Concepção e produção do jornalismo de variedades na mídia impressa:

um estudo do Caderno Valeviver


Francisco de Assis

1 Abrindo o diálogo
2 A Mídia estudada
3 O jornalismo de variedades e o Valeviver
4 Pressupostos teórico-metodológicos
5 Análise dos resultados
6 Considerações finais
Notas
Referências

RESUMO
Esta pesquisa analisa a produção do caderno Valeviver, do jornal Valeparaibano, sediado em São José dos Campos (SP). Tem como objetivo identificar a origem da pauta de variedades, que não se prende às demandas do jornalismo factual, e refletir sobre o a rotina produtiva da seção mais apreciada pelos leitores. Embasada pela teoria do gatekeeper, aponta para as principais características desse tipo de editoria, que reflete muito mais a decisões e preferências da equipe de jornalistas do que, propriamente, a critérios de noticiabilidade.
PALAVRAS-CHAVE: Jornalismo de variedades. Gatekeeper. Valeviver. Valeparaibano.


1 Abrindo o diálogo

Se existe um consenso entre jornalistas profissionais e acadêmicos é o de que o jornalismo não se resume à divulgação de fatos. Os veículos jornalísticos – impressos ou eletrônicos, periódicos ou diários – também trabalham com pautas que vão além de acontecimentos pontuais e abre espaço para a abordagem de assuntos comportamentais, histórias de vidas, curiosidades e outros temas que, de alguma forma, despertam interesse em seu público.

Longe de acompanhar a lógica da notícia que, obrigatoriamente, deve responder às interrogações do lead – quem, o que, quando, onde, como e por quê? –, as matérias de variedades exigem uma dose bem maior de criatividade por parte dos jornalistas que não contam com fatos precisos para se pautarem. E por não existir um único modelo a ser seguido, esses profissionais levam, para dentro das redações, idéias das mais variadas naturezas e, por isso, têm liberdade para reportarem histórias inusitadas, sem se prenderem a questões cíclicas e temporais.

Considerado ainda como um dos braços do jornalismo cultural, o jornalismo de variedades serve aos leitores que buscam entretenimento rápido, seções bem humoradas, textos leves e fáceis de assimilar. Por essa razão, editorias com esse teor são as favoritas do público brasileiro, conforme apontam pesquisas de opinião divulgadas constantemente.

Na região do Vale do Paraíba, localizada entre as capitais de São Paulo e do Rio de Janeiro, o exemplo desse interesse é o caderno Valeviver, do jornal Valeparaibano. Uma pesquisa realizada pelo Ibope (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística) em setembro de 2001, com 404 pessoas em São José dos Campos, mostrou que 98% dos leitores do veículo preferem a editoria de variedades aos demais conteúdos publicados diariamente.

Este estudo se propõe a investigar a prática jornalística exercida pelo jornal Valeparaibano, no que diz respeito às matérias de variedades, utilizando como referencial a teoria do gatekeeper[1]. O objetivo é identificar a gênese da pauta do caderno Valeviver e refletir sobre o processo de produção do veículo. Para tanto, adotou-se como metodologia o seguinte procedimento:

a) observação dos 26 exemplares publicados durante o mês de janeiro de 2007;

b) entrevista com os responsáveis pela definição das pautas e edição do caderno; e

c) avaliação quantitativa e qualitativa do conteúdo jornalístico publicado nas referidas edições.

A partir dessa leitura, é possível compreender como os assuntos não-factuais se transformam em conteúdos estampados nas páginas do impresso e, conseqü entemente, como esse tipo de editoria é trabalhada por um jornal regional.


2 A Mídia estudada

A fundação do Valeparaibano data de 6 de janeiro de 1952. Iniciou suas atividades na cidade de Caçapava (SP) e, atualmente, está sediado em São José dos Campos (SP), circulando de terça-feira a domingo em 40 municípios localizados na região que compreende o Vale do Paraíba, a Serra da Mantiqueira, o Litoral Norte e o Sul de Minas Gerais; mantém uma tiragem média de 20 mil exemplares durante a semana e 30 mil exemplares no final de semana.

A publicação é dividida, basicamente, em três cadernos de conteúdo jornalístico: o primeiro é formado pela primeira página (capa), a editoria de opinião e as matérias de interesse regional, com cobertura dos principais acontecimentos em notícias e reportagens, seções de serviços e entrevistas. Conta com o apoio de quatro sucursais na região, nas cidades de Taubaté, Jacareí, Guaratinguetá e Caraguatatuba (Litoral Norte). Já o segundo caderno define-se como Nacional&Internacional e inclui os noticiários político e econômico do país e do mundo. As notícias nacionais e internacionais chegam por meio de duas agências – Agência Folha e Agência Estado – via Internet, e passam por uma seleção que prioriza os assuntos de maior importância jornalística. Há ainda a editoria de Esportes, nas últimas páginas. O terceiro caderno é o Valeviver, objeto deste estudo, que dá ênfase ao conteúdos de variedades, cultura e lazer.[2] Cada um desses três cadernos citados têm, em média, entre oito e doze páginas.

O Valeparaibano também publica suplementos especiais como Motor, Valeverão, Valemontanha, Mascotes, Educação, Design, Valerural, Valesaúde, além de cadernos especiais como Indústria e Meio Ambiente. Atualmente, conta com quase 60 jornalistas, entre repórteres e editores, que fazem o trabalho de apuração, redação e edição.

Desde seu início, o jornal passou por algumas reformulações. A primeira ao transferir-se da cidade de Caçapava para Taubaté, em 1954, e, em 1955, de Taubaté para São José dos Campos, sob nova direção. Apesar do nome abrangente, veiculava apenas um noticiário local, em quatro páginas impressas tipograficamente. A segunda, nomeada pelo próprio veículo como “a Reforma de 1977”, foi marcada pela utilização da impressão off-set e colocava em prática a proposta editorial de englobar as cidades do Vale, da Serra da Mantiqueira e do Litoral Norte. A partir daí, a circulação e a cobertura jornalística se tornam realmente regionais.

A terceira reformulação ocorreu em 1983, no início da abertura política do Brasil, com um amadurecimento do projeto editorial voltado para a penetração regional. Nessa época, o objetivo era expandir a aceitação do jornal em cidades fora do eixo central de São José dos Campos, local da sede do veículo.

Nos anos 1990, o Valeparaibano investiu na qualidade gráfica, reformulando sua apresentação visual e distribuindo dinamicamente as informações em seu conteúdo. Passou também a fazer uso da cor na impressão das primeiras páginas de todos os cadernos, inclusive dos Classificados. Quanto ao conteúdo, mesmo sendo considerado o veículo mais abrangente e de melhor qualidade gráfica-editorial, o jornal depende do noticiário fornecido por agências de notícias:


O potencial do jornal ValeParaibano pode e deve ser voltado para a reformulação da linguagem e para a construção de uma identidade própria para o caderno nacional. É um desafio, e sobretudo uma necessidade de mercado. Não se devem dispensar as agências, mas sim tê-las como referencial e instrumento para a construção de um jornalismo regional verdadeiro e ligado às demandas do leitor. (PIMENTEL , 1998, p. 70)

Nos últimos anos, o jornal tem dado preferência ao gênero jornalístico informativo, com noticiário variado. Não prioriza a reportagem e os poucos textos interpretativos são publicados apenas em ocasiões especiais, ou no Valeviver. Tal política editorial, de certa forma, limita o processo de identificação do leitor para com o conteúdo publicado pelo veículo.

Mesmo assim, o Valeparaibano rompeu o ano 2000 em constante atividade e hoje se destaca na imprensa regional como jornal de referência, não apenas para a população – conforme apontou a pesquisa do Ibope em setembro de 2001 – como também para os demais veículos de comunicação, que, muitas vezes, se pautam com base em seu conteúdo. Em 2006, seu projeto gráfico novamente foi reformulado, tornando-o uma publicação mais “leve”, que prioriza o conteúdo imagético.


3 O jornalismo de variedades e o Valeviver

É difícil descrever em poucas palavras o que é o jornalismo de variedades, até porque ele existe muito mais na prática do que na teoria. Quando se fala em “variedades”, as primeiras referências que surgem à mente são as de conteúdos de entretenimento, divertidos e publicados com a intenção de distrair o leitor. Partindo desses princípios, pautas de moda, gastronomia, comportamento, histórias inusitadas, entre outros gêneros similares, poderiam ser consideradas como esse tipo de produção jornalística.

Um dos poucos teóricos que se propuseram a discutir essa vertente do jornalismo especializado é Erbolato (1981). Seus estudos sobre o jornalismo de variedades, embasados pela diversificação de assuntos que figuravam na imprensa diária da década de 1980, culminaram na classificação das seguintes editorias: crítica literária; turismo; crítica de televisão e de rádio; assuntos agrícolas; cinema; assuntos femininos (que incluem críticas de livros, economia doméstica, culinária, medicina, moda, beleza, trabalhos manuais, agenda de viagem, decoração e jardinagem); suplementos infantis; automobilismo; efemérides e rememorações; curiosidades; tempo; horóscopos; filatelia; numismática; orientações para o lazer; cinofilia; profissões e atividades; e histórias em quadrinhos.

Depois de duas décadas dos estudos realizados pelo autor, não houve quem apontasse o que a imprensa intitula como variedades. Além disso, algumas dessas exposições já não fazem parte do rol de interesse da imprensa brasileira e outras nem podem ser consideradas como conteúdos jornalísticos, como horóscopo e história em quadrinhos. Contudo, Gadini (2007)[3] acredita que esses suportes, mesmo não se caracterizando como elementos do jornalismo, deixam os cadernos de cultura mais “leves” e, em razão disso, prendem a atenção dos leitores:


Horóscopo, palavras cruzadas, jogo dos sete (ou oito) erros e algumas tiras (entre quatro e oito, variável de um jornal para outro). Em alguns cadernos, também são publicadas outras modalidades de ‘entretenimento’ e atividades afins, como numerologia, tarô, búzios, o anjo do dia, além de piadas, jogos e outras modalidades de diversão ou lazer que formam o espaço das ‘variedades’ dos cadernos culturais dos diários brasileiros. A fonte do horóscopo diariamente veiculado pelos jornais não possui padronizações significativas. As ‘previsões’ (do zodíaco) provêm de autores diferentes, exclusivo para os mais diversos diários. Na maioria dos jornais, as ‘variedades’ não chegam a ocupar muito espaço (entre 10 e 15% do total disponível), mas ao que tudo indica mantêm uma tradição do jornalismo brasileiro que, herdada das revistas, hoje ocupa as páginas dos diários, como forma de manter o ‘interesse’ de um determinado segmento de leitores do periódico.

Numa outra perspectiva, Piza (2003, p. 52-53) observa que a diferença existente entre o jornalismo cultural e o de variedades está na maneira com que os jornais trabalham os assuntos. Ele defende que os cadernos diários, por conta de sua própria intenção de atrair leitores que não têm tempo para ler textos densos e grandes durante a semana, acabam por tratar os temas sem se aprofundar e, por conseqüência, dedicam maior espaço a pautas superficiais:


Os cadernos diários estão mais e mais superficiais. Tendem a sobrevalorizar as celebridades, que são entrevistadas de forma que até elas consideram banal (“Como começou sua carreira?” etc.); a restringir a opinião fundamentada (críticas são postas em miniboxes nos cantos da página); a descartar o colunismo (praticado cada vez menos por jornalistas de carreira); a reservar o maior espaço para as “reportagens”, que na verdade são apresentação de eventos (em que se abrem aspas para o artista ao longo de todo o texto, sem muita diferença em relação ao press-release). (PIZA, 2003, p.52-53)

A crítica do autor, fundamentada pelo acompanhamento da mídia brasileira, pode muito bem ser aplicada ao jornal Valeparaibano, que segue pelo mesmo caminho exposto acima. No entanto, às afirmações de Piza pode somar-se um outro filão bastante explorado por editorias de variedades, que foge à regra dos textos pautados por eventos culturais: as matérias de comportamento.

Candiani (2000), em artigo publicado no site do Observatório da Imprensa, aponta para uma prática comum do jornalismo contemporâneo, denominada como News you can use e que condiz com os interesses do maior veículo impresso do Vale do Paraíba.


Os jornalistas também estimulam uma relação diferente entre o leitor e os artigos publicados. Esse novo tipo de relação já foi inclusive batizado como “News you can use” (notícias que você pode usar). Trata-se de oferecer ao leitor artigos que abordam, de forma despolitizada, a vida cotidiana e as formas de melhorá-la, incluindo aí matérias sobre comportamento, relações pessoais e de trabalho, saúde, alimentação, esportes. Essas matérias, que ocupam cada vez mais espaço do editorial dos jornais e revistas, vêm ilustradas por relatos de celebridades que dão seu aval a um estilo de vida – exatamente como na publicidade, ao divulgarem determinados produtos – baseado no culto do corpo e da carreira profissional, na lógica da compensação pessoal e da conquista. (CANDIANI, 2000)[4]

Num misto das definições de Erbolato e Piza, somadas às constatações de Gadini e Candiani, é que a maioria dos cadernos de cultura e variedades se mantém na ativa, com edições que vão desde prestação de serviço até análises mais criteriosas de produções artísticas. E essas características também acompanham o Valeviver ao longo de sua história.

Destinado à publicação tanto de conteúdos de uma cultura mais erudita, por assim dizer, quanto de assuntos mais leves e populares, o Valeviver foi implantado no Valeparaibano em 1989, como parte do primeiro caderno. A idéia partiu do jornalista Lauro Lucchesi – membro do corpo de editores do jornal naquela ocasião – que se inspirou em algumas publicações européias, com as quais teve contato durante uma viagem que fez à Holanda.

No início, eram poucas as páginas voltadas exclusivamente para cultura e variedades e, em alguns dias, o conteúdo era sintetizado em uma única página. A primeira reformulação que a editoria sofreu foi em 1994, quando começou a circular com seis páginas diariamente. Nesse período, os roteiros e sociais foram mantidos, mas aumentou o número de matérias.

Depois disso, o caderno só foi reformulado em 2004, ano em que se abriu espaço para grades de programação de TV aberta e TV paga e cinema. Na mesma época, um segundo caderno passou a ser publicado aos domingos, com o nome de Viver Gente, acompanhado de uma seção de gastronomia.

Em agosto de 2006, uma nova reforma gráfica distribuiu o conteúdo do caderno, de terça a sábado, da seguinte forma(Quadro 1):

Quadro 1 - Estrutura do caderno Valeviver, de terça-feira a sábado.

Aos domingos, o caderno foi ampliado para 12 páginas, com a inclusão de editorias fixas e o agrupamento dos conteúdos antes publicados no caderno Viver Gente (Quadro 2):

Quadro 2 - Estrutura do caderno Valeviver de domingo.

Em linhas gerais, o Valeviver mantém essa estrutura durante todas as semanas do ano, com exceção dos dias em que o caderno é publicado com um número maior de páginas, em razão do grande número de anúncios, que obriga os editores a distribuírem o conteúdo de acordo com a demanda de espaço disponível.


4 Pressupostos teórico-metodológicos

Dentre as várias hipóteses apontadas por aqueles que se dedicam a estudar os fenômenos midiáticos, reunidas e referenciadas como sendo “teorias do jornalismo”, está a do gatekeeper, também conhecida como teoria da ação pessoal. Traquina (2005) explica que esse termo foi definido em 1947, pelo psicólogo social Kurt Lewin, e refere-se ao poder que um indivíduo, ou um grupo, tem de tomar decisões; poder que, na visão dos teóricos, se baseia em critérios subjetivos e arbitrários.

Traquina, assim como Wolf (1999), relata que, na década de 1950, para fidelizar o pensamento de Lewin, David White, utilizando como base o conceito do gatekeeper, aplicou uma pesquisa psicológica em um jornalista – identificado pelo pseudônimo de Mr. Gates – durante sua atuação frente à seleção do conteúdo recebido por agências de notícias. O resultado da pesquisa de White aponta que a edição das matérias divulgadas pelos veículos de comunicação passa por “zonas filtro”, controladas pelos gatekeepers, que nada mais são do que os editores.


Nessa teoria, o processo de produção de produção da informação é concebido como uma série de escolhas onde o fluxo de notícias tem de passar por diversos Gates, isto é, “portões” que não são mais do que áreas de decisão em relação às quais o jornalista, isto é, o gatekeeper, tem de decidir se vai escolher essa notícia ou não. (TRAQUINA, 2005, p. 150)

Wolf, por sua vez, também defende que os fatores que levam à escolha do noticiário também estão ligados à linha editorial do veículo:


White analisa a atividade de gatekeeping no sentido específico de seleção; posteriormente, este tipo de pesquisa vem a conhecer duas fases, centradas no papel do aparelho como instituição social e numa abordagem sistemática. Por outras palavras, o caráter individual da atividade do gatekeeper é ultrapassado, acentuando-se, em particular, a idéia de seleção como processo hierarquicamente ordenado e ligado a uma rede complexa de feed-back. (WOLF, 1999, p.181)

Um terceiro autor, Sousa (2002), ainda afirma que os jornais selecionam as informações com base nos assuntos que consideram ser de maior interesse do público. O autor chega a citar que editorias como esporte e política são mais valorizadas do que a editoria de ciência, por exemplo, e isso interfere na função que o jornalismo tem de oferecer horizontes à população. Sendo assim, os gatekeepers acabam direcionando o conteúdo baseado em valores ideológicos, culturais e até mesmo mercadológicos.

Diante dessas reflexões, a proposta de estudar a rotina produtiva do caderno Valeviver demandou também a compreensão do teor de suas mensagens. Para que isso fosse possível, os recursos metodológicos exigiram, num primeiro momento, a observação de todas as edições do mês a ser analisado (janeiro), que resultou na delimitação das matérias de conteúdo jornalístico de caráter interpretativo como objeto de pesquisa, sendo excluídos textos opinativos e de outros gêneros[5]. Vale explicar que o mês de janeiro foi escolhido por tratar-se de um mês típico, sem nenhuma manifestação ou data comemorativa que atraia a atenção das pautas trabalhadas.

O segundo passo da pesquisa foi a realização de entrevistas que procuraram elucidar o processo de elaboração das edições diários do jornal. Nessa etapa, foram coletados os depoimentos da editora do caderno, Lucimara Nascimento , que elucidou todo o processo de produção do Valeviver, cujo teor será compartilhado adiante.

A terceira fase do processo destinou-se à distribuição das matérias por “categorias”, culminada em análises quantitativas e qualitativas do conteúdo (BARDIN , 1979). Tal esforço serviu para ampliar a visão e reforçar as definições acerca da rotina produtiva do veículo estudado.


5 Análise dos resultados

Para iniciar a discussão em torno da produção de variedades no jornal Valeparaibano, é necessário que se estabeleçam algumas definições, principalmente porque, pelo que pôde ser observado anteriormente, ainda não existe um consenso sobre o que é conteúdo jornalístico de variedades na imprensa brasileira, a não ser pela asserção que parece óbvia: trata-se da editoria voltada para o entretenimento e para o lazer.

A partir dessa certeza, tal espaço temático é especialmente acentuado pelos autores pesquisados como local para publicação de jogos, piadas, roteiros, colunas sociais etc. Todavia, uma vez que a proposta deste estudo é observar a produção de jornalismo, o critério para a seleção do material coletado foi apontar todos os textos que não se encaixavam nos seguintes assuntos: música, artes plásticas, artes cênicas, cinema, dança, literatura, televisão, cultura popular e projetos culturais. Como resultado, chegou-se às seguintes categorias: (Quadro 3) comportamento, moda e/ou estilo, beleza, decoração, gastronomia, turismo e história de vida (perfil):

Quadro 3 - Temas abordados pelo Valeviver durante o mês de janeiro de 2007.

Muito embora o próprio expediente do jornal indique o Valeviver como um caderno de variedades, das 26 edições publicadas em janeiro de 2007, apenas 10 apresentam conteúdos dessa natureza (dias 6, 7, 13, 14, 18, 20, 21, 22, 27 e 28). Desse total, apenas dois números (dias 18 e 21) não circularam nos finais de semana – sábados e domingos –, dias em que existem editorias fixas voltadas especialmente para conteúdos de variedades.

Em termos quantitativos, das categorias mencionadas no Quadro 3, puderam-se estabelecer dois gráficos. O primeiro diz respeito à quantidade de dias em que assuntos de variedades apareceram nas páginas do caderno em relação às edições que só trabalharam temas culturais. Já o segundo gráfico mostra a distribuição das categorias em porcentagem. O resultado é o seguinte (Gráfico 1 e 2):

Gráfico 1 - Comparação dos dias em que foram publicados conteúdos de variedades com relação às edições em que só foram trabalhados temas de cultura.


Gráfico 2 - Distribuição das categorias de variedades identificadas nas edições do Valeviver de janeiro de 2007.

Ainda com relação ao levantamento quantitativo proposto por esta pesquisa, cabe aqui apontar a origem das pautas transformadas nas reportagens enumeradas no Quadro 3. Identificadas junto à equipe de jornalistas do Valeviver[6], elas procedem de quatro fontes:

a) conversas informais entre equipe[7];

b) indicações do editor-chefe ou da diretoria do jornal;

c) releases encaminhados por assessorias de imprensa; e

d) agendamento.

Em números, a distribuição é esta(Gráfico 3):

Gráfico 3 - Origem das pautas de variedades trabalhadas pelo Valeviver em janeiro de 2007

a) conversas informais entre equipe[7];

Como pode ser facilmente identificado, mais da metade das matérias surgiu da experiência de vida dos jornalistas do caderno, que se pautaram com base em situações corriqueiras, como numa conversa entre amigos de seu convívio social, na observação dos gostos pessoais de filhos ou familiares adolescentes e até mesmo nos próprios hobbies despertados por modismos. Exemplos de conteúdos trabalhados nessa linha são as reportagens comportamentais, que se constituem nas principais abordagens do jornal.

Assim como faz entender a teoria do gatekeeper, a ação pessoal é uma forte condutora do caminho a ser seguido, o que demanda certa dose de criatividade e olhar atento ao que se passa do lado de fora da redação. Em entrevista concedida a esta pesquisa, a editora Lucimara Nascimento explicou:


As pautas são selecionadas por critérios editoriais. Pensamos em serviço ao leitor, abrangência da leitura e até em repercussão de discussões atualizadas. O Primeiro Caderno faz reuniões diárias para definir as pautas, que costumam ser factuais. O Valeviver capta pautas de diversas maneiras: sugestões de pauta enviadas por assessorias de imprensa, conversas informais entre editor e repórteres, pesquisa de tendências em diversos meios de comunicação (TV, jornais, revistas, internet etc.). (NASCIMENTO, 2007).

E exatamente por não contar com um critério de noticiabilidade pré-estabelecido – imposto à imprensa pela “tirania do gancho” –, ficou claro que a equipe responsável pela produção do caderno de variedades deve, além de executar as funções comuns aos jornalistas, ter discernimento para separar um fato a ser estampado nas páginas do jornal de uma simples curiosidade que não despertará interesse em um grande número de pessoas. A palavra de ordem, nesse caso, é “bom senso”.


Em jornalismo de variedades e, principalmente, em um caderno de tendências e serviço, não fica tão complicado trabalhar com o gancho. O principal desafio é não tornar a terminologia ‘variedades’ em um surto psicodélico do editor ou dos próprios repórteres. Por isso, é preciso discutir muito a viabilidade de uma pauta e a maneira como ela é conduzida pelo repórter. Mesmo assim, isso não garante ao editor não sofrer algumas surpresas com o produto final, principalmente para um caderno diário – caso do Valeviver –, que trabalha com prazos de fechamento muito apertados. (NASCIMENTO 2007),

Além das matérias de comportamento, outras quatro categorias apontadas neste paper – moda e/ou estilo, beleza, decoração e turismo – mostram que uma das tendências do Valeviver é trabalhar os assuntos que interferem diretamente no cotidiano de seu público-alvo de maneira descontraída. Os textos, carregados de adjetivos e expressões coloquiais, sugerem um “diálogo” entre o jornal e o leitor. Os exemplos são nítidos:


O sol é de todos. Já estilo (como diz uma propaganda): ou você tem ou não tem. Para dar um “help” aos leitores, o valeparaibano selecionou o que está em alta e em baixa no verão 2007 nas praias do Litoral Norte. Assim, além de antenado, o turista saberá aproveitar as atrações da estação mais agitada do ano e fugir de algumas “furadas”. (O MELHOR ..., 2007)

Atenção mulheres: a temporada de novidades para manter o corpo em dia está aberta! De lipoaspiração usando jato de água a próteses para bumbum, são várias as técnicas que estão chegando no Brasil para ajudar a acabar com os defeitinhos que incomodam muita gente – tem até uma pílula que promete exterminar a mais que indesejável barriguinha. (TECNOLOGIA ..., 2007)

Tal linha que prioriza a informalidade em um espaço sem cunho factual também é vista pelo veículo como uma estratégia para atender aos interesses do público-leitor, que resulta ainda em uma fidelidade por parte dos mesmos:


O não-factual conta principalmente com a criatividade dos dois lados – editor e repórter. Uma grande vantagem do jornalismo de variedades é poder pesquisar tendências em diversos meios de comunicação. Além disso, um caderno de variedades trabalha com uma linguagem menos engessada que o jornalismo do chamado “Primeiro Caderno”, com mais leveza nos assuntos e proporciona um fôlego para o leitor do jornalismo ‘hard’ normalmente estampado no Primeiro Caderno. (NASCIMENTO, 2007)

Os outros dois temas categorizados aqui – gastronomia e história de vida – não despertam grandes discussões, uma vez que compõem editorias fixas do Valeviver. Todavia, não poderiam deixar de compor a lista de assuntos trabalhados pelo jornalismo de variedades, até porque se constituem em seções bastante apreciadas pelos leitores, segundo revelam pesquisas de opinião e outros comentários encaminhados formal ou informalmente à redação do Valeparaibano. Fato é que o roteiro gastronômico oferecido pela primeira subdivisão, assim como a empatia gerada pela segunda, são fortes apelos editoriais.

E, para encerrar esta breve avaliação sobre a produção de variedades de um veículo regional, que certamente abrirá o caminho para observações mais aprofundadas num futuro próximo, é justo trazer à tona uma constatação apontada pela análise quantitativa: conforme ilustrado no Gráfico 1, apesar do jornal indicar a editoria como sendo de “variedades”, a maioria dos conteúdos divulgados é de cultura, propriamente dita, o que leva a crer que apenas a terminologia citada não seria suficiente para manter um caderno diário. Para a editora do Valeviver:


O fato de ser um caderno de variedades não inviabiliza a importância das pautas culturais, que têm leitores fiéis. Além disso, em alguns períodos, a incidência de eventos culturais é maior. Mas valorizar, por exemplo, o folclore da nossa região não deixa de ser uma prioridade. O Vale do Paraíba tem uma cultura muito rica e sempre que ela pode ser exposta representa um ganho de conhecimento para o leitor [...] Mesmo assim, reforçamos a idéia que o nosso caderno é de variedades, com enfoque em tendências e serviços, que representam as preferências dos nossos leitores, conforme confirmou pesquisa de índice de leitura realizada em dezembro de 2006 e divulgada internamente em janeiro de 2007 (NASCIMENTO, 2007).

Nessas circunstâncias, é que se torna mister afirmar que a pouca valorização do jornalismo de variedades, por profissionais e estudiosos, é destoante aos interesses daqueles que ditam as regras para a imprensa: os receptores. Por isso mesmo, tal dissonância merece ser aprofundada posteriormente.


6 Considerações finais

O processo de produção de uma editoria que não se espelha em modelos pré-definidos de fazer jornalístico é algo, no mínimo, curioso. Sem necessitar prender-se a fórmulas que ditem as “regras do jogo”, o caderno de variedades conta como principal aliada a liberdade proporcionada aos jornalistas responsáveis por sua elaboração, que podem extrair suas pautas da criatividade e das situações mais comuns do dia-a-dia.

Embora sejam determinados à luz da postura oficial do jornal, contatou-se que os critérios de noticiabilidade são definidos, essencialmente, com base em decisões pessoais – subjetivas e arbitrárias – tanto dos profissionais que atual diretamente no Valeviver, quanto de outras pessoas que ocupam posições hierarquicamente acima da deles. E ao que tudo indica, essa realidade é vista como a responsável pela boa aceitação por parte do público-leitor.

Outro aspecto importante, que pôde ser percebido ao longo da pesquisa, é o vinculo da produção de variedades com a de cultura, que se faz necessário para a publicação diária do caderno. Isso porque, ao mapear as atrações culturais em voga, tal união também satisfaz aos fiéis receptores dos temas culturais.


Conception and production of variety section of journalism in written media: a study of Valevivier’s variety section
ABSTRACT
This research analyses the production of the newspaper section Valeviver, of the Valeparaibano newspaper, in São José dos Campos (SP). The main goal is to identify the origins of the guidelines of the varieties section, which is not attached to the demands of factual journalism, and to reflect on the process of production of readers’ favorite section of the newspaper. Based on the gatekeeper theory, it points to the main characteristics of this type of editing, which reflects much more the decision and preferences of the staff than, in the criteria of newsworthiness.
KEYWORDS: Variety journalism. Gatekeeper. Valeviver. Valeparaibano.



Concepción y producción del periodismo de variedades en los medios impresos: un estudio del cuaderno Valeviver
RESUMEN
Esta investigación analiza la producción del cuaderno Valeviver, del periódico Valeparaibano, con sede en Sao José dos Campos (SP). Tiene como objetivo identificar el origen de la pauta de variedades, que no se prende a las demandas del periodismo factual, y reflexionar sobre la rutina productiva de la sección más apreciada por los lectores. Con base en la teoría del Gatekeeper, apunta a las principales características de ese tipo de editorial, que refleja mucho más las decisiones y preferencias del equipo de periodistas que, propiamente, los criterios de noticiabilidad.
PALABRAS CLAVE: Periodismo de variedades. Gatekeeper. Valeviver. Valeparaibano.



Notas

[1]De acordo com Traquina (2005) e com Wolf (1999), o gatekeeper é a pessoa que tem o poder de decidir quais informações serão divulgadas pelo jornal em que atua. Essa decisão, segundo o autor, é subjetiva e baseia-se nos interesses pessoais do profissional e da linha editorial do veículo.

[2]Os aspectos gráficos e editoriais do caderno Valeviver serão abordados com maior profundidade no próximo item.

[3]Documento eletrônico.

[4]Documento eletrônico.

[5]É importante ressaltar que este estudo contemplou apenas as análises de reportagens e entrevistas elaboradas pela equipe de repórteres do Valeviver. Os demais gêneros jornalísticos produzidos por agências de notícias e textos de outra natureza não fizeram parte do corpus investigado. Tal delimitação se fez necessária, uma vez que o objetivo da pesquisa é o de compreender a produção de variedades elaborada pela equipe do próprio veículo.

[6] Para que a origem das pautas fosse ilustrada neste trabalho, fez-se necessário um contato direto com os jornalistas que produziram o Valeviver em janeiro de 2007. A identificação dos 26 textos foi feita no mês de março do ano citado.

[7]A categoria “conversas informais entre equipe” contempla também as idéias originadas a partir de observação do material publicado por outros veículos jornalísticos.


Referências

[<] BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1979.

[<] CANDIANI, H. R. A publicidade sem fronteiras. Observatório da Imprensa, n.90, maio 2000. Disponível em: http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos/jd20052000.htm. Acesso em: 04 mar. 2007.

[<] ERBOLATO, M. L. Jornalismo especializado: emissão de textos no jornalismo impresso. São Paulo: Atlas, 1981.

[<] GADINI, S. L. A lógica do entretenimento no jornalismo cultural brasileiro. Revista de Economia Política de lãs Tecnologias de la Información y Comunicación, v.9, n.1, ene./abr. 2007. Disponível em: http://www.eptic.com.br/pdfrevistaIX.n1/9%20SergioGadini.pdf. Acesso em: 10 mar. 2007.

[<] O MELHOR e o pior do verão. Valeparaibano, São José dos Campos, SP, 14 jan. 2007. Caderno Valeviver.

[<] NASCIMENTO, Lucimara. O Processo de produção do Valeviver. Entrevista informal concedida ao autor via e-mail em 27 mar. 2007.

[<] PIMENTEL, M. T. O tratamento da informação das agências de notícias em um jornal regional: o caso do jornal ValeParaibano. Acervo Mídia Regional: Revista do NUPEC (Núcleo de Pesquisa e Estudos em Comunicação) da Universidade de Taubaté, SP, ano 2, n. 2, p. 59-72, 2º sem. 1998.

[<] PIZA, D. Jornalismo Cultural. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2003.

[<] SOUSA, J. P. Teorias da notícia e do jornalismo. Chapecó, SC: Argos, 2002.

[<] TECNOLOGIA em prol da beleza. Valeparaibano, São José dos Campos, SP, 28 jan. 2007. Caderno Valeviver.

[<] TRAQUINA, N. Teorias do Jornalismo: porque as notícias são como são. 2. ed. Florianópolis: Insular, 2005.

[<] WOLF, M. Teorias da Comunicação. 5. ed. Lisboa: Editorial Presença, 1999.


Francisco de Assis
Pós-graduando em Jornalismo Cultural / UMESP Bacharel em Comunicação Social, habilitação em Jornalismo/ Universidade de Taubaté (UNITAU) Assessor de imprensa da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação / UNITAU Pesquisador do Núcleo de Pesquisa e Estudos em Comunicação (NUPEC)/ UNITAU
E-mail: francisco-nupec@uol.com.br
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