Das tecnologias da informação à comunicação científica:

críticas à nova cultura da pesquisa em Educação


Rodrigo Silva Caxias


1 Introdução
2 Visibilidade da comunicação científica e cultura da virtualidade
3 Da pesquisa bibliográfica à comunicação científica
4 Questões inconclusas
Referências

RESUMO
O artigo trata de criticar o ciclo de produção do conhecimento científico que se efetiva entre os processos de recuperação da informação e a publicização dos resultados de pesquisa. Atenta o autor para um discurso instrumentalizado decorrente de imposições oriundas de políticas públicas e de uma cultura de agilização forjada pelos novos mecanismos tecnológicos, transformando a produção de conhecimento em educação em um movimento publicacionista.
PALAVRAS-CHAVE: Comunicação científica. Pesquisa em Educação. Tecnologias da informação e comunicação.


1 Introdução

A repetitiva máxima de que as tecnologias da informação e comunicação proporcionaram uma rearticulação nas formas de produção do conhecimento científico tem efetivamente se vulgarizado em meio às universidades. Esse fenômeno é alicerçado por significativas alterações na dinâmica dessas instituições, principalmente através da agilização de uma das suas três funções básicas: a pesquisa.

Essa atividade, que se refere à produção do conhecimento sistematizado, pode ser repensada enquanto fruto não apenas da constituição de um novo padrão sócio-técnico nas sociedades. Ela é também decorrente, na área de educação em espacial, de aprofundado debate centrado na dicotomia teoria e prática. No Brasil essa interlocução advém da pertinência quanto a uma possível cientificidade da Educação, esta entendida enquanto processo de intervenção formativa no qual uma determinada cultura pedagógica incide sobre os sujeitos. Os questionamentos acerca dos conceitos de pedagogia científica e ciência pedagógica foram motivo de discussões que se consolidaram como objeto da produção científica na respectiva área.

A produção científica é uma atividade que proporciona diferentes formas e níveis de aprendizagem, formas essas que convencionalmente o aluno não aprende através das relações tradicionais de sala de aula. Estão vinculadas às práticas e funcionamentos da coletividade científica. Essa íntima relação refere-se a diversos fatores, dentre os quais é possível citar: as formas de comportamento; os trâmites administrativos; os consensos compartilhados; as condutas e escolhas autorizadas pelos atores ocupantes das diferentes hierarquias do campo científico (BORDIEU, 1983). Significa dizer que toda uma mise-en-scène deve ser incorporada pelos educadores que participam da pesquisa numa dada instituição educativa.

Pesquisar implica em apreender todo um modus operandi que caracteriza a conduta na ciência, se consolidando entre os espaços característicos de atuação desses pesquisadores. Essa conduta referente à apreensão da cultura da pesquisa perpassa fronteiras institucionais diversas. A título de exemplificação podem ser elencadas as universidades e seus departamentos, as agências de fomento, os museus, as incubadoras tecnológicas, os ministérios, as salas de aula. Resultam desse saber-fazer reproduzido pelos pesquisadores, ações micro e macro-sociológicas, desveladoras de tendências teórico-epistemológicas adotadas nessas respectivas instâncias. Por conseqüência, nela incidem ações políticas nos mesmos níveis.

A prática que incorpora a vantagem de oscilar entre as dimensões sociológicas acima citadas é comunicação dos resultados de pesquisa. Ainda que possa ser atribuída uma perspectiva positivista e endógena ao processo de comunicação científica, pelo fato do mesmo estar circunscrito ao interior do campo científico, é necessário enfatizar a importância das implicações sociais e econômicas do mesmo. Corrobora essa questão o fato de que, historicamente, as práticas adjacentes à comunicação científica foram alçadas ao patamar de principal dimensão avaliativa na ciência; em função do impacto dos fluxos de informação estabelecidos. Dessa forma, as decisões quanto ao direcionamento dos recursos na ciência passaram a se basear na visibilidade dos atores, canais e instituições.

Porém é prudente questionar: as práticas que conferem aos comunicados dos resultados de pesquisa na área de educação a devida visibilidade científica necessitam ser repensadas? Os critérios de validação, quando pensados acerca da pedagogia, podem ser os mesmos?

A tentativa de desvelamento dessas questões necessita centrar- se na noção de ciência adotada pelas sociedades ocidentais à luz das relações de dominação instituídas através das práticas de pesquisa. Em certa medida esse questionamento diz respeito à autoridade e ao reconhecimento que a pedagogia adquiriu durante o processo histórico. Diferentemente dos critérios de visibilidade das ciências exatas, a pedagogia necessita centrar a avaliação de sua produtividade nos impactos sociais vinculados à resolução de problemas pedagógicos. Essa visibilidade se dá não apenas em face à circulação e comunicação de idéias originais, efetivadas nos canais formais da literatura científica. Sua autoridade e visibilidade provêm da concepção de educação como processo de formação de sujeitos emancipados.

A visibilidade das publicações de uma comunidade científica, área, país, canal de informação ou autor, é um indicador através do qual se avalia a relevância das contribuições à ciência. Essa visibilidade científica permeia todo o ciclo de produção da ciência onde os atores sociais que dele se valem são, concomitantemente, autores, leitores, e avaliadores. Inclusa numa estrutura macro e sob o viés do crescimento substancial da produção da literatura científica em Educação, seus fluxos trazem à tona relações de poder subjacentes. A principal delas se refere à mensuração da produção científica, assim como aos canais de comunicação utilizados para sua disseminação, seus instrumentos, processos e escalas avaliativos, encontrados durante todo o percurso produtivo da ciência. Sua quantificação incide no que tange à eficácia acerca da circulação do conhecimento entre os pares.

No entanto, essa prática reproduz e se articula ao circuito de produção de mercadorias, onde as tecnologias da informação e comunicação dão significado aos bens materiais e às suas dimensões simbólicas. Ao atribuírem significado à produção de conhecimento em Educação, tornam-se também reconhecidas como tais e imprimem ao produto final as identidades das relações de poder próprias do campo pedagógico. Nesse sentido, engendram as exigências de um novo tempo, no qual as formas de produção de conhecimento em educação estão diretamente vinculadas às pressões advindas das políticas públicas. Embora essas pressões se encontrem presentes em todas as áreas do conhecimento, é prudente ressaltar que ao incidirem sobre a pesquisa em educação as mesmas comprometem as reflexões e problematizações inerentes ao campo. Com isso trazem indícios do que se produz e do que se reproduz em Educação.

O sistema de relações engendrado pela atividade científica pressupõe a inserção e manutenção nesse campo científico de processos culturais que atuam como elementos de autoridade, prestígio e distinção entre os educadores (BORDIEU, 1983). Esses tipificam o círculo de produção da ciência, denotando interesses subjacentes ao propósito de produção científica.


2 Visibilidade da comunicação científica e cultura da virtualidade

Uma perspectiva instrumentalizada acerca das potencialidades de uma nova cultura oriunda das tecnologias da informação e comunicação pode ser evidenciada nos mais diversos ramos do saber. Através da análise dos argumentos teóricos, centrados nas concepções de tecnologia da informação e comunicação, a recuperação da capacidade de análise da cultura midiática é um desafio teórico que se impõe aos educadores. Essa recuperação depende de uma reflexão minuciosa quanto à lógica de uma cultura que se baseia na produtividade da comunicação científica.

Atualmente o conhecimento produzido tem no aumento de sua literatura publicada indícios de uma revolução supostamente consensual quanto a uma nova atmosfera científica; denominada cultura da virtualidade. De acordo com Castells, assim ela se caracteriza:


O que caracteriza o processo da atual revolução tecnológica não é a centralidade de conhecimentos e informação, mas a aplicação desses conhecimentos e dessa informação para a geração de conhecimentos e de dispositivos de processamento/comunicação da informação, em um ciclo de realimentação cumulativo entre a inovação e seu uso. (CASTELLS, 1999, p. 50-51)

Essa afirmativa reitera a idéia de que a cultura não se efetiva autonomamente nas sociedades. Ela é produto de uma gama de contradições econômicas, sociais, ideológicas e pensá-la como uma categoria desvinculada das tensões socioeconômicas é restringi- la a mero instrumento tradicional de dominação e poder. Adorno nos indica que (1985, p. 40)


[...] a concepção tradicional de cultura negligencia o que é decisivo: o papel das ideologias nos conflitos sociais. Supor, mesmo que apenas metodologicamente, qualquer coisa do tipo de uma lógica independente da cultura é colaborar com a hipótese da cultura, o proton-pseudos ideológico. A substância da cultura [...] reside não na cultura apenas, mas em sua relação com algo externo, com o processo material da vida.

O uso, disseminação e comunicação do conhecimento científico podem ser entendidos como parte desse processo de produção material, considerando que os paradigmas científicos e a produção do conhecimento tem como cerne a questão da inserção das tecnologias da informação e comunicação como indicativo da agilização, dominação e reificação na ciência. Sobre essa dominação, Marcuse apud Habermas (1987, p. 49) alerta:


Hoje a dominação eterniza-se e amplia-se não só mediante a tecnologia, mas como tecnologia; e esta proporciona a grande legitimação ao poder político expansivo, que assume em si todas as esferas da cultura. Neste universo, a tecnologia proporciona igualmente a grande racionalização da falta de liberdade do homem e demonstra a impossibilidade da técnica de ser autônomo, de determinar pessoalmente a sua vida.

O processo de dominação tecnológica se reproduz enquanto dominação cultural e política, na medida em que constitui uma dinâmica de eficácia produtiva dentro das universidades; criando uma atmosfera na qual visibilidade e produtividade se edificam através do número de trabalhos publicados.

Entretanto, é preciso contextualizar essa dominação; principalmente pelo fato de a mesma estar relacionada à dinâmica e concepção das políticas públicas de Educação, Ciência e Tecnologia. Nesse entremeio, a produção científica em Educação tem como lógica e princípio os resultados. De forma antagônica, as investigações que pretendam dar conta dos problemas específicos concernentes à formação cultural dos indivíduos passam a ser o pano de fundo. A pesquisa é regida pela lógica reificada da mercadoria. São negligenciadas as soluções práticas, as localidades, as instituições, as ações pedagógicas específicas, os currículos, os projetos políticos pedagógicos, as formas de exclusão, as identidades dos educandos. Modismos são consagrados. Seguindo o parâmetro das políticas públicas, por certo, essa lógica é baseada em um fim maior: a aproximação com os patamares dos países ricos.

É preciso lembrar que essa cultura na ciência não abrange a complexidade devida: das diferentes instâncias universitárias; das correlações de forças internas; das naturezas administrativas das instituições; dos padrões de produção de conhecimento de cada área; dos canais formais e informais tradicionalmente instituídos nesses espaços. Também deixa de privilegiar saberes alheios ao circuito científico, negligenciando um processo mutualístico onde diferentes tipos de conhecimento convergem com vistas a uma prática pedagógica libertária. Corrobora Horkheimer (1990, p. 7) que “[...] o fato de a ciência como força produtiva e meio de produção, cooperar para o processo de vida da sociedade não justifica, de forma alguma, uma teoria pragmática do conhecimento”.

Essas questões, quando vinculadas à comunicação científica, são conseqüências das conjugações de aspectos histórico-sociais e, portanto, precisam ser entendidas como construções sociais desveladoras de interesses de grupos específicos, acarretando modificações nas interpretações epistemológicas, revelando novas tendências conceituais, reconstruindo práticas e políticas científicas, e alterando os comportamentos dos pesquisadores. Submetidos a essas alternâncias, os processos de comunicação científica podem ser definidos, segundo Garvey (1979, p. 36), como a troca de resultados e informações entre pesquisadores de uma comunidade científica


[...] desde o momento em que o cientista concebe uma idéia para pesquisar, até que os resultados de sua pesquisa sejam aceitos como constituintes do conhecimento científico. A comunicação científica tem como principal função dar continuidade ao conhecimento científico, já que possibilita a disseminação desse conhecimento a outros cientistas que podem, a partir daí, desenvolver outras pesquisas, para corroborar ou refutar os resultados de pesquisas anteriores, ou estabelecer novas perspectivas naquele campo de interesse. A comunicação científica também é capaz de definir e legitimar novas disciplinas e campos de estudos, institucionalizando o conhecimento e rompendo suas fronteiras.

É dessa potencialidade que subjaz à comunicação científica, que se pretende extrair outras formas de conceber a ciência e a Educação, assim como os processos avaliativos que a legitimam. O ato de publicar, ao assumir outras funções como a de estabelecer prioridade da descoberta científica e reconhecer o cientista de acordo com a qualidade e importância de suas descobertas, passa a ser identificado como prova de efetiva atividade em pesquisa.

Vale lembrar que o tradicionalmente conhecido é que os diferentes ramos do saber utilizam-se de um tipo formal de veículo para comunicar seus avanços, qual seja, o periódico científico. Em decorrência de características específicas, a comunidade científica o consagrou como sendo o suporte pelo qual os pesquisadores formalmente explicitam seus trabalhos científicos.

Atualmente, os movimentos de acesso aberto e livre ao conhecimento são produzidos como resposta à possibilidade de edificação da chamada sociedade informacional, sociedade essa que se caracteriza, teoricamente, pela democratização da informação e comunicação. Esses movimentos indicam uma nova tendência na forma de encaminhamento dos processos de comunicação científica, entendidos como alternativa aos consagrados mecanismos que caracterizam a comunicação desse tipo de literatura. Cumpre ressaltar, dessa forma, que outras estratégias de visibilidade estão sendo estabelecidas, o que significa redimensionar a noção de ciência e a conduta efetivada pelos educadores. Mannheim já nos alertava sobre essa questão, ao explicitar que:


[...] é precisamente no curso da conduta efetiva que se pode, em proporções crescentes, obter um conhecimento específico e relevante, comunicável em certas condições. Conseqüentemente, torna-se claro que nossa concepção de ciência é muito mais restrita do que o âmbito dos conhecimentos atuais; e que o conhecimento atingível e comunicável não se restringe, de modo algum, aos limites da ciências atualmente estabelecidas. (1968, p. 189)

No entremeio desse contexto os educadores têm a possibilidade de ações que rompam com as práticas tradicionalmente instituídas na ciência. Explicita Schmied-Kowarzik (1983, p.10) que “[...] a pedagogia tem a tarefa de ser ciência da e para a prática educacional” e que, portanto, parte de um processo dialético no qual a mediação do conhecimento conduz à autoformação do aprendiz. Essa noção de educação nos leva a crer que a pesquisa em Educação transcende a produção de literatura científica, centrando-se na constituição formativa dos sujeitos e em sua emancipação, com vistas à participação política.

Porém as pressões publicacionistas que envolvem a literatura científica, afetam as práticas dos pesquisadores da área, implicando na necessidade de visibilidade dessas produções. De acordo com Mueller (2004, p. 313).


[...] visibilidade é o grau de exposição e evidência de um pesquisador frente a comunidade científica. Uma posição de visibilidade alta é aquela na qual os trabalhos e idéias do pesquisador são facilmente acessíveis. Sendo acessíveis, poderão ser recuperados, lidos e citados. O seu autor se torna conhecido de seus pares. Por outro lado, a ausência de visibilidade seria a situação em que os trabalhos e idéias de um pesquisador não são conhecidos nem têm a chance de sê-lo, por não estarem disponíveis em canais de fácil acesso. O pesquisador sem visibilidade não é conhecido, seus trabalhos não são lidos e conseqüentemente não são citados, não têm repercussão. Sem ficar exposto ao escrutínio dos pares, os trabalhos de um pesquisador não conseguem confiabilidade, muito menos prestígio. Em resumo, quanto maior o grau de visibilidade, maiores são as chances do pesquisador de ser lido, avaliado e citado.

Isto significa dizer que o conhecimento tem na sua literatura produzida indícios de uma relação na qual interesses específicos e correlações de poder internas às comunidades científicas tendem a transparecer, identificando subáreas temáticas às quais são dadas prioridades.

Entretanto a comunicação científica não pode ser concebida simplesmente como um processo de racionalização da cultura científica, mas, sobretudo, como uma atividade diretamente articulada com a dimensão de uma economia globalizada.

Dessa forma, deve transcender a dinâmica mercadológica no sentido de romper com a forma de produção e circulação de riquezas. Ultrapassar a esfera de uma ciência normal e os obstáculos epistemológicos que são impostos a partir da dimensão econômica é tarefa que impera na sociedade global. Nos dizeres de Debord (1997, p. 20)


A mercadoria pode ser compreendida na sua essência apenas como categoria universal do ser social total. É apenas neste contexto que a reificação [o momento, dentro do processo de alienação, em que a característica de ser uma coisa se torna típica da realidade objetiva] surgida da relação mercantil adquire uma significação decisiva, tanto pela evolução objetiva da sociedade como pela atitude dos homens em relação a ela, na submissão da sua consciência às formas nas quais esta reificação se exprime. Esta submissão acresce-se ainda do fato de que quanto mais a racionalização e a mecanização do processo de trabalho aumentam, mais a atividade do trabalhador perde o seu caráter de atividade, tornando-se uma atitude meramente contemplativa.

A variabilidade de fatores que compõem o aumento da abrangência da comunicação científica, pode ser historicamente vinculada às diferenciadas conjunturas sociais. Atualmente respalda o argumento de que se vive em uma sociedade do aprendizado, outorgando o valor depositado pela sociedade nas comunidades científicas, comunidades essas compostas por um capital característico de circulação de produtos e atores sociais autorizados.

Esse capital se vale da comunicação científica e sua visibilidade como elementos fundantes da manutenção do reconhecimento adquirido diante da comunidade científica, e corrobora a hipotética ascensão desses pesquisadores e suas comunidades ao patamar desejado.

O reconhecimento é identificado no plano da literatura científica produzida e depende também da qualidade dos canais de comunicação utilizados à sua difusão. Variam conforme esse reconhecimento os instrumentos, processos, público produtor, público atingido, escalas e fatores avaliativos de impacto das publicações entre os pares.

Sendo assim, essas questões se encontram presentes durante todo o percurso produtivo da ciência, permeando as ações e as decisões mais adequadas quanto a uma possível visibilidade e reconhecimento científicos.

Apregoa-se que, durante esse percurso, existe a necessidade de lisura e transparência que devem alicerçar todo o processo de produção científica. Redefinida está a idéia de que os processos que efetivam a composição e distribuição dos resultados obtidos pelos pesquisadores, ao passarem pelo filtro democrático da cultura científica, estariam, em princípio, respaldados.

Esse fator também é entendido como um dos critérios de visibilidade das fontes utilizadas e pelas quais os pesquisadores comunicam formalmente sua produção. Essas relações, no que concerne às exigências estabelecidas através das políticas públicas e institucionais em Ciência e Tecnologia, tanto no âmbito da universidade quanto da estrutura estatal, atualmente, se aproximam da dinâmica de mercado na sociedade capitalista global. Submerso no universo das relações de poder, a pesquisa científica está envolta em uma nova atmosfera cultural que também se insere em dinâmicas de rapidez e volatilidade no que tange à sua produção; próprias da indústria da informação. Nas palavras de Le Coadic (1996, p.28) “[...] a industrialização passa pela ciência e a ciência passa pela industrialização”.

Dito de outra forma, os instrumentos tecnológicos dos quais se valem os cientistas; suas formas e canais de publicação em seus diferentes períodos históricos; assim como as atmosferas culturais retroalimentada por esses instrumentos devem se traduzir em objeto de investigação da própria ciência no sentido de desvelá-la.

Não obstante a necessidade de otimização dos investimentos e à complexidade da atividade científica, assim como as novas formatações das dinâmicas de publicação da literatura científica, têm como cerne o uso indiscriminado dos recursos eletrônicos de informação. Essas questões passam a se imbricar a outros temas, como elementos de análise acerca da produtividade e conseqüente visibilidade dos veículos de comunicação científica utilizados. Sendo assim, um pesquisador só estará produzindo ciência, efetivamente, quando submeter seus resultados de pesquisa à avaliação de outros pesquisadores da sua área.

A avaliação feita pelos pares e a incorporação às bases de dados referenciais são processos imprescindíveis, pois é através delas que se obtém o consenso dos pesquisadores e a conseqüente credibilidade quanto aos resultados de pesquisa comunicada. Essa avaliação, de acordo com Meadows (1999, p. 36)


[...] é a vigência de um sistema de avaliação de desempenho calcado na produção dos pesquisadores e professores. É a prática usual no meio acadêmico de ameaçar com o limbo ou com a morte profissional todos os que não publicam, sem levar em conta as diferenças entre instituições, áreas, departamentos, especialidades e temas. Esta pressão termina por incentivar mentiras e falcatruas.

Por outro lado, as políticas de produção científica se atrelam à dinâmica de dominação do mercado reforçando essas perspectivas, onde os interesses políticos se coadunam aos interesses econômicos e a relação entre quantidade e qualidade das publicações formais alicerça a visibilidade de áreas, grupos de pesquisa e programas de pós-graduação no Brasil:


O quantum de produção é estipulado atualmente, em quase todos os campos disciplinares, em termos de papers editados em periódicos de circulação nacional ou internacional, cuja qualidade de divulgação (base QUALIS) é estabelecida por cada área de conhecimento. A categoria produtividade, interiorizada das atividades econômicas para o trabalho intelectual, pode atuar positiva ou negativamente sobre as características de inovação, originalidade e cumulatividade (entendida aqui em termos de produção sustentada), marcas seculares do trabalho acadêmico, de acordo com as normas que estabeleça e com o grau de formalidade que se aplique à produção dos agentes. [...], tal categoria tem atuado mais negativa que positivamente sobre os produtores, quando levados em consideração os agentes que produzem e a sobrecarga de trabalho exercida sobre eles, e não os beneficiários diretos e indiretos de sua produção: isto é, o estado, as empresas, a ordem política e social em última instância, a própria sociedade civil. (LUZ, 2005, p. 43-44).

A assertiva acima reforça a idéia de que, de certa forma, existe uma pressão no sentido de que os pesquisadores publiquem um número mínimo de trabalhos com um determinado fator de impacto. Ao ser assim estipulada, a produção acadêmica se efetiva como fim em si mesma. Essas exigências não levam em conta que diferentes áreas produzem diferentes temáticas e também as comunicam em diferentes canais, a partir de híbridas tradições de investigação.


3 Da pesquisa bibliográfica à comunicação científica

A produção científica é uma atividade complexa na qual o indivíduo se envolve integralmente. A construção do conhecimento do pesquisador se efetiva através do entendimento acerca das dinâmicas relacionadas ao processo de produção e comunicação do conhecimento produzido; e se confunde com a construção do pesquisador enquanto sujeito epistêmico.

Em um primeiro momento, a pesquisa bibliográfica, então, tem o relevante papel de analisar um horizonte de informações pertinentes que necessitam ser avaliadas, filtradas e selecionadas; no sentido de que os pesquisadores possam se valer de produções indexadas em periódicos e índices referenciais. Assim, os sujeitos precisam capacitar-se a selecionar aquilo que de mais apropriado existe acerca do tema a ser pesquisado, tendo em vista, conseqüentemente, os espaços e autores de maior visibilidade.

Ao recuperar informações através da pesquisa bibliográfica, a mesma funciona como referência teórico-metodológica, onde o sujeito permite se entender no universo de informações produzidas sobre o assunto que pretende investigar. Passa o educador a entender onde se insere o conhecimento que está produzindo e em que medida o curso da pesquisa deve ser alterado. A partir das leituras, ele se questiona sobre sua produção e prática pedagógica, retroalimentando esse circuito a partir dos conhecimentos de que se vale e incorpora. Ao sofrer um processo dialético constante, a pesquisa metamorfoseia o educador que pesquisa. Nesse sentido, a atividade de produção do conhecimento transforma as concepções que os próprios pesquisadores têm a respeito de seus paradigmas; de seus referenciais teóricos e de suas práticas acadêmicas. Isso permite que o observador possa se olhar através do que investiga e possa holisticamente entender e questionar o olhar que adota sobre o objeto de pesquisa e o mundo. Nas palavras de Minayo (1994, p.17-18)


Embora seja uma página teórica, a pesquisa vincula pensamento e ação. Ou seja, nada pode ser intelectualmente um problema, se não tiver sido, em primeiro lugar, um problema da vida prática. As questões de investigação estão, portanto, relacionadas a interesses e circunstâncias socialmente condicionados. São fruto de determinada inserção no real, nele encontrando suas razões e seus objetivos

Mais do que isso, a pesquisa é uma atividade que pressupõe articular saberes que não terminam com a produção e análise dos resultados pesquisados, mas, ao contrário, se reelaboram através da sua comunicação, pelo compartilhamento e avaliação entre os pares. No entanto, para que se chegue a comunicar os resultados de pesquisa, é necessário que se selecione um universo de informações já estruturadas por outros cientistas.

Na verdade, o ciclo de sistematização e comunicação da ciência não pode ser fragmentado. Segundo a visão que embasa a ciência, só é recuperado como informação pertinente o que foi comunicado, indexado, ou seja, parte da literatura científica. Corrobora Meadows (1999, p. 161) ao explicitar que “[...] a realização de pesquisas e a comunicação dos resultados são atividades inseparáveis”.

Referente a essa conjugação, torna-se necessário que pesquisadores se debrucem sobre o objeto, através da pesquisa bibliográfica; atividade na qual o pesquisador cumpre o duplo papel de leitor e avaliador; catalisando o processo do qual ele é sujeito e assujeitado.

No contexto da pesquisa, quando os sujeitos se apropriam de alguns saberes sobre o objeto de estudo que pretendem investigar; a atividade de pesquisa bibliográfica é redimensionada.

A pesquisa bibliográfica, através da busca e recuperação de informações, é de fundamental importância na formação dos sujeitos que a incorporam à sua prática cotidiana. A pesquisa bibliográfica em fontes referenciais, pode ser entendida como uma das etapas iniciais da imersão no universo da pesquisa, no sentido de uma sistematização séria, analítica, metódica, visando à produção de conhecimentos críticos com um alto grau de qualidade. De acordo com Dalla Zen (2004, p.12)


Nunca como hoje se teve tantos documentos científicos à disposição, seja em suportes gráficos tradicionais, seja através de meios eletrônicos. Sabendo procurar, pode-se encontrar textos escritos sobre tudo, ou quase tudo. O pesquisador pode, em curtíssimo espaço de tempo, acessar inúmeras resenhas, artigos, monografias, dissertações e teses, divulgadas em suportes tradicionais, ou imediatamente, se em meios eletrônicos. Quando alguém realiza uma consulta a essas fontes, o faz na expectativa de que contribuam de algum modo para inovar algo, por menor que seja, na área de conhecimento a que se referem.

Nesse sentido a pesquisa bibliográfica possibilita uma constante ampliação e revisão do saber produzido pelos diferentes sujeitos integrantes de uma comunidade científica. Possibilita ir além do dimensionamento das relações históricas e das principais contribuições teórico-metodológicas na área de Educação. Pensar o universo de conhecimento produzido e compartilhado pelos educadores acaba por trazer à tona os porquês do que se revela e se oculta na área. Contrapondo-se a essa idéia, nos diz Horkheimer (1990, p.70) que: “[...] a teoria crítica não almeja de forma alguma apenas uma mera ampliação do saber. Ela intenciona emancipar o homem de uma situação escravizadora.”

Da atividade de pesquisa surge, então, a necessidade de conhecer alguns mecanismos de recuperação da informação necessários ao empreendimento de construção do conhecimento. Essa busca de informações está articulada ao processo de comunicação científica em seus extremos e meio. Sua eficácia depende não apenas do volume de publicações, mas, sobretudo, da qualidade das fontes e seu fator de impacto na comunidade acadêmica, o que traz uma série de implicações à comunicação do conhecimento.


4 Questões inconclusas

Romper com uma a visão instrumentalizada de pesquisa circunscrita a uma nova cultura requer a perspectiva da pesquisa como práxis centrada na emancipação dos sujeitos. A pretensão de tal propósito é a de criar um movimento cultural de compartilhamento de informações e de agilidade comunicativa. Esse empreendimento requer a construção de uma atmosfera coletiva, reflexiva, crítica, investigativa, quanto à permanente interferência dos atores sociais exclusos dessa diminuta cultura científica.

Pensada sobre o patamar da Educação enquanto atividade produtora de conhecimento o potencial dessa revolução, pode ser atribuído às perspectivas que adotem a idéia quanto aos critérios que validem a ciência. Esses estão impregnados de uma dimensão ideológica, visto que se baseiam em uma perspectiva de ciência aplicável a todas as áreas. É preciso incorporar os saberes sobre as dinâmicas de produção de conhecimento e sua posterior comunicação ao processo formativo dos educadores.

É necessário que essa problematização faça parte da preocupação dos diferentes atores sociais envolvidos com a Educação, na medida em que entendam que a circulação das descobertas e resultados científicos nesse campo do conhecimento deve romper com a dinâmica arbitrária da circulação de conhecimento que tipifica a cultura científica, cultura essa baseada nos padrões das ciências exatas. A pesquisa em Educação deve estar vinculada à resolução efetiva de problemas pedagógicos, levando em conta as potencialidades locais e problemas dos diferentes indivíduos.

Uma interpretação instrumentalizada concernente ao uso deliberado das tecnologias da informação e comunicação nos traz indicativos de que a agilidade dos processos de comunicação do conhecimento gerou um no aumento no número de publicações, não produzindo os efeitos esperados na constituição de atores sociais autônomos.

Se o conhecimento, nesse contexto, embasa as práticas de acumulação e distribuição do capital, por outro lado tem na sua concentração o desvelamento das formas como estão estruturadas as instituições científicas, as relações entre atores que o produzem e o consomem. No entanto, quando esses olhares se voltam aos fluxos de informação entre o locus de produção do conhecimento científico e a sociedade, é possível identificar fluxos de informação que tem o propósito de solucionar os problemas da educação.

Diante da tradicional dinâmica do publique ou pereça, não é estranho que os critérios objetivos de avaliação desses veículos incorporem uma cultura baseada na quantificação. Resta saber se a quantidade e agilidade com que essas práticas se efetivam resultam em alternância na apropriação da pesquisa como mecanismo de intervenção crítica por parte dos educadores.

O fazer científico e sua posterior comunicação não podem se centrar nos fins últimos, ou seja, na busca de visibilidade pelos pares. Esse fim se fecha em uma racionalidade de base utilitarista, transformando o reconhecimento da publicação e a autoridade atribuída à mesma em simples mercadorias que perpetuam relações de poder. Os propósitos do fazer científico, então, se convertem em uma paródia, por se tratarem de dimensões racionalizadas; tecnificadas e vinculadas a uma cultura onde a ciência se reproduz como mercadoria. Nesse sentido, a interlocução política entre pesquisadores e a sociedade se pauperiza e os resultados sociais ficam comprometidos; dadas às intenções primeiras.

É preciso que sejam redimensionadas as tradicionais práticas científicas, com o intuito de que a visibilidade científica da literatura produzida na área de educação possa ser avaliada a partir de critérios nos quais a racionalização da produção não esteja adaptada a uma perspectiva de mercado de base produtivista. Isso requer pensar formas de produção e comunicação da práxis pedagógica. É preciso que sejam levados em conta práticas comunicativas que possam dar conta dos problemas pedagógicos, rompendo com a lógica publicacionista. Os movimentos de acesso aberto à informação são uma dessas vias, embora essas práticas ainda estejam atreladas à dinâmica e aos canais convencionalmente estabelecidos.

Da Educação enquanto área do saber, também se espera processos inovativos acerca da formação dos sujeitos e da resolução de problemas pontuais, viabilizando práticas autoformativas. Mas, sobretudo, processos coletivos nos quais sejam desconstruídas as categorias de produtores e consumidores e que as mesmas se imbriquem como perspectiva de alteração de status quo.


From information technology to scientific communication: criticism of the new research culture in education
ABSTRACT
The article deals with the scientific knowledge production cycle that is built between the procedures for information retrieval and publicization of research results. The author calls attention to a instrumentalized discourse aroused by the impositions that that come from public policies and from a culture forged by new technology mechanisms, transforming knowledge production in education in a movement to publish.
KEYWORDS: Scientific communication. Research in Education. Information and communication technologies.


De la tecnología de la información para la comunicación científica: la crítica de la nueva cultura de la investigación en educación
RESUMEN
El artículo critica el ciclo de producción de conocimiento científico que se construye entre los procesos de recuperación de información y publicidad de los resultados de búsqueda. Teniendo en cuenta el autor a un discurso instrumentalizado debido a las imposiciones de las políticas públicas y una cultura de agilizar forjada por los nuevos mecanismos de la tecnología, la transformando la producción de conocimiento en la educación en un movimiento de su publicación.
PALABRAS CLAVE:Ciencias de la Comunicación. Investigación. Educación. Tecnologías de información y comunicación.



Referências

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[<]SCHMIED-KOWARZIK, W. Pedagogia dialética: de Aristóteles à Paulo Freire. São Paulo: Brasiliense, 1983.


Rodrigo Silva Caxias
Bacharel em Biblioteconomia / UFRGS
Mestre em Educação / UPF
Doutorando em Comunicação e Informação - PPGCom / UFRGS
E-mail: rodrigo_caxias@yahoo.com.br
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