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Modelo neuro-fuzzy para predição das emissões de CO2 de dosagens de concreto para biodigestores na suinocultura

Neuro-fuzzy model for the prediction of CO2 emissions of concrete mixes for biodigestors in swine production systems

Resumo

Dada a importância da suinocultura para o Brasil, é necessário entender o impacto ambiental gerado pelos materiais de construção empregados na produção das instalações rurais, em especial na construção dos biodigestores, visto que essas instalações têm um importante papel na sustentabilidade dos sistemas de produção. Diante da relevância do volume de concreto empregado no processo de construção de biodigestores para manejo e tratamento de resíduos da suinocultura, esta pesquisa avaliou as emissões de dióxido de carbono equivalente (CO2Eq.) em diferentes cenários de dosagens de concreto. Para isso, um modelo computacional ANFIS (Adaptive Neuro-Fuzzy Inference System) foi desenvolvido para predição e análise das emissões de CO2Eq. durante o ciclo de vida dos materiais adotados em concretos convencionais. Os resultados indicam que a escolha adequada da dosagem pode gerar redução nas emissões de CO2Eq. da ordem de 31,41% para concretos de 30 MPa a 40 MPa. Isso implica uma proposta promissora para a redução do impacto ambiental na produção de instalações em concreto, o que tem potencial paraimpulsionar novas pesquisas na área.

Palavras-chave:
Emissões de dióxido de carbono; Sistema ANFIS; Concreto sustentável; Construções rurais; Instalações para suínos

Abstract

Due to the importance of swine production in Brazil, there is a need to understand the environmental impact generated by the construction materials used in the production of rural facilities, especially in the construction of biodigesters, as these facilities play an important role in the sustainability of production systems. Considering the relevance of the volume of concrete used in the construction of biodigesters for the management and treatment of swine waste, this research study sought to evaluate the emissions of carbon dioxide equivalent (CO 2 Eq.) in different concrete mix scenarios. For that purpose, a computational ANFIS (Adaptive Neuro-Fuzzy Inference System) model was developed to predict and analyse CO 2 Eq. emissions during the life cycle of materials adopted in conventional concrete. The results indicate that the proper choice of dosage can lead to a reduction of 31.41% in CO 2 Eq. emissions, for concrete from 30 to 40 MPa. This represents a promising proposal for reducing the environmental impact of the production of concrete constructions, which has the potential to stimulate further research in this area.

Keywords:
Carbon dioxide emissions; ANFIS system; Sustainable concrete; Rural buildings; Swine constructions

Introdução

No Brasil, como em outros países, o concreto desempenha um importante papel no setor das construções. Por ser o material mais consumido no mundo, pode gerar impactos ambientais consideráveis. Esse tema está presente em estudos que abordam, entre outros, o consumo de energia e emissões de gases poluentes, desenvolvidos com a finalidade de aprimorar seu desempenho e identificar meios que garantam a redução dos impactos ambientais gerados pelo setor da construção civil (SINGH et al., 2011SINGH, A. et al. Review of life-cycle assessment applications in building construction. Journal of Architectural Engineering, American Society of Civil Engineers, v. 17, n. 1, p. 15-23, 2011.). Ante o exposto, De Souza, Magalhães e Campos (2021)DE SOUZA, R. M.; MAGALHÃES, R. R.; CAMPOS, A. T. Modelo neuro-fuzzy para predição do aporte de energia de diferentes dosagens de concreto em edificações. Ambiente Construído , Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 295-309, abr./jun. 2021. observaram que o quantitativo dos materiais empregados nas dosagens de concreto impacta diretamente no custo energético total para a implantação de construções. Por outro lado, De Wolf, Pomponi e Moncaster (2017)DE WOLF, C.; POMPONI, F.; MONCASTER, A. Measuring embodied carbon dioxide equivalent of buildings: a review and critique of current industry practice. Energy and Buildings, v. 140, p. 68-80, 2017. reportaram que, embora o consumo energético e as emissões de dióxido de carbono (CO2) estejam relacionados, não são diretamente equivalentes. Já Huang, Huang e Marcotullio (2019)HUANG, P.-J. J.; HUANG, S.-L. L.; MARCOTULLIO, P. J. Relationships between CO2 emissions and embodied energy in building construction: a historical analysis of Taipei. Building and Environment, v. 155, p. 360-375, apr. 2019. relataram que, quanto mais energia acumulada na fabricação do material de construção, mais CO2 está associado ao processo de construção. Su, Ang e Li (2019)SU, B.; ANG, B. W.; LI, Y. Structural path and decomposition analysis of aggregate embodied energy and emission intensities. Energy Economics, v. 83, p. 345-360, 2019. corroboram que a energia incorporada e as emissões de gases têm sido amplamente utilizadas para medir, respectivamente, o desempenho geral do consumo de energia e a poluição ambiental do ponto de vista da produção. Assim, de acordo com Penadés-Plà, García-Segura e Yepes (2019)PENADÉS-PLÀ, V.; GARCÍA-SEGURA, T.; YEPES, V. Accelerated optimization method for low-embodied energy concrete box-girder bridge design. Engineering Structures, v. 179, p. 556-565, 2019. , a otimização das emissões de CO2 ou da energia incorporada tem relação direta com o custo monetário e pode gerar economia.

Asdrubali et al. (2020)ASDRUBALI, F. et al. Dynamic life cycle assessment modelling of a NZEB building. Energy, v. 191, p. 116489, 2020. relataram que a maioria dos países desenvolvidos está lutando para reduzir as emissões de carbono na atmosfera para atender a acordos internacionais. Para Purnell e Black (2012)PURNELL, P.; BLACK, L. Embodied carbon dioxide in concrete: variation with common mix design parameters. Cement and Concrete Research, v. 42, n. 6, p. 874-877, 2012., a transição para uma infraestrutura de baixo carbono requer uma compreensão do carbono incorporado associado ao concreto. Ainda, segundo Purnell e Black (2012)PURNELL, P.; BLACK, L. Embodied carbon dioxide in concrete: variation with common mix design parameters. Cement and Concrete Research, v. 42, n. 6, p. 874-877, 2012., muitos trabalhos subestimam a complexidade da emissão de CO2 com o impacto na dosagem de concreto.

De acordo com Xiao et al. (2018)XIAO, J. et al. A Recycled aggregate concrete high-rise building: structural performance and embodied carbon footprint. Journal of Cleaner Production , v. 199, p. 868-881, 2018. , muitas pesquisas defendem como o uso de agregados reciclados pode ser ambientalmente sustentável devido à redução da necessidade de extração de recursos naturais, de aterros, de aporte de energia e de emissões de gases. No entanto, pouca atenção é dada às investigações dos efeitos da adoção de concreto com agregado reciclado como material estrutural na pegada de carbono de prédios altos em megacidades como Xangai. Os resultados dessa pesquisa indicaram que a adoção do concreto com agregado reciclado como material para construção de arranha-céus, substituindo o concreto com agregado natural, pode resultar em redução significativa na pegada de carbono. Para a estrutura proposta, a redução constatada foi de 2,175×105 kgCO2, o que corresponde a uma redução de 7,93%. Dessa forma, os mesmos pesquisadores relataram que existe a necessidade de se otimizar a redução das emissões de gases na produção de concreto com agregado natural sem impactar na redução da captura de carbono.

Os materiais de construção com as maiores emissões de CO2 por quilograma são o aço, o concreto armado e o vidro, seguidos por ladrilhos, madeira e concreto (HUANG; HUANG; MARCOTULLIO, 2019HUANG, P.-J. J.; HUANG, S.-L. L.; MARCOTULLIO, P. J. Relationships between CO2 emissions and embodied energy in building construction: a historical analysis of Taipei. Building and Environment, v. 155, p. 360-375, apr. 2019.). Para Tulevech et al. (2018)TULEVECH, S. M. et al. Life cycle assessment: a multi-scenario case study of a low-energyindustrial building in Thailand. Energy and Buildings, v. 168, p. 191-200, 2018., o concreto é de longe o componente de construção responsável pelos maiores impactos ambientais em massa. Shoaei et al. (2020)SHOAEI, P. et al. Glass powder as a partial precursor in Portland cement and alkali-activated slag mortar: a comprehensive comparative study. Construction and Building Materials, v. 251, p. 118991, 2020. verificaram que o quantitativo dos componentes empregados no concreto pode influenciar na emissão de CO2 e na demanda de energia, e que o uso de pó de vidro como material substituto do cimento Portland pode reduzir as emissões de CO2 e a demanda de energia das misturas. Atualmente, De Souza, Magalhães e Campos (2021)DE SOUZA, R. M.; MAGALHÃES, R. R.; CAMPOS, A. T. Modelo neuro-fuzzy para predição do aporte de energia de diferentes dosagens de concreto em edificações. Ambiente Construído , Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 295-309, abr./jun. 2021. comprovaram a influência do quantitativo dos componentes na determinação da energia incorporada em dosagens de concreto convencionais de uma edificação. Os resultados obtidos comprovaram a eficiência do modelo ANFIS (Adaptive Neuro-Fuzzy Inference System) para modelagem preditiva do comportamento de dosagens de concreto. Outros autores também encontraram bons resultados em análise de parâmetros ambientais para avaliação da sustentabilidade, entre eles Naji et al. (2016)NAJI, S. et al. Application of adaptive neuro-fuzzy methodology for estimating building energy consumption. Renewable and Sustainable Energy Reviews , v. 53, 1520-1528, 2016., Zhang e Wang (2016)ZHANG, Z. Y.; WANG, B. Hybrid input-output analysis for life-cycle energy consumption and carbon emissions of China’s building sector. Building and Environment, v. 104, p. 188-197, 2016. , Deb et al. (2017)DEB, C. et al. A review on time series forecasting techniques for building energy consumption. Renewable and Sustainable Energy Reviews , v. 74, p. 902-924, 2017., Mousavi-Avval et al. (2017)MOUSAVI-AVVAL, S. H. et al. Combined application of life cycle assessment and adaptive neuro-fuzzy inference system for modeling energy and environmental emissions of oilseed production. Renewable and Sustainable Energy Reviews , n. 78, p. 807-820, 2017., Amasyali e El-Gohary (2018)AMASYALI, K.; EL-GOHARY, N. M. A review of data-driven building energy consumption prediction studies. Renewable and Sustainable Energy Reviews, v. 81, p. 1192-1205, 2018. e Nabavi-Pelesaraei et al. (2018)NABAVI-PELESARAEI, A. et al. Integration of artificial intelligence methods and life cycle assessment to predict energy output and environmental impacts of paddy production. Science of the Total Environment, v. 631/673, p. 1279-1294, 2018. .

O concreto também tem um importante papel nas instalações para suinocultura, uma vez que grande parte desse material é utilizada como forma de vedação e piso. Para De Souza, Magalhães e De Andrade (2019)DE SOUZA, R. M.; MAGALHÃES, R. R.; DE ANDRADE, E. T. Comparative study of non-linear simulations of a reinforced concrete slender column using finite element method and p-delta.Theoretical and Applied Engineering, v. 3, n. 1, p. 1-11, 2019., esse é o principal e mais consumido material de construção no mundo, sendo parte desse material empregado em construções rurais. De acordo com o Departamento de Agricultura dos EUA (UNITED..., 2021UNITED STATES DEPARTAMENT OF AGRICULTURE - USDA. Foreign agricultural service. Disponível em: https://apps.fas.usda.gov/psdonline. Acesso em: 31 mar. 2021.
https://apps.fas.usda.gov/psdonline...
), o Brasil é o quarto maior produtor de suínos e o quinto maior consumidor de carne suína no mundo, o que demostra a importância das construções rurais para o agronegócio brasileiro. Segundo Xie, Ni e Su (2017)XIE, Q.; NI, J. Q.; SU, Z. Fuzzy comprehensive evaluation of multiple environmental factors for swine building assessment and control. Journal of Hazardous Materials, v. 340, p. 463-471, 2017., o emprego da lógica fuzzy pode proporcionar uma avaliação eficaz dos parâmetros de qualidade ambiental nas construções para suínos com base em múltiplos fatores. Quan et al. (2021)QUAN, X. et al. New horizons in the application of a neglected biomass pyrolysis byproduct: a marked simultaneous decrease in ammonia and carbon dioxide emissions. Journal of Cleaner Production, v. 297, p. 126626, 2021. investiram esforços na redução das emissões de amônia e dióxido de carbono em uma construção para suínos. Brunetta et al. (2021)BRUNETTA, R. F. da S. et al. Life cycle energy assessment and carbon dioxide emissions of wall systems for rural houses. Ambiente Construído , Porto Alegre, v. 21, n. 1, p. 37-50, jan./mar. 2021. verificaram que é possível reduzir o consumo de energia em até 25% utilizando paredes de concreto armado moldadas in loco em relação à emissão de dióxido de carbono equivalente (CO2Eq.). O mesmo estudo ainda constatou que é possível reduzir as emissões em quase 32% utilizando esse mesmo cenário em sistemas de vedação para residências rurais. Esses resultados consolidam a importância do concreto para as construções rurais e reforçam a necessidade de mais estudos que possam contribuir para o desenvolvimento sustentável no âmbito das construções, incluindo o meio rural.

Nesse contexto, este trabalho propõe o uso do sistema ANFIS como forma alternativa para predição de dosagens de concreto convencional com menor emissão de CO2Eq.na construção de um biodigestor para o manejo e tratamento de resíduos da suinocultura. Identificaram-se, para tanto, quais os componentes responsáveis pelas maiores emissões de CO2Eq., no intuito de obter as correlações entre as variáveis e interpretar a relação entre dosagens de concretos eficientes em relação à emissão de CO2Eq.e o quantitativo dos materiais empregados.

No âmbito mundial não existem trabalhos que correlacionem análise de emissões de CO2Eq. e o quantitativo dos materiais empregados na produção de concretos abordando modelagem neuro-fuzzy, para um campo de diferentes dosagens, com a finalidade de execução de um sistema de biodigestores, o que indica a originalidade da pesquisa. Este trabalho ainda apresenta contribuições científicas para estudo de concretos sustentáveis, o que vem ao encontro de pesquisas sobre a avaliação do impacto ambiental das construções em concreto (GONG et al., 2012GONG, X. et al. Life cycle energy consumption and carbon dioxide emission of residential building designs in Beijing. Journal of Industrial Ecology, v. 16, p. 576-587, 2012.; OLIVEIRA et al., 2014OLIVEIRA, V. C. H. C. et al. Estratégias para a minimização da emissão de CO2 de concretos. Ambiente Construído, Porto Alegre, v. 14, n. 4, p. 167-181, out./dez. 2014.; SANTORO; KRIPKA, 2016SANTORO, J. F.; KRIPKA, M. Determinação das emissões de dióxido de carbono das matérias-primas do concreto produzido na região norte do Rio Grande do Sul. Ambiente Construído , Porto Alegre, v. 16, n. 2, p. 35-49, abr./jun. 2016. ; DEBet al., 2017DEB, C. et al. A review on time series forecasting techniques for building energy consumption. Renewable and Sustainable Energy Reviews , v. 74, p. 902-924, 2017.; ALBUQUERQUE; LIRA; SPOSTO, 2018ALBUQUERQUE, H. R.; LIRA, J.; SPOSTO, R. M. Emissões de CO2 de sistemas de revestimento de argamassa: estudo de caso de aplicação de argamassa projetada comparativamente à aplicação convencional. Ambiente Construído, Porto Alegre, v. 18, n. 4, p. 377-393, out./dez. 2018. ; MATTIOLI et al., 2018MATTIOLI, M. C. et al. Demanda energética na construção de galpão para frangos de corte modelo Darkhouse. Energia na Agricultura, Botucatu, v. 33, n. 3, p. 216-223, 2018.; NABAVI-PELESARAEI et al., 2018NABAVI-PELESARAEI, A. et al. Integration of artificial intelligence methods and life cycle assessment to predict energy output and environmental impacts of paddy production. Science of the Total Environment, v. 631/673, p. 1279-1294, 2018. ; SANTOS, 2019SANTOS, R. S. Energia incorporada na fase de pré-uso: comparação entre lajes steel deck e maciças. Ambiente Construído , Porto Alegre, v. 19, n. 3, p. 197-205, jul./set. 2019.; SANTOS; FERRARI, 2019SANTOS, A. G.; FERRARI, A. K. Influência do resíduo de PVC como agregado no concreto para peças de pavimentos intertravados. Ambiente Construído , Porto Alegre, v. 19, n. 3, p. 39-51, jul./set. 2019.; BARBOZA; STORCH; ALMEIDA FILHO, 2020BARBOZA, L. da S.; STORCH, I. S.; ALMEIDA FILHO, F. M. de. Concreto autoadensável ecoeficiente com baixo consume de cimento. Ambiente Construído , Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 59-71, abr./jun. 2020.; BRUNETTA et al., 2021BRUNETTA, R. F. da S. et al. Life cycle energy assessment and carbon dioxide emissions of wall systems for rural houses. Ambiente Construído , Porto Alegre, v. 21, n. 1, p. 37-50, jan./mar. 2021. , DE SOUZA; MAGALHAES; CAMPOS, 2021DE SOUZA, R. M.; MAGALHÃES, R. R.; CAMPOS, A. T. Modelo neuro-fuzzy para predição do aporte de energia de diferentes dosagens de concreto em edificações. Ambiente Construído , Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 295-309, abr./jun. 2021.; LEÓN-VELEZ; GUILLÉN-MENA, 2020LEÓN-VELEZ, A.; GUILLÉN-MENA, V. Energía contenida y emisiones de CO2 en el proceso de fabricación del cemento en Ecuador. Ambiente Construído , Porto Alegre, v. 20, n. 3, p. 611-625, 2020. ; QUAN et al., 2021QUAN, X. et al. New horizons in the application of a neglected biomass pyrolysis byproduct: a marked simultaneous decrease in ammonia and carbon dioxide emissions. Journal of Cleaner Production, v. 297, p. 126626, 2021.).

Materiais e métodos

O método de investigação adotado nesta pesquisa foi dividido em três etapas:

  1. elaboração de um modelo adaptativo neuro-fuzzy (ANFIS) para predição das emissões de dióxido de carbono equivalente de diferentes cenários de dosagem, dentro do quantitativo de cada um dos componentes das dosagens;

  2. utilização de coeficientes de literaturas para emissões de dióxido de carbono equivalente e banco de dados das diferentes dosagens de concreto de De Souza, Magalhães e Campos (2021)DE SOUZA, R. M.; MAGALHÃES, R. R.; CAMPOS, A. T. Modelo neuro-fuzzy para predição do aporte de energia de diferentes dosagens de concreto em edificações. Ambiente Construído , Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 295-309, abr./jun. 2021.; e

  3. avaliação das emissões de dióxido de carbono equivalente para instalação de biodigestores para suinocultura, construção essa avaliada energeticamente por Veloso et al. (2018)VELOSO, A. V. et al. Custo energético de construção de biodigestores para o manejo e tratamento de resíduos da suinocultura. Energia na Agricultura, v. 33, n. 4, p. 330-337, 2018., processo construtivo apresentado na Figura 1 e modelo gráfico representado na Figura 2.

Características do biodigestor

Os biodigestores avaliados neste trabalho constituíam parte integrante de um sistema de produção de suínos de ciclo completo, localizado no município de Lavras, Minas Gerais, Brasil, tendo como principal função o manejo e tratamento de resíduos de um sistema de produção de suínos. O sistema trabalha com uma produção diária de 54,85 m³ de biomassa residual.Esses biodigestores foram projetados para um tempo de retenção hidráulica de 30 dias em sistema de operação contínua, conforme relatado por Veloso et al. (2018)VELOSO, A. V. et al. Custo energético de construção de biodigestores para o manejo e tratamento de resíduos da suinocultura. Energia na Agricultura, v. 33, n. 4, p. 330-337, 2018..

A metodologia proposta consiste na avaliação quantitativa das emissões de CO2Eq. produzidas das diferentes dosagens de concreto para a implantação da estrutura do sistema de biodigestores. A instalação é destinada ao manejo e tratamento de resíduos produzidos pela suinocultura, composta de dois biodigestores. A parte subterrânea de cada biodigestor possui formato de tronco de pirâmide invertido, tendo a base menor (fundo do biodigestor) dimensões de 27x12 m, a base maior (superior) dimensões de 32x17 m e profundidade de 2,5 m, perfazendo o volume de 1.073,19 m3, sendo coberto com geomembranas flexíveis (gasômetros) de policloreto de vinila (PVC), que apresentam 1,0 mm de espessura. Para ancoragem dos gasômetros à construção foi feita uma fundação direta contínua de 0,50 m de profundidade e 0,20 m de largura. Veloso et al. (2018)VELOSO, A. V. et al. Custo energético de construção de biodigestores para o manejo e tratamento de resíduos da suinocultura. Energia na Agricultura, v. 33, n. 4, p. 330-337, 2018. verificaram que esse tipo de instalação apresenta custo energético de 7.622,68 MJ, em 11,83 m³ de concreto (Figura 2). Por haver relação explícita entre energia incorporada e emissões de CO2(HUANG; HUANG; MARCOTULLIO, 2019HUANG, P.-J. J.; HUANG, S.-L. L.; MARCOTULLIO, P. J. Relationships between CO2 emissions and embodied energy in building construction: a historical analysis of Taipei. Building and Environment, v. 155, p. 360-375, apr. 2019.), buscou-se avaliar essa relação e o impacto nas emissões de CO2Eq.

O material em estudo é o concreto convencional, produto da mistura de um aglomerante (cimento Portland), com agregado miúdo (areia), agregado graúdo (brita) e água. Nesta pesquisa, para a avaliação das diferentes possibilidades de dosagens, utilizaram-se dados de corpos de prova cilíndricos de 10 cm de diâmetro e 20 cm de altura, preparados no município de Pouso Alegre, Minas Gerais, com água proveniente da rede de abastecimento público, agregados miúdos e graúdos caracterizados de acordo com as normas NBR NM 27 (ABNT, 2001ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR NM 27: agregados: redução da amostra de campo para ensaios de laboratório. Rio de Janeiro, 2001.), NBR NM 45 (ABNT, 2006ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR NM 45: agregados: determinação da massa unitária e volume de vazios. Rio de Janeiro, 2006.), NBR NM 52 (ABNT, 2009aASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR NM 52: agregado miúdo: determinação da massa específica e massa específica aparente. Rio de Janeiro, 2009a.) e NBR NM 53 (ABNT, 2009bASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR NM 53: agregado graúdo: determinação da massa específica, massa específica unitária e absorção de água. Rio de Janeiro, 2009b.), e cimento Portland do tipo CP II E, classificado e padronizado conforme a norma brasileira NBR 16697 (ABNT, 2018ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 16697: cimento Portland: requisitos. Rio de Janeiro, 2018.). Ao todo foram moldados 3 corpos de prova para cada uma das 101 dosagens experimentais (exemplares). Adotou-se como referência de cálculo o valor médio de cada exemplar. As dosagens foram moldadas em condições ambientalmente semelhantes, com adensamento manual com 2 camadas e 12 golpes por camada, utilizando processo de cura por imersão em água, conforme estabelecido na norma NBR 5738 (ABNT, 2015aASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 5738: concreto: procedimento para moldagem e cura de corpos prova de concreto. Rio de Janeiro, 2015a.), dados também utilizados por De Souza, Magalhães e Campos (2021)DE SOUZA, R. M.; MAGALHÃES, R. R.; CAMPOS, A. T. Modelo neuro-fuzzy para predição do aporte de energia de diferentes dosagens de concreto em edificações. Ambiente Construído , Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 295-309, abr./jun. 2021..

Os dados de consistência das amostras foram obtidos por meio do ensaio de abatimento de tronco de cone conforme a NBR NM 67 (ABNT, 1998ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR NM 67: concreto: determinação da consistência pelo abatimento do tronco de cone. Rio de Janeiro, 1998.), e a resistência mecânica à compressão dos corpos de prova capeados com neoprene foi obtida após 28 dias de cura por imersão em água, por ensaio de compressão axial utilizando máquina universal eletrônica digital com capacidade 100 t (hidráulica I-3058, da marca Pavitest), procedimentos regulamentados pela norma NBR 5739 (ABNT, 2015bASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 5739: concreto: ensaio de compressão de corpos de prova cilíndricos. Rio de Janeiro, 2015b.).

Figura 1
Etapas do processo construtivo dos biodigestores

Figura 2
Modelagem gráfica dos biodigestores

Para uma representatividade do campo das dosagens, diferentes dosagens foram propostas, com uma unidade funcional de volume no Sistema Internacional de Unidades (1 m³ de concreto). Cada um dos componentes constituintes das dosagens foi selecionado de forma a manter a resistência mecânica à compressão dentro de limites compatíveis com o comportamento de concretos convencionais (Tabela 1). No entanto, trabalhou-se com abatimentos na faixa de 0 a 245, o que pode inviabilizar a aplicação de algumas dosagens, conforme prescrevem as normas NBR 14931 (ABNT, 2004ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 14931: execução de estruturas de concreto: procedimento. Rio de Janeiro, 2004.) e NBR 8953 (ABNT, 2015cASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 8953: concreto para fins estruturais: classificação pela massa específica, por grupos de resistência e consistência. Rio de Janeiro, 2015c.). O domínio desses componentes no campo quantitativo das dosagens foi proposto por De Souza, Magalhães e Campos (2021)DE SOUZA, R. M.; MAGALHÃES, R. R.; CAMPOS, A. T. Modelo neuro-fuzzy para predição do aporte de energia de diferentes dosagens de concreto em edificações. Ambiente Construído , Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 295-309, abr./jun. 2021.. As diferentes propostas de dosagens foram avaliadas com relação às emissões de CO2Eq., considerando as etapas de extração da matéria-prima, transporte, fabricação, montagem, desmontagem e desconstrução durante o ciclo de vida do concreto, conforme dados contidos na Tabela 2.

Tabela 1
Domínio dos componentes das dosagens propostas

Tabela 2
Coeficiente de emissões de CO2Eq. dos componentes do concreto

Modelo neuro-fuzzy

Um modelo ANFIS foi desenvolvido para predição das emissões de CO2Eq. na produção de concretos convencionais. Essa abordagem híbrida apresenta excelente precisão quando comparada com dados experimentais de propriedades mecânica de concreto (SARADAR et al., 2020SARADAR, A. et al. Prediction of mechanical properties of lightweight basalt fiber reinforced concrete containing silica fume and fly ash: experimental and numerical assessment. Journal of Building Engineering, v. 32, p. 101732, 2020.). Esse sistema híbrido utiliza RNA (Artificial Neural Networks) combinado com lógica fuzzy baseada no processo de inferência fuzzy de Takagi-Sugeno para definição das características do modelo neuro-fuzzy (Figura 3). Essa combinação permite conjugar a capacidade de aprendizado das redes neurais com as características do sistema fuzzy. A metodologia aplicada utilizou como apoio o software comercial MATLAB, na interface Fuzzy Logic Toolbox, com uso da função ANFIS e do aplicativo iterativo Neuro-Fuzzy Designer. Para alcançar melhores resultados, diferentes configurações de modelos ANFIS foram testadas.

No modelo, foram utilizados 675 parâmetros lineares, 28 parâmetros não lineares e 135 regras. Os valores discretos das variáveis de entrada foram convertidos em valores difusos (fuzzification), adotando quatro conjuntos fuzzy de entrada com funções de pertinência do tipo gaussiana. Os conjuntos fuzzy de entrada - agregado miúdo (kg de CO2Eq./m³), agregado graúdo (kg de CO2Eq./m³) e água (kg de CO2Eq./m³) - foram modelados considerando três funções de pertinência (Figura 3). Para a representação da variável de entrada cimento (kg de CO2Eq./m³) foram adotadas cinco funções de pertinência (Figura 3).

A metodologia utilizada para modelar o ANFIS foi compatível com as pesquisas de Li, Su e Chu (2011LI, K.; SU, H.; CHU, J. Forecasting building energy consumption using neural networks and hybrid neuro-fuzzy system: a comparative study. Energy and Buildings, v. 43, n. 10, p. 2893-2899, 2011.), Boğa, Öztürk e Topçu(2013BOĞA, A. R.; ÖZTÜRK, M.; TOPÇU, İ. B. Using ANN and ANFIS to predict the mechanical and chloride permeability properties of concrete containing GGBFS and CNI. Composites Part B: Engineering, v. 45, n. 1, p. 688-696, 2013.), Shamshirband et al. (2015)SHAMSHIRBAND, S. et al. Heat load prediction in district heating systems with adaptive neuro-fuzzy method. Renewable and Sustainable Energy Reviews, v. 48, p. 760-767, 2015. e De Souza, Magalhães e Campos (2021)DE SOUZA, R. M.; MAGALHÃES, R. R.; CAMPOS, A. T. Modelo neuro-fuzzy para predição do aporte de energia de diferentes dosagens de concreto em edificações. Ambiente Construído , Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 295-309, abr./jun. 2021.. Utilizou-se a média ponderada de todas as saídas, por ser o padrão para os sistemas de inferência de Takagi-Sugeno. O modelo foi desenvolvido considerando os bancos de dados experimentais e de validação disponibilizados por De Souza, Magalhães e Campos (2021)DE SOUZA, R. M.; MAGALHÃES, R. R.; CAMPOS, A. T. Modelo neuro-fuzzy para predição do aporte de energia de diferentes dosagens de concreto em edificações. Ambiente Construído , Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 295-309, abr./jun. 2021., de acordo com os limites da Tabela 1.

Optou-se ainda por avaliar as emissões de CO2Eq. da produção do concreto necessário para produção da instalação dos biodigestores, considerando os diferentes cenários de dosagens em intervalos de 10 MPa, avaliando, dessa forma, as dosagens preponderantes (máxima e mínima emissão de CO2Eq.), procedimento esse adotado por De Souza, Magalhães e Campos (2021)DE SOUZA, R. M.; MAGALHÃES, R. R.; CAMPOS, A. T. Modelo neuro-fuzzy para predição do aporte de energia de diferentes dosagens de concreto em edificações. Ambiente Construído , Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 295-309, abr./jun. 2021. ao avaliar o impacto ambiental devido à energia incorporada. Os resultados obtidos foram discutidos e apresentas em gráficos de superfície.

Desempenho estatístico do modelo de predição ANFIS

O desempenho estatístico do modelo híbrido neuro-fuzzy adaptativo foi avaliado computacionalmente por meio dos indicadores de desempenho, coeficiente de variação (CV), erro percentual absoluto médio (MAPE), coeficiente de determinação (R²) e raiz quadrada do erro médio (RMSE), conforme proposto por De Souza, Magalhães e Campos (2021)DE SOUZA, R. M.; MAGALHÃES, R. R.; CAMPOS, A. T. Modelo neuro-fuzzy para predição do aporte de energia de diferentes dosagens de concreto em edificações. Ambiente Construído , Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 295-309, abr./jun. 2021. (Equações 1 a 4).

CV % = i = 1 n y p , i - y c , i ² n y ̅ c × 100 Eq. 1

MAPE % = 1 n i = 1 n y p , i - y c , i y c , i × 100 Eq. 2

R 2 = 1 - i = 1 n y p , i - y c , i 2 i = 1 n y c , i - y ̅ c 2 Eq. 3

RMSE kg de CO 2 Eq . = i = 1 n y p , i - y c , i 2 n Eq. 4

Em que:

Yp,i: valor previsto das emissões de CO2Eq. no instante i em kg de CO2Eq.;

Yc,i: valor conhecido das emissões de CO2Eq. no instante i em kg de CO2Eq.; e

Yc: média dos valores conhecidos das emissões de CO2Eq. (em kg) para n dados.

Resultados e discussão

Desempenho do modelo híbrido neuro-fuzzy

Os resultados revelaram boa precisão do modelo ANFIS para predição de diferentes cenários de dosagens de concreto, desempenho caracterizado por um CV de 0,0019%, MAPE de 0,0011%, R² de 1,0000 e RMSE de 0,0086 kg de CO2Eq. (Tabela 3). Na etapa de validação, os resultados foram semelhantes, descritos por CV de 0,3947%, MAPE de 0,1422%, R² de 0,9989 e RMSE de 1,7899 kg de CO2Eq. (Tabela 3), com divergência relativa média de 0,14%. Sob o viés do parâmetro R², o modelo revelou boa convergência na validação, que pode ser observada no gráfico da Figura 3.

Nesta pesquisa, os resultados foram semelhantes aos obtidos por De Souza, Magalhães e Campos (2021)DE SOUZA, R. M.; MAGALHÃES, R. R.; CAMPOS, A. T. Modelo neuro-fuzzy para predição do aporte de energia de diferentes dosagens de concreto em edificações. Ambiente Construído , Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 295-309, abr./jun. 2021. ao avaliar predições ANFIS para energia incorporada em concretos, resultados equivalentes aos relatados por Amasyali e El-Gohary (2018AMASYALI, K.; EL-GOHARY, N. M. A review of data-driven building energy consumption prediction studies. Renewable and Sustainable Energy Reviews, v. 81, p. 1192-1205, 2018.). Observou-se divergência máxima relativa de 2,39% ao predizer cenário proposto por Hatem et al. (2012HATEM, M. et al. Design of concrete mixes by systematic steps and ANN. Journal of Advanced Science and Engineering Research, v. 2, n. 4, p. 232-251, 2012.), dados no intervalo de 400 kg a 450 kg de CO2 (Figura 4), o que pode ser devido às diferentes características dos concretos adotados nas pesquisas, conforme relatado por De Souza, Magalhães e Campos (2021)DE SOUZA, R. M.; MAGALHÃES, R. R.; CAMPOS, A. T. Modelo neuro-fuzzy para predição do aporte de energia de diferentes dosagens de concreto em edificações. Ambiente Construído , Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 295-309, abr./jun. 2021..

Emissões de dióxido de carbono equivalente do concreto dos biodigestores

Os dados de emissões de CO2Eq. por dosagem foram correlacionados com a ordenação crescente da resistência mecânica à compressão dos diferentes cenários de dosagens experimentais (Figura 5). Observou-se ainda que valores semelhantes de resistência mecânica à compressão podem gerar mudanças abruptas nas emissões de CO2Eq. em função do quantitativo dos materiais empregados nas misturas, conforme mostrado na Figura 5.

Figura 3
Configuração geral do modelo ANFIS

Tabela 3
Desempenho estatístico do modelo ANFIS

Figura 4
Dispersão de dados reais e previstos pelo ANFIS

Figura 5
Relação entre emissões de CO2Eq. e a resistência mecânica à compressão dos corpos de provas

Para diferentes faixas de resistência mecânica à compressão, a escolha da dosagem adequada pode gerar redução no impacto ambiental das emissões de CO2Eq. Essa redução para a instalação rural dos biodigestores propostos pode chegar a um valor de 31,41% para concretos de 30 MPa a 40 MPa. Para concretos com resistência mecânica à compressão na faixa de 40 MPa a 50 MPa, essa redução foi um pouco menor, em torno de 26,24%, conforme representado na Figura 6. Diante dos resultados obtidos, fica evidente que a escolha adequada da dosagem pode influenciar significativamente na sustentabilidade do processo de produção de instalações rurais em concreto, informação essa ratificada por De Souza, Magalhães e Campos (2021)DE SOUZA, R. M.; MAGALHÃES, R. R.; CAMPOS, A. T. Modelo neuro-fuzzy para predição do aporte de energia de diferentes dosagens de concreto em edificações. Ambiente Construído , Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 295-309, abr./jun. 2021..

Independentemente das faixas de resistência mecânica à compressão estudadas, as reduções nas emissões de CO2Eq. são significativas, conforme mostrado na Figura 6. As aplicações dessas dosagens em construções rurais ou civis podem ser estruturais ou não. Concretos com resistência mecânica à compressão entre 10 MPa e 20 MPa devem ser utilizados de acordo com as limitações da norma NBR 8953 (ABNT, 2015cASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 8953: concreto para fins estruturais: classificação pela massa específica, por grupos de resistência e consistência. Rio de Janeiro, 2015c.). Ainda, a escolha da dosagem de concreto a ser adotada em biodigestores e, consequentemente, da consistência do concreto deve atender aos requisitos de projeto da estrutura e às condições de trabalhabilidade necessárias, conforme recomendado pela norma NBR 14931 (ABNT, 2004ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 14931: execução de estruturas de concreto: procedimento. Rio de Janeiro, 2004.). Para Huang, Huang e Marcotullio (2019HUANG, P.-J. J.; HUANG, S.-L. L.; MARCOTULLIO, P. J. Relationships between CO2 emissions and embodied energy in building construction: a historical analysis of Taipei. Building and Environment, v. 155, p. 360-375, apr. 2019.), existe relação entre as emissões de CO2Eq. e a energia incorporada nos materiais, informação essa verificada nesta pesquisa. O cimento Portland é o responsável pelo maior impacto ambiental nas dosagens, assim como relatado por Wang et al. (2017)WANG, J. et al. Life cycle sustainability assessment of fly ash concrete structures. Renewable and Sustainable Energy Reviews , v. 80, p. 1162-1174, 2017. e De Souza, Magalhães e Campos (2021)DE SOUZA, R. M.; MAGALHÃES, R. R.; CAMPOS, A. T. Modelo neuro-fuzzy para predição do aporte de energia de diferentes dosagens de concreto em edificações. Ambiente Construído , Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 295-309, abr./jun. 2021., com valor médio de 98,40% do total das emissões de CO2Eq. Observou-se que o agregado graúdo ocupa a segunda posição de destaque, com valor médio de 1,03% das emissões de CO2Eq. Identificou-se ainda que o agregado miúdo é responsável por um valor médio de 0,53% do total das emissões de CO2Eq. O componente água apontou um percentual médio de 0,04% do total das emissões de CO2Eq.

Na Tabela 4 estão apresentadas as dosagens que se destacaram sob o aspecto impacto nas emissões de CO2Eq. para distintos intervalos de resistência mecânica à compressão. Observou-se que o quantitativo dos materiais pode influenciar significativamente no impacto ambiental, nas características de resistência mecânica à compressão e no abatimento. Demonstrou-se ainda que a escolha da dosagem adequada pode ser estabelecida considerando diferentes aspectos técnicos e buscando um desenvolvimento mais sustentável.

Figura 6
Emissões de CO2Eq. do concreto dos biodigestores para o sistema de tratamento de resíduos da suinocultura

Tabela 4
Dosagens com maiores efeitos no desempenho ambiental

Figura 7
Gráfico de superfície para predição das emissões de CO2Eq. de diferentes combinações de misturas de concreto

As interações entre as variáveis de entrada (cimento Portland, agregado miúdo, agregado graúdo e água) e as emissões de CO2Eq. (resposta de saída do sistema) estão apresentadas na Figura 7, com as variáveis de entrada e saída em unidades de kg de CO2Eq./m³. Os gráficos da Figura 7 representam a variação do fenômeno físico de emissões de CO2Eq. para diferentes misturas de concreto. Trabalhou-se com gráficos tridimensionais, que expressam as variações das entradas em função da resposta de saída do sistema. Por se tratar de um modelo com quatro entradas (cimento Portland, agregado miúdo, agregado graúdo e água), os gráficos da Figura 7 representam diferentes combinações, considerando duas variáveis de entrada como referência e os pontos médios de seus respectivos intervalos para as variáveis restantes, por ser o padrão adotado em sistemas fuzzy. Por exemplo, a Figura 7(a) retrata a variação da emissão de CO2Eq. para dosagens com diferentes misturas de água e cimento, considerando valores médios de emissõesde 2,375 kg de CO2Eq./m³ para agregado miúdo e de 4,67 kg de CO2Eq./m³ para agregado graúdo. Para os demais casos, quando necessário, consideraram-se os valores médios de 456,8 kg de CO2Eq./m³ de cimento Portland, de 2,375 kg de CO2Eq./m³ de agregado miúdo, de 4,67 kg de CO2Eq./m³ de agregado graúdo e de 0,175 kg de CO2Eq./m³ do componente água.

Conclusões

Devido à importância da sustentabilidade nos processos agrícolas, investigou-se o uso de modelagem híbrida ANFIS (Adaptive Neuro-Fuzzy Inference System) para predição do impacto ambiental gerado pelas emissões de dióxido de carbono equivalente (CO2Eq.) para a produção de concretos convencionais de um sistema de biodigestores da suinocultura.

Os resultados indicam que a metodologia proposta possui bom desempenho sob o viés estatístico coeficiente de variação (CV), erro percentual absoluto médio (MAPE), coeficiente de determinação (R²) e raiz quadrada do erro médio (RMSE), podendo ser o aparato necessário para a escolha adequada do quantitativo de materiais necessários para a produção de instalações sustentáveis em concreto, com potencial para ser utilizada na tomada decisão em projetos de engenharia.

Verificou-se que o estudo das emissões de CO2Eq. pode ser a ferramenta adequada para avaliar a sustentabilidade ambiental de construções em concreto, sendo o material cimento o preponderante para a poluição do ar.

Conclui-se com este estudo que podem ocorrer variações significativas nas emissões de CO2Eq. Essas variações podem ser reduzidas em até 31,41% com a escolha adequada da dosagem a ser utilizada para uma construção convencional de biodigestores em concreto. Ratificou-se ainda que existe uma relação entre as emissões de CO2Eq. e a energia incorporada nos materiais de construção da produção de concretos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Set 2022
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    10 Jun 2021
  • Aceito
    20 Dez 2021
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