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O Financiamento da Educação em Moçambique e seus Desafios

RESUMO

Este artigo tem como objetivo analisar o financiamento da educação em Moçambique numa altura em que o setor está enfrentando problemas de exiguidade de fundos para o financiamento e implementação das suas políticas. Como procedimentos metodológicos, realizamos uma pesquisa bibliográfica sobre o tema e analisamos os documentos do setor de educação – Conta Cidadão e Contas Gerais do Estado – do período de 2015 a 2020. Os resultados desta pesquisa nos mostram que, embora o financiamento direto do governo ao setor da educação, por meio de fonte interna, esteja a crescer, esse crescimento ainda está aquém das necessidades do setor. O financiamento da educação em Moçambique depende, ainda, em grande medida, do apoio externo de doadores.

alavras-chave
Financiamento Educacional; Educação Primária e Secundária; Educação Moçambicana; Políticas de Educação

ABSTRACT

This article aims to analyze the funding of education in Mozambique at a time when the sector is facing problems of scarcity of funds for the financing and implementation of its policies. As methodology, we conducted a bibliographic research on the subject and analyzed the documents of the education sector – Citizen Account and State General Accounts – from 2015 to 2020. The findings of this research show us that, although government direct funding to the education sector, through an internal source, is growing, this growth is still below the needs of the sector. The funding of education in Mozambique is still largely dependent on external donors’ support.

Keywords
Educational Funding; Primary and Secondary Education; Mozambican Education; Education Policies

Introdução

O financiamento da educação é um dos problemas que a maioria dos países subdesenvolvidos enfrenta no seu dia a dia. Muitos desses países, devido à fragilidade de seus respectivos Estados e sua condição pós-colonial, apresentam dependência econômica (Crossley, 2001CROSSLEY, Michael. Cross-cultural inssue, small states and research: Capacity Building in Belize. International Jounal of Education Development, v. 21, n. 3, p. 217-229, 2001.; Williams, 2009WILLIAMS, Letitia. Globalization of Education policy: Its effects on developing countries. In: ZAJDA, Joseph; RUST, Val (Org.). Globalization Policy and comparative research: discourses of Globalization. Netherlands: Springer, 2009. P. 77-92.). Vieira, Vidal e Queiroz (2021)VIEIRA, Sofia Lerche; VIDAL, Eloisa Maia; QUEIROZ, Paulo Alexandre Sousa. Financiamento e Expansão do Ensino Médio: o caso da diversificação da oferta no Ceará. EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 58, p. 1-23, jul./set. 2021. argumentam que o “financiamento da educação é um tema-chave do debate sobre política educacional. Longe de constituir-se em questão esgotada pela literatura no campo, representa desafio fecundo e permanente à reflexão” (Vieira; Vidal; Queiroz, 2021VIEIRA, Sofia Lerche; VIDAL, Eloisa Maia; QUEIROZ, Paulo Alexandre Sousa. Financiamento e Expansão do Ensino Médio: o caso da diversificação da oferta no Ceará. EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 58, p. 1-23, jul./set. 2021., p. 1).

Para o caso de Moçambique, desde que o país ficou independente, em 1975, o Estado moçambicano enfrenta problemas para o financiamento de sua educação. Sobre esta realidade, Oliveira (1995)OLIVEIRA, Romualdo P. Educação e Cidadania: o Direito à Educação na Constituição de 1988 da República Federativa do Brasil. 1995. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade de São Paulo, 1995. afirma que “viabilizar a educação pública democrática e de qualidade implica prever fontes de financiamento” (Oliveira, 1995OLIVEIRA, Romualdo P. Educação e Cidadania: o Direito à Educação na Constituição de 1988 da República Federativa do Brasil. 1995. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade de São Paulo, 1995., p. 76).

Autores como Roggero e Silva (2021)ROGGERO, Rossemary; SILVA, Adriana Zanini da. A disputa dos recursos públicos da educação básica, os arranjos do estado com o mercado e seus impactos na gestão democrática e participativa da educação no âmbito dos municípios. EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 58, p. 1-17, jul./set. 2021. nos advertem que “recursos educacionais adequados contribuem fortemente para impulsionar a diminuição das desigualdades educacionais e sociais” (Roggero; Silva, 2021ROGGERO, Rossemary; SILVA, Adriana Zanini da. A disputa dos recursos públicos da educação básica, os arranjos do estado com o mercado e seus impactos na gestão democrática e participativa da educação no âmbito dos municípios. EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 58, p. 1-17, jul./set. 2021., p. 2). Campanha... (2020)CAMPANHA Nacional pelo Direito à Educação. Nota Técnica EC 26/2020: Por que é imprescindível constitucionalizar o CAQ. Campanha: agosto, 2020. São Paulo: Campanha. Disponível em: https://campanha.org.br/. Acesso em: 11 nov. 2020.
https://campanha.org.br/...
, Cara (2012)CARA, Daniel. Por Que 10% do Pib Para a Educação Pública? A Posição da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Educação em Revista, Marília, v. 13, n. 1, p. 13-30, jan./jun. 2012., Ximenes (2015)XIMENES, Salomão Barros. Direito à educação e sistemas privados de ensino nas redes públicas: hipóteses para análise jurídica. Educação: Teoria e Prática, Rio Claro, v. 25, p. 563-577, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.18675/1981-8106.vol25.n50.p563-577. Acesso em: 23 set. 2019.
https://doi.org/10.18675/1981-8106.vol25...
, Araújo (2016)ARAÚJO, Luiz. O CAQi e o novo papel da União no financiamento da Educação Básica. Jundiaí: Paco Editorial, 2016. e Pinto (2018)PINTO, José Marcelino de. O financiamento da educação na Constituição Federal de 1988: 30 anos de mobilização social. Educação & Sociedade, Campinas, v. 39, n. 145, p. 846-869, nov. 2018. estão entre os autores que destacam que o financiamento da educação é um dos eixos para o avanço social, econômico e político de uma Nação.

A dificuldade de financiar a educação moçambicana fez com que o país, mais tarde, optasse por pedir apoio a seus parceiros internacionais para ajudar a financiá-la. Numa primeira fase os financiamentos externos provinham de vários países (bilaterais e multilaterais), desde o período de orientação socialista (1975-1986) e na fase posterior do Multipartidarismo (1990). Estes financiamentos eram direcionados diretamente para o Orçamento Geral do Estado, com término em 2001. Em 2002, foi Criado o Fundo de Apoio ao Sector da Educação (FASE), que é o instrumento principal para a canalização de fundos externos ao setor – “O fundo comum (FASE) é o instrumento mais alinhado para a canalização dos fundos externos para o financiamento do plano anual do sector, usando os procedimentos e instrumentos do Estado no que respeita à planificação, orçamentação, execução e monitoria”, afirma o Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano (MINEDH, 2010MINEDH. Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano. Plano Estratégico de Educação (2012-2016): vamos aprender, construindo competências para o desenvolvimento de Moçambique (versão aprovada pelo Conselho de Ministros no dia 12 de junho de 2012). Maputo, 2012., p. 56).

O Fundo Comum (FASE), através do qual é canalizada a maior parte do financiamento externo ao setor, contribui para o financiamento de programas-chave com enfoque no financiamento de programas para o ensino básico, como o livro escolar, apoio direto às escolas, formação de professores, supervisão e construção acelerada de salas de aula. Metade da despesa do FASE é despesa corrente.

Dentre os vários objetivos do FASE, destacam-se: [1] - alcançar o Objetivo de Desenvolvimento do Milênio; [2] - Atingir o Ensino Básico Universal para todos; e [3] - assegurar a conclusão de um ensino primário para todas as crianças em 2015. O Fundo de Apoio ao Sector de Educação foi criado pela Iniciativa Acelerada de Educação para Todos (FTI). A FTI segue o compromisso da comunidade internacional firmado no 4º Fórum Mundial sobre Educação para Todos, em Dakar, segundo o qual nenhum país comprometido com a provisão de uma educação básica para todos e com um plano credível ficaria limitado de alcançar este objetivo por falta de recursos financeiros (MINEDH, 2010MINEDH. Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano. Plano Estratégico de Educação (2020-2029): por uma educação, inclusiva, patriótica e de qualidade. Maputo, 2020., p. 8). Portanto, foi por meio da Iniciativa Acelerada de Educação para Todos (FTI) que se introduziu o Apoio Direto às Escolas (ADE).

Hanlon (1997)HANLON, Joseph. Paz sem Beneficio. Como o FMI Bloqueia a Reconstrução de Moçambique. Maputo: Centro de Estudos Africanos, Universidade Eduardo Mondlane, 1997. (Coleção Nosso Chaão). considera que “Moçambique tornou-se o país “mais dependente da ajuda externa do mundo e provavelmente ainda o é” (Hanlon, 1997HANLON, Joseph. Paz sem Beneficio. Como o FMI Bloqueia a Reconstrução de Moçambique. Maputo: Centro de Estudos Africanos, Universidade Eduardo Mondlane, 1997. (Coleção Nosso Chaão)., p. 15). Abrahamsson e Nilsson (1994)ABRAHAMSSON, Hans; NILSSON, Anders. Moçambique em transição: um estudo da história de desenvolvimento durante o período de 1974-1992. Maputo: Padrigu, 1994. afirmam que “Moçambique encontra-se hoje numa situação consideravelmente pior do que na altura da independência” (Abrahamsson; Nilsson, 1994ABRAHAMSSON, Hans; NILSSON, Anders. Moçambique em transição: um estudo da história de desenvolvimento durante o período de 1974-1992. Maputo: Padrigu, 1994., p. 73).

Somos da opinião de que o país deve diminuir a ajuda externa e criar as suas próprias fontes de investimento para a educação e outras áreas sociais e econômicas. Enquanto a educação continuar a ser financiada pelos parceiros da educação, serão eles que continuarão a traçar as políticas educacionais de Moçambique e, dificilmente, sairemos dessa dependência externa. Os documentos do Banco Mundial (1995) evidenciam esta realidade. O relatório de Monitoramento Global de Educação Para Todos alerta-nos que “modelos externos de boas práticas educacionais, defendidos sem muita convicção por diferentes grupos de agências, geralmente não estão suficientemente sintonizados com as circunstâncias locais” (UNESCO, 2005UNESCO. Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Educação para todos: o imperativo da qualidade. Relatório de monitoramento global. Brasília, DF: Unesco; São Paulo: Moderna, 2005., p. 23).

Na incapacidade de gerir e financiar a educação, o Estado moçambicano optou pela privatização da educação desde 1990 como forma de se livrar dos encargos financeiros. Portanto, Moçambique se esqueceu de que não há uma única experiência no mundo que desenvolveu altos padrões educacionais com discursos, mas, sim, com recursos. Silva e Oliveira (2020)SILVA, Rui da; OLIVEIRA, Joana. Privatização da educação em 24 países africanos: tendências, pontos comuns e atípicos. Educação & Sociedade, Campinas, v. 41, 2020. nos alertam que “[...] quando os Estados dependem da privatização para expandir o acesso a educação, essa abordagem pode entrar em conflito com a promoção da universalização do acesso, especialmente para as populações mais marginalizadas” (Silva; Oliveira, 2020SILVA, Rui da; OLIVEIRA, Joana. Privatização da educação em 24 países africanos: tendências, pontos comuns e atípicos. Educação & Sociedade, Campinas, v. 41, 2020., p. 14).

Este artigo divide-se, pois, em quatro partes. A primeira parte se debruçará sobre as modalidades de financiamento da educação em Moçambique. Na segunda parte realizar-se-á a análise do orçamento geral do Estados nos últimos cinco anos. Na última parte serão abordados os desafios de financiamento de Moçambique.

Modalidades de Financiamento da Educação em Moçambique

No Plano Estratégico da Educação 2020-2029: por uma educação inclusiva, patriótica e de qualidade – PEE 2020-2029 (MINEDH, 2020MINEDH. Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano. Plano Estratégico de Educação (2020-2029): por uma educação, inclusiva, patriótica e de qualidade. Maputo, 2020.), do Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano de Moçambique, lê-se:

[...] a Estratégia de Financiamento adoptada em anos anteriores reunia em si a angariação de recursos, de modo combinado, de diferentes formas. Recursos do Estado, Recursos dos Parceiros de Cooperação (em diferentes modalidades), Recursos dos Pais e Encarregados de Educação e Contribuições do Sector Privado e Organizações Não-Governamentais (em espécie ou em numerário)

(MINEDH, 2020MINEDH. Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano. Plano Estratégico de Educação (2020-2029): por uma educação, inclusiva, patriótica e de qualidade. Maputo, 2020., p. 174).

Dentre as maiores contribuições no Setor, destacaram-se os recursos do Estado via Orçamento do Estado e os recursos dos Parceiros de Cooperação, canalizados através de um fundo comum chamado Fundo de Apoio ao Sector de Educação (FASE).

A fonte externa de financiamento é constituída por apoio direto ao orçamento do setor (ou semelhante a esta modalidade), projetos bilaterais e multilaterais (que podem ser implementados em conjunto ou por uma das partes ou com inputs distintos e que variam caso a caso e dependendo da entidade financiadora), contribuições e doações em espécie e parcerias com o setor privado (ainda em número e volume reduzidos) (MINEDH, 2020MINEDH. Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano. Plano Estratégico de Educação (2020-2029): por uma educação, inclusiva, patriótica e de qualidade. Maputo, 2020., p. 176).

São canalizados anualmente em Moçambique cerca de 75% dos fundos externos ao setor através de Fundo de Apoio ao Sector de Educação (FASE). Deste valor, somente 30% são usados para as construções escolares.

Nos últimos anos, o número de parceiros e o volume de contribuições do grupo da FASE reduziram, porque alguns parceiros que apoiavam orçamento do Estado e o financiamento do setor de Educação em Moçambique abandonaram o país quando se despoletaram as famosas dívidas ocultas de 2,2 milhões de dólares em 2015. Alguns países permaneceram e outros voltaram mais tarde a exercer os seus compromissos de ajuda externa. Por exemplo, em resposta à crise econômica e social nacional provocada pela Covid-19, a União Europeia (EU) retomou o apoio ao Orçamento do Estado (OE) por meio do programa de curto prazo denominado de Contrato de Construção da Resiliência do Estado (SRBC, sigla em inglês). De acordo como o Movimento da Educação Para Todos (MEPT), o programa visa auxiliar o governo de Moçambique a mitigar os impactos socioeconômicos da pandemia, com enfoque específico na educação, proteção social e saúde, o que se traduziu na assinatura deste novo programa em novembro de 2020, com um acordo de financiamento assinado entre a EU e o governo moçambicano de duração de três anos. Para garantir o uso eficiente e eficaz desse fundo, foi confiada ao MEPT a realização da “monitoria dos fundos alocados ao Setor de Educação no Contexto da Covid-19”.

É importante salientar que o Memorando de Entendimento que norteou o mecanismo de financiamento da FASE terminou em 2019 e teve a sua extensão para um período subsequente, de 2020 até 2029.

O financiamento externo também provém de ONG nacionais e internacionais que apoiam diretamente as escolas, com doações de material, construção e reabilitação de salas de aulas, capacitação dos professores em exercício, bem como nas áreas de alfabetização e do desenvolvimento das atividades de primeira infância (Ensino Pré-Escolar).

O setor privado tem contribuído timidamente para o crescimento do setor da Educação e é orientado, em particular, à reforma da Educação Técnico-Profissional. O Plano Estratégico 2012-2019 “teve um contributo em termos de provisão de serviços educativos, através da construção de escolas técnicas privadas, disponibilização de equipamento e materiais escolares e de bolsas de estudo” (MINEDH, 2020MINEDH. Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano. Plano Estratégico de Educação (2020-2029): por uma educação, inclusiva, patriótica e de qualidade. Maputo, 2020., p. 176).

O setor da Educação, tal como outros setores, prioritários ou não, obedece à modalidade de financiamento composta por contribuição de recursos internos e externos. A fonte interna financia a maior parte da despesa do setor da educação (cerca de 83%, em 2018, e 89%, em 2019), como os salários do pessoal docente e não docente e os bens e serviços para o funcionamento das instituições. A contribuição interna (fonte interna de financiamento) é aquela cuja dotação provém de recursos internos derivados de coletas fiscais do Estado.

O relatório de políticas educacionais do setor aponta que, “em Moçambique, o orçamento corrente representa cerca de 81% do orçamento total da educação, enquanto o restante é dedicado ao investimento” (MINEDH; UNESCO, 2019MINEDH. Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano; UNESCO. Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Revisão de Políticas Educacionais-Moçambique. Paris: UNESCO, 2019., p. 89).

A outra contribuição interna provém da pequena contribuição dos encarregados de educação, em certos casos, para o pagamento dos guardas. Esta contribuição tem criado polêmicas entre os pais e encarregados de educação, os quais afirmam: “não temos a obrigação de contribuir para o salário dos guardas, porque é direito do Estado pagar o salário deles”. Mesmo assim, o setor não recuou até hoje, defendendo que:

Estas contribuições são bem-vindas e devem ser encorajadas, geridas e reportadas com transparência à comunidade escolar, mas não devem ser entendidas, pelos pais e encarregados de educação, como uma obrigação ou condição de acesso ao ensino

(MINEDH, 2020MINEDH. Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano. Plano Estratégico de Educação (2020-2029): por uma educação, inclusiva, patriótica e de qualidade. Maputo, 2020., p. 176).

Uma outra fonte interna do financiamento da educação provém das receitas das escolas. No setor da Educação, as receitas próprias são aquelas que vêm através da cobrança de taxas de matrículas, aluguel de estabelecimentos, produção escolar, principalmente em escolas técnicas e internatos. Este valor é coletado pelas instituições de ensino, que são obrigadas a declará-lo nas Direções da Educação, e estas, por sua vez, encaminham os valores para as finanças.

Este dinheiro coletado nas instituições de ensino e, mais tarde, enviado às finanças tem criado vários constrangimentos nas escolas. As escolas ficam ressentidas com a falta de tudo um pouco. Segundo as orientações dadas às instituições de ensino, “quem precisar, deve solicitar”, processo que não tem sido fácil devido à excessiva burocratização.

Formas de transferência do financiamento para as escolas primárias e secundárias em Moçambique

O financiamento interno no setor da educação em Moçambique é sustentado pelo Orçamento do Estado, Apoio Direito às Escolas (ADE) e as receitas das escolas. Do Orçamento do Estado, advém o dinheiro que ele, o Estado, financia as instituições de ensino, embora seja insuficiente para cobrir as necessidades do setor. Este orçamento do Estado para o setor de educação só é transferido para as instituições de ensino após a sua aprovação pela Assembleia da República. A transferência é feita pelo Ministério das Finanças Centrais da Cidade Maputo para as Direções Províncias das Finanças.

São as Direções Províncias das Finanças, para o caso das províncias, que têm a responsabilidade de transferir o dinheiro para as Direções da Educação e as Direções de Educação, as quais, por sua vez, transferem o dinheiro para as instituições de ensino, neste caso, as escolas. Para a cidade Maputo, que é a capital do país, é a repartição das finanças da cidade de Maputo que transfere o dinheiro para a Direção da Educação da Cidade Maputo, e esta, por sua vez, tem a responsabilidade de transferir o dinheiro para as contas das escolas. O dinheiro transferido não é igual para todas as instituições de ensino, pois depende do número dos alunos matriculados na escola e, geralmente, costuma ser transferido antes do início do ano letivo.

Outra forma de financiamento interno que ocorre nas instituições de ensino em Moçambique chama-se Apoio Direto às Escolas (ADE). O ADE é um fundo provido da contribuição dos parceiros da educação. Esses parceiros canalizam a verba num “saco azul” chamado de Fundo de Apoio ao Sector de Educação (FASE), sob a gestão do Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano.

O Fundo de Apoio ao Sector de Educação (FASE) financia vários projetos do setor da educação em Moçambique, sendo um deles o ADE. Segundo Lapucheque (2017)LAPUCHEQUE, Maria Julieta Eduardo Língua. O Impacto Social do Programa Apoio Direto às Escolas (ADE): Caso da Escola Comunitária Santa Ana da Munhuana, 2008 a 2014. 2017. Dissertação (Mestrado Profissional em Administração Pública) – Universidade Pedagógica de Maputo, Maputo, 2017., o ADE visa assegurar o pleno funcionamento das instituições de ensino, esperando-se que ele contribua para o alcance da qualidade de ensino (Lapucheque, 2017LAPUCHEQUE, Maria Julieta Eduardo Língua. O Impacto Social do Programa Apoio Direto às Escolas (ADE): Caso da Escola Comunitária Santa Ana da Munhuana, 2008 a 2014. 2017. Dissertação (Mestrado Profissional em Administração Pública) – Universidade Pedagógica de Maputo, Maputo, 2017., p. 1). É um valor que é transferido diretamente do Ministério da Educação para as instituições de ensino para a compra de materiais didáticos, projetos de apoio às crianças órfãs e vulneráveis e, desde 2014, passou a financiar a “implementação dos cursos modulares de curta duração” (Lapucheque, 2017LAPUCHEQUE, Maria Julieta Eduardo Língua. O Impacto Social do Programa Apoio Direto às Escolas (ADE): Caso da Escola Comunitária Santa Ana da Munhuana, 2008 a 2014. 2017. Dissertação (Mestrado Profissional em Administração Pública) – Universidade Pedagógica de Maputo, Maputo, 2017., p. 3). Desde o ano de 2003, beneficiava as escolas do ensino primário e gradualmente foi abrangendo outros níveis de ensino, como o Ensino Secundário e Técnico.

A respectiva política de financiamento dispõe de um Manual de Procedimento de ADE com todas as orientações a serem seguidas. Uma pesquisa efetuada aponta que “não há regularidade na distribuição das verbas do ADE” (Lapucheque, 2017LAPUCHEQUE, Maria Julieta Eduardo Língua. O Impacto Social do Programa Apoio Direto às Escolas (ADE): Caso da Escola Comunitária Santa Ana da Munhuana, 2008 a 2014. 2017. Dissertação (Mestrado Profissional em Administração Pública) – Universidade Pedagógica de Maputo, Maputo, 2017., p. 49). A falta de conhecimento do período exato que se terá o valor do ADE constitui um dos constrangimentos para a sua planificação. Muitas vezes, quando o valor é disponibilizado, se está do fim do ano letivo, não se permite a assistência dos alunos no mesmo ano em que ele é disponibilizado.

Para garantir ainda mais a transparência na gestão dos fundos alocados, o setor instituiu um órgão próprio chamado de Conselho das Escolas (C.E). Portanto, o dinheiro é gerido pelos gestores das escolas e o Conselho das Escolas. São os Conselhos das Escolas que aprovam o material a ser comprado pelas instituições de ensino, após uma pré-lista indicada no manual de ADE e confrontada pela lista das direções das escolas. Antes da sua liberação, o diretor da escola convoca uma reunião na qual participam o Conselho da Escola, o Chefe da Secretaria, o Diretor ou Diretora Pedagógica e o representante dos professores e dos alunos. Após a decisão, é feita uma ata para a justificação dos fundos usados.

No que tange à participação dos Conselhos de Escola, é importante que ela é ainda limitada, pois alguns dos integrantes não têm capacidade de compreender e discutir os assuntos relativos à escola, o que exige uma preparação das comunidades para que tenham uma melhor capacidade de intervenção na vida escolar (MINEDH, 2019MINEDH. Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano; UNESCO. Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Revisão de Políticas Educacionais-Moçambique. Paris: UNESCO, 2019.).

Como bem destaca Lapucheque (2017, p. 8)LAPUCHEQUE, Maria Julieta Eduardo Língua. O Impacto Social do Programa Apoio Direto às Escolas (ADE): Caso da Escola Comunitária Santa Ana da Munhuana, 2008 a 2014. 2017. Dissertação (Mestrado Profissional em Administração Pública) – Universidade Pedagógica de Maputo, Maputo, 2017.,

[...] apesar da rigorosidade da execução do programa de ADE, a transparência através do envolvimento dos Conselhos de Escola e a continua disponibilização de fundo, a sociedade tem reclamado quase em todo o país, escolas sem carteiras, material didático, bibliotecas sem livros, falta de laboratórios apetrechados ou com mínimo de condições.

Análise do financiamento da educação do ensino primário e secundário em Moçambique entre os anos de 2015 a 2020

A incidência de nossa análise para o ensino primário dá-se porque é para ele, a grosso modo, que os investimentos internos e externos são direcionados, comparativamente aos outros níveis de ensino. Apesar deste investimento, milhares de crianças continuam até hoje sentados embaixo de árvores para assistir às aulas. É neste nível que a discussão sobre a qualidade de ensino é muito acirrada entre os pais e encarregados de educação, os acadêmicos, os gestores e outros interessados. Aqui fica a nossa indagação: Para aonde vai todo o financiamento que vem sendo feito para este nível de ensino?

Em relação ao ensino secundário, constata-se que ele também não está nada bem. Observa-se a falta de escolas, sobretudo para o Ensino Médio, de professores, de meios didáticos, entre outros.

A escolha do ano de 2015 se justifica pelo o fato de que, segundo o PEE 2020-2029,

A partir de 2015, o País tem registado um abrandamento do crescimento económico, como resultado do peso da dívida económica, da redução drástica da ajuda externa, da deterioração dos preços das matérias primas e ainda dos efeitos dos desastres naturais (ciclones, secas e cheias) que, regularmente, afetam o País

(MINEDH, 2020MINEDH. Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano. Plano Estratégico de Educação (2020-2029): por uma educação, inclusiva, patriótica e de qualidade. Maputo, 2020., p. 21).

Com o despoletamento das dívidas ocultas em Moçambique, a situação do setor de Educação piorou ainda mais, porque o Orçamento do Estado era suportado com as ajudas externas, que, quando se aperceberam do calote das dívidas, deixaram de financiar o Estado moçambicano e, consequentemente, o setor de educação acabou sendo afetado, segundo nos explica o PEE 2020-2029:

Nos últimos 15 anos, a ajuda internacional apoiou, de forma muito significativa, o Orçamento do Estado (OE) moçambicano, tendo chegado a constituir mais de metade deste. Esta contribuição tem vindo, paulatinamente, a decrescer ao longo dos anos e, de forma mais acentuada, após a crise das ‘dívidas não declaradas’, contraídas pelo Governo de Moçambique sem a aprovação do Parlamento. Paralelamente, apesar do aumento da capacidade de recolha de receitas por parte do Governo, com o corte da ajuda externa, os OE dos últimos anos têm-se mostrado insuficientes para cobrir as atividades já em curso, facto que tem afetado a prestação de serviços públicos

(MINEDH, 2020MINEDH. Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano. Plano Estratégico de Educação (2020-2029): por uma educação, inclusiva, patriótica e de qualidade. Maputo, 2020., p. 22).

Nos últimos anos, por exemplo, o Governo alocou entre 18% e 22% do total da despesa pública ao setor da Educação, seguindo, em linhas gerais, o valor de referência de 20% estabelecido pelo Compromisso de Dakar (EFA) e o valor de referência de 22% da SADC (MINEDH, 2018MINEDH. Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano. Plano Estratégico de Educação (2012-2016): vamos aprender, construindo competências para o desenvolvimento de Moçambique (versão aprovada pelo Conselho de Ministros no dia 12 de junho de 2012). Maputo, 2012.). Contudo, esse esforço do governo ainda continua a ser bastante insignificante para o funcionamento e a melhoria da qualidade de ensino em Moçambique, conforme nos mostra o gráfico 1, abaixo.

Gráfico 1
Orçamento alocado para a Educação em Moçambique (2015-2020)

O Gráfico 1 nos mostra que o financiamento da educação em Moçambique, no período em análise, teve uma queda em 2016 e 2017. Durante esse período, alguns parceiros da educação abandonaram o país e outros reduziram os seus financiamentos com a crise provocada pelas dívidas ocultas. A partir de 2018, após uma renegociação, os parceiros voltaram a financiar o setor da Educação de forma gradual, segundo como nos mostram os recursos alocados no gráfico. O valor de financiamento foi subindo a partir de 2018.

As instituições do ensino privado não recebem apoio do Estado. Contudo, as escolas comunitárias sem fins lucrativos recebem apoio através do pagamento de salários de professores e livros didáticos gratuitos (MINEDH; UNESCO, 2019MINEDH. Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano; UNESCO. Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Revisão de Políticas Educacionais-Moçambique. Paris: UNESCO, 2019., p. 91).

Desafios do financiamento da Educação em Moçambique

Os desafios de financiamento da educação em Moçambique são vários e a sua resolução depende da vontade política. O Estado moçambicano deve colocar a educação como prioridade número um para o desenvolvimento do país. Enquanto continuar colocando a educação em segundo e terceiro lugares a nível das prioridades orçamentais do Estado, como aparece nas Contas Gerais do Estado do período em análise, continuaremos a estar na lista dos 10 países mais pobres do mundo.

O funcionamento pleno das instituições de ensino e a melhoria da qualidade de ensino dependem daquilo que o governo transfere para as instituições de ensino. Para isso, o governo deve aumentar o seu financiamento para a construção de escolas, funcionamento das instituições de ensino, pagamento de salário dos professores e para os demais problemas que o setor enfrenta. O Estado moçambicano precisa criar um fundo específico através das contribuições internas para financiar a sua educação. Não pode passar toda a vida a “estender as mãos”, ou seja, a pedir apoios externos enquanto o país possui recursos suficientes que poderiam ajudar o financiamento da educação em Moçambique. Como bem destaca Akkari (2011)AKKARI, Abdeljalil. Internacionalização das políticas públicas, transformações e desafios. Petrópolis: Vozes, 2011., “[...] os países da África Subsaariana aparecem como os mais permeáveis às influências externas sobre suas políticas educacionais, mas também como os menos preparados para regulá-las” (Akkari, 2011AKKARI, Abdeljalil. Internacionalização das políticas públicas, transformações e desafios. Petrópolis: Vozes, 2011., p. 16).

Bastos e Duarte (2017, p. 176)BASTOS, Juliano Neto; DUARTE, Stela Mithá. Políticas educacionais e transformações socioeconômicas no período pós-colonial em Moçambique: formação de professores: contextos, sentidos e práticas. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE REPRESENTAÇÕES SOCIAIS, SUBJETIVIDADE E EDUCAÇÃO (SIRSSE), 4., 2017. Anais [...]. Curitiba: EDUCERE – PUCPR, 2017. afirmam que “para o caso de Moçambique e outros países da periferia, o processo de desenvolvimento das políticas públicas de educação não tem somente componentes endógenos. A participação de atores estrangeiros tem sido um elemento marcante”. No contexto da I República, predominava a cooperação com os países do Bloco Soviético, sem descurar a influência relativa de organizações do sistema das Nações Unidas, como a Unesco e Unicef.

Com o advento das transformações, primeiro, na esfera econômica, e, posteriormente, na esfera política, novos atores, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, passaram a entrar em cena, influenciando o processo e até mesmo definindo prioridades em termos de financiamento aos diferentes subsistemas que constituem o Sistema Nacional de Educação.

Continuar a pedir apoios externos significa limitar as nossas capacidades de elaborar as nossas próprias políticas educacionais.

Os objetivos das políticas educacionais que vêm sendo implementadas em Moçambique, sobretudo nos últimos 20 anos, visam responder às exigências dos organismos internacionais, para que o país alcance níveis mais elevados na qualidade e expansão do ensino. E mais, por exemplo, o apoio da Parceria Global da Educação implica o cumprimento de vários requisitos, entre eles a elaboração de um plano setorial da educação. É o que está acontecendo atualmente no setor da educação em Moçambique. Para a elaboração das suas políticas educacionais, o país depende do financiamento de doadores.

Somos da opinião de que se adote uma abordagem metodológica baseada na planificação e gestão participativa, envolvendo atores do governo e do setor privado local para a definição de políticas do setor da educação, num ambiente de autonomia e parceria público-privado. O estabelecimento de parcerias é essencial para que as redes de ensino possam concretizar o ideal de educação que almejam para seus alunos.

A atual política de financiamento para a educação, como o Apoio Direto às Escolas (ADE), precisa ser melhorada no que concerne à sua gestão e implementação. A transferência dos valores realizada a nível central não coincide com o início do ano letivo. Isso faz com que os recursos transferidos não beneficiem os necessitados, ou seja, chegam num tempo impróprio. Embora haja orientações precisas para a execução do ADE, a sua transparência está longe de atingir níveis aceitáveis.

Os objetivos para os quais ele foi criado não estão a ser alcançados e, segundo Lapucheque (2017)LAPUCHEQUE, Maria Julieta Eduardo Língua. O Impacto Social do Programa Apoio Direto às Escolas (ADE): Caso da Escola Comunitária Santa Ana da Munhuana, 2008 a 2014. 2017. Dissertação (Mestrado Profissional em Administração Pública) – Universidade Pedagógica de Maputo, Maputo, 2017., “[...] ainda prevalecem nas escolas as carências de materiais didáticos para todas as disciplinas, sem bibliotecas e quando existem, os manuais de ensino são escassos; assistência social aos alunos necessitados não é efetiva” (Lapucheque, 2016LAPUCHEQUE, Maria Julieta Eduardo Língua. O Impacto Social do Programa Apoio Direto às Escolas (ADE): Caso da Escola Comunitária Santa Ana da Munhuana, 2008 a 2014. 2017. Dissertação (Mestrado Profissional em Administração Pública) – Universidade Pedagógica de Maputo, Maputo, 2017., p. 85).

O critério numérico adotado para alocação do valor às escolas deve ser revisto e considerar as condições geográficas e socioeconômicas da localização da escola, para reduzir as assimetrias das escolas, dentro ou fora das capitais provinciais.

O financiamento da educação em Moçambique deve incluir o orçamento de salários dos guardas. O Estado não pode fugir das suas responsabilidades de pagar o salário dos guardas, defendendo que “a contribuição dos pais e encarregados de educação para o pagamento dos guardas é bem-vinda” (MINEDH, 2020MINEDH. Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano. Plano Estratégico de Educação (2020-2029): por uma educação, inclusiva, patriótica e de qualidade. Maputo, 2020., p. 176).

Estamos, assim, diante de um Estado mínimo. Segundo Gentil (1999)GENTILI, Pablo. As políticas educacionais no contexto do neoliberalismo: os significados da privatização no campo educacional. In: DEMO Pedro et al. As políticas educacionais no contexto da globalização. Ilhéus: EDITUS-Editora da UESC, 1999., o Estado mínimo delega responsabilidades e abandona espaços da atividade pública (fundamentalmente o espaço da política social). Portanto, o Estado vai reduzindo sua participação como agente central na alocação dos recursos destinados ao financiamento dos serviços educacionais, transferindo essa responsabilidade aos próprios indivíduos, às famílias ou às empresas.

Harvey (2011)HARVEY, David. O enigma do capital e as crises do capitalismo. São Paulo: Boi tempo, 2011., ao analisar as recentes transformações econômicas, culturais e suas influências na sociedade contemporânea, também destaca que o neoliberalismo incentiva a diminuição da presença do Estado nos investimentos sociais, por meio da contenção, da diminuição dos montantes de recursos investidos.

O que se tem constatado é que nas últimas décadas o papel do Estado para com a educação tem sido muito questionado nos vários sistemas educacionais do mundo. No âmbito deste questionamento, Araújo e Pinto (2017, p. 8)ARAÚJO, Luís; PINTO, José. Marcelino. Público x privado, em tempos de golpe. São Paulo: Fundação Lauro Campos/FINEDUCA, 2017. apontam que “[...] desde a última década do século passado se vivencia a hegemonia da tese de diminuição do Estado (do espaço público) e de redefinição de sua relação com o espaço privado”.

Um outro desafio sobre o financiamento da educação em Moçambique é o incumprimento ou violação da Lei da descentralização (Lei n. 1/2018MEF. Ministério da Economia e Finanças. Conta cidadão. 2. ed. Maputo: MEF, 2018.). A descentralização defendida em Lei em Moçambique é violada. O que se aplica é a desconcentração, e não a descentralização.

Martins (2002)MARTINS, Angela Maria. Autonomia da escola: a (ex)tensão do tema nas políticas públicas. São Paulo: Cortez, 2002. esclarece a diferença entre os termos desconcentração e descentralização. No primeiro, são previstas medidas que transferem responsabilidades a unidades menores, como efetuar a aquisição de material com o dinheiro que chega à escola ou até elaborar o projeto político-pedagógico. No entanto, é reafirmado o poder central em um movimento de “cima para baixo”, visto que o poder de decisão permanece em órgãos superiores.

A escola pode efetuar a aquisição de material, porém as verbas que recebem vêm definidas para quais finalidades podem ser utilizadas. A escola pode, ainda, elaborar o projeto político-pedagógico, porém será avaliada posteriormente de acordo com os conteúdos e parâmetros que foram definidos centralmente. Já com a descentralização, assegura-se a eficiência do poder local. São as unidades menores que assumem mais do que tarefas, assumem as decisões a serem tomadas (Garcia, 2010GARCIA, Ana Lúcia. Gestão da escola, qualidade do ensino e avaliação educacional: desafios na e da escola. 2010. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”, Marília, 2010., p. 32).

Considerações finais

O financiamento da educação é extremamente importante para o funcionamento pleno de qualquer sistema de ensino de um país. É importante também para a melhoria do processo de ensino-aprendizagem e a qualidade do ensino de um país. Para o caso concreto do sistema de ensino em Moçambique, ela acaba não sendo eficiente, porque os valores repassados pelo Estado para as instituições de ensino primário e secundário costumam ser insuficientes. O sistema de financiamento da educação primária e secundária em Moçambique cria desigualdades educacionais nos seus respectivos sistemas de ensino, porque a maior parte do financiamento é destinada ao ensino primário do que ao ensino secundário Geral. A política de financiamento do setor de educação em Moçambique está, portanto, mais voltada para o ensino primário do que para o ensino secundário.

Apesar de o financiamento do setor de educação em Moçambique ser insuficiente, o setor e os seus parceiros, por exemplo, têm priorizado a construção de escolas primárias do que secundárias, criando, desta forma, desigualdades educacionais no sistema.

As dificuldades de financiamento da educação em Moçambique trouxeram outros problemas para o setor. O Estado privatizou as instituições de ensino e, como corolário disso, as famílias de baixa renda passaram a não ter aceso à educação. As dificuldades de financiamento para a educação trouxeram outros problemas relacionados à baixa qualidade ensino. A melhoria do financiamento do setor de educação pode ser o pilar fundamental para a melhoria da qualidade de ensino.

O financiamento da educação em Moçambique é assegurado por duas fontes (interna e externa). Desde que Moçambique alcançou a sua independência, em 1975, o setor passou a ser dependente de apoios externos. Esta dependência também traz outros problemas. Faz com que o país perca oportunidade de elaborar as suas próprias políticas educacionais. Os parceiros de cooperação e as agências internacionais têm objetivos ocultos nas suas ajudas. Ditam regras para serem cumpridas, as quais, muitas vezes, não estão de acordo com a realidade do sistema de ensino de cada país.

Somos da opinião de que o Estado deve criar o seu próprio fundo interno para financiar a educação com os recursos que tem, sobretudo do gás natural e receitas internas. Na gíria popular diz que “você não pode construir sua casa a depender do seu vizinho”. Chega de pedir esmola. É preciso haver grandes investimentos, o Estado tem que assumir a sua responsabilidade.

Como costuma se dizer por aí afora, “a melhor forma de matar um país é não educar”. É importante dar um sinal claro de que a educação é uma prioridade, e essa prioridade só se reconhece à medida que nós investimos dinheiro para a construção de escolas, para pagar os professores, para a produção de materiais de ensino, etc.

Referências

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Editado por

Editora responsável: Lodenir Karnopp

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    10 Nov 2021
  • Aceito
    30 Ago 2022
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