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Infância e Escolarização: a inserção das crianças no ensino fundamental

Resumo:

A partir de uma pesquisa de abordagem etnográfica em educação, baseada em observação participante, videogravações e entrevistas, acompanhamos o início do processo de inserção de uma turma de crianças de seis anos no Ensino Fundamental. Em nosso estudo, procuramos caracterizar aspectos do início desse processo considerando a cultura escolar como algo em constante movimento, povoada por embates e contradições, e em íntima relação com a construção da cultura de pares. Destacamos alguns aspectos essenciais que caracterizaram a inserção dessas crianças no Ensino Fundamental: a rotina diariamente escrita no quadro, a preocupação com o bem-estar físico das crianças, o cuidado com os artefatos escolares, o tom de voz baixo da professora, a roda de conversa e a prática de uma criança ajudar a outra.

Palavras-chave:
Escolarização; Inserção; Ensino Fundamental; Etnografia em Educação

Abstract:

Grounded on an ethnographic research approach in education, based on participant observation, video recordings, and interviews, we followed a group of six-year-old children in their process of integration into Elementary School. In our study, we sought to characterize aspects of the beginning of this process considering the school culture as something in constant motion, populated by clashes and contradictions, and in close relation with the construction of peer culture. We highlight some essential aspects that characterized the entrance of these children in Elementary School: the routine daily written in the blackboard, the concern with the children's physical well-being, the care with school artifacts, the teacher's low voice tone, the conversation circle, and the practice of children helping one another.

Keywords:
Schooling; Entrance; Elementary School; Educational Ethnography

Introdução

O presente artigo tem como objetivo principal contribuir para o debate acerca da escolarização da infância no ensino fundamental. A infância tem sido acolhida, ao longo do tempo e em diferentes instituições, em um processo contínuo de construção de representações acerca da sua escolarização e das suas identidades. Gouvêa (2004GOUVÊA, Maria Cristina Soares. Tempos de Aprender: a produção histórica da idade escolar. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas, v. 4, n. 8, p. 265-288, jul./dez. 2004., p. 265-268) esclarece:

A emergência de um tempo escolar, nas sociedades ocidentais, com o advento da Modernidade, relaciona-se com a definição de um marco cronológico no decorrer da vida do indivíduo, ao longo do qual este deveria inserir-se na escola, a chamada idade escolar. Esse marco não constitui um recorte absoluto, mas é fruto de uma construção histórica, ao longo da qual se modificaram os parâmetros de sua definição. Para analisar essa relação, cabe compreender a produção da representação da infância como período de formação para a vida adulta, no interior da instituição escolar, de acordo com princípios pedagógicos característicos de tal instituição. Princípios esses centrados no pressuposto da educabilidade desse período de vida. [...] A identidade do aluno produziu-se superposta à identidade geracional.

Temos, então, a construção de representações em que o sujeito criança assume a posição social de aluno, em um tempo e em uma instituição específicos. A definição jurídica da idade de entrada e permanência das crianças na escola é um processo de construção histórica, que incide sobre sujeitos sociais concretos: as crianças se situam em uma idade da vida, em um tempo de aprender (Gouvêa, 2004GOUVÊA, Maria Cristina Soares. Tempos de Aprender: a produção histórica da idade escolar. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas, v. 4, n. 8, p. 265-288, jul./dez. 2004.; Soares, 2006SOARES, Magda. A Escolarização da Leitura Infantil e Juvenil. In: EVANGELISTA, Aracy Alves Martins; BRANDÃO, Heliana Maria Brina; MACHADO, Maria Zélia Versiani (Org.). A Escolarização da Leitura Literária: o jogo do livro infantil e juvenil. Belo Horizonte: Autêntica , 2006. P. 17-48.), a ser realizado nos espaços escolares.

No caso brasileiro, essa construção acontece apoiada, entre outros aspectos, na legislação educacional e nas políticas públicas. Já a partir do século XIX, no Brasil, começa a ser construída a obrigatoriedade da frequência à escola. Completando dez anos, a promulgação das Leis Federais nº 11.114/2005 (Brasil, 2005BRASIL. Lei nº 11.114/05, de 16 de maio de 2005. Altera os artigos 6o, 30, 32 e 87 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, com o objetivo de tornar obrigatório o início do ensino fundamental aos seis anos de idade. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 maio 2005. ) e nº 11.274/2006 (Brasil, 2006) instituiu uma nova organização do Ensino Fundamental, a ser iniciado aos seis anos de idade e com duração de nove anos1 1 No nível internacional, o Relatório da UNESCO (2007) aponta que vários países já incluíram as crianças de seis anos no ensino fundamental há muito tempo. Apenas como exemplo, podemos citar que a obrigatoriedade escolar em vários países é de treze anos (Alemanha, Holanda, Bélgica, entre outros), doze anos (Barbados, EUA, Inglaterra, entre outros), onze anos (Arménia, Guatemala, Peru, entre outros), dez anos (Dinamarca, Porto Rico, Togo, entre outros), nove anos (Áustria, Argentina, Chile, China, entre outros) ou menos. Angola situa-se como o país que exige o menor número de anos, quatro, de escolaridade obrigatória. . Com vistas a orientar a implantação dessa nova forma de organização, o governo federal emitiu diversos documentos (Brasil, 2004BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Ensino Fundamental de nove anos: orientações gerais. Brasília, DF, 2004.; 2006BRASIL. Lei nº 11.274/06, de 06 de fevereiro de 2006. Altera a redação dos artigos 29, 30, 32 e 87 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, dispondo sobre a duração de 9 (nove) anos para o ensino fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos 6 (seis) anos de idade. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 07 fev. 2006. ; 2009BRASIL. Ministério da Educação. Resolução CEB/CNE nº 05/09, de 18 de dezembro de 2009. Fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 2009.), os quais ressaltam que a escola:

[...] necessita reorganizar a sua estrutura, as formas de gestão, os ambientes, os espaços, os tempos, os materiais, os conteúdos, as metodologias, os objetivos, o planejamento e a avaliação, de sorte que as crianças se sintam inseridas e acolhidas num ambiente prazeroso e propício à aprendizagem (Brasil, 2004, p. 21).

Nesse sentido, cabe perguntar como o processo de inserção e acolhimento das crianças de seis anos tem acontecido em nossas escolas. Em nosso estudo, procuramos caracterizar o início desse processo considerando a cultura escolar como algo em constante movimento e transformação, povoada por embates e contradições. Assim, interessa-nos conhecer como as crianças participam desse movimento de negociação que ocorre na escola e, simultaneamente, apropriam-se de novas práticas sociais bastante distintas daquelas que vivenciavam em seu cotidiano. Com esse objetivo em vista, investigamos o processo de entrada de um grupo de crianças no ensino fundamental. Neste artigo, mais especificamente, analisamos as interações entre os participantes no primeiro dia de aula.

Organizamos esse texto em cinco seções. Na primeira delas, exploramos os pressupostos teórico-metodológicos que embasam nossas análises. A seguir, apresentamos e discutimos nosso estudo empírico. Finalmente, tecemos algumas conclusões.

O Processo de Escolarização da Infância: apropriação da cultura escolar e construção de identidades

O processo de escolarização da infância, seja na Educação Infantil ou no Ensino Fundamental, coloca os sujeitos sociais frente a práticas específicas pertinentes a essas instituições, com tempos e espaços diferenciados, posicionando-os em lugares socialmente demarcados.

Faria Filho e colaboradores nos ajudam a articular dois conceitos, escolarização e cultura escolar, em um campo fecundo de investigação para a pesquisa educacional brasileira. Para esses autores, "[...] a noção de escolarização remete a dois sentidos que se relacionam: o estabelecimento de processos e políticas de 'organização' de uma rede de ensino e a paulatina produção de referências sociais em que a escola se torna eixo articulador de sentidos e significados" (Faria Filho et al., 2004FARIA FILHO, Luciano Mendes; GONÇALVES, Irlen; VIDAL, Diana Gonçalves; PAULILO, André. A Cultura Escolar como Categoria de Análise e Campo de Investigação na História da Educação Brasileira. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 30, n. 1, p. 139-159, jan./abr. 2004. , p. 152-153). As culturas escolares são estudadas, no campo da história da educação, em um âmbito que propõe pensar "[...] saberes, conhecimentos e currículos; espaços, tempos e instituições escolares; e materialidade escolar e métodos de ensino" (Faria Filho et al., p. 150). Dominique Julia (2001JULIA, Dominique. A Cultura Escolar como Objeto Histórico. Revista Brasileira de História da Educação , Campinas, v. 1, n. 1, p. 9-44, jan./jun. 2001., p. 11), frequentemente citado, define a cultura escolar como:

[...] um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas [...]. Mas, para além dos limites da escola, pode-se buscar identificar, em um sentido mais amplo, modos de pensar e de agir largamente difundidos no interior de nossas sociedades, modos que não concebem a aquisição de conhecimentos e habilidades senão por intermédio de processos formais de escolarização. [...] Enfim, por cultura escolar é conveniente compreender também, quando isso é possível, as culturas infantis (no sentido antropológico do termo), que se desenvolvem nos pátios de recreio e o afastamento que apresentam em relação às culturas familiares.

Julia se volta para as práticas cotidianas e suas várias possibilidades, tanto na perspectiva da escola quanto na dos sujeitos. Portanto, ao mesmo tempo em que as práticas culturais são produzidas pelos sujeitos, elas os produzem, articulando lugares não próprios em um jogo de resistências, táticas e estratégias (Certeau, 1998CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1998.). Os sujeitos ativamente negociam formas de pertencimento na cultura, (re)construindo suas identidades sociais nesse processo. Por outro lado, a cultura que caracteriza as instituições escolares se projeta para fora delas, dialogando com outras instituições sociais como a família (Thin, 2006THIN, Daniel. Para uma Análise das Relações entre Famílias Populares e Escola: confrontação entre lógicas socializadoras. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 11, n. 32, p. 211-225, maio/ago. 2006.; Vincent; Lahire; Thin, 2001VINCENT, Guy; LAHIRE, Bernard; THIN, Daniel. Sobre a História e a Teoria da Forma Escolar. Educação em Revista , Belo Horizonte, n. 33, p. 7-47, jun. 2001.).

Assim, a cultura escolar é entendida a partir das interações que se estabelecem no interior da escola: entre os alunos, entre os professores e entre os alunos e os professores. Partimos da ideia de que as formas de participação e o processo de tornar-se membro de um determinado grupo, bem como as culturas de pares destes grupos, relacionam-se com a cultura escolar e com o sistema educacional, que igualmente se faz presente de forma contundente no interior das escolas, contribuindo para que algumas interações ocorram ou não. Essas interações têm sido alvo de estudos do campo da nova Sociologia da Infância.

Tal campo constituiu-se ao longo das duas últimas décadas do século passado, em contraposição à percepção da criança como objeto passivo do processo de socialização e em direção à análise da infância como categoria sociológica do tipo geracional (Montandon, 2001MONTANDON, Cléopâtre. Sociologia da Infância: balanço dos trabalhos em língua inglesa. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 112, p. 13-60, mar. 2001.; Sirota, 2001SIROTA, Regine. Emergência de Uma Sociologia da Infância: evolução do objeto e do olhar. Cadernos de Pesquisa , São Paulo, n. 112, p. 7-31, mar. 2001.; Corsaro, 2005CORSARO, William. The Sociology of Childhood. London: Sage Publications, 2005.; Sarmento, 2008SARMENTO, Manuel. Sociologia da Infância: correntes e confluências. In: SARMENTO, Manuel; GOUVÊA, Maria Cristina Soares (Org.). Estudos da Infância: educação e práticas sociais. Petrópolis: Vozes , 2008. P. 17-39.). Embora em variadas vertentes, a nova Sociologia da Infância possui como ponto central a consideração de que as crianças participam coletivamente, de maneira ativa, na sociedade da qual fazem parte (Corsaro, 2005; Sarmento, 2008). Busca-se a compreensão das crianças, como agentes sociais ativos e criativos que produzem e reproduzem cultura, e da infância, como categoria estrutural, entendida como o período social e historicamente construído no qual as crianças vivenciam suas vidas, sendo expostas às mesmas pressões sociais que a fase de vida adulta (Corsaro, 2005). Nesse sentido, os dois temas centrais da nova Sociologia da Infância (a infância, como categoria estrutural, e as crianças, como atores sociais) são analisados em relação ao contexto amplo da sociedade (Qvortrup; Corsaro; Honig, 2009QVORTRUP, Jens; CORSARO, William; HONIG, Michael Sebastian (Org.). The Palgrave Handbook of Childhood Studies. London: Palgrave Macmillam, 2009.).

William Corsaro, um dos principais autores do campo da Sociologia da Infância, elabora dois conceitos intimamente relacionados em busca de uma compreensão sobre os processos de socialização da criança. O primeiro conceito, cultura de pares, aproxima-se, no nosso entender, do conceito de cultura infantil proposto pelo sociólogo brasileiro Florestan Fernandes (1947FERNANDES, Florestan. As "Trocinhas" do Bom Retiro. Revista do Arquivo Municipal, São Paulo, v. 113, p. 7-124, 1947.). De acordo com Corsaro, as crianças coletivamente negociam, dividem e criam cultura com os adultos e umas com as outras no intuito de compreender e se inserir no contexto social do qual fazem parte, ao mesmo tempo em que atendem às curiosidades e demandas do próprio grupo de pares. A cultura de pares é compreendida como as atividades, rotinas, artefatos, valores e interesses construídos e compartilhados pelo grupo geracional nas interações sociais.

O segundo conceito cunhado por Corsaro, reprodução interpretativa, refere-se ao movimento dos sujeitos infantis em relação à cultura, em um processo coletivo que ocorre no espaço público ou social e que não se restringe à adaptação e internalização, mas que envolve a apropriação, a reinvenção e a reprodução (Corsaro, 1988CORSARO, William. Routines in the peer culture of American and Italian nursery school children. Sociology of Education, v. 61, n. 1, p. 1-14, jan. 1988.). A entrada em instituições escolares marca uma importante mudança no desenvolvimento social das crianças, uma vez que elas começam a perceber as próprias habilidades de produzir um mundo compartilhado, a cultura de pares, sem dependência direta dos adultos (Corsaro, 1992CORSARO, William. Interpretive reproduction in children's peer cultures. Social Psychology Quarterly, Thousand Oaks, v. 55, n. 2, p. 160-177, jun. 1992.).

Dessa maneira, as crianças, em suas interações com outras crianças e em particular com os adultos, buscam interpretar a cultura da qual fazem parte. As crianças não apenas adquirem os significados do mundo, internalizando valores e normas culturais, como também contribuem para sua produção e mudança. Integrar-se à cultura, portanto, significa (re)produzi-la e (re)criá-la de maneira individual e coletiva.

Ressaltamos que considerar as especificidades das culturas de pares implica a análise do contexto social no qual tais culturas se inserem. Corsaro enfatiza que as crianças participam e fazem parte de duas culturas simultaneamente: a cultura adulta e a de pares, estando essas duas culturas entrelaçadas. As culturas de pares são construídas ao longo das interações entre as crianças, considerando-se o papel dos adultos como mediadores da cultura mais ampla.

O processo de escolarização envolve ainda a construção de subjetividades, em que a criança assume o papel social de aluno. Packer e Goicoechea (2000PACKER, Martin; GOICOECHEA, Jessie. Sociocultural and Constructivist Theories of Learning: ontology, just not epistemology. Educational Psychologist, v. 35, n. 4, p. 227- 241, 2000., p. 234) argumentam que "[...] seres humanos são formados e transformados em relacionamentos com os outros, no desejo por reconhecimento, nas práticas de uma comunidade em particular, e no modo como são divididas e iniciam a luta pela própria identidade" (tradução nossa). O ser humano é posicionado pela comunidade da qual participa e, igualmente, se posiciona em relação às formas de pertencimento colocadas. Assim sendo, a construção de subjetividades envolve o pertencimento a uma comunidade que, no caso escolar, envolve processos de aprendizagem diversificados, tais como a apropriação da cultura escolar, a inserção na cultura de pares e a apropriação da leitura e da escrita.

Concordamos com os autores acima citados, entendendo que não apenas entrar na escola, mas pertencer a um determinado grupo como um membro, implica um processo de diferenciações e aproximações em relação às experiências anteriores em outros contextos sociais como, por exemplo, a família (Romanelli; Nogueira; Zago, 2013ROMANELLI, Geraldo; NOGUEIRA, Maria Alice; ZAGO, Nadir (Org.). Família & Escola: novas perspectivas de análise. Petrópolis: Vozes , 2013.). A experiência da infância no contexto escolar transforma-se e a criança forja sua identidade como aluno e busca ser reconhecida nesse processo. Portanto, estar na escola vai além de um processo simplesmente cognitivo.

As elaborações teóricas da nova Sociologia da Infância, bem como as contribuições de Packer e Goigochea (2000PACKER, Martin; GOICOECHEA, Jessie. Sociocultural and Constructivist Theories of Learning: ontology, just not epistemology. Educational Psychologist, v. 35, n. 4, p. 227- 241, 2000.), foram fundamentais nesse estudo, permitindo evidenciar as ações das crianças no processo de criação de sentidos e significados, em um movimento de inserção no contexto social e de atendimento às próprias demandas e curiosidades, muitas vezes transformando e ampliando as informações e atividades propostas pela professora. A investigação seguiu o percurso das crianças em seu movimento de reprodução interpretativa das práticas educativas da escola pesquisada em direção à construção de suas identidades como alunos. Neste texto, temos como focos principais, a partir da análise do primeiro dia de aula: I) a previsibilidade e a constância de rotinas culturais que possibilitam a construção de um quadro estável de referência para as crianças e para a professora; e II) a contradição/incoerência das práticas educativas entre os diferentes sujeitos presentes na escola que refletem o movimento, a instabilidade, a negociação e os embates dos quais as crianças passam a participar, ao mesmo tempo em que tentam dar sentido ao que acontece na escola, o que devem fazer e etc. Enfatizamos, ao longo das nossas análises, os eventos do primeiro dia de aula, mas tecemos diálogos com outros momentos, bem como apresentamos material das entrevistas realizadas com as crianças. Na seção a seguir, apresentaremos o percurso metodológico realizado.

Aporte Teórico-Metodológico

Desenvolvemos este projeto a partir de uma abordagem etnográfica em educação (Bloome, 2012BLOOME, David. Classroom Ethnography. In: GRENFELL, Michael; BLOOME, David; HARDY, Cheryl; PAHL, Kate; ROWSELL, Jennifer; STREET, Brian (Org.). Language, Ethnography and Education: bridging new literacy studies and Bourdieu. Nova York: Routledge, 2012. P. 7-26.; Bloome et al., 2005BLOOME, David; CARTER, Stephanie Power; CHRISTIAN, Beth Mort; OTTO, Sheila; SHUART-FARIS, Nora. Discourse Analysis and the Study of Classroom Language and Literacy Events: a microethnographic perspective. Mahwah: Lawrence Erlbaum Associates Publishers, 2005.; Green; Dixon; Zaharlick, 2005GREEN, Judith; DIXON, Carol; ZAHARLICK, Amy. A etnografia como uma lógica de investigação. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 42, p. 13-79, 2005.). Green e colaboradoras (2005) defendem a etnografia não como técnica, mas como uma lógica de investigação do estudo, buscando um entendimento da comunidade a partir do ponto de vista de seus membros e uma descrição das interpretações que eles dão aos acontecimentos que os cercam. Nesse sentido, as autoras enfatizam a importância de uma compreensão do processo de tornar-se membro de uma comunidade específica em um estudo etnográfico. Baseando-se em Spradley (1980SPRADLEY, James. Participant Observation. New York: Holt, Rinehart and Winston, 1980.), Green e colaboradoras defendem que "[...] o etnógrafo avalia o que os membros precisam saber, produzir, entender e prever, a fim de participar como um membro desse grupo" (Green; Dixon; Zaharlick, 2005GREEN, Judith; DIXON, Carol; ZAHARLICK, Amy. A Etnografia como uma Lógica de Investigação. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 42, n. 1, p. 13-29, dez. 2005., p. 28). Foi com esse foco que nos aproximamos do nosso objeto de estudo.

A pesquisa de campo realizou-se a partir da observação participante, por meio de um engajamento nas práticas cotidianas da sala de aula pesquisada. Essas observações foram registradas em videogravações, possibilitando uma microanálise do uso da linguagem verbal e de elementos não verbais associados.

Dados etnográficos construídos através da videogravação têm sido explorados por alguns pesquisadores no campo da educação (Castanheira; Crawford; Dixon; Green, 2000CASTANHEIRA, Maria Lúcia; CRAWFORD, Teresa; DIXON, Carol; GREEN, Judith. Interactional Ethnography: an approach to studying the social construction of literate practices. Linguistics and Education, online, v. 11, n. 4, p. 353-400, 2000.; Baker; Green, 2007BAKER, W. Douglas; GREEN, Judith. Limits to Certainty in Interpreting Video Data: interactional ethnography and disciplinary knowledge. Pedagogies: an international jornal, v. 2, n. 3, p. 191-204, 2007.; Baker; Green; Skukauskaite, 2008BAKER, W. Douglas; GREEN, Judith; SKUKAUSKAITE, Audra. Video-Enabled Ethnographic Research: a microethnographic perspective. In: WALFORD, Geoffrey. How to do Educational Ethnography. London: Tufnell Press, 2008. P. 77-114.; Dicks; Soyinka; Coffey, 2006DICKS, Bella; SOYINKA, Bambo; COFFEY, Amanda. Multimodal Ethnography. Qualitative Research, Cardiff, v. 6, n. 1, p. 77-96, 2006., entre outros). Estes estudos têm sido valiosos em mostrar que o processo de videogravação não é um processo neutro ou uma mera forma de mostrar o que acontece em uma sala de aula. Muito pelo contrário, a videogravação possibilita explorar diferentes formas de interpretar e contrastar os eventos observados. Em particular, a videogravação possibilita a construção de um banco de dados que pode ser constantemente retomado a partir de novas questões propostas pelos pesquisadores.

Os dados construídos ao longo da pesquisa de campo foram organizados e analisados em Mapas de Eventos Interacionais, que representam o que, quando e onde os sujeitos desenvolveram suas atividades (Green; Dixon; Zaharlick, 2005GREEN, Judith; DIXON, Carol; ZAHARLICK, Amy. A etnografia como uma lógica de investigação. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 42, p. 13-79, 2005.). Tais eventos são delimitados, retrospectivamente, por um conjunto de aspectos - dentre eles, a análise da relação semântica entre tópicos de conversa entre participantes e da reorganização dos espaços interacionais (Heras, 1993HERAS, Ana Inés. The Construction of Understanding in a Sixth Grade Bilingual Classroom. Linguistics and Education , Norwood, v. 5, n. 3/4, 1993.). Além das videogravações do cotidiano da sala de aula, foram realizadas entrevistas com as crianças. Realizamos estas entrevistas em pequenos grupos de três ou quatro crianças. O roteiro dessas entrevistas era muito flexível, incluindo perguntas gerais sobre como foi entrar nessa escola, o que era feito naquele ambiente, o que as crianças mais gostavam e aquilo que elas menos gostavam e com quem elas brincavam.

A Escola de Ensino Fundamental pesquisada pertence à rede de ensino federal e está localizada em um campus universitário situado na Região Sudeste do Brasil, atendendo 600 alunos selecionados através de um sorteio público. É, portanto, uma instituição pública federal autogerida, com relações de poder mais disputadas e menos definidas, apresentando processos de responsabilização em permanente negociação. Aproximadamente 50% desses alunos pertencem a famílias cujo nível socioeconômico é baixo. O horário de funcionamento da escola é das 7h30min às 15h10min para todos os alunos desde 2011. Esse horário coloca importantes desafios para professores, coordenação e direção da escola. Um deles refere-se à limitada experiência relativa à organização do ensino em tempo integral, tanto nessa escola em particular quanto no sistema educacional brasileiro (Leite, 2012LEITE, Lúcia Helena Alvarez. Educação Integral, Territórios Educativos e Cidadania: as experiências de ampliação da jornada escolar em Belo Horizonte e Santarém. Educar em Revista, Curitiba, v. 45, n. 1, p. 2-12, jul./set. 2012.; Cavaliére, 2009CAVALIÉRE, Ana Maria. Escolas de Tempo Integral versus Alunos em Tempo Integral. In: MAURÍCIO, Lúcia Velloso. Em Aberto, Brasília, v. 22, n. 80, p. 51-65, abr. 2009.; Carvalho, 2013CARVALHO, Levindo Diniz. Educação (em Tempo) Integral e Infância: ser criança e ser aluno em um território de vulnerabilidade. 2013. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2013.). Outro desafio relaciona-se à construção de uma prática educativa coerente e compartilhada entre os educadores, incluindo os professores, monitores e bolsistas presentes no cotidiano escolar, como será analisado na próxima seção.

O projeto de pesquisa no qual o presente estudo insere-se tem início em uma turma que entrava no 1º ano do ensino fundamental em 2012 aos seis anos de idade e é acompanhada até o final de 2014. Em 2012, observamos 113 dias letivos, com um total aproximado de 300 horas de videogravação. Na sala de aula investigada, observamos o trabalho da professora referência, Karina, ao longo das 14 horas semanais que permaneceu com a turma. Seu trabalho relacionava-se com as áreas de Português (Alfabetização e Letramento) e Tópicos Integrados (denominação dada pela escola ao trabalho com as áreas de História, Geografia, Filosofia e Ciências da Natureza). Durante os outros horários, que não foram observados por nós, as crianças desenvolveram atividades diversas com outros professores, bolsistas e monitores. A turma era composta por 25 crianças (13 meninos e 12 meninas) que frequentaram diferentes escolas de Educação Infantil em 2011.

Na próxima seção, apresentaremos brevemente a reunião de pais que aconteceu antes do início das aulas, uma vez que foi fundamental para o processo de inserção e adaptação das crianças na escola pesquisada. A seguir, analisaremos alguns aspectos do processo de entrada das crianças nessa turma a partir de, como já salientado, uma análise mais refinada do primeiro dia de aula, uma vez que o foco do nosso artigo é o início desse processo. Essa escolha se justifica se considerarmos que, ao se encontrarem pela primeira vez, os participantes sinalizam diversos aspectos relevantes para a compreensão das relações que serão estabelecidas entre eles (Castanheira, 2004CASTANHEIRA, Maria Lúcia. Aprendizagem Contextualizada: discursos e inclusão na sala de aula. Belo Horizonte: Ceale e Autêntica, 2004.). Além disso, por meio dessa análise, foi possível dar visibilidade a alguns elementos considerados como fundamentais pelas crianças ao falarem sobre a escola.

Reunião de Pais

As famílias foram convidadas a participar de uma reunião marcada para o dia anterior ao início das aulas. Nesse dia a professora se apresentou, bem como explicitou as normas de funcionamento da escola. Pontuamos que conhecer a professora e as normas da escola são aspectos fundamentais para que o processo de transição para uma nova escola ocorra de maneira mais articulada com as experiências anteriores na família e na educação infantil (Brasil, 2004). Percebe-se, assim, o início do estabelecimento de um diálogo entre os diversos sujeitos envolvidos no processo educativo das crianças. Ao longo do ano, constatamos a presença efetiva de várias famílias no cotidiano da sala de aula, conversando com a professora, participando dos momentos de almoço das crianças e de vários outros encontros (festas, reuniões, excursões), bem como atendendo às solicitações da professora2 2 A professora desenvolveu um projeto denominado Minha família é presente na escola. Ao final de 2014, esse projeto foi incorporado no planejamento de todas as turmas do 1º Ciclo da escola. .

Nesta primeira reunião, algumas crianças acompanharam seus familiares. Assim, já no primeiro dia de aula (07 de fevereiro de 2012) algumas delas demonstraram conhecer um pouco da escola e de outras crianças e, consequentemente, já possuíam alguns elementos da cultura escolar para sua inserção no contexto escolar. O processo de entrada na escola foi marcado pelo início da constituição da cultura de pares daquela turma. É o que se evidencia na fala de Breno, criança da turma, quando perguntamos se ele já conhecia alguém da escola no início do ano:

[...] é/ na primeira reunião eu conheci o Vinícius/ porque a gente foi lá/ a gente saiu da sala de reunião e/ é/ qual é o seu nome?/ aí ele/ meu nome é 'Vinícius'/ quer dizer/ meu nome é Breno/ aí a gente saiu correndo assim/ aí/ o guarda [porteiro da escola]/ o quê que cês tão fazendo aqui?/ aí a gente/ saiu correndo assim/ aí/ vão dar um fora véio/ então a gente saiu correndo/ aí a gente se conheceu/ aí no primeiro dia de aula eu já conhecia ele (Entrevista coletiva com Breno, Júlio e Paulo, 03 jul. 2012).

Para nossa surpresa, Breno relata que já conhecia Vinícius antes do primeiro dia de aula, ou melhor dizendo, um dia antes das aulas começarem. Seis meses depois, Breno rememora esse evento ao descrever a sua entrada em uma nova escola. Tal fato permite-nos afirmar que a reunião de pais revelou-se importante também para as crianças, ajudando-as a estabelecer suas primeiras relações de amizade. Salientamos que vários foram os momentos em que as duas crianças foram observadas conversando e brincando juntas no início do ano. Ao longo de 2012, essa amizade não se consolidou. Observamos que Vinícius se interessou mais pelo futebol, enquanto Breno voltou-se para brincadeiras com beyblades3 3 Brinquedo similar a um peão baseado em um desenho animado popular entre as crianças da turma. . Contudo, o fato desse encontro ser mencionado naquele momento revela a sua importância para as crianças. Breno reconhece o outro colega como um par e posiciona a si mesmo e ao outro como membros do mesmo grupo/comunidade. Tal reconhecimento é significativo e reflete a visão da criança de que a sua entrada em um novo espaço escolar não envolveu apenas a apropriação de aspectos de uma cultura adulta da instituição, mas também vivências que oportunizaram/subsidiaram a construção de uma cultura de pares.

Em suma, mesmo antes do início das aulas as experiências dos alunos sinalizam o entrelaçamento entre a cultura de pares e a cultura adulta na escola, bem como entre a cultura escolar e as culturas familiares. Para compreender como esse processo constitui-se no espaço da sala de aula, nas atividades cotidianas escolares, focalizamos a seguir os eventos do primeiro dia de aula na turma.

Construindo Formas de Participação: o primeiro dia de aula como ponto de partida

Buscando construir um panorama do que aconteceu no primeiro dia de aula, apresentamos a seguir duas representações. Em primeiro lugar, o Gráfico 1 sintetiza o uso e a distribuição do tempo ao longo desse dia.

Gráfico 1:
Uso e Distribuição do Tempo: primeiro dia de aula

O Gráfico 1 nos permite perceber, por exemplo, a grande atenção dada à Roda de conversa em que a professora coordenou a apresentação das crianças da turma. Destacamos também o tempo dedicado às transições entre as atividades, quando a professora orientava as crianças após a finalização de uma atividade, por exemplo, reorganizando a turma espacialmente, explicitando relações entre a atividade que chegava ao fim e a que se iniciava, bem como os deslocamentos entre um espaço e outro. Esse tempo total (41 minutos) sinaliza que a professora imprimiu um ritmo às atividades do dia que considerava a iniciação das crianças em práticas da cultura escolar com as quais não estavam familiarizadas, possibilitando uma clara distinção entre diferentes atividades.

A segunda representação - o Quadro 1 - a seguir, descreve os eventos do primeiro dia de aula. A primeira coluna à esquerda contém a marcação do tempo, a segunda refere-se aos eventos do dia. Na terceira coluna, tecemos alguns comentários e traçamos possíveis consequências para o processo de construção da cultura de pares em diálogo com a cultura escolar.

Quadro 1:
Mapa de Eventos Interacionais: Primeiro Dia de Aula

A análise do Quadro 1 e do Gráfico 1 permite destacar alguns aspectos característicos da forma de organização estabelecida no contexto da turma investigada. Explicitaremos alguns desses aspectos em seguida. Nossa intenção é destacar elementos importantes tanto no primeiro dia de aula quanto ao longo do tempo em que acompanhamos a turma. Estabelecemos o primeiro dia de aula como representativo da forma como a turma foi introduzida a maneiras de organizar-se que foram sendo estabelecidas ao longo dos três anos que estiveram juntos. Evertson e Emmer (1982EVERTSON, Carolyn; EMMER, Edmund. Effective Management at the Beginning of the School Year in Junior High Classes. Journal of Educational Psychology, v. 74, n. 4, p. 485-498, 1982.) salientam a importância dos primeiros dias de uma turma. Esses autores argumentam que um manejo da turma efetivo deva ser estabelecido pelo professor nesses primeiros contatos. Contudo, entendemos que não se trata apenas de um manejo da turma, mas, principalmente, da construção de formas de participação que entrelacem as culturas de pares, a cultura daquela sala de aula em particular e a cultura escolar.

Um aspecto da organização da sala de aula importante refere-se à roda de conversa. A roda aconteceu frequentemente, orientando a participação e incluindo as crianças nas atividades da turma. É o que podemos perceber com a fala da Nina, criança da turma:

[...] aí eu nem conheci meus colegas aí a professora/ a professora falou assim/ gente/ vamos fazer uma roda/ aí eu sentei/ aí eles falou assim/ aí eles/ aí a professora passou um por um/ um por um/ pra ver quem/ pra ver/ um por um pra ver como que era o nome (Entrevista coletiva com Nina, Pedro e Rodrigo, 03 jul. 2012).

Na fala da Nina, a repetição da expressão um por um revela a importância conferida ao momento de apresentação das crianças, pra ver como que era o nome, elemento essencial na construção das identidades de cada uma das crianças. Ou seja, uma por uma, as crianças foram vistas e se viram naquele grupo. A visibilidade dada às diferenças e semelhanças entre as crianças, nas diversas rodas de conversa ao longo do ano, oportunizou a inclusão de todas as crianças como futuros membros daquela turma.

Nesse primeiro dia, as rodas ocuparam 22% do tempo total e deram visibilidade às experiências pessoais das crianças em outros espaços sociais. Por exemplo, nessa primeira roda, Miguel associa o nome rotina, apresentado pela professora durante a roda, aos desfiles e rotinas das escolas de samba que ele acompanhou pela televisão. Na segunda roda, a história Meu dente caiu remete as crianças à perda dos próprios dentes ao longo da primeira infância. Assim, o que teve início na primeira roda de conversa se manteve ao longo dos três anos, sendo as experiências das crianças dentro e fora da escola entrelaçadas, constituindo a cultura daquela sala de aula. Nessa turma, e também em todo o 1º Ciclo de Formação Humana da escola, foram desenvolvidos projetos literários que envolveram a leitura de livros, revistas em quadrinhos e poemas. Entre eles, destacamos os projetos Sacola de Leitura, Mala de Leitura e Saquinho de Poemas. Esses projetos permitiram às crianças a interação com as narrativas próprias à sua faixa etária, com o objetivo de incluir no seu cotidiano escolar temas diversos do universo infantil. Desse modo, a proposta com as histórias promoveu, além do gosto literário, diferentes possibilidades das vivências da expressão, da imaginação e da fantasia, elementos fortemente presentes na infância. O faz-de-conta, a representação a partir das histórias lidas, bem como o reconto, a escrita e a criação de novas histórias se evidenciam em meio a um contexto lúdico que se associam às práticas de letramento (Soares, 1999SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica , 1999.).

O entrelaçamento entre as experiências das crianças dentro e fora da escola evidenciou-se, da mesma forma, em vários eventos que envolveram o ensino de ciências por investigação (Munford; Lima, 2007MUNFORD, Danusa; LIMA, Maria Emília Caixeta e Castro. Ensinar Ciências por Investigação: em que estamos de acordo? Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 9, n. 1, 2007.) e que foram analisados por nós (Meirelles et al., 2014MEIRELLES, Samantha; MUNFORD, Danusa; CAMARGOS, Tatiana Cristina; BOSCO, Cláudia Starling; SOUTO, Kely Cristina Nogueira. O Bicho-Pau na Sala de Aula: construindo uma proposta investigativa com crianças de seis anos. Revista de Ensino de Biologia da Associação Brasileira de Ensino de Biologia, Niterói, n. 7, p. 6735-6745, 2014.; Munford; Souto; Coutinho, 2014MUNFORD, Danusa; SOUTO, Kely Cristina Nogueira; COUTINHO, Francisco Ângelo. A Etnografia de Sala de Aula e Estudos sobre Educação em Ciências: contribuições e desafios para investigações sobre o ensino e a aprendizagem na Educação Básica. Investigações em Ensino de Ciências, online, v. 19, p. 263-288, 2014.; Capelle; Munford, 2015CAPPELLE, Vanessa; MUNFORD, Danusa. Desenhando e Escrevendo para Aprender Ciências nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Alexandria Revista de Educação em Ciência e Tecnologia, Florianópolis, v. 8, n. 2, p. 123-142, 2015.; Fogaça et al., 2014FOGAÇA, Débora Souza et al. Movimentos de Translação em uma Aula de Ciências para os Anos Iniciais: construindo um objeto científico. Revista da Associação Brasileira de Ensino de Biologia, Niterói, n. 7, p. 1592-1602, out. 2014.; Silveira et al., 2014SILVEIRA, Luiz Gustavo Franco; CAPPELLE, Vanessa; MUNFORD, Danusa; FRANÇA, Elaine Soares. Estudando o Besouro Rola-Bosta: uma sequência de aulas investigativas nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Revista de Ensino de Biologia da Associação Brasileira de Ensino de Biologia , Niterói, n. 7, p. 5143-5154, 2014.). Um desses eventos, por exemplo, tem início a partir da intervenção da aluna Tina, que contava sobre sua participação em um show de mágica. Esse relato ocorreu de forma espontânea e não a partir do planejamento da professora. Karina não apenas escutou a criança, mas relacionou esse relato com uma visita feita pela turma ao Museu de História Natural. A partir de então, houve o efetivo envolvimento da turma e foram discutidas as diferenças e semelhanças entre ciências e mágica (França et al., 2014FRANÇA, Elaine Soares; SILVEIRA, Luiz Gustavo Franco; CAPPELLE, Vanessa; MUNFORD, Danusa. Mágica e Experiência em uma Sala de Aula dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental: uma análise de interações discursivas na construção do que é ciência. Revista da Associação Brasileira de Ensino de Biologia , Niterói, n. 7, p. 1722-1732, out. 2014.).

Outro aspecto importante a ser destacado no primeiro dia de aula refere-se às carteiras organizadas em grupos, uma vez que sugerem a importância das interações entre as crianças, bem como apontam para uma continuidade educativa entre as experiências anteriores das crianças em escolas de Educação Infantil e o início do Ensino Fundamental. Em outros dias, as carteiras foram mantidas em grupos ou foram organizadas em filas com duplas de carteiras. Foram poucos os momentos observados, ao longo de 2012, em que as crianças se sentaram em filas individuais.

Portanto, as interações entre as crianças foram permitidas e incentivadas pela professora em várias atividades, assumindo as características de uma prática de ajudar o colega (fala recorrente da professora). Tornou-se visível que uma criança poderia contribuir com a outra no processo de ensino e de aprendizagem, compartilhando conhecimentos, curiosidades, experiências e visões de mundo. No trecho abaixo, a professora pede que uma criança explique para Nara, que tinha faltado no primeiro dia de aula, o combinado de trazer garrafinhas de água para a sala.

Karina: Olha gente/ agora eu vou falar preciso que vocês me ouçam/ ontem nós combinamos/ e a Nara não sabe disso da nossa sala/ quem vai falar para ela para mim/ vai ser a Tina/ ((a professora caminha em direção à criança))/o que que nós combinamos da garrafinha ontem?/ ((Tina olha para a professora)) não/ olhe para a Nara/ vem cá na frente/ ((a professora dá a mão para a aluna e a leva até a frente da turma))/ fala para ela como que funciona aqui na nossa sala/ em cada sala é diferente/ fala como que funciona aqui na nossa sala/ como que tem que ser? Tina: Tem que trazer a garrafinha/ pra encher. Karina: Para encher aqui na escola ou na hora que chega? Tina: Na hora que chega. Karina: Pois é/ quando vem de casa a garrafinha tem que vir com? Crianças: Água. Karina: Se aqui na escola/ durante o tempo da aula a água acabar/ nós vamos combinar de ir lá pra poder encher/ mas/ a gente pode às vezes esperar/ pra encher depois que vier do lanche/ entra na sala pega a garrafinha/ vai no bebedouro/ enche/ e já deixa ela cheinha/ porque Nara é muito quente/ e é muito bom para a saúde/ depois a Miriam [bolsista residente] vai dar aula disso né Miriam?/ do porque que a gente deve beber água/ qual que é a importância disso (Transcrição do segundo dia de aula , 08 fev. 2012).

Karina, usando um tom de voz baixo, ao retomar o combinado com a ajuda da Tina e da turma como um todo, garante a inclusão da Nara na construção compartilhada de uma rotina daquela turma. No contexto dessas interações, as crianças produzem e se apropriam das rotinas culturais que são fundamentais, uma vez que "[...] elas fornecem a todos os atores sociais a segurança e o entendimento partilhado de pertencimento a um grupo social" (Corsaro, 2005CORSARO, William. The Sociology of Childhood. London: Sage Publications, 2005., p. 19. Tradução nossa). É a previsibilidade de tais rotinas que possibilita a construção de um quadro de referências a partir do qual o conhecimento cultural pode ser produzido, evidenciado e interpretado. Simultaneamente, as rotinas culturais permitem enfrentar as ambiguidades da vida social em busca de um entendimento compartilhado com outros atores sociais. Por outro lado, a repetição de tais rotinas propicia oportunidades de mudanças nas formas de participação das crianças, possibilitando oportunidades de elaboração e enriquecimento, ou mesmo transformação, das atividades (Corsaro, 1992).

A rotina cultural de uma criança ajudando a outra possibilita a construção da autonomia das crianças e do grupo. É o que fica evidenciado no momento em que Karina passa o controle da ida ao banheiro para a turma, a partir da mediação de um objeto. Na roda de conversa, já no segundo dia de aula, Karina explicou que havia duas estrelas de borracha. Quando as crianças quisessem ir ao banheiro, deveriam pegar uma estrela e coloca-la em cima da própria carteira. Dessa forma, toda a turma, e não apenas a professora, saberia que o banheiro estava ocupado. Karina, com a ajuda das crianças, simulou a ida ao banheiro com a mediação das estrelas. Ao longo dessa primeira semana de aula, Karina retoma esse combinado com a turma, sempre chamando alguma criança para explicar para todos como seria o uso das estrelas, repetindo o procedimento que havia feito com Tina.

A organização das garrafinhas de água e da ida ao banheiro são elementos fundamentais para o bem-estar físico das crianças. A professora, em sua prática educativa, não apenas reconhece a importância desta organização, mas também faz com que esses momentos se constituam como momentos de ensino e de aprendizagem em que a interação e a participação das crianças são essenciais. Tais atitudes evidenciam a trajetória profissional da professora com crianças na educação infantil. Dessa maneira, o que aparentemente seria algo de menor importância revela-se fundamental especialmente quando contrastado com outras pesquisas. Assim é que Neves (2010NEVES, Vanessa Ferraz Almeida. Tensões Contemporâneas no Processo de Passagem da Educação Infantil para o Ensino Fundamental. 2010. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2010.) analisou uma turma no início do ensino fundamental em que o bem-estar físico das crianças não foi considerado e, portanto, elas ficavam com sede e sem poder ir ao banheiro por longos períodos de tempo. Esse foi um dos elementos que propiciaram, na escola analisada pela autora, a construção de uma turma de crianças considerada como imatura e indisciplinada.

A prática de ajudar o colega, como mencionamos, tornou-se uma rotina cultural dessa sala de aula - seja quando o colega ainda não havia terminado a atividade, seja quando alguma criança ainda não estava alfabetizada. Em nossas observações, como já mencionamos, raramente a professora organizou as crianças para fazerem as atividades sozinhas. Na primeira escrita no caderno, no dia 13 de fevereiro de 2012, Karina explica como uma criança ajudará a outra:

Karina: Agora nós vamos colocar o ano/ Mariana está em pé e está ajudando o Plínio [...] Mariana pode voltar pro seu lugar/ quando for ajudar o colega nós não vamos escrever pro colega/ só ajudar ele a perceber se ele tá encostando na linha lá em cima (Transcrição, 13 fev. 2012).

É importante mencionarmos que, nas entrevistas coletivas, ao serem questionadas sobre a escola, várias crianças afirmaram que não gostavam de fazer atividades individualmente, pois fica "mais fácil [fazer junto]" (Breno, entrevista coletiva, 03 jul. 2012), ao que Jonathas concorda:

Vamos fingir/ vamos fingir/ eu não terminei/ o Breno terminou/ eu falo/ Breno/ me ajuda/ e aí ele me ajuda [...] ééé/ igual/ éé/ vamos ver/ assim ó/ igual/ a gente vai no parquinho/ aí/ cê quer brincar com um colega/ aí ele deixa/ igual você fazer atividade (Entrevista coletiva com Breno, Júlio e Paulo, 03 jul. 2012).

Nesse sentido, destaca-se que a cultura de pares, intimamente relacionada às interações entre as crianças e ao estabelecimento de grupos de amizade, cria a possibilidade do estabelecimento de conexões entre as atividades escolares e as brincadeiras, como Júlio argumenta em sua fala. Essas duas formas de participação, brincar e fazer as atividades, são fundamentais na construção da cultura daquela sala de aula e auxiliam a construção/apropriação da identidade de aluno.

Além da previsibilidade das práticas que vão sendo reconhecidas e que têm um papel importante na construção da cultura de pares e no pertencimento à cultura escolar, várias contradições, tensões e embates envolvem as práticas sociais das quais as crianças participam nessa escola. Uma primeira evidência desse aspecto refere-se ao tom de voz baixo que a professora manteve ao conversar com as crianças e seus familiares durante todos os três anos. Esse fato é ressaltado pelas crianças, no momento em que perguntamos "E tem alguma coisa aqui na escola que vocês não gostam?":

Nina: A gente não gosta que a Miriam (bolsista estagiária) grita... Pesquisadora: Ah... Dos gritos? Nina: É porque a Miriam/ grita tão alto/ tão alto... Igual a minha professora... Igual a... Igual a professora de matemática. Paco: A Miriam grita, grita! [...] Pesquisadora: É? E por que que gritam? Nina: A Miriam grita mais... Porque a Miriam... A escola até explode! Paco: QUÊ? Pesquisadora: É? Por que que ela grita? Como assim? Nina: É porque todo mundo... A gente fica... Eles ficam incomodando... Porque quando eles ficam conversando/ eles não param de conversar/ todo mundo fica conversando/ aí ela fica lá parada/ aí ela fala assim: "vocês não vão deixar eu falar não?" Aí ninguém fala... Todo mundo fala assim: "vamos". [...] Nina: A Karina não grita não. (Entrevista coletiva com Nina, Ricardo e Paco. 03 jul. 2012).

Na perspectiva das crianças, dois elementos se destacam em relação aos gritos no ambiente escolar. O primeiro deles é relativo ao desconforto físico que o tom de voz alto provoca e que faz a escola explodir. Sem dúvida, esse desconforto torna-se particularmente visível se considerarmos que, ao longo de 2012, algumas professoras da escola, além de gritarem com as suas turmas, começaram a usar apitos (instrumento que produz som agudo usado por guardas e na maioria dos esportes para direcionar as atividades e aplicar penalidades) com o objetivo de repreender as crianças. Presenciamos as crianças tampando os ouvidos e se encolhendo ao escutarem o som desses apitos.

Em segundo lugar, a conversa paralela das crianças é um importante elemento na interação entre elas, sendo muitas vezes construída, como já salientado, a partir da prática de uma criança ajudar a outra. Entretanto, a conversa também foi percebida como uma afronta à disciplina imposta por alguns professores. Ou seja, os gritos podem ser analisados como algo que impede - ou mesmo interdita - a construção da cultura de pares. Sendo assim, as crianças, ao falarem da escola, mencionam as interações entre si como algo importante para elas. Nesse sentido, o tom de voz da professora Karina, aliado à forma negociada de interagir com a turma, evidenciam a construção da disciplina na sala de aula como condição de funcionamento do grupo de aprendizagem, e não como imposição de regras e controle corporal das crianças.

Sem dúvida, as diferentes formas como os adultos atuam na escola foram percebidas pelas crianças e serão analisados a partir de dois eventos ocorridos no terceiro dia de aula, (I) Estragando a natureza e (II) Tá namorando. Nesse dia, as crianças exploravam cada cantinho do pátio onde acontecia o recreio:

Durante o horário do recreio, aproximadamente às 9h50min, algumas crianças começam a observar uma árvore cheia de flores: ato contínuo, elas arrancam algumas flores e as entregam para a professora da turma, que as recebe e agradece com um sorriso. As crianças correm, pegam mais flores e as entregam para a pesquisadora, que também as recebe e agradece com um sorriso. 'Vamos pegar mais?!', diz uma das meninas. Mais uma investida na busca por flores e, desta vez, as crianças as entregam para Miriam, bolsista, que também as recebe e comenta: 'Assim vocês estão estragando a natureza'. As crianças olham para ela e permanecem em silêncio. O recreio já está no fim e a turma retorna para a sala de aula (Anotações do Diário de Campo, 09 fev. 2012).

A partir deste evento (Estragando a natureza) podemos nos perguntar qual seria a perspectiva dos sujeitos envolvidos em relação às flores arrancadas. As crianças, por um lado, iniciam uma atividade coletiva: pegam flores e as oferecem aos adultos responsáveis por seu cuidado e educação. É o começo da construção de um grupo baseado em significados, interesses e atividades partilhados na interação entre os pares.

Por outro lado, a professora e a pesquisadora, ambas da área da educação, recebem e acolhem as flores que as crianças oferecem. As flores são interpretadas, assim, como uma forma de estabelecer uma relação de afeto com o grupo. A partir de uma outra perspectiva, Miriam, cursando o último período de Licenciatura em Ciências Biológicas, também recebe as flores e interpreta o ato das crianças, não como uma ação afetiva, mas como algo que destrói a natureza. Ou seja, as flores arrancadas são tomadas em seu sentido biológico. É apoiada nos conteúdos atitudinais da área de Ciências/Biologia (relação do ser humano com a natureza, papel da natureza, ame a natureza, proteja a vida e etc.) que Miriam produz o seu discurso.

A atitude de Miriam centrou-se nas relações estabelecidas com os conhecimentos advindos do seu curso de graduação, ou seja, da sua formação inicial. Destacamos a importância dos processos de formação de professores ou futuros professores que atuam junto às crianças dos anos iniciais do ensino fundamental. Em especial, essa escola se constitui como um espaço de formação de professores que recebe graduandos de diferentes cursos de licenciaturas e que explicitam, nos processos seletivos, suas expectativas e o grande interesse em conhecer os processos de desenvolvimento e aprendizagem das crianças de seis a oito anos. Uma das lacunas apontadas durante as ações de formação que a escola oferece diz respeito ao fazer pedagógico com as crianças pequenas. Assim, o modo de atuação de Miriam constitui, em certa medida, um conflito em relação às atitudes da professora no que diz respeito aos conhecimentos provenientes da formação inicial e também no que concerne aos seus referenciais acerca da infância.

Há que se perguntar, quando tomamos como premissa a formação em Ciências Biológicas, quais intervenções seriam possíveis/necessárias para assegurar a construção de uma relação afetiva entre adultos e crianças? E, mais além, como construir um diálogo com o universo infantil, considerando sua especificidade? É na interlocução entre a prática pedagógica desenvolvida na sala de aula, no diálogo com os professores orientadores e na relação com as crianças, bem como no estudo dos referenciais teóricos sobre a educação e a infância, que se constituem os processos de formação dos futuros professores. Destacamos que esses processos dialogam com os estudos de Nóvoa (2008NÓVOA, Antônio. Profissão Professor. Porto: Porto Editora, 2008. ), no que diz respeito à necessidade de uma formação de professores construída dentro da profissão. O destaque dado pelo autor ao aprendizado junto aos professores mais experientes na escola e na sala de aula é um elemento que merece atenção especial. Assim, um olhar para as concepções e ações dos licenciandos nos fala sobre uma necessidade de aprofundar as relações entre o ensino, a aprendizagem e as relações afetivas que, muitas vezes, podem se constituir como arbitrárias ou contraditórias quando consideramos apenas o referencial de uma determinada área de conhecimento.

Um segundo evento, Tá namorando, ainda relacionado às flores, ilustra outro tipo de contradição vivenciada pelas crianças em sua entrada na escola, relacionada a diferenças entre as próprias crianças. Nesse mesmo dia, logo após o recreio:

Toda a turma volta para a sala, onde a professora dá continuidade ao processo de apresentar a escola e seus professores para as crianças. Entretanto, Raul e Ester chegam atrasados em sala. Ao chegarem, as duas crianças trazem consigo mais flores. Ao verem a cena, algumas crianças da turma começam a cantarolar: 'Tá namorando! Tá namorando!' Raul fala chorando: 'Ela é minha amiga. Eu só estava ajudando ela'. Ester olha para as outras crianças e fica em silêncio. A professora tenta consolar Raul, que lentamente se acalma, e conversa com a turma: 'O Raul tá falando que eles são amigos' (Anotações do Diário de Campo, 09 fev. 2012).

Nesse momento, Karina, diante do choro de Raul, procura retirar o foco da relação afetiva entre as flores e os adultos, evidente em nossa cultura, por exemplo, no Dia dos Namorados. A fala da professora se apoia no discurso de Raul (ela é minha amiga), em uma tentativa de minimizar a situação embaraçosa e conflituosa entre as duas crianças e a turma. Retomamos esse evento na entrevista coletiva com Raul.

Raul: É porque/ PRIMEIRO/ a Ester pediu pra eu pegar flor/ flor pra ela pra eu/ pra ela dar pra mãe dela/ porque tava no alto/ aí os menino tava falando que eu sou/ que eu era namorado dela. Pesquisadora: É?/ e aí? Como que resolveu? Lara: Criança não namora/ menina não fica grávida/ criança não pode beijar na boca/ e que/ e eles sabiam que ele só pegou a flor pra dar pra mãe da Ester/ e eles falarem isso de novo/ a culpa não é dele/ nem do pessoal/ porque ele/ ele não namora com a Ester/ porque a Ester falou assim/ pega uma flor pra minha mãe/ é pra mãe dela/ se os outros acha que os dois tá namorando/ não pode namorar/ porque criança não pode namorar/ só pode namorar quando tiver adulto (Entrevista coletiva com Raul, Lara e Jonas, 03 jul. 2012).

É perceptível que, para as crianças, as flores adquirem outros significados relativos às relações que começam a acontecer entre elas. No contexto da cultura de pares daquela turma, as flores significam o estabelecimento de uma relação de namoro entre Raul e Ester. Entretanto, Raul recusa tal interpretação e chora. Nos dias seguintes, ele chora novamente querendo ficar em casa porque ele não está namorando ninguém. A professora conversa com o pai de Raul e também com a turma e procura explicitar novamente que Raul e Ester eram amigos. É interessante pontuar que Ester não demonstrou nenhum incômodo aparente com o fato de ser chamada de namorada do Raul. Por outro lado, apoiando-se nas regras culturais da nossa sociedade, Lara afirma veementemente que criança não pode namorar. São diferentes perspectivas que as crianças produzem acerca de uma mesma situação.

Portanto, é na confluência/contradição entre os diferentes enquadramentos (entre os adultos, entre esses e as crianças, entre as crianças) que a cultura de pares e a cultura da sala de aula são construídas e apropriadas.

Considerações Finais

Várias pesquisas têm demonstrado processos muito tensos de entrada no Ensino Fundamental para as crianças, suas famílias e professoras (Castanheira, 1991CASTANHEIRA, Maria Lúcia. Entrada na Escola, Saída da Escrita. 1991. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1991.; Motta, 2010MOTTA, Flávia Motta. De Crianças a Alunos: transformações sociais na passagem da Educação Infantil para o Ensino Fundamental. 2010. Tese (Doutorado em Educação) - Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2010.; Neves, 2010NEVES, Vanessa Ferraz Almeida. Tensões Contemporâneas no Processo de Passagem da Educação Infantil para o Ensino Fundamental. 2010. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2010.; Neves; Gouvêa; Castanheira, 2011NEVES, Vanessa Ferraz Almeida; GOUVÊA, Maria Cristina Soares; CASTANHEIRA, Maria Lúcia. A Passagem da Educação Infantil para o Ensino Fundamental: tensões contemporâneas. Educação e Pesquisa , São Paulo, v. 37, n. 1, p. 121-140, 2011.; Nogueira, 2011NOGUEIRA, Gabriela Medeiros. A Passagem da Educação Infantil para o 1º Ano no Contexto do Ensino Fundamental de Nove Anos: um estudo sobre alfabetização, letramento e cultura. 2011. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2011.; entre outros). Tais pesquisas salientaram, de uma maneira geral, práticas relativas a um maior controle corporal das crianças, bem como atividades repetitivas, fragmentadas e individualizadas que assumiram a centralidade no cotidiano das salas de aulas pesquisadas. Foi identificada a predominância de uma pedagogia transmissiva no trabalho com as crianças, com longos tempos de espera e atividades que não estimulavam a capacidade reflexiva das crianças. Além disso, evidenciou-se a ausência de brinquedos e brincadeiras no cotidiano do Ensino Fundamental. Houve, assim, um grande desencontro entre as expectativas das crianças e suas famílias e aquilo que foi proposto pelas escolas. Nas pesquisas citadas, as dificuldades encontradas no processo de ensino e de aprendizagem das crianças foram produzidas no interior da instituição escolar a partir das interações entre as professoras e as crianças. Os dados dessas pesquisas revelam um grande distanciamento entre as práticas educativas do Ensino Fundamental e da Educação Infantil, etapa educacional que não pode ser ignorada no processo de escolarização da infância contemporânea.

Uma pesquisa4 4 Pesquisa denominada Incluindo diferentes alunos na sala de aula de alfabetização de crianças e adultos: semelhanças e diferenças (Gomes et al., No prelo). que, tal como a nossa, acompanhou uma turma desde o início do Ensino Fundamental, foi coordenada por Gomes (no prelo). Nesta pesquisa, Gomes e colaboradoras analisaram práticas educativas inclusivas e que sustentaram a construção de um grupo coeso que incluiu a professora e as crianças. Entre os aspectos considerados fundamentais pelas pesquisadoras estão a rotina escrita diariamente no quadro (Gomes, 2008GOMES, Maria de Fátima Cardoso; DIAS, Maíra Tomayno; SILVA, Luciana Prazeres. O Registro da Rotina do Dia e a Construção de Oportunidades de Aprendizagem da Escrita. In: CASTANHEIRA, Maria Lúcia; MACIEL, Francisca Izabel Pereira; MARTINS, Raquel Marcia Fontes (Org.). Alfabetização e Letramento na Sala de Aula. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. P. 59-74.) e a forma negociada de a professora interagir com a turma.

No contexto da sala de aula investigada por nós, a construção coletiva de expectativas, papéis e relações, direitos e deveres estabeleceram os princípios de participação naquele espaço (Castanheira; Green; Dixon, 2007CASTANHEIRA, Maria Lúcia; GREEN, Judith; DIXON, Carol. Práticas de Letramento em Sala de Aula: uma análise de ações letradas como construção social. Revista Portuguesa de Educação, Braga, v. 20, p. 7-36, 2007.). A maneira como o novo grupo foi constituído, através das formas de participação de cada um dos seus membros, evidencia o que significou ser aluno e professora naquele contexto. Consequentemente, analisar o primeiro dia de aula tornou-se importante para a compreensão desse processo (Castanheira, 2004).

Demos visibilidade a alguns aspectos que foram iniciados no primeiro dia de aula e se mantiveram ao longo dos três anos que acompanhamos a turma como, por exemplo, a rotina diariamente escrita no quadro, a preocupação com o bem-estar físico das crianças, o cuidado com os artefatos escolares (incluindo os brinquedos), o tom de voz baixo da professora, a roda de conversa e a prática de uma criança ajudar a outra. Tais aspectos foram essenciais para uma inserção tranquila das crianças investigadas no Ensino Fundamental. A princípio, tais elementos poderiam simplesmente ser considerados como algo rotineiro e que ocupariam um lugar comum nas salas de aula dos anos iniciais do ensino fundamental. Contudo, como já salientado, várias pesquisas têm demonstrado que esses cuidados nem sempre estão presentes (Neves, 2010NEVES, Vanessa Ferraz Almeida. Tensões Contemporâneas no Processo de Passagem da Educação Infantil para o Ensino Fundamental. 2010. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2010.; Motta, 2010MOTTA, Flávia Motta. De Crianças a Alunos: transformações sociais na passagem da Educação Infantil para o Ensino Fundamental. 2010. Tese (Doutorado em Educação) - Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2010.). A intensa argumentação acerca da indissociabilidade do cuidar/educar na educação infantil (Brasil, 2009) começa a integrar os documentos nacionais sobre os anos iniciais do ensino fundamental (Brasil, 2007BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Ensino fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade. Brasília, DF, 2007.). Isto significa o reconhecimento, entre outros aspectos, da relevância dos cuidados físicos e da afetividade na educação das crianças de todas as idades e em todas as etapas educacionais.

Para além da estrutura formal de organização da prática pedagógica, houve uma estreita relação entre a cultura de pares, a cultura da sala de aula e o cotidiano fora da escola das crianças. Ao longo das nossas análises evidenciamos que tais relações não significaram, em absoluto, a ausência de conflitos no interior da sala de aula. A continuidade do processo de escolarização implica que as identidades dos alunos e da professora estão em constante transformação, exigindo um planejamento contínuo que propicie a colaboração e a corresponsabilidade de todos os membros da turma. Houve, em função desta estreita relação, o reconhecimento das crianças e das suas especificidades em direção à construção social de alunos competentes - ao final de 2012, 88% das crianças estavam alfabetizadas. Ao final do 1º Ciclo, em dezembro de 2014, todas as crianças estavam alfabetizadas. Em geral, quando olhamos o sucesso escolar, focalizamos os resultados finais e, poucas vezes, incluímos o processo construído. Em nosso artigo, focalizamos o momento inicial e as possibilidades colocadas para o grupo e, a partir das oportunidades oferecidas, a construção de leitores competentes.

Finalmente, salientamos que as formas de participação são localmente definidas no contexto da sala de aula, mas também são influenciadas por outros contextos, como, por exemplo, a estrutura da escola e as decisões das diversas instâncias de gestão, bem como pelos diversos atores que educam e cuidam daquelas crianças. Nesse sentido, destacamos que as crianças entram em um espaço complexo e em um momento de grandes transformações institucionais e políticas, bem como transformações individuais. Assim, entendemos que nossa investigação aponta princípios possíveis, e não uma receita, para a inserção das crianças no Ensino Fundamental de forma a considerá-las como sujeitos históricos, sociais, culturais e de direitos5 5 Os autores agradecem ao apoio financeiro concedido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) por meio do Projeto APQ02093-13. .

Referências

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  • 1
    No nível internacional, o Relatório da UNESCO (2007UNESCO. Countries Compared by Education. Duration of compulsory education. International Statistics at NationMaster.com. Aggregates compiled by Nation Master. 2007. Disponível em: <Disponível em: http://www.nationmaster.com/country-info/stats/Education/Duration-of-compulsory-education >. Acesso em: 04 fev. 2014.
    http://www.nationmaster.com/country-info...
    ) aponta que vários países já incluíram as crianças de seis anos no ensino fundamental há muito tempo. Apenas como exemplo, podemos citar que a obrigatoriedade escolar em vários países é de treze anos (Alemanha, Holanda, Bélgica, entre outros), doze anos (Barbados, EUA, Inglaterra, entre outros), onze anos (Arménia, Guatemala, Peru, entre outros), dez anos (Dinamarca, Porto Rico, Togo, entre outros), nove anos (Áustria, Argentina, Chile, China, entre outros) ou menos. Angola situa-se como o país que exige o menor número de anos, quatro, de escolaridade obrigatória.
  • 2
    A professora desenvolveu um projeto denominado Minha família é presente na escola. Ao final de 2014, esse projeto foi incorporado no planejamento de todas as turmas do 1º Ciclo da escola.
  • 3
    Brinquedo similar a um peão baseado em um desenho animado popular entre as crianças da turma.
  • 4
    Pesquisa denominada Incluindo diferentes alunos na sala de aula de alfabetização de crianças e adultos: semelhanças e diferenças (Gomes et al., No preloGOMES, Maria de Fátima Cardoso; DIAS, Maíra Tomayno; VARGAS, Patrícia Guimarães. Entre Textos e Pretextos: a produção escrita de crianças e adultos. Belo Horizonte: Editora da Universidade Federal de Minas Gerais. No prelo.).
  • 5
    Os autores agradecem ao apoio financeiro concedido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) por meio do Projeto APQ02093-13.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2017

Histórico

  • Recebido
    05 Maio 2015
  • Aceito
    01 Set 2015
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