015. , a preocupação com a imortalidade resultou da experiência de viver em um cosmo onde tudo era imortal, exceto eles próprios! Para os antigos, segundo Arendt (2013)ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. Tradução: Mauro Barbosa. São Paulo: Perspectiva, 2013., a imortalidade era o que a natureza e os deuses possuíam sem esforço e sem o auxílio de ninguém, ao passo que, para os mortais, era preciso ser sempre os melhores para tentar alcançar a imortalidade e sobreviver ao mundo no qual nasceram e foram admitidos por um curto intervalo de tempo.

A mortalidade dos homens reside no fato de que a vida individual, com uma história identificável desde o nascimento até a morte, advém da vida biológica. Essa vida individual difere de todas as outras coisas pelo curso retilíneo do seu movimento, que por assim dizer trespassa o movimento circular da vida biológica. É isto a mortalidade: mover-se ao longo de uma linha reta em um universo em que tudo o que se move o faz em um sentido cíclico

(Arendt, 2015ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução: Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015. , p. 24).

A antinomia do mortal e da imortalidade no âmbito da educação poderia então ser colocada nos seguintes termos: se nossa vida individual é caracterizada pelo curso retilíneo de seu movimento que fura de um lado para o outro a circularidade da vida biológica, e assim permite que venha à luz algo absolutamente novo no mundo, a tarefa da educação consiste em curvar para trás esse movimento retilíneo para que os mais novos possam se inscrever nos vastos domínios do passado e circunscrever os objetos, materiais e simbólicos, de diferentes tradições culturais que julgarem dignos de cuidado. Sem essa atitude cuidadosa para com esses objetos que podem desaparecer de nosso mundo humano e comum, que é igualmente caracterizado pela mortalidade de seus habitantes, tudo que existe para durar no tempo evanesceria tão rapidamente que não chegaria a durar sequer o tempo suficiente para ser transmitido aos nossos sucessores imediatos. Se as coisas mundanas que desejamos transmitir aos mais novos correm sempre o risco de desaparecer, porque são feitas por seres mortais e passam a existir sob o signo da mortalidade, a educação é o ponto no qual decidimos assumir ou não nossa responsabilidade pelo mundo. Nesse sentido, de acordo com Almeida (2018, p. 275-276)ALMEIDA, Vanessa Sievers de. Mortalidade e Educação: uma leitura às avessas das reflexões de Hannah Arendt sobre a educação. Educação & Sociedade, Campinas, v. 39, n. 143, p. 267-281, abr.-jun., 2018.:

Na educação decidimos se deixamos o mundo morrer ou se cuidamos de sua potencial imortalidade. Fazer com que as experiências do passado não morram e que os nossos antepassados não tenham vivido em vão é o que almejamos quando introduzimos os novos em um mundo dos vivos e dos mortos.

No projeto filosófico arendtiano, o amor mundi se diz de muitas maneiras. Na educação, poderíamos dizer que o cuidado com o mundo se traduz no cuidado com sua imortalidade potencial. Cuidar do mundo consiste em criar laços de pertencimento com os objetos materiais e simbólicos de diferentes tradições culturais que possuímos em comum com homens e mulheres que nos precederam. Nesse sentido, para José Sérgio de Carvalho (2019)CARVALHO, José Sérgio Fonseca de. Experiências Temporais da Vita Activa e os Desafios da Transmissão Intergeracional. Princípios: Revista de Filosofia, Natal, v. 25, n. 48, p. 259-280, set.-dez., 2019., a atividade da educação constitui um modo de amor mundi, isto é, constitui uma forma de cuidado com o mundo. Educar os mais novos é, segundo Carvalho (2019, p. 267)CARVALHO, José Sérgio Fonseca de. Experiências Temporais da Vita Activa e os Desafios da Transmissão Intergeracional. Princípios: Revista de Filosofia, Natal, v. 25, n. 48, p. 259-280, set.-dez., 2019. a expressão de “[…] uma maneira pela qual os homens se esforçam por imprimir durabilidade às obras, linguagens, formas de compreensão, princípios políticos e acontecimentos memoráveis aos quais atribuem valor e significado”.

Para os mais novos, se familiarizar com o mundo significa fazer sociedade com as obras e os monumentos do passado que constituem nosso mundo comum. A tarefa da educação é criar condições para que os mais novos possam tecer laços e estabelecer alianças com aqueles que vieram antes mesmo de nossa chegada no mundo. E para que façam sociedade com as obras, ditos e feitos memoráveis do passado, é preciso dar tempo para a fruição do mundo, demorar-se com paciência e atenção juntamente aos objetos da cultura; é preciso sair em visita e frequentar homens e mulheres ilustres que, mesmo em tempos sombrios, podem iluminar nosso tempo presente (Arendt, 2008ARENDT, Hannah. Homens em Tempos Sombrios. Tradução: Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.). É nesse sentido que, nas palavras de Alain (1978), no ato de ler os poemas de Homero, por exemplo, nós e os mais novos podemos fazer sociedade não apenas com o poeta, mas também com as personagens e todas aquelas pessoas que conhecem sua obra ou apenas ouviram seu nome.

Quando leio Homero, faço sociedade com o poeta, sociedade com Ulisses e com Aquiles, sociedade também com a multidão daqueles que leram estes poemas, e ainda com a multidão daqueles que apenas ouviram o nome do poeta. Em todos eles, e em mim, faço soar o humano, ouço os passos do homem

(Alain, 1978ALAIN CHARTIER, Émile. Reflexões Sobre Educação. Tradução: Maria Elisa Mascarenhas. São Paulo: Saraiva, 1978., p. 172).

Fazer sociedade com poetas, cientistas, artistas, filósofos, militantes etc. é um modo de cuidar de nosso mundo comum, um modo de tornar possível a experiência do imortal e de, no diálogo com os vivos e os mortos, ser contemporâneos daqueles que nos legaram o mundo tal como ele é e como ele poderia ser. Nesse ponto, reencontramos a interpretação de Ricoeur (2016)RICOEUR, Paul. Préface. In: ARENDT, Hannah. Condition de l’Homme Moderne. Tradução: George Fradier. Paris: Pocket, 2016. P. 5-32. a partir do próprio âmbito da educação. Se, para Ricoeur (2016, p. 27)RICOEUR, Paul. Préface. In: ARENDT, Hannah. Condition de l’Homme Moderne. Tradução: George Fradier. Paris: Pocket, 2016. P. 5-32., “[…] a política [no projeto filosófico arendtiano] marca o esforço supremo do ser humano para se ‘imortalizar’ a si mesmo […]”, a educação marca o esforço supremo de imortalizar o mundo para que os recém-chegados possam se inserir nele por iniciativa própria e revelar quem são mediante atos e palavras. Para os mais velhos, para aqueles que assumem a responsabilidade pelo mundo e cumprem a tarefa de apresentá-lo aos recém-chegados, a educação marca também o esforço supremo de abrigar e proteger um mundo de coisas que, não fosse a chegada dos mais novos, estaria condenado a desaparecer com a nossa morte. Como uma resposta específica a uma pergunta específica colocada por nossa condição temporal de seres mortais, a educação é a atividade que expressa duplamente nosso amor mundi, isto é, nosso amor pelo mundo de coisas interposto entre nós e, ao mesmo tempo, nosso amor pelos mais novos cuja tarefa consiste em renovar nosso mundo comum.

A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável não fosse a renovação e a vinda dos novos e dos jovens. A educação é, também, onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, e tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-as em vez disso com antecedência para a tarefa de renovar o mundo comum

(Arendt, 2013ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. Tradução: Mauro Barbosa. São Paulo: Perspectiva, 2013., p. 247).

Portanto, na medida em que os mais novos buscam se familiarizar com o mundo, saindo em visita e fazendo sociedade com as obras e os monumentos do passado, é preciso que os mais velhos declarem e manifestem, nas relações educativas, seu amor para com a novidade que vem ao mundo a cada nascimento, e não apenas para com os objetos da cultura que a cada geração correm o risco de desaparecer do mundo. Na qualidade de educadores, temos a dupla responsabilidade de proteger e abrigar tanto as obras do passado que julgamos dignas de permanecer entre nós, quanto a novidade que vem ao mundo com a chegada de cada ser novo.

A antinomia do mortal e da imortalidade no âmbito da educação nos interroga sobre a possibilidade de preservar um mundo feito por seres mortais contra a mortalidade de seus habitantes; sobre a possibilidade de abrigar o constante influxo de seres mortais e, com esse gesto, conservar a potencial imortalidade do mundo. Uma antropologia filosófica para educação nos abre a possibilidade de (re)pensar, em um horizonte ético e político, nossa relação com o mundo e com os mais novos; a possibilidade de ser contemporâneos de vivos e mortos e decidirmos, na companhia de quem desejamos lutar contra a mortalidade das coisas mundanas que podem conferir alguma confiança e estabilidade à morada de seres mortais na Terra.

Notas

  • 1
    Este artigo é uma releitura da interpretação de Paul Ricoeur (2016)RICOEUR, Paul. Préface. In: ARENDT, Hannah. Condition de l’Homme Moderne. Tradução: George Fradier. Paris: Pocket, 2016. P. 5-32. acerca do projeto filosófico arendtiano, que desenvolvo no primeiro capítulo de minha tese de doutorado (Batista, 2021aBATISTA, Eduardo Pereira. Entre a fragilidade da educação e a potência da escola: ensaios sobre a constituição de um alguém. 2021. 125 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021a.).
  • 2
    Para Arendt (2012)ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. Tradução: Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012., um mundo fictício, um mundo que é organizado com base em um único ponto de vista, só pode surgir quando o mundo comum foi completamente destruído. “O mundo comum acaba quando é visto somente sob um aspecto e só se lhe permite apresentar-se em uma única perspectiva” (Arendt, 2015ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução: Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015. , p. 71). Os regimes totalitários são mundos fictícios na medida em que eles foram estruturados ideologicamente para verificar suas premissas, que jamais poderiam resistir à condição humana da pluralidade. A destruição do espaço no qual os seres humanos podem se reunir e compartilhar o mundo foi uma das condições de possibilidade para a existência de um mundo fictício. Mais precisamente, conforme a análise arendtiana do fenômeno totalitário, o que garante a existência de um mundo fictício não é simplesmente o fato de que ele é estruturado por uma ideologia na qual tudo é possível, mas que a lógica dessa ideia pode ser verificada em laboratórios cientificamente controlados, os campos de concentração e extermínio, onde se podia confirmar a validade de suas premissas fundamentais. E, para isso, segundo Arendt (2012)ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. Tradução: Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012., os regimes totalitários lançavam mão não apenas do uso da força e da violência, como ocorre em qualquer tirania ou ditadura, mas do terror. Para Arendt (2012)ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. Tradução: Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012., o terror é a essência do totalitarismo. “Em lugar das fronteiras e dos canais de comunicação entre os homens individuais, [o terror] constrói um cinturão de ferro que os cinge de tal forma que é como se a pluralidade se dissolvesse em Um-Só-Homem de dimensões gigantescas” (Arendt, 2012ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. Tradução: Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012., p. 619).

Referências

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Editado por

Editora responsável: Fabiana de Amorim Marcello

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    23 Nov 2021
  • Aceito
    18 Ago 2022
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