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A Pesquisa Narrativa como Possibilidade de Expansão do Presente

RESUMO

Este texto tem como objetivo discutir a potência das narrativas nas pesquisas em educação. Para isso, traz uma discussão sobre as pesquisas nos/dos/com os cotidianos, a partir de Alves (2008). Em seguida, discute a produção de conhecimentos na modernidade e sua forma única de enxergar o mundo, a partir de Santos (2000; 2004; 2006a) e Adichie (2019), percebendo a importância de se reconhecer outras racionalidades e a importância que a narrativa tem nesse lugar. A partir dessas discussões, apontamos as narrativas (Ricoeur, 1994; Benjamin, 1994) de experiências singularessociais (Reis, 2022) como aporte teórico-metodológico-epistemológico e político para a produção de nossas pesquisas.

Palavras-chave
Pesquisa Narrativa; Racionalidade Emergente; Singularsocial

ABSTRACT

This study aims to exam the power of narratives in educational research. It discusses inaboutwith studies on school everyday life (Alves, 2008), following the examination of the modern production of knowledge in Western modernity, based on the ideas of Santos (2000, 2004, 2006) and Adichie (2019), acknowledging, at the same time, the importance of recognizing other rationalities and the place of narratives in this process. We assume the narratives (Ricoeur, 1994; Benjamin, 1994) of singularsocial experiences (Reis, 2022) as the theoretical-methodological-epistemological and political approach to the production of our research.

Keywords
Narrative Research; Emergent Rationality; Socialsingular

Introdução

Os colonizados jamais poderiam ser vistos e perfilados pelos colonizadores como povos cultos, capazes, inteligentes, imaginativos, dignos de sua liberdade, produtores de uma linguagem que por ser linguagem, marcha e muda e cresce histórico-socialmente. Pelo contrário, os colonizados são bárbaros, incultos, ‘a-históricos’, até a chegada dos colonizadores que eles ‘trazem’ a história. Falam dialetos fadados a jamais expressar a verdade da ciência ‘os mistérios da transcendência’ e a ‘boniteza do mundo’

(Freire, 2011FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2011., p. 151).

A citação de Freire, utilizada para iniciar o texto, apresenta indícios sobre os processos de invisibilização social a que são submetidos povos de diferentes origens, sujeitos e grupos, que têm seus conhecimentos, práticas sociais, crenças e modos de estar no mundo desqualificados e deslegitimados.

Dentre as consequências de tais processos, a produção de uma história única (Adichie, 2019ADICHIE, Chimamanda Ngozi. O Perigo de uma História Única. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.) é apontada por nós, neste texto, como algo que retira da história sua pluralidade, boniteza e encanto. Como contraposição, trazemos a concepção de que conhecer as histórias narradas pelos diferentes sujeitos que habitam o mundo pode nos ajudar a compreender que não há “bárbaros, incultos e a-históricos”. Para que essa contraposição seja possível, é preciso o exercício de outras epistemologias, que reconheçam diferentes conhecimentos, histórias e origens como legítimas, para além daquilo que é validado hegemonicamente.

Nossa aposta é na tessitura de um mundo mais democrático, em que diferentes grupos, sujeitos e sociedades teçam exercícios de solidariedade, escuta, conversa e partilha. Apostamos nessa possibilidade porque ela nos ajuda a atuar em nossas práticas de pesquisa e porque desejamos ver essa tessitura florescer.

Para isso, é necessário perceber o outro como legítimo (Maturana, 1999MATURANA, Humberto. Emoções e Linguagem na Educação e na Política. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1999.), pois somente o outro pode nos contar quem ele é, como ele é, como ele vive, o que ele sente, pensa e faz. Ou seja, precisamos conhecer as diferentes histórias para podermos entender a diversidade de saberes e de culturas que estão a circular no mundo. Para isso, é preciso reconhecer que somos sujeitos de histórias e que, ao mesmo tempo em que as tecemos, nos formamos continuamente por meio delas.

Sendo assim, o processo narrativo, que envolve narrar, ouvir, sentir…, desponta como uma forma de conhecer e reconhecer no outro suas crenças e experiências e, por meio delas, pensar um tempo presente mais alargado, rompendo com o tempo linear e mergulhando no que nos aponta Bragança (2012, p. 114)BRAGANÇA, Inês. Histórias de Vida e Formação de Professores: diálogos entre Brasil e Portugal. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 2012. quando diz que a “[…] a identidade consiste também em uma narrativa de si, a qual se constrói a partir de imagens do passado e de projetos de futuro que se abrem, entre ‘identidade herdada’ e ‘identidade visada’”, com experiências e histórias que possibilitem a ampliação da nossa compreensão do que existe e, com isso, nos ajudem a pensar e tecer um futuro possível, a partir das possibilidades inscritas no presente, mas não previsível nem domesticado pelo que a razão indolente1 1 Modelo de racionalidade ocidental que reproduz formas de pensamento que perpetuam práticas antidemocráticas, por não considerar relevantes as experiências sociais. (Santos, 2000SANTOS, Boaventura de Sousa. A Crítica da Razão Indolente: contra o desperdício da experiência. Rio de Janeiro: Cortez, 2000.) entende existir.

É preciso, então, o reconhecimento de outros saberes e histórias, para além da hegemônica, para que haja a dilatação da percepção do presente e, a partir disso, podermos pensar a justiça social como projeto de futuro, pois

A luta pela efetivação da justiça social exige compromisso e paciência histórica, pois esse é o maior enfrentamento da humanidade. Exige entrega ao processo coletivo, compromisso com a realidade global – portanto um desapego ao desenvolvimento apenas pessoal – e uma relação ética com a luta pela qualidade de vida de todos e todas. […] Estaremos mais próximos do mundo de boniteza proposto por Paulo Freire quando todas as crianças frequentarem a escola, quando mulheres, negros e negras, indígenas, pessoas com deficiência e pessoas com opções sexuais dissidentes se tiverem os mesmos direitos que homens brancos; quando o cotidiano de todos e todas for voltar para a casa ao fim do dia de trabalho e ter uma moradia digna de ser habitada, com comida na mesa e saneamento básico; quando idosos puderem gozar de uma velhice segura e saudável; quando todos os cidadãos e cidadãs tiverem acesso à educação em todos os níveis; quando a cultura e a arte forem realidades partilhadas no cotidiano; quando as pessoas puderem ter a oportunidade de escolher seus próprios caminhos, pautando suas decisões no pensamento crítico libertador; enfim, somente quando todas as pessoas do planeta tiverem conseguido desses direitos básicos

(Arelaro, 2021ARELARO, Lisete. Esperança e Resistência em Paulo Freire. In: FREIRE, Ana Maria Araújo. A Palavra Boniteza na Leitura de Mundo de Paulo Freire. São Paulo: Paz e Terra, 2021. P. 25-50., p. 28).

Assim, desse meu lugar de docentepesquisadora2 2 Nas pesquisas nos/dos/com os cotidianos utilizamos o “princípio da juntabilidade” das palavras quando duas ou mais palavras, ao serem unidas na escrita, assumem significado diferente daqueles que tinham quando separadas. que aposta num mundo de bonitezas, acredito ser necessário defender a pluralidade de saberes e culturas, de forma que possamos conhecer, por meio das narrativas, as diferentes realidades e, dessa forma, tecer, no presente, possibilidades de um futuro mais democrático.

Este texto objetiva, portanto, discutir a potência das narrativas nas pesquisas em educação, lugar do qual falo. Compreendendo que, ao ouvirmos e lermos estudantes, professoras, professores, outros/as educadores/as e pesquisadores/as, podemos vir a conhecer a diversidade de conhecimentos que é produzida nas escolas e em outros espaços de educação.

Para isso, trazemos uma discussão sobre as pesquisas nos/dos/com os cotidianos, a partir de Alves (2008)ALVES, Nilda. Sobre Movimentos das Pesquisas nos/dos/com os Cotidianos. In: ALVES, Nilda; OLIVEIRA, Inês Barbosa de (Org.). Pesquisa nos/dos/com os Cotidianos das Escolas – sobre redes de saberes. Petrópolis: DP et alii, 2008. P. 39-48., entendendo que é necessário que mergulhemos no nosso espaçotempo de pesquisa com todos os sentidos vigilantes, a fim de perceber as minúcias da vida cotidiana, buscando considerar tudo aquilo que acontece como fonte de dados numa pesquisa. Para isso, é também fundamental que estejamos atentos a outras formas de registrar o aprendido, para além daquilo que a escrita científica moderna comporta.

Em seguida, discutiremos a produção de conhecimentos na modernidade e sua forma única de enxergar o mundo, a partir de Santos (2000SANTOS, Boaventura de Sousa. A Crítica da Razão Indolente: contra o desperdício da experiência. Rio de Janeiro: Cortez, 2000.; 2004SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma Sociologia das Ausências e uma Sociologia das Emergências. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). Conhecimento Prudente para uma Vida Decente: um discurso sobre as Ciências revisitado. São Paulo: Cortez, 2004. P. 777-821.; 2006)SANTOS, Boaventura de Sousa. Um Discurso sobre as Ciências. São Paulo: Cortez, 2006a. e Adichie (2019)ADICHIE, Chimamanda Ngozi. O Perigo de uma História Única. São Paulo: Companhia das Letras, 2019., percebendo a importância de reconhecermos outras racionalidades e a importância que as narrativas têm nesse lugar.

A partir dessas discussões, apontamos as narrativas (Ricoeur, 1994RICOEUR, Pierre. Tempo e Narrativa – Tomo 1. Campinas: Papirus Editora, 1994.) e (Benjamin, 1994BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas: magia e técnica, arte e política. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994.) experiências singularessociais (Reis, 2022REIS, Graça Regina Franco da Silva. Singularsocial. In: REIS, Graça Regina Franco da Silva; OLIVEIRA, Inês Barbosa de; BARONI, Patricia. Dicionário de Pesquisa Narrativa. Rio de janeiro: Ayvu, 2022. (No prelo).) como aporte teórico-metodológico-epistemológico e político para a produção de nossas pesquisas.

Por fim, trazemos a narrativa de um professor como forma de evidenciar, por meio de experiência empírica, aquilo que discutimos.

Mergulhando no Cotidiano das Pesquisas

O que me mata é o cotidiano. Eu queria só exceções

(Lispector, 1978LISPECTOR, Clarice. Um Sopro de Vida. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1978.).

A palavra cotidiano remonta à ideia de rotina e repetição, como podemos perceber na frase de Clarice Lispector que compõe a citação acima, em que a autora afirma querer só exceções, pois o cotidiano é o que a mata. Poucas pessoas negariam a sensação de “[…] todo dia ela faz tudo sempre igual”3 3 Trecho da música Cotidiano, do compositor Chico Buarque (1971). que o termo carrega no senso comum, pois “[…] aprendemos que relevante no nosso fazer é ‘o quê’, possível de ser medido, quantificado, regulamentado e controlado” (Alves; Oliveira, 2005ALVES, Nilda; OLIVEIRA, Inês Barbosa de. Uma História da Contribuição dos Estudos do Cotidiano Escolar ao Campo do Currículo. In: LOPES, Alice Casimiro; MACEDO, Elizabeth. Currículo: debates contemporâneos. São Paulo: Cortez, 2005. P. 78-102., p. 86).

No entanto, as pesquisas que envolvem os estudos nos/dos/com os cotidianos têm buscado compreender a complexidade presente na vida cotidiana, trazendo à tona o “[…] como, que varia de modo mais ou menos anárquico e caótico, não sendo, portanto, passível de análise quantitativa, nem de controle normativo, nem mesmo de regulamentações precisas” (Alves; Oliveira, 2005ALVES, Nilda; OLIVEIRA, Inês Barbosa de. Uma História da Contribuição dos Estudos do Cotidiano Escolar ao Campo do Currículo. In: LOPES, Alice Casimiro; MACEDO, Elizabeth. Currículo: debates contemporâneos. São Paulo: Cortez, 2005. P. 78-102., p. 86).

O cotidiano, nessa perspectiva, é um campo de diversidade, conflitos, embates e produção de conhecimentos diversos, e não apenas uma dinâmica de repetição sem criação. Então, como forma de pesquisar o cotidiano, “não passível de controle normativo”, aprendemos com Nilda Alves (2008)ALVES, Nilda. Sobre Movimentos das Pesquisas nos/dos/com os Cotidianos. In: ALVES, Nilda; OLIVEIRA, Inês Barbosa de (Org.). Pesquisa nos/dos/com os Cotidianos das Escolas – sobre redes de saberes. Petrópolis: DP et alii, 2008. P. 39-48. que há movimentos necessários aos quais devemos estar atentos.

A autora aponta a necessidade mergulho no cotidiano, pois é necessário estar com todos os sentidos atentos, pesquisando com, junto e não sobre algo. Alves nomeia esse movimento de “sentimento do mundo”.

Mergulhados, podemos perceber que aquilo que já pensávamos saber não nos serve mais, ou seja, precisamos nos despir das certezas, nosso exercício será “virar de ponta cabeça” (Alves, 2008ALVES, Nilda. Sobre Movimentos das Pesquisas nos/dos/com os Cotidianos. In: ALVES, Nilda; OLIVEIRA, Inês Barbosa de (Org.). Pesquisa nos/dos/com os Cotidianos das Escolas – sobre redes de saberes. Petrópolis: DP et alii, 2008. P. 39-48., p. 23) e tentar não julgar, suspeitando daquilo que imaginamos saber a priori. De acordo com Oliveira (2003, p. 71-72)OLIVEIRA, Inês Barbosa de. Currículos Praticados: entre a regulação e a emancipação. Rio de Janeiro: DP&A, 2003., “[…] as verdades são, desse ponto de vista, inimigas da aprendizagem”.

É preciso, então, refletir sobre a necessidade de reconhecer que existem múltiplas fontes de conhecimento. Devemos levar em conta sentimentos, toques, cheiros, escutas, ou seja, “[…] beber em todas as fontes” (Alves, 2008ALVES, Nilda. Sobre Movimentos das Pesquisas nos/dos/com os Cotidianos. In: ALVES, Nilda; OLIVEIRA, Inês Barbosa de (Org.). Pesquisa nos/dos/com os Cotidianos das Escolas – sobre redes de saberes. Petrópolis: DP et alii, 2008. P. 39-48., p. 27). Nesse sentido, é importante pensar outras formas de registrar nossas aprendizagens, narrando a vida e literaturizando a ciência (Alves, 2008ALVES, Nilda. Sobre Movimentos das Pesquisas nos/dos/com os Cotidianos. In: ALVES, Nilda; OLIVEIRA, Inês Barbosa de (Org.). Pesquisa nos/dos/com os Cotidianos das Escolas – sobre redes de saberes. Petrópolis: DP et alii, 2008. P. 39-48.), nos permitindo dizer, desdizer e perguntar mais do que responder.

Alves (2008)ALVES, Nilda. Sobre Movimentos das Pesquisas nos/dos/com os Cotidianos. In: ALVES, Nilda; OLIVEIRA, Inês Barbosa de (Org.). Pesquisa nos/dos/com os Cotidianos das Escolas – sobre redes de saberes. Petrópolis: DP et alii, 2008. P. 39-48. nos indica que o “[…] que de fato interessa nas pesquisas nosdoscom os cotidianos são as pessoas, os praticantes, como as chama Certeau” (1994, p. 46). Por isso, em texto posterior, a autora lembra o “ecce femina” (Alves, 2008ALVES, Nilda. Sobre Movimentos das Pesquisas nos/dos/com os Cotidianos. In: ALVES, Nilda; OLIVEIRA, Inês Barbosa de (Org.). Pesquisa nos/dos/com os Cotidianos das Escolas – sobre redes de saberes. Petrópolis: DP et alii, 2008. P. 39-48., p. 46), nome dado assim, no feminino, “[…] porque é mais apropriado aos cotidianos de nossas escolas” (Alves, 2008ALVES, Nilda. Sobre Movimentos das Pesquisas nos/dos/com os Cotidianos. In: ALVES, Nilda; OLIVEIRA, Inês Barbosa de (Org.). Pesquisa nos/dos/com os Cotidianos das Escolas – sobre redes de saberes. Petrópolis: DP et alii, 2008. P. 39-48., p. 46).

Pensando nesses cinco movimentos e percebendo a necessidade de conhecer aquilo que pulsa nos cotidianos, entendemos que isso só é possível mergulhadas, com todos os sentidos, sem buscar verdades absolutas e bebendo em todas as fontes.

Para isso, assumimos a narrativa como forma de fazer pesquisa com os cotidianos, pensando que pesquisar narrativamente nos impõe revisitar perspectivas teóricas-metodologicas-políticas-epistemológicas, pois entendemos que a escrita-leitura-escuta-sensível das narrativas nos ajuda a conhecer e compreender que há uma complexidade na vida cotidiana que precisa ser contada por seus praticantes, saindo do lugar hegemônico patriarcal, branco, cristão e colonial para produzir um conhecimento que seja pautado em outras racionalidades.

Em Busca de Outras Formas de compreender o Mundo

Boaventura de Sousa Santos desenvolve uma crítica à produção de conhecimento na modernidade que nos ajuda a pensar sobre a necessidade de produzir pesquisas que envolvam a diversidade de conhecimentos que existe no mundo. Ele afirma que esse conhecimento produzido é “desencantado e triste” (Santos, 2006bSANTOS, Boaventura de Sousa. A Gramática do Tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2006b., p. 53).

Denominamos modernidade, idade da razão, o conjunto de transformações que se inicia a partir do século XV na Europa com a descoberta do Novo Mundo, que envolve aspectos culturais (o Renascimento), políticos (o surgimento dos Estados Nacionais) e econômicos (o Capitalismo), gestado nos séculos XVI e XVII e tornado hegemônico a partir do século XVIII. Idade da razão porque é com a modernidade que as explicações teocêntricas, segundo as quais Deus conhecia e revelava seu conhecimento a uns poucos, são substituídas pelo advento da valorização da capacidade humana de conhecer, por meio de sua própria racionalidade

(Reis, 2014REIS, Graça Regina Franco da Silva. Por uma Outra Epistemologia de Formação: conversas sobre um projeto de formação de professoras no município de Queimados. 2014. 196 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014., p. 125).

Conhecer por meio da observação e explicação produziu um modelo que se tornou hegemônico e dogmático. Essa racionalidade representa e explica o tempo de forma linear. Santos (2004, p. 787)SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma Sociologia das Ausências e uma Sociologia das Emergências. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). Conhecimento Prudente para uma Vida Decente: um discurso sobre as Ciências revisitado. São Paulo: Cortez, 2004. P. 777-821. nomeia como “monocultura do tempo linear” a forma que concebemos o tempo na modernidade.

Essa forma monocultural de explicar o tempo nos remete a duas discussões: a primeira diz respeito à ideia de progresso como evolução, ou seja, seria a única forma de conceber o futuro. Aquilo ou aquele que sai desse lugar de progresso infinito é colocado no lugar do atraso. Assim, cria-se a impossibilidade da convivência. Algumas sociedades, assim, “[…] são transformadas não só em diferentes, mas em carentes, arcaicas, primitivas, tradicionais, pré-modernas” (Lander, 2005LANDER, Edgardo. Ciências Sociais: saberes coloniais e eurocêntricos. In: LANDER, Edgardo (Org.). A Colonialidade do Saber Eurocentrismo e Ciências Sociais: perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005. P. 21-54., p. 34).

Essa é uma forma de conceber o mundo em “isto ou aquilo”. Apostamos, a partir das pesquisas com narrativas, num tempo de “isto e aquilo”, sem que pensemos o mundo por meio de hierarquizações em relação à ideia de progresso como evolução, que cria o par de opostos – evolução e atraso. Queremos pesquisar a vida em sua complexidade e não a reduzir a um modelo estereotipado.

A segunda discussão que nos interessa pensar quando falamos em monocultura do tempo linear diz respeito ao presente e à necessidade de sua expansão.

Santos (2004, p. 779)SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma Sociologia das Ausências e uma Sociologia das Emergências. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). Conhecimento Prudente para uma Vida Decente: um discurso sobre as Ciências revisitado. São Paulo: Cortez, 2004. P. 777-821., ao propor outro modelo de racionalidade, que ele denomina razão cosmopolita funda ‘rês procedimentos sociológicos […]: a sociologia das ausências, a sociologia das emergências e o trabalho de tradução’. Para isso, aponta a necessidade de entendermos que ‘a compreensão do mundo excede em muito a compreensão ocidental do mundo’ (Santos, 2004SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma Sociologia das Ausências e uma Sociologia das Emergências. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). Conhecimento Prudente para uma Vida Decente: um discurso sobre as Ciências revisitado. São Paulo: Cortez, 2004. P. 777-821., p. 779), pois esta compreensão limitada, mostra apenas uma visão parcial e inadequada do conjunto de experiências sociais em curso no mundo, criando e legitimando um poder social que se relaciona ao tempo e à temporalidade, pois sua característica mais fundamental é contrair o presente e expandir o futuro. A contração do presente se dá quando, a partir de uma concepção linear de tempo e de uma planificação da história, vivemos para alcançar um futuro que se expande indefinidamente, tornando o presente, tempo do vivido, um instante fugaz e não experiencial

(Reis, 2014REIS, Graça Regina Franco da Silva. Por uma Outra Epistemologia de Formação: conversas sobre um projeto de formação de professoras no município de Queimados. 2014. 196 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014., p. 127).

Para Santos (2006a)SANTOS, Boaventura de Sousa. Um Discurso sobre as Ciências. São Paulo: Cortez, 2006a., deve haver uma transição entre o que ele denomina de razão indolente – modelo de racionalidade que não nos permite perceber a riqueza social que há no mundo – e o que ele denomina de razão cosmopolita – que requer a dilatação do presente –, essa deve ser iniciada com a sociologia das ausências. Dessa forma, será possível desinvisibilizar a riqueza social que existe no mundo hoje, reconhecendo que a pluralidade de saberes é infinita.

E é nessa perspectiva de pensar o mundo a partir de ecologias, no lugar de monoculturas, e de ampliação do presente e contração do futuro, proposta pela sociologia das ausências, que buscamos pensar a pesquisa narrativa. Dessa forma, exercitamos o não desperdício das experiências singularessociais, de maneira que possamos apontar que a história do mundo não pode ser contada de uma única forma, por um único povo, pois ela é plural, formada por diferentes formas de olhar-sentir-pensar. Segundo Adichie (2019, p. 26)ADICHIE, Chimamanda Ngozi. O Perigo de uma História Única. São Paulo: Companhia das Letras, 2019., “[…] a história única cria estereótipos, e o problema com os estereótipos não é que sejam mentira, mas que são incompletos. Eles fazem com que a história se torne a única história”. Para “expandir o presente” de forma a sair do lugar da história única, é necessário narrar, na perspectiva de multiplicar e desinvisibilizar as diferentes experiências singularessociais, pois

[…] superar a concepção de totalidade […] por meio da superação das lógicas monoculturais ou modos de produção de inexistências propostos pela sociologia das ausências, parece um caminho para a revalorização dessas experiências que, a partir do seu compartilhamento, podem ser ampliadas e tornadas concretas como projeto de futuro. Gallo (2003, p. 71), a partir de seus estudos sobre Negri, afirma que ‘mais importante do que anunciar o futuro, parece ser produzir cotidianamente o presente para possibilitar o futuro’

(Reis, 2016REIS, Graça Regina Franco da Silva. Narrativa de experiênciaprática como possibilidade de justiça cognitiva. e-Curriculum, São Paulo, v. 14, n. 4, p. 1332-1357, out./dez. 2016., p. 1341).

Assim, podemos pensar as narrativas singularessociais como formas de ampliar o presente, apontando as experiências existentes ao invés de desperdiçá-las.

Mas por que Narrativas Singularessociais?

Vimos que a ciência moderna toma os saberes que não são hegemonicamente reconhecidos como senso comum, os desqualificando em todas as suas possibilidades e potências.

É com esses saberes não reconhecidos que escolhemos trabalhar. A ciência, como hegemonicamente constituída, não admite que as histórias narradas por sujeitos de vida comum sejam concebidas como fontes de pesquisa. Por isso, Bourdieu (2005, p. 74)BOURDIEU, Pierre. Razões Práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus Editora, 2005. diz que as pesquisas que envolvem as narrativas de histórias de vida são “[…] uma dessas noções do senso comum que entraram de contrabando no universo da ciência”. Esses contrabandos são como as táticas de Certeau (1994)CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: 1. Artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994., que adentram o campo do inimigo, se aproveitando das ocasiões e trazendo à tona a importância de pensar a existência de outras formas de produzir conhecimento ao sair da matriz hegemônica moderna.

A pesquisa com narrativas de histórias vividas nos parece carregada de possibilidades emancipatórias. Temos aprendido que ao olharmos para nós mesmas/os e compreendermos que nossas aprendizagens estão relacionadas às nossas redes tecidas na experiência pessoal (singular) e coletiva (social), podemos nos abrir à possibilidade de perceber o quanto as histórias dos outros são também tecidas por meio dos seus vividos, possibilitando um conviver na diferença sem hierarquização. Como nos ensina Maturana (1999)MATURANA, Humberto. Emoções e Linguagem na Educação e na Política. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1999., olhar o outro como legítimo outro.

Entendemos que aprendizagens como essas são potentes para refinar nosso modo de perceber o cotidiano, proporcionando um conhecimento sobre nós e sobre o outro que pode nos ajudar a avaliar o quanto investimos no passado e temos vivenciado, de forma a alargar nosso presente, tecendo um futuro possível.

Assim, compreendemos que a pesquisa narrativa é fundamental no processo de ampliação do presente, pois precisamos contar as histórias de nossas experiências de forma que nos possibilite refletir sobre elas e ampliá-las, pois as narrativas reúnem e organizam os acontecimentos da existência, dando sentido às histórias de vida que são heterogêneas e polissêmicas.

Portanto, pensar as escolas, no caso da pesquisa que realizamos, por meio das narrativas docentes e discentes, nos ajuda a refletir sobre o que Alberti (2004, p. 26)ALBERTI, Verena. Ouvir contar: textos em história oral. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2004. chama de “fascínio do vivido”, que seria uma “[…] recuperação do vivido conforme concebido por quem viveu”. O que Alberti chama de fascínio é a experiência singular, pois “[…] o ato e a arte de lembrar jamais deixam de ser profundamente pessoais” (Portelli, 1997PORTELLI, Alessandro. Tentando aprender um Pouquinho: algumas reflexões sobre a ética na História Oral. Projeto História, São Paulo, PUC-SP, v. 5, p. 13-49, jul.-dec. 1997., p. 16). Ou seja, a memória dos sujeitos “são como as digitais, não existem duas iguais”.

No entanto, é importante considerar que a memória, para além de sua singularidade, é tecida socialmente, pois nossas experiências são elaboradas a partir das redes e contextos que nos constituem. Nesse sentido, afirmamos que as memórias são experienciadas socialmente de forma singular. Ou seja, são singularessociais.

Narrando as Experiências Vividas

A narrativa, que durante muito tempo floresceu

num meio de artesão – no campo, no

mar e na cidade –, é ela própria, num certo

sentido, uma forma artesanal de comunicação.

Ela não está interessada em transmitir

o ‘puro em-si’ da coisa narrada como uma

informação ou relatório. Ela mergulha a

coisa na vida do narrador para em seguida

retirá-la dele

(Benjamin, 1994BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas: magia e técnica, arte e política. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994.).

Vimos que narrar (do latim, narrare), que etimologicamente significa “fazer conhecer”, que reúne e organiza os acontecimentos, pode ser um caminho para promover a expansão do presente, conforme proposto por Santos (2004)SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma Sociologia das Ausências e uma Sociologia das Emergências. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). Conhecimento Prudente para uma Vida Decente: um discurso sobre as Ciências revisitado. São Paulo: Cortez, 2004. P. 777-821.. Ao narrarmos experiências singularessociais, temos a possibilidade de ampliá-las agora, no presente, desafiando o desperdício de experiências que tem caracterizado a produção de conhecimento na modernidade. A partir de uma perspectiva benjaminiana, Reis (2013, p. 9)REIS, Graça Regina Franco da Silva, 2013. Narrativas como prática de liberdade: a tessitura de uma pesquisa. In: REUNIÃO NACIONAL DA ANPED, 36., Goiânia. Anais […]. Goiânia: ANPED, 2013. Disponível em: http://36reuniao.anped.org.br/pdfs_trabalhos_aprovados/gt13_trabalhos_pdfs/gt13_2707_texto.pdf. Acesso em: 04 nov. 2022.
http://36reuniao.anped.org.br/pdfs_traba...
nos indica que

[…] a narrativa pretende quebrar com o isolamento do homem contemporâneo e o empobrecimento da experiência humana, que segundo ele, se assumiu com o advento do capitalismo na idade moderna. Na esteira da modernidade, vimos emergir outras formas de comunicação que não a narrativa, mas sim a informação.

Com essa perspectiva de que é necessário ampliar o presente, e saindo do lugar da informação; por meio da narrativa, trazemos Ricoeur (1994)RICOEUR, Pierre. Tempo e Narrativa – Tomo 1. Campinas: Papirus Editora, 1994., que nos presenteia com a ideia de tríplice presente: o presente do passado (memória), o presente do futuro (espera) e o presente do presente (percepção/visão). Ele busca essa concepção a partir de seus estudos do livro Confissões, de Santo Agostinho. Essa ideia nos ajuda a pensar a narrativa como possibilidade de ampliação do presente e contração do futuro, pois, no presente, narramos as memórias já vividas no passado, tecendo possibilidades de futuro mais concretas. Para Ricoeur, tempo e narrativa são indissociáveis, ou seja, a experiência é temporal, já que a memória do passado e a espera do futuro estão tecidos nas redes dos sujeitos.

A partir da ideia de ampliação de um presente que é tríplice, temos trabalhado com a formação de professores e professoras desde 2010. A narrativa de histórias de vida e de experiências curriculares vividas têm sido o nosso mote. Percebemos, nesse tempo, que professores e professoras se autoformam na relação com o outro. Ou seja, as narrativas ouvidas, contadas, escritas e lidas têm proporcionado uma formação que se dá na relação entre tempo e narrativa. Em rodas, nos cursos de formação4 4 Desde 2013, oferecemos, anualmente, o curso de extensão para professoras da rede pública municipal. que organizamos, no tempo de planejamento coletivo5 5 O projeto de extensão que coordenamos trabalha com licenciandas de Pedagogia em parceria com escolas públicas da cidade do Rio de Janeiro. , quando estudantes de licenciatura se reúnem com professoras das escolas onde atuam, ou por meio dos livros e filmes6 6 Temos organizado livros e filmes com narrativas docentes. que temos produzido, notamos que o exercício de compartilhar experiências gera uma reflexão sobre si e sobre o outro.

Nesse processo de narrar a vida, percebemos que professoras e professores podem (re)inventá-la, escolhendo, no passado da memória e na espera do futuro, aquilo que lhes parece importante para o seu processo de formação, que é sempre reflexivo. Afirmamos, por meio de nossos estudos, que a formação se dá a todo o tempo, e temos nomeado esse processo como formação contínua (Reis, 2014REIS, Graça Regina Franco da Silva. Por uma Outra Epistemologia de Formação: conversas sobre um projeto de formação de professoras no município de Queimados. 2014. 196 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.). Por meio das narrativas singularessociais desses processos, é possível redirecionar seu percurso e mudar trajetos.

Trago aqui, como experiência vivida, os excertos de uma história narrada pelo professor Edson Gomes, em que o autor narra uma experiência que é singularsocial, porque narra sua história, que é vivida coletivamente, como todas as histórias, e que, por isso, nos ajuda a pensar, a partir de uma vivência singular, formas mais ampliadas de ver o mundo social.

Há 17 anos, em uma escola municipal no interior de Minas Gerais, em Paracatu, um menino franzino e baixo, com sua cabeleira negra e milimetricamente penteada de lado e cheia de gel fixador, assistia ansioso sua professora de português predizer o futuro dos seus colegas de classe. Dizia para uma: ‘Ah, você será médica!’. Para outro: ‘Você será advogado’, ‘jogador de futebol’, ‘modelo’, e por aí ela seguia. Sua vez parecia não chegar nunca, até que, tomado por ansiedade, ele a provocou: ‘E eu, professora? E eu?!’. Pensativa, mas nem tanto, a resposta veio segura e sorridente: ‘Você… vendedor de tecidos!’. Obviamente, todas as pessoas que ouviram o que ela disse riram, e o menino, que era eu, também riu complacentemente. Eu tinha, na época, 14 anos e estava na oitava série, e esse tragicómico episódio, que me inferiorizava diante da turma, seria apenas um dos vários que pude colecionar pelos meus primeiros nove anos de escolaridade.

Além do vendedor de tecidos, aquela classe contava com outros e outras estudantes que sequer teriam a coragem que tive para provocar uma resposta da professora. Eu e demais colegas estávamos marcados e marcadas por nossas notas e comportamentos, mas, sobretudo, por tezes morenas ou negras, por nossas histórias familiares, que eram resumidas socialmente a separações, agressões, mães solo, analfabetismo, moradias precárias etc. Os futuros médicos e médicas, advogados, engenheiras eram, em sua maioria, estudantes brancos e brancas que correspondiam às expectativas escolares ou que, mesmo aquém delas, poderiam ser enquadrados como membros no ideal de ‘família Doriana’

(Gomes, 2021GOMES, Edson Soares. O Vendedor que virou Professor. In: REIS, Graça et al. (Org.) Narrativas na/da Pandemia. Rio de Janeiro: Ayvus, 2021. P. 71-76., p. 71).

A narrativa do, hoje, professor Edson, nos lembra que somente terão um lugar no topo da árvore social (Alves, 2000ALVES, Nilda. Os Romances das Aulas. Movimento, Niterói, n. 2, p. 7-32, set. 2000.) aqueles que demonstrarem familiaridade com os conhecimentos reconhecidos, o que nas escolas se converte em apropriação dos conteúdos de ensino. Podemos discutir aqui a ideia de monocultura de saberes (Santos, 2004SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma Sociologia das Ausências e uma Sociologia das Emergências. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). Conhecimento Prudente para uma Vida Decente: um discurso sobre as Ciências revisitado. São Paulo: Cortez, 2004. P. 777-821.), que reconhece como válidos somente conhecimentos científicos. Essa é uma das marcas da sua hegemonia e da sua soberania social. Há grupos sociais com maior acesso a essa forma de conhecimento e há aqueles cujas “ignorâncias” tornam-se suas marcas, porque os conhecimentos que lhes habitam não são considerados válidos. Muitos desconhecem ou não reconhecem o que a escola espera deles, de modo que seguem impossibilitados de ir adiante por não conseguirem acessar os conhecimentos que “deveriam”.

E o que leva a professora a achar que Edson seria um vendedor de tecidos? Ele ou outro estudante qualquer poderiam, sim, ser vendedores de tecido no futuro, o problema não está na profissão, mas sim na desqualificação do ofício frente às outras profissões apontadas anteriormente por ela. Queremos trazer aqui a ideia de que, pela ausência de crítica aos modelos hegemonicamente construídos de estudante, escola, família etc., a professora reforça processos de exclusão. Talvez ela nunca tenha percebido o quanto essa maneira de ser professora é excludente, porque sua forma de perceber o mundo está nela arraigada. Essa, talvez, seja uma das crueldades dessa racionalidade, reproduzir sua lógica sem explicitação ou consciência da exclusão que provoca, naturalizando as desigualdades que se instalaram historicamente; uma desigualdade social caracterizada, muitas vezes, por uma suposta inferioridade étnica.

Edson finaliza assim o seu texto:

Agora doutor e docente em um dos colégios mais tradicionais do Rio de Janeiro, tornava-me mais distante da profecia anunciada por minha antiga professora. Mas ainda precisava lidar com minhas marcas sociais: se impôs, como nunca, a necessidade de me esforçar cotidianamente para reconhecer e retirar minhas persistentes máscaras brancas. Um compromisso que assumi com meus alunos e alunas, com a educação pública e comigo mesmo. Uma explosão de dores e alegrias, sem dúvida, mas que precisavam se converter em energia suficiente para engendrar práticas pedagógicas de transformação social.

No contexto pandêmico, minha prática enquanto professor orientador educacional permanece, inevitavelmente, voltada para ações comprometidas com a formação de todos e todas em uma perspectiva crítica do currículo, o que incluiu centrar-me em práticas capazes de potencializar as possibilidades de vivências e aprendizagens de estudantes, sobretudo quando estão em situação de desvantagens sociais. É de se esperar, portanto, que as desigualdades sociais, escancaradas ainda mais durante a pandemia, me causem muita aflição. Mas posicionar-me assim é irremediável. Implica entender a defesa de práticas inclusivas como um princípio moral, político e ético. Moral, porque me sinto impelido a contribuir para uma educação pública melhor do que a que tive acesso e torná-la igualmente mais acessível. Político, pois este entendimento demanda posicionar-se frente a posições nem sempre coerentes com o caráter democrático da educação pública e portanto, desenham-se, silenciosamente, como excludentes e segregacionistas. E ético, por se dar eminentemente através de processos complexos e não lineares que jamais podem perder de vista o compromisso com práticas efetivas que favoreçam à formação e à transformação dos estudantes com os quais trabalho, da escola e, consequentemente, de mim mesmo.

Ao olhar para minha trajetória, percebo que seria incoerente não ter este entendimento sobre meu papel enquanto professor. Hoje, atuando como orientador educacional, mantenho o trabalho de gestão pedagógica, de atuação com as famílias e com a formação de estudantes atento para todas as questões que vivi durante minha formação escolar. E nesse momento, vivo tudo isso em confinamento tendo de me dividir entre o trabalho que desempenho em toda sua complexidade e angústias, com os afazeres domésticos, de cuidado com minha esposa grávida e com minha filha de quatro anos.

De qualquer modo e a despeito do momento calamitoso que vivemos, penso que só de estar onde estou hoje, subverto o racismo estrutural e institucional presente em nossa sociedade. Mas é preciso trabalhar, e muito. E sentir-me impedido a isso me faz concordar, em parte, com minha professora de português, afinal, talvez eu tenha mesmo me tornado um vendedor… Não de tecidos, de ferramentas ou de móveis, mas de utopias que me movem e que se costuram no cotidiano da escola pública

(Gomes, 2021GOMES, Edson Soares. O Vendedor que virou Professor. In: REIS, Graça et al. (Org.) Narrativas na/da Pandemia. Rio de Janeiro: Ayvus, 2021. P. 71-76., p. 75-76).

A que marcas sociais Edson se refere? Ele fala de racismo estrutural e individual, dois conceitos bem explicitados no trabalho de Silvio Almeida (2020, p. 35)ALMEIDA, Silvio. Racismo Estrutural. São Paulo: Pólen, 2020.. O autor apresenta três concepções de racismo: individualista, institucional e estrutural, a partir dos critérios de racismo e subjetividade, de racismo e Estado e de racismo e economia.

Almeida (2020, p. 37)ALMEIDA, Silvio. Racismo Estrutural. São Paulo: Pólen, 2020. aponta que o racismo individualista é aquele que culpa isoladamente os sujeitos, como se o racismo fosse somente uma questão de educação, de ética ou de amparo psicológico. Reforça a importância das sanções individuais, pois o “[…] racismo é uma imoralidade e também um crime”. No entanto, aponta a fragilidade de se pensar o racismo fora da questão social. Ou seja, é necessário pensar o racismo como característica de uma sociedade. Ele afirma:

[…] o que se pode verificar até então é que a concepção institucional do racismo trata o poder como elemento central da relação racial. Com efeito, o racismo é dominação. É, sem dúvida, um salto qualitativo quando se compara com a limitada análise de ordem comportamental presente na concepção individualista

(Almeida, 2020ALMEIDA, Silvio. Racismo Estrutural. São Paulo: Pólen, 2020., p. 40).

Para o autor, o racismo institucional se dá como dominação a partir do “[…] estabelecimento de parâmetros discriminatórios baseados na raça que servem para manter a hegemonia do grupo racial no poder” (Almeida, 2020ALMEIDA, Silvio. Racismo Estrutural. São Paulo: Pólen, 2020., p. 40). Esse conceito mostra-se como um avanço nas relações raciais, mas ainda não dá conta de pensar o racismo na sua completude e, por isso, o autor nos fala sobre a importância de pensar o racismo como estrutura da sociedade, o que não invalida pensar nas responsabilidades individuais e institucionais, “[…] pelo contrário: entender que o racismo é estrutural, e não um ato isolado de um indivíduo ou de um grupo, nos torna ainda mais responsável pelo combate ao racismo e aos racistas” (Almeida, 2020ALMEIDA, Silvio. Racismo Estrutural. São Paulo: Pólen, 2020., p. 46). Ou seja, é fundamental compreender que o racismo é uma prática de naturalização das desigualdades, ou, nos dizeres de Santos (2004)SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma Sociologia das Ausências e uma Sociologia das Emergências. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). Conhecimento Prudente para uma Vida Decente: um discurso sobre as Ciências revisitado. São Paulo: Cortez, 2004. P. 777-821., uma monocultura da naturalização das diferenças.

Podemos inferir por toda a discussão trazida por Edson que ele busca sair desse lugar, exercitando uma “ecologia dos reconhecimentos” (Santos, 2004SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma Sociologia das Ausências e uma Sociologia das Emergências. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). Conhecimento Prudente para uma Vida Decente: um discurso sobre as Ciências revisitado. São Paulo: Cortez, 2004. P. 777-821.), pois trabalha buscando transgredir a monocultura que naturaliza as diferenças (Santos, 2004SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma Sociologia das Ausências e uma Sociologia das Emergências. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). Conhecimento Prudente para uma Vida Decente: um discurso sobre as Ciências revisitado. São Paulo: Cortez, 2004. P. 777-821.) a partir do momento em que se pauta em “[…] práticas capazes de potencializar as possibilidades de vivências e aprendizagens de estudantes, sobretudo quando estão em situação de desvantagens sociais” (Gomes, 2021GOMES, Edson Soares. O Vendedor que virou Professor. In: REIS, Graça et al. (Org.) Narrativas na/da Pandemia. Rio de Janeiro: Ayvus, 2021. P. 71-76., p. 75).

Nessa busca por modos de fazer mais inclusivos, Edson nos mostra que suas preocupações estão baseadas na moral, na ética e na política, entendendo que há indissociabilidade entre esses três quesitos na realização de um trabalho que reconheça os diferentes e as diferenças.

Em sua concepção, só pelo fato de estar onde está hoje, professor do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ele já está subvertendo o racismo que estrutura a sociedade, saindo do lugar em que foi colocado por sua professora muito tempo atrás.

Edson busca em seu passado (memória) histórias que o ajudem a alargar o presente (visão) com seu trabalho cotidiano, em busca de um futuro (espera) mais inclusivo. Ou seja, sua narrativa explicita a ideia de tríplice presente.

O que andamos aprendendo: considerações quase iniciais

Pesquisar com os cotidianos narrativamente, mergulhadas na pesquisa, exercitando o não desperdício das experiências, tem trazido à tona histórias plurais e que afirmam a importância de sairmos do lugar da história única, buscando outras racionalidades. A linguagem tem um papel marcante na constituição de nossas vidas, e, por meio dela, podemos perceber modos singularessociais de narrar a vida vivida.

No exercício de narrar-ouvir-contar-escrever, exercitamos o não desperdício das experiências, que são múltiplas, plurais e não repetíveis, pois são vividas pelos sujeitos no seu cotidiano e tecidas em suas redes, trazendo nelas o tríplice presente apresentado por Ricoeur: o presente do passado, que é a memória; o presente do presente, que é a visão; e o presente do futuro, que é a espera.

Podemos inferir que a narrativa é um espaçotempo que não tem fronteiras, permitindo uma movimentação entre o que somos e que nos constitui. Assim, podemos pensar em refazimento, sempre, pois o ato de tomar consciência de nossa postura como sujeitos estrutura essa postura perante o mundo, podendo mudar nossos caminhos. Nas palavras de Pérez (2003, p. 6)PÉREZ, Carmen Lúcia Vidal. O Lugar da Memória e a Memória do Lugar na Formação de Professores: a reinvenção da escola como uma comunidade investigativa. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 26., 2003, Poços de Caldas. Anais […]. Poços de Caldas: ANPED, 2003. Disponível em: http://www.anped.org.br/reunioes/26/inicio.htm. Acesso em: 18 out. 2012.
http://www.anped.org.br/reunioes/26/inic...
, há a possibilidade de “[…] resgatar sonhos que precisam ser sonhados, através da prática de uma sociologia das ausências, que nos permite conhecer o que ainda não existe, numa realidade que sendo tão nossa nos escapa”.

A pesquisa narrativa com os cotidianos das escolas tem nos ajudado a desaprender as verdades rígidas que não nos deixam perceber a complexidade do mundo. Segundo Queirós (1996, p. 10)QUEIRÓS. Bartolomeu Campos de. Ler, escrever e fazer conta de Cabeça. Belo Horizonte: Miguilin, 1996., é necessário “[…] diminuir o tamanho do mistério, abrir portas para receber novas lições, destramelar as janelas e espiar mais longe”. A escolha teórico-metodológico-epistemológica e política de trabalhar com narrativas singularessociais e o “mergulho sem a boia” (Alves, 2008ALVES, Nilda. Sobre Movimentos das Pesquisas nos/dos/com os Cotidianos. In: ALVES, Nilda; OLIVEIRA, Inês Barbosa de (Org.). Pesquisa nos/dos/com os Cotidianos das Escolas – sobre redes de saberes. Petrópolis: DP et alii, 2008. P. 39-48.) têm nos ajudado a aprender muito sobre as escolas e a educação.

Além disso, as narrativas proporcionam um aprender com o outro, abrindo possibilidades de ver, ouvir e sentir o que sozinhos não nos é possível. É narrando que ampliamos o presente, percebemos a complexidade da vida cotidiana e podemos, então, pensar em soluções, mesmo que provisórias, para os dilemas vividos cotidianamente nas escolas.

A pesquisa narrativa desinvisibiliza “maneiras de fazer” (Certeau, 1994CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: 1. Artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994., p. 152) que nos permitem encontrar brechas e falhas nas conjunturas que vão se abrindo na vigilância do poder, para fazermos a crítica à produção de conhecimento na modernidade, podendo pensar a partir de outras racionalidades, mais ecológicas e não excludentes, como nos ensina Edson.

Notes

  • 1
    Modelo de racionalidade ocidental que reproduz formas de pensamento que perpetuam práticas antidemocráticas, por não considerar relevantes as experiências sociais.
  • 2
    Nas pesquisas nos/dos/com os cotidianos utilizamos o “princípio da juntabilidade” das palavras quando duas ou mais palavras, ao serem unidas na escrita, assumem significado diferente daqueles que tinham quando separadas.
  • 3
    Trecho da música Cotidiano, do compositor Chico Buarque (1971)BUARQUE, Chico. Cotidiano. São Paulo: Cara Nova Editora Musical, 1971..
  • 4
    Desde 2013, oferecemos, anualmente, o curso de extensão para professoras da rede pública municipal.
  • 5
    O projeto de extensão que coordenamos trabalha com licenciandas de Pedagogia em parceria com escolas públicas da cidade do Rio de Janeiro.
  • 6
    Temos organizado livros e filmes com narrativas docentes.

Referências

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  • SANTOS, Boaventura de Sousa. A Gramática do Tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2006b.
Editora responsável: Lodenir Karnopp

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    30 Mar 2022
  • Aceito
    24 Jun 2022
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