Assinaturas urbanas. Um ensaio etnográfico sobre as inscrições públicas de Porto Alegre
DOI:
https://doi.org/10.22456/1984-1191.9189Resumo
O século XX ainda não havia terminado integralmente e o historiador Nicolau Sevcenko já lhe dedicava um réquiem de rara sobriedade. Como num acerto de contas, o livro em questão, A Corrida para o Século XXI, encerrava-se esperançoso, embora transcorresse amargo. Tentando livrar-se logo do cadáver, entendê-lo e celebrá-lo, como pediriam os ritos da ocasião, aquela ansiosa e um tanto apressada homenagem póstuma oferecia-nos uma poderosa síntese dos cem anos que então se encerravam: atravessar as dez últimas décadas havia sido como passear numa montanha-russa. Na margem do novo milênio, pois um outro milênio ali também se anunciava, nos encontraríamos assim: atônitos, suspensos no ar, tragados por um novo loop. Aguarda-nos, escrevia Sevcenko (2001: 16), “a síncope final e definitiva, o clímax da aceleração precipitada, sob cuja velocidade extrema relaxamos nosso impulso de reagir, entregando os pontos entorpecidos”.
Tendo-se ido, o século que confirmou entre nós a ascensão da cultura da imagem e da sociedade de consumo, que nos abandonou à desregulamentação neoliberal dos mercados, o século que nos fez assistir à progressiva retração (a quase acovardada retração) do Estado- Nação e que distinguiu-se sobretudo pela tendência da acelerada mudança tecnológica (cujos efeitos, aliás, multiplicaram-se e fizeram-se sentir em praticamente todos os campos da atividade humana) só poderia nos deixar um tanto assustados. Além de extenuados, é claro.
Agora, na vertigem do loop, uma questão nos escapava: mais exatamente, o que nos espera? Para quê e como devemos então nos preparar? Sem dúvida, o texto de Sevcenko impregnava-se de severidade. Com os olhos igualmente lançados no futuro, acreditava que somente uma dose justa de engajamento reflexivo pudesse responder ao balanço e aos desfortúnios do século. “Neste momento tumultuoso, em que a celeridade das mudanças vem sufocando a reflexão e o diálogo, mais do que nunca é imperativo investir em funções judiciosas, corretivas e orientadoras da crítica” (SEVCENKO, 2001: 19).
Entretanto, reconhecia o autor, as décadas recentes nos haviam deixado também algumas expectativas mais reconfortantes. Se as transformações nos atordoavam, se agora nos encontrávamos presos e imobilizados (qual será o desfecho disso tudo?) no loop da montanha russa, gestavam-se, em contraponto, naquele mesmo momento, indícios de melhor agouro. Apesar de tudo, bons prenúncios germinavam naquele desabalado percurso. Dentre eles, talvez o mais vistoso – ao menos no que diz respeito aos interesses da proposição aqui em curso –, fosse a paradoxal revitalização do espaço público. Na virada do século XXI, Sevcenko deparava-se com uma nova ética e uma nova estética em elaboração nas ruas dos grandes centros metropolitanos. “Alguém diria que o front político retornaria para as ruas, tal como na pólis da Grécia antiga?”, surpreendia-se ele. Dignos de nota e de apreço pareceram-lhe os movimentos sociais e a ampla fauna de refuseniks que se erguiam (e ainda hoje se erguem) em oposição à “síndrome do pensamento único” que acometera as últimas folhas do calendário.
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