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Estratégias Exitosas de Alunos dos Anos Iniciais em Situações de Proporção

Resumo:

O artigo investiga as estratégias bem-sucedidas, mobilizadas pelos alunos do ciclo de alfabetização ao resolverem problemas de proporção simples. Solicitou-se a 483 alunos do 1º ao 3º ano que resolvessem seis problemas de proporção, sendo analisadas as respostas de 182 alunos que tiveram estratégias bem-sucedidas. Quando comparados os anos escolares, há aumento nos acertos de ano para ano, na classe de situações um para muitos, o que não se pode afirmar sobre a classe muito para muitos, que permaneceu estagnada. Pelos resultados obtidos, é possível que a estrutura multiplicativa esteja sendo pouco discutida, nos três primeiros anos do Ensino Fundamental.

Palavras-chave:
Proporção Simples; Campo Conceitual Multiplicativo; Resolução de Problemas

Abstract:

The article investigates the successful strategies mobilized by students in the literacy cycle when solving problems of simple proportion. 483 students from the 1st to the 3rd grade of Brazilian Elementary Education, were asked to solve six problems of proportion, and the responses of 182 students who had successful strategies were analyzed. When comparing school grades, there is an increase in hits from year to year, in the class of situations one-to-many, which cannot be said about the class for many, which remained stagnant. From the results obtained, it is possible that the multiplicative structure is being little discussed in the first three grades of elementary school.

Keywords:
Simple Proportion; Multiplicative Conceptual Field; Problem Solving

Introdução

Um dos grandes desafios para a aprendizagem do conhecimento matemático escolar é o processo de formação de conceitos por parte dos estudantes. Nesse sentido, compreender como se dá essa aprendizagem e as formas de raciocínio mobilizadas por eles é de grande valia para auxiliar os professores na compreensão dessa trajetória. A partir dessa premissa, o objetivo do estudo, apresentado neste artigo, é investigar as estratégias bem-sucedidas, mobilizadas por estudantes do ciclo de alfabetização1 1 Quando da realização deste estudo, o ciclo de alfabetização compreendia os 1o, 2o e 3o anos do Ensino Fundamental. Assim, para efeito deste artigo, o termo “ciclo de alfabetização” compreenderá os anos acima referidos. ao resolverem problemas de proporção simples.

Como pontua Vergnaud (1983VERGNAUD, Gérard. Multiplicative structures. In: LESH, R.; LANDAU, M. (Ed.). Acquisitions of Mathematics Concepts and Procedures. New York: Academic Press, 1983. P. 127-174.; 1988VERGNAUD, Gérard. Multiplicative structures. In: HIEBERT, H.; BEHR M. (Ed.). Research agenda in mathematics education: Number, Concepts and Operations in the Middle Grades. Hillsdale, N. J.: Lawrence Erlbaum, 1988. P. 141-161.; 1994; 1998), a formação de um conceito acontece de forma gradual e durante um longo período. Nesse sentido, buscar descrever e explicar as formas de raciocinar de crianças já no ciclo de alfabetização permitirá compreender se e como o conceito de proporção simples se apresenta para as crianças e como pode ser trabalhado pelo professor no contexto escolar. Ressaltamos que tal conceito evoca uma variedade de outros conceitos e de situações que precisam ser exploradas pelos professores em atividades de sala de aula, se quisermos que ocorra a formação e expansão conceitual das estruturas multiplicativas desde esse nível de escolarização. Isso porque aprender determinado conteúdo escolar significa se apropriar de inúmeros conceitos com os quais esse conteúdo está relacionado. Esse é um dos pressupostos que está na base da sua Teoria dos Campos Conceituais, a qual repensa as condições da aprendizagem conceitual.

A Teoria dos Campos Conceituais

Nos referenciais de Vergnaud (1983VERGNAUD, Gérard. Multiplicative structures. In: LESH, R.; LANDAU, M. (Ed.). Acquisitions of Mathematics Concepts and Procedures. New York: Academic Press, 1983. P. 127-174.; 1988; 1994; 2009), um campo conceitual pode ser definido como um conjunto de situações, que reúne uma variedade de conceitos, procedimentos e representações em estreita conexão uns com os outros. Sob essa ótica, ao estudar um determinado conceito, precisamos pensar nele inserido em um campo conceitual. Compreendemos que uma situação, por mais simples que se apresente, envolve mais de um conceito; na verdade, envolve uma rede de conceitos interligados, os quais são necessários para a compreensão e resolução do que é solicitado. Por exemplo, na situação:

Ana tem 12 balas e quer dividir igualmente entre ela e suas 3 amigas. Quantas balas cada uma delas vai ganhar?

Do ponto de vista da matemática escolar, podemos identificar vários conceitos que estão presentes na situação acima, tais como: cardinalidade, agrupamento, correspondência biunívoca, distribuição, divisão, partição, dentre outros. Todos eles estão presentes na situação e são necessários para a compreensão da situação proposta.

Quando pensamos a respeito de problemas matemáticos, como o proposto acima, notamos que as situações são as responsáveis pelo sentido atribuído ao conceito. No exemplo apresentado, ela traz o significado de divisão. Para resolvê-la, o estudante precisará lançar mão dos invariantes operatórios presentes nela. Vergnaud (1994VERGNAUD, Gérard. Multiplicative conceptual field: what and why? In: GUERSHON, Harel; CONFREY, Jere (Ed.). The Development of Multiplicative Reasoning in the Learning of Mathematics. Albany, New York: State University of New York Press, 1994. P. 41-59.; 1998) explica que os “invariantes operatórios” se referem às propriedades matemáticas que estão presentes tanto na situação-problema (igualdade, relação um para muitos, relação de covariação entre os termos, e a distribuição em partes iguais e a compreensão sobre o resto na operação divisão), como nos procedimentos adotados pelo estudante ao resolver aquela classe de problema. Esses invariantes podem ser explicitados por diferentes formas de representação: alfabética, numérica, pictográfica, icônica, entre outras. No entanto, nem sempre estão explícitos para o próprio estudante, isto é, ele não tem consciência dos invariantes presentes na situação e, muitas vezes, do seu procedimento adotado para chegar à resposta.

Contudo, ao se deparar com uma nova situação, análoga à vivida anteriormente, o estudante poderá lançar mão dos invariantes já construídos para analisar, compreender e solucionar o que lhe é proposto. É nesse momento que os esquemas - “uma organização invariante do comportamento para certa classe de situações” - são construídos (Vergnaud, 1998VERGNAUD, Gérard. A Comprehensive Theory of Representation for Mathematics Education. Journal of Mathematics Behavior, v. 2, n. 17, p. 167-181, 1998., p. 168).

Por isso é que as situações (tarefas/problemas/atividades) estão na base da Teoria dos Campos Conceituais. Partindo-se desta, estreita-se a relação entre os invariantes presentes (explícitos ou implícitos) e as diferentes formas de representá-las. É por meio das situações que o professor pode explorar as compreensões dos estudantes, torná-las potencialmente significativas e direcionar caminhos para a aprendizagem.

Enfatizamos que a Teoria dos Campos Conceituais fornece elementos para a identificação do que os estudantes compreendem e não compreendem acerca de determinado campo conceitual. No nosso caso, ela nos auxiliou na construção do instrumento diagnóstico e na análise sobre a apropriação do conceito de proporção simples por estudantes do ciclo de alfabetização. Esse é um dos conceitos pertencentes ao campo conceitual multiplicativo, ou, como muitas vezes é chamado, estruturas multiplicativas.

As Estruturas Multiplicativas

As estruturas multiplicativas referem-se a um conjunto de situações, que abarcam as operações de multiplicação e de divisão, ou a combinação de ambas, que envolvem conceitos e teoremas que permitem analisar tais situações. Entre vários conceitos presentes nesse campo, podemos destacar: razão, proporção, fração, divisor, múltiplos, número racional, funções lineares e n-lineares, espaço vetorial e análise dimensional (Vergnaud, 1983VERGNAUD, Gérard. Multiplicative structures. In: LESH, R.; LANDAU, M. (Ed.). Acquisitions of Mathematics Concepts and Procedures. New York: Academic Press, 1983. P. 127-174.; 1988).

Nessa direção, Gitirana e cols. (2014GITIRANA, Verônica; CAMPOS, Tânia Maria Mendonça; MAGINA, Sandra Maria Pinto; SPINILLO, Alina Galvão. Repensando Multiplicação e Divisão. Contribuições da Teoria dos Campos Conceituais. São Paulo: PROEM Editora, 2014.) afirmam que o trabalho com situações envolvendo o campo multiplicativo deve ocorrer durante todo o ensino básico. Isso significa que, para dominar a multiplicação e a divisão, por exemplo, o estudante precisa ser capaz de resolver diversos tipos de situações e compreender os conceitos que nelas estão envolvidos, não bastando apenas dominar o cálculo numérico relacionado a essas operações.

Na tentativa de organizar a diversidade de situações propostas por Vergnaud, as quais aparecem em diferentes obras (Vergnaud, 1983VERGNAUD, Gérard. Multiplicative structures. In: LESH, R.; LANDAU, M. (Ed.). Acquisitions of Mathematics Concepts and Procedures. New York: Academic Press, 1983. P. 127-174.; 1988; 1994; 1998), Magina, Santos e Merlini (2014MAGINA, Sandra Maria Pinto; SANTOS, Aparecido dos; MERLINI, Vera Lúcia. O raciocínio de estudantes do ensino fundamental na resolução de situações das estruturas multiplicativas. Ciência e Educação, São Paulo, UNESP, v. 20, n. 2, p. 517-533, 2014.), propõem um esquema, no qual esses conceitos são classificados dentro de uma lógica, envolvendo relações, eixos e classes e tipos de situações.

Figura 1:
Esquema do Campo Conceitual Multiplicativo

O esquema proposto pelos autores aponta duas relações que caracterizam o campo conceitual multiplicativo: a relação quaternária e a relação ternária. A relação quaternária, denominada por Vergnaud (2009VERGNAUD, Gérard. A Criança, a Matemática e a Realidade: problemas do ensino da matemática na escola elementar. Tradução de Maria Lúcia Faria Moro. Curitiba: Ed. da UFPR, 2009.) de Isomorfismo2 2 Isomorfismo, do ponto de vista matemático, é o mapeamento entre objetos, que mostra um relacionamento entre duas propriedades ou operações, preservando a estrutura dessas propriedades ou operações. de medidas, apresenta uma dupla relação entre duas ou mais grandezas de naturezas distintas, envolvendo quatro ou mais medidas. Estão inclusos nessas relações os eixos: proporções simples, proporção dupla e proporção múltipla, sendo discutidas neste artigo apenas as proporções simples um para muitos e muitos para muitos, foco da investigação.

Esclarecemos que a relação ternária envolve a combinação entre três quantidades, sendo uma delas o produto das outras duas, tanto no plano numérico como dimensional. Fazem parte dessa relação, por exemplo, os problemas de combinatória - Maria levou para sua viagem 4 blusas e 2 bermudas. Quantos conjuntos diferentes ela poderá formar com essas peças de roupa? - e também aqueles de comparação multiplicativa - João já tem 25 figurinhas em seu álbum. Para completá-lo, ele precisará ter três vezes mais figurinhas do que já tem. De quantas figurinhas ele precisa para completar seu álbum?

O eixo das proporções simples

Esse eixo envolve uma relação de proporcionalidade construída entre quatro medidas, tomadas duas a duas, sendo duas quantidades de uma natureza e as outras duas de outra natureza (Magina; Santos; Merlini, 2014MAGINA, Sandra Maria Pinto; SANTOS, Aparecido dos; MERLINI, Vera Lúcia. O raciocínio de estudantes do ensino fundamental na resolução de situações das estruturas multiplicativas. Ciência e Educação, São Paulo, UNESP, v. 20, n. 2, p. 517-533, 2014.). Por exemplo: Uma tapioca custa R$ 5,00. Quanto pagarei na compra de 3 tapiocas? Nessa situação, a relação de proporcionalidade é construída entre a quantidade de tapioca e o valor em real. Notemos que, para encontrar o valor desconhecido, o estudante deverá estabelecer um cálculo relacional entre a quantidade de tapioca e o valor em real, como ilustrado na Figura 2.

Figura 2:
Esquema de resolução

No esquema de resolução apresentado na Figura 2, observamos a existência de dois operadores: o operador escalar (3), que opera entre as medidas de mesma natureza, e o operador funcional (5), que estabelece a relação entre as quantidades de naturezas distintas.

Ao utilizar o operador escalar (3), encontrado na relação entre as quantidades de uma das medidas (no caso, as tapiocas), precisamos aplicá-lo na relação a ser estabelecida entre as quantidades da outra medida (valores em reais), para manter a proporcionalidade e, dessa forma, encontrar o valor desconhecido (a solução para o problema). O raciocínio é sempre de proporcionalidade: se a relação entre medidas de uma das naturezas envolvidas na situação é estabelecida pela multiplicação ou divisão com um operador escalar, esse operador deve ser utilizado, com a mesma operação, para manter a relação entre as medidas da outra natureza.

Podemos usar também, para manter a proporcionalidade, a relação funcional (no caso o 5), encontrado a partir da relação estabelecida entre a unidade de tapioca e o valor em real correspondente a essa unidade. Nesse caso, temos que multiplicar a quantidade de tapiocas a ser comprada pelo valor em real correspondente à unidade, que determina o valor total a ser pago (a solução para o problema). Nessa segunda possibilidade de resolução, o raciocínio evocado é uma relação funcional, na qual existe uma dependência entre quantidades de naturezas distintas, que pode ser operado através da multiplicação ou da divisão para estabelecer a relação entre essas quantidades. Matematicamente, podemos representar a situação por meio da função linear f(x) = 5x.

O raciocínio empregado nas situações de proporção simples está na base do conhecimento proporcional (Vergnaud, 2009VERGNAUD, Gérard. A Criança, a Matemática e a Realidade: problemas do ensino da matemática na escola elementar. Tradução de Maria Lúcia Faria Moro. Curitiba: Ed. da UFPR, 2009.). Ele precisa ser explorado pelo professor no contexto escolar, porque permite a aquisição de conceitos mais sofisticados, como os de proporção dupla e múltipla, que permitirão o domínio das relações quaternárias no Campo Conceitual Multiplicativo3 3 Mais informações acerca do raciocínio proporcional podem ser obtidas (Tourniaire; Pulos, 1985, Lautert; Schliemann, 2020). .

Para construir essa base do conhecimento proporcional, precisamos, também, compreender que as situações de proporção se estabelecem a partir de duas classes: um para muitos e muitos para muitos, discutidas por nós em vários estudos (Magina; Santos; Merlini, 2014MAGINA, Sandra Maria Pinto; SANTOS, Aparecido dos; MERLINI, Vera Lúcia. O raciocínio de estudantes do ensino fundamental na resolução de situações das estruturas multiplicativas. Ciência e Educação, São Paulo, UNESP, v. 20, n. 2, p. 517-533, 2014.; Santos, 2015; Magina; Merlini; Santos, 2016MAGINA, Sandra Maria Pinto; MERLINI, Vera Lúcia; SANTOS, Aparecido dos. A estrutura multiplicativa à luz da teoria dos campos conceituais: uma visão com foco na aprendizagem. In: CASTRO FILHO, J. A.; BARRETO, M. C.; BARGUIL, P. M.; MAIA, D. L.; PINHEIRO, J. L. (Org.). Matemática, Cultura e Tecnologia: Perspectivas Internacionais. 1. ed. Curitiba: Editora CRV, 2016. P. 65-82.; Magina; Fonseca, 2018MAGINA, Sandra Maria Pinto; FONSECA, Sónia. Desempenho de estudantes baianos nas estruturas multiplicativas: uma visão quantitativa dos fatos. Com a Palavra o Professor, v. 3, n. 7, p. 53-72, 2018.). Na classe um para muitos, a menor relação possível entre as medidas das grandezas envolvidas na situação está sempre explicitamente posta (1 tapioca custa 5 reais).

Vergnaud (2009VERGNAUD, Gérard. A Criança, a Matemática e a Realidade: problemas do ensino da matemática na escola elementar. Tradução de Maria Lúcia Faria Moro. Curitiba: Ed. da UFPR, 2009.) chama a atenção também para o fato de que as situações de proporção simples um para muitos apresentam variações quanto ao posicionamento dado ao termo desconhecido, a quantidade a ser descoberta para a solução do problema. Essa é uma característica central das relações quaternárias dessa natureza, tendo repercussão sobre a operação que será empregada na busca da solução, quer seja uma multiplicação ou divisão.

Diante disso, podemos ter a mesma estrutura para relacionar as quantidades de naturezas distintas, porém em diferentes níveis de complexidade, por exemplo (ver Quadro 1), no qual apresentamos a resolução das três situações, a saber:

Situação A: João vende flores em vasos, na sua floricultura. Para cada vaso a ser vendido, ele sempre coloca 5 flores. Se ele vender 3 vasos, quantas flores serão vendidas?

Situação B: João vende flores em vasos, na sua floricultura. Para cada vaso a ser vendido, ele sempre coloca 5 flores. Se ele tem 15 flores, quantos vasos são necessários para vender todas essas flores?

Situação C: João vende flores em vasos, na sua floricultura. Para cada vaso a ser vendido, ele sempre coloca a mesma quantidade de flores. Se ele tem 15 flores e 3 vasos, quantas flores João deve colocar em cada um dos vasos?

Quadro 1:
Esquema de resolução com diferentes níveis de dificuldade

Notemos que, em cada uma das situações (A, B e C), existe uma relação quaternária, que envolve quantidades de naturezas distintas (vasos e flores) e que essa relação estabelecida sempre parte da unidade. Entretanto, o posicionamento do termo desconhecido (x) evidencia que a natureza da situação não é a mesma, o que irá requerer operações aritméticas distintas. Notemos, ainda, que, em todas as situações, é possível lançar mão da relação funcional ou escalar.

A Situação A é resolvida por uma operação de multiplicação, enquanto as situações (B e C) evocam a divisão com formas de pensar diferentes. Na Situação B, existe uma quantidade de flores em cada vaso (quota preestabelecida), devendo-se chegar ao número de vasos necessários para colocar a quantidade de flores que João possui na sua floricultura. Essa situação é denominada de divisão por quotas. É importante enfatizar que, muitas vezes, os estudantes a resolvem pensando em adição repetida (somando o grupo de partes - no caso, as cinco flores - até chegar ao todo - no caso, o total de 15 flores). Por fim, na Situação C, é dada a quantidade total de flores que deve ser distribuída igualmente em três vasos, devendo-se encontrar o tamanho das partes (quantas flores ficará em cada vaso), sendo essa situação denominada divisão por partição.

Por outro lado, para as situações de proporção estabelecida a partir da classe muitos para muitos, a relação entre o valor da unidade de uma das grandezas em relação à outra grandeza não é explícita. No que concerne ao conjunto dos números naturais, em algumas situações, é possível determinar essa relação, mas em outras não. Apresentaremos, a seguir, duas situações envolvendo esses dois casos:

Situação 1: Na barraca do Sr. Manoel, eu compro 2 tapiocas com 10 reais. Para comprar 6 tapiocas, quanto gastarei?

Situação 2: A barraca do Sr. Manoel está com uma promoção: A cada 4 tapiocas compradas, o freguês ganha 2 copos de suco de brinde. Paula e suas amigas compraram 12 tapiocas, quantos copos de suco elas ganharam de brinde?

Observamos que, em nenhuma das duas situações acima, o valor da unidade de medida de qualquer uma das grandezas está explicitada. Contudo, na Situação 1, é possível calculá-lo (se 2 tapiocas custam 10 reais, então 1 tapioca custa 5 reais) e, eventualmente, esse cálculo pode ajudar o estudante a descobrir o valor a ser pago para a compra de 6 tapiocas (se 1 custa 5, então 6 custam 30). Por outro lado, na Situação 2, embora seja possível encontrar a unidade de uma das grandezas, não faz o menor sentido encontrar a relação de um para muitos, porque a condição do problema informa que a pessoa só ganhará os 2 copos de suco, se, e somente se, comprar 4 tapiocas. Portanto, na Situação 2, não existe a possibilidade de comprar 2 tapiocas e ganhar 1 copo de suco, ou seja, de nada ajuda para a solução da resposta à situação encontrar a relação um para muitos. A Figura 3 apresenta possíveis estratégias de resolução para cada uma das situações.

Figura 3:
Dois esquemas possíveis para resolver os problemas de muitos para muitos (Situações 1 e 2)

Note que o esquema o qual escolhemos para a resolução da Situação 1 buscou inicialmente encontrar a relação um para muitos sendo isso feito por meio do operador escalar, dividindo tanto o número 2 como o 10 por 2 assim, chegando à relação de 1 para 5. Depois multiplicou tanto o 1 como o 5 por 6, encontrando, assim, o valor 30 para a incógnita do problema. Esse esquema não poderia ser utilizado na resolução da situação 2. Explicamos que o estudante poderia igualmente utilizar tal fator sem necessariamente buscar a relação um para muitos, isto é, resolvendo o problema já tendo ao ter em conta a relação muitos para muitos (2 para 10). De fato, o estudante poderia identificar que 6 tapiocas são 3 x 2 (portanto o operador escalar das tapiocas é x 3) e aplicar esse mesmo fator para a grandeza valor (em reais). Nesse caso, ele encontraria 10 x 3 = 30 reais.

Um outro esquema a ser utilizado na Situação 1 seria o de encontrar a relação funcional entre as quantidades 2 tapiocas e 10 reais. Nesse caso, seria: 2 x 5 = 10 (fator funcional: x 5) e então aplicar esse mesmo fator para as 6 tapiocas. O estudante poderia igualmente lançar mão dessa estratégia para resolver a Situação 2, encontrando a relação funcional entre as grandezas da situação (4÷2 = 2, ou seja, fator funcional: x/2) aplicando-a, então, para as 12 tapiocas.

Ainda existiria a possibilidade de o estudante resolver as Situações 1 e 2 por meio da aplicação do esquema da ‘regra de três’, em que, pelo procedimento algorítmico de resolução na primeira situação, o estudante multiplicaria 6 (tapiocas) por 10 (reais), dividiria o resultado por 2 (tapiocas) e encontraria 30 (reais); já para a segunda, ele multiplicaria 12 (tapiocas) por 2 (copos de sucos), dividiria por 4 (tapiocas) e encontraria 6 (copos de suco). Mas, nesse caso, pensamos: que sentido faz multiplicar tapiocas por reais, dividir por tapiocas e encontrar reais?! Ou, ainda, multiplicar tapiocas por copos de suco, dividir o produto por tapiocas e encontrar certa quantidade de copos de suco?! Questionamento similar ao nosso encontramos em Vergnaud (1998VERGNAUD, Gérard. A Comprehensive Theory of Representation for Mathematics Education. Journal of Mathematics Behavior, v. 2, n. 17, p. 167-181, 1998., p. 171), quando ele considera que, embora a regra de três possa ser um procedimento lícito para resolver um problema de proporção simples, classe muitos para muitos, “este procedimento é usado muito raramente, e a maioria dos estudantes considera que não faz o menor sentido multiplicar 40km por 36 minutos. E eles não estão certos?”.

Por fim, esclarecemos que essas situações estão longe de esgotar problemas que envolvem a relação muitos para muitos. Não tratamos, por exemplo, de situações quando o fator funcional entre as grandezas extrapola o universo dos números inteiros. Por exemplo, na situação 2, a promoção poderia ser: “para cada 5 tapiocas compradas, o freguês ganharia 2 copos de suco grátis”.

Os estudos empíricos e a resolução de problemas de proporção

De uma forma ampla, o campo conceitual das estruturas multiplicativas e, em específico, o eixo das proporções simples são abordados por diversos autores que buscam elencar a importância da conceitualização no processo de ensino e aprendizagem da matemática escolar, o conhecimento acerca do modo como se ensina e como se aprende os conceitos envolvidos e a formulação e a estrutura de situações-problema pertencentes a esse campo.

Kishimoto (2000KISHIMOTO, Tizuko Morchida. Solving multiplicative word problems with decimal fractions: the effects of proportional reasoning and metacognition. In: CONFERENCE OF THE INTERNATIONAL GROUP FOR THE PSYCHOLOGY OF MATHEMATICS EDUCATION, 24., 2000, Hiroshima. Proceedings… Hiroshima, v. 3, 2000. P. 143-150. ) investigou os efeitos do raciocínio proporcional e metacognitivo sobre 344 estudantes japoneses da escola básica, na resolução de problemas matemáticos escritos com frações decimais. Foram propostas situações envolvendo multiplicação para estudantes dos 4º, 5º e 6º anos e que abordavam o raciocínio proporcional e um questionário metacognitivo. O estudo identificou ambos os raciocínios como fatores para a solução de problemas matemáticos escritos e, em particular, que esses raciocínios são fatores importantes para os estudantes do 4º ano nas suas estratégias de resolução.

Pessoa e Matos Filho (2006PESSOA, Cristiane Azevedo dos Santos; MATOS FILHO, Maurício Ademir Saraiva de. Estruturas multiplicativas: como os alunos compreendem os diferentes tipos de problemas? In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 1, 2006, Recife. Anais... Recife, 2006. P. 1-11. ) analisaram as habilidades de 153 estudantes do 4º e do 6º ano do Ensino Fundamental na resolução de problemas do Campo Conceitual Multiplicativo, observando a influência do tempo de escolaridade no desempenho dos desses estudantes, comparando as suas resoluções analisadas nos dois anos. Para isso, os estudantes foram solicitados a resolverem, individualmente, sete problemas multiplicativos de diferentes tipos. Como resultado, observou-se que os problemas de tipos mais complexos (relação um para muitos na divisão por quotas e combinação) e, provavelmente, menos trabalhados em sala de aula e nos livros didáticos, são os de maior percentual de erro relacional. Os autores concluem que, ainda, é necessário investir na diversificação dos tipos de problemas, nas suas formas de representação e nas situações apresentadas aos alunos.

Em um estudo realizado com 50 estudantes dos anos iniciais do Ensino Fundamental de uma escola pública da região metropolitana de Porto Alegre, Lara (2011LARA, Izabel Cristina Machado de. O uso da estrutura multiplicativa na resolução de problemas nos anos iniciais da educação básica. Vidya, v. 31, n. 2, p. 105-122, 2011.) analisou como esses estudantes resolveram duas situações-problema que abordavam a multiplicação (uma de correspondência um para muitos e outra de muitos para muitos, ambas do eixo das proporções simples). Constatou-se que os estudantes dos 1° e 2° anos tiveram desempenho melhor do que alguns dos 4º e 5º anos que já faziam o uso de algoritmos. Os resultados do estudo refletem sobre a exigência usual quanto à memorização dos resultados de uma multiplicação, através do uso da ‘tabuada’, o que pode prejudicar os estudantes no desenvolvimento da sua capacidade de pensar matematicamente, em que pode ser valorizado o uso de estimativas e criação de estratégias de resolução múltiplas pelos estudantes.

Magina, Santos e Merlini (2014MAGINA, Sandra Maria Pinto; SANTOS, Aparecido dos; MERLINI, Vera Lúcia. O raciocínio de estudantes do ensino fundamental na resolução de situações das estruturas multiplicativas. Ciência e Educação, São Paulo, UNESP, v. 20, n. 2, p. 517-533, 2014.) investigaram o desempenho e as estratégias utilizadas por 175 estudantes dos 3º e 5º anos do Ensino Fundamental de uma escola pública de São Paulo, na resolução de duas situações do eixo proporção simples no Campo Conceitual Multiplicativo, classificando os níveis de raciocínio empregados por eles. Centrando as discussões nas relações um para muitos e muitos para muitos, os resultados indicam uma evolução limitada da competência dos estudantes ao lidarem com situações desse campo conceitual e do eixo investigado. Analisando apenas a situação que abordou a relação muitos para muitos, observou-se uma queda acentuada nessa evolução. No que se refere às estratégias empregadas pelos estudantes do 6º ano, notou-se que esses estudantes empregam prioritariamente procedimentos multiplicativos, enquanto os do 3º ano utilizam procedimentos aditivos.

A interpretação que professores e futuros professores fazem dos erros de alunos do Ensino Fundamental na solução de problemas de estrutura multiplicativa foi o objeto de estudo de Spinillo e cols. (2016SPINILLO, Alina Galvão; SOARES, Maria Tereza Carneiro; MORO, Maria Lúcia Faria; LAUTERT, Síntria Labres. Como Professores e Futuros Professores Interpretam Erros de Alunos ao Resolverem Problemas de Estrutura Multiplicativa? Bolema, v. 30, p. 1188-1206, 2016.). Solicitou-se a 12 futuros professores e 12 professores de matemática do Ensino Fundamental, em entrevista semiaberta, durante a apresentação de seis cartelas, cada uma contendo o enunciado de um problema (três de produto de medidas, três de isomorfismo de medidas), que indicassem a solução incorreta do problema que deveria ser interpretada. Os participantes identificaram erros de natureza procedimental, linguística e conceitual, caracterizando os erros nos problemas de produto de medidas, sobretudo como conceituais, e erros nos problemas de isomorfismo de medidas, sobretudo como linguísticos. O mesmo padrão de resultados quantitativos foi encontrado para os dois grupos, conduzindo os autores à conclusão de que, no ensino de matemática, o tipo de problema tem papel relevante na forma de interpretar erros mais que a formação e a experiência desses professores.

Em outro estudo, Spinillo e cols. (2017SPINILLO, Alina Galvão; LAUTERT, Síntria Labres; BORBA, Rute Elisabete de Souza; SANTOS, Ernani Martins dos; SILVA, Juliana Ferreira Gomes. Formulação de problemas matemáticos de estrutura multiplicativa por professores do ensino fundamental. Bolema , v. 31, n. 59, p. 928-946, 2017.) investigaram como professores do Ensino Fundamental compreendem e formulam situações pertencentes ao Campo Conceitual Multiplicativo. Para isso, solicitaram a 39 professores de todos os anos desse nível de escolaridade e que atuavam em escolas públicas que formulassem situações matemáticas que pudessem ser resolvidas por meio de multiplicação e/ou divisão. Os resultados do estudo evidenciaram que os professores investigados compreendem o significado de uma situação multiplicativa e formulam problemas apropriadamente, sendo poucos os enunciados em que foram omissas informações ou que apresentaram imprecisões linguísticas. Identificou-se que a maior parte das situações elaboradas era de um mesmo tipo e envolvia apenas uma etapa para sua resolução. A pouca variabilidade foi verificada em relação a todos os professores, independentemente do ano em que lecionavam. Os autores concluíram que os professores investigados têm dificuldade em formular situações-problemas que envolvem as diferentes relações que compreendem as estruturas multiplicativas, sendo necessário desenvolver junto com os professores do Ensino Fundamental a habilidade de formular problemas matemáticos diversificados e que abarquem toda a complexidade do campo conceitual investigado.

Merlini e Teixeira (2018MERLINI, Vera Lúcia; TEIXEIRA, Antônio César Nascimento. As estratégias de resolução dos estudantes do 1º ano em situações de proporção simples. Com a Palavra o Professor, v. 3, n. 7, p. 73-89, 2018.) analisaram o desempenho de 162 estudantes do 1º ano do Ensino Fundamental de escolas públicas de cinco regiões distintas da Bahia e categorizaram suas estratégias de resolução adotadas que levaram ao acerto, quando resolveram uma situação de proporção simples, da classe um para muitos, cuja operação mais indicada é a multiplicação. Os autores concluem que mesmo estudantes do 1º ano do Ensino Fundamental que ainda não tiveram contato formalmente com situações da estrutura multiplicativa demonstraram possuir noções matemáticas, pois utilizam a representação icônica como estratégia de resolução, conseguindo solucionar situações das estruturas multiplicativas.

Lautert, Santos e Merlini (2018MERLINI, Vera Lúcia; TEIXEIRA, Antônio César Nascimento. As estratégias de resolução dos estudantes do 1º ano em situações de proporção simples. Com a Palavra o Professor, v. 3, n. 7, p. 73-89, 2018.) investigaram o desempenho e os procedimentos de resolução mobilizados por 809 estudantes dos 3º e 5º anos do Ensino Fundamental de escolas públicas de Recife e Ilhéus, a fim de resolverem quatro problemas de divisão envolvendo proporção simples: dois de correspondência um para muitos e dois de correspondência muitos para muitos. Os resultados apontam que os problemas de correspondência um para muitos são mais fáceis que os problemas de correspondência muitos para muitos, para ambos os anos; que os estudantes do 3º ano tendem a apresentar mais procedimentos/estratégias idiossincráticos ou sem conexão com o enunciado, enquanto os estudantes do 5º ano tendem a realizar procedimentos envolvendo o raciocínio multiplicativo.

Em face do exposto, o estudo investiga as estratégias de estudantes do ciclo de alfabetização ao acertarem situações de proporção simples um para muitos e muitos para muitos, cujos aspectos têm sido pouco explorados na literatura da área.

Consideramos a possibilidade de haver uma relação entre o desempenho dos estudantes e o fato de a estrutura multiplicativa costumar ser pouco ou nada trabalhada na escola até o 4o ano e quando o é, tem uma conotação de adição repetida (muitas vezes relacionada à tabuada). Contudo, essa visão se apoia, de sobremaneira, em nossa vivência com a formação de professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental, o que reconhecemos ter pouco poder de generalização. O que temos visto é a escola reservar os dois primeiros anos escolares, e, algumas vezes, o 3o ano também, para a estrutura aditiva. A estrutura multiplicativa tem espaço nos 4o e 5o anos, quando costuma ser trabalhada de maneira formal, por meio da tabuada e do ensino da operação de multiplicação, seguido da divisão. Assim, acreditamos que ao investigar as estratégias de estudantes dos 1o e 2o anos, não encontraremos estratégia canônica (aquelas ensinadas pela escola, que segue o rigor formal da Matemática) nas resoluções das situações-problema. Por outro lado, entre os estudantes do 3o ano, é possível que apareça alguma (poucas) estratégia formal, talvez até misturadas com ações informais.

O Estudo

Tratou-se de um estudo descritivo composto por um instrumento diagnóstico que contemplou 13 situações-problema. Esse instrumento foi diagramado em formato de livrinho, ocupando meia folha A4. Toda situação-problema oferecia espaço demarcado abaixo de cada enunciado para a resolução e a resposta, e, por isso, cada situação-problema ocupou uma página. O diagnóstico foi aplicado coletivamente, por ano escolar, em estudantes de todo o Ensino Fundamental, cabendo a eles resolverem individualmente e por escrito. Para efeito deste artigo, analisaremos seis das 13 situações que estavam nesse diagnóstico, quais sejam, aquelas que tratavam da proporção simples e, ainda, referentes apenas às respostas oferecidas por estudantes do 1o ao 3o anos do Ensino Fundamental, isto é, aqueles que se encontravam, no momento da aplicação, cursando os anos de alfabetização. As situações que analisaremos encontram-se ilustradas no Quadro 2. A aplicação do instrumento ocorreu em uma única sessão e contou com a colaboração do professor. Coube a ele ler, em voz alta, as situações-problema, uma por vez, solicitando que os estudantes a resolvessem nos espaços indicados, antes de passarem para a leitura da próxima.

Do ponto de vista amostral, o recorte do estudo envolveu uma população de 483 estudantes, de ambos os sexos, cursando os primeiros três anos do Ensino Fundamental de quatro escolas públicas da cidade de Recife, as quais foram participantes do projeto E-Mult, financiado pela CAPES, no âmbito do Edital Observatório da Educação. Desse quantitativo, foram selecionados apenas os estudantes que acertaram, pelo menos, um dos seis problemas presentes no Quadro 2. A partir dessa condição, restaram 182 estudantes, sendo 22 do 1o ano, 45 do 2o ano e 115 estudantes do 3o ano.

Quadro 2:
Situações-problema de proporção simples propostas aos estudantes

Tendo explicado sobre o estudo realizado, discutiremos os resultados obtidos na próxima seção. É importante relembrar que nossa análise focará, apenas, os acertos dos estudantes. Em outras palavras, nosso interesse é investigar as estratégias bem-sucedidas, mobilizadas por estudantes do 1o ao 3o ano (ciclo de alfabetização) ao quando resolverem problemas de proporção simples.

Análise dos resultados

Iniciamos, apresentando o percentual de acerto dos três grupos estudados (1o ano, 2o ano e 3o ano) nas seis questões investigadas, considerando o acerto geral e o acerto em cada uma das classes de proporção (um para muitos e muitos para muitos), apresentados no Gráfico 1 a seguir:

Gráfico 1:
Percentual de acerto, geral e por classe, dos estudantes dos 1o, 2o e 3o anos

O Gráfico 1 mostra que, quando analisamos os desempenhos dos estudantes nas situações um para muitos, nos três anos escolares, verificamos que existe diferença significativa entre eles (c2(2) = 17,064; p < 0,001). Todavia essa diferença não se confirma entre o 1º e o 2º ano (c2(1) = 0,391; p =0,531), indicando que o grupo o qual apresenta comportamento diferente dos demais é o 3o ano, cujo percentual de acerto foi maior que o dos dois anos anteriores.

Por outro lado, quando comparamos o desempenho entre os anos escolares nas situações muito para muitos, verificamos que as diferenças não são estatisticamente significativas (c2(2) = 3,584; p = 0,167). Na verdade, os três grupos tiveram muito pouco sucesso na resolução desse tipo de classe de problemas.

Vale a pena pontuar, ainda, que ao analisarmos o desempenho dos estudantes do 1º ano, segundo o tipo de problema, verificamos que a média no percentual de acerto nas situações um para muitos é quase o dobro da média nas situações muito para muitos (c2(1) = 6,212; p = 0,013). No 2ºano, essa diferença aumenta, chegando a quase 6 vezes mais (c2(1) = 37,383; p < 0,001). Por fim, no 3º ano, em que o desempenho dos estudantes nas situações um para muitos se mostrou estatisticamente melhor que o dos anos anteriores, esse desempenho é quase oito vezes maior (c2(1) = 215,182; p < 0,001). Assim, verificamos que o ganho na aprendizagem da proporcionalidade ocorre principalmente na situação um para muitos, enquanto que na situação muito para muitos, permanece. Estagnado.

No que se refere ao comportamento dos estudantes quanto ao número de situações-problema certas, a Tabela 1 oferece uma visão geral de todos os estudantes versus número de situações certas. Esclarecemos que os estudantes poderiam acertar seis situações no máximo, isto é, três situações da classe um para muitos e três de muitos para muitos. Também informamos que a Tabela 1 a seguir apresenta os resultados de todos os estudantes, sem haver separação entre ano escolar.

Tabela 1:
Número de situações que os estudantes acertaram, de acordo com as classes de proporções

Notemos que a primeira linha apresenta as respostas dos 182 estudantes (independente de ano escolar, ou do tipo de classe a que pertence o estudante - um para muitos ou muitos para muitos). Assim, por exemplo, temos que 108 estudantes acertaram apenas uma situação, podendo esta ser da classe um para muitos ou muitos para muitos. Da mesma forma, e ainda olhando para essa linha, temos que cinco (05) estudantes acertaram quatro situações. Essas quatro situações podem ser três da classe de um para muitos e uma da de muitos para muitos, ou ainda, duas da classe um para muitos e duas da de muitos para muitos. Não poderá ser três da classe de muitos para muitos e uma da de um para muitos, porque nenhum estudante acertou as três situações da classe de muitos para muitos. Por outro lado, nas segunda e terceira linhas da Tabela 1, o valor de “n” não bate 182 e tampouco é o dobro. Na verdade, ela parece indicar que seriam 201 estudantes (161 + 40), mas não é assim. O que ocorre é que houve casos em que o estudante foi contado duas vezes, porque ele acertou, por exemplo, duas situações da classe um para muitos (e aí ele é um dos 46 estudantes) e também acertou uma situação da classe muitos para muitos (fazendo parte dos 36 estudantes).

Uma informação retirada dos dados apresentados na Tabela 1 refere-se ao nível de dificuldade entre uma e outra classe de situações. De fato, nota-se que enquanto na classe de um para muitos, 21 estudantes acertaram todas as três situações propostas, na classe de muitos para muitos, não tivemos nenhum estudante com tal sucesso. Mesmo o acerto de dois problemas da classe, o número de acerto das situações de um para muitos foi 11 vezes maior. Como já discutimos anteriormente, creditamos tal resultado ao fato de que, enquanto na classe de um para muitos, exige-se do estudante apenas uma operação, na classe de muitos para muitos, são exigidas duas operações.

Como o foco deste artigo está em analisar as estratégias bem-sucedidas utilizadas por esses estudantes, deixaremos de lado as questões relacionadas às competências (percentuais e quantidades de acertos) dos estudantes ao resolverem as situações-problema para focar naquelas que eles utilizaram, obtendo sucesso em suas resoluções. Enquanto os estudantes do 3º ano diversificaram mais suas estratégias de resolução (identificamos seis ao todo), os estudantes dos 1º e 2º anos limitaram-se ao uso de apenas três estratégias.

Com base na leitura das estratégias utilizadas pelos estudantes ao responderem o instrumento diagnóstico, foi possível identificar seis estratégias. Dessas, apenas as três primeiras foram encontradas entre os estudantes dos 1o e 2o anos. Do ponto de vista de Vergnaud (1994VERGNAUD, Gérard. Multiplicative conceptual field: what and why? In: GUERSHON, Harel; CONFREY, Jere (Ed.). The Development of Multiplicative Reasoning in the Learning of Mathematics. Albany, New York: State University of New York Press, 1994. P. 41-59., 1998), estes últimos dispõem de menos recursos para lidar com tais situações, muito provavelmente fruto da sua pouca expansão do campo conceitual multiplicativo. É importante salientar que uma maior expansão desse campo por parte dos estudantes do 3º ano não significa necessariamente aprendizagem escolar. Tal fato pode ter ocorrido pelo fator desenvolvimento cognitivo ou, ainda, pela interação das crianças desse grupo com situações multiplicativas do cotidiano.

A seguir, descreveremos e exemplificaremos as seis estratégias, as quais foram identificadas com a contribuição de três juízes (especialistas da área da Educação Matemática), por meio de discussões para se chegar ao consenso da estratégia adotada pelos estudantes na resolução das situações:

Estratégia 1 (E1): incompreendida - caracteriza-se por não ser possível estabelecer uma relação entre o procedimento adotado pelo estudante e o resultado por ele apresentado, quer seja pelo fato de não deixar clara a representação ou por que ele fornece apenas um número como resposta, sem qualquer outro registro. Alternativamente, o estudante faz fez algum tipo de registro que não nos permitiu identificar a estratégia que ele usou para resolver a situação. Apresentamos, na Figura 4, a seguir, dois exemplos cujas respostas foram classificadas na categoria E1.

Figura 4:
Exemplos de estratégias classificadas como E1

Observamos que, nos dois exemplos acima, os estudantes ofereceram a resposta correta para as situações, porém não nos deixaram pista de como pensaram para resolvê-las. O estudante do exemplo da esquerda produz alguns desenhos, os quais não são suficientes para que possamos entender a estratégia que ele usou. Por outro lado, no exemplo da direita, o estudante não deixa qualquer marca no papel para além de sua resposta, inviabilizando qualquer identificação de estratégia.

Estratégia 2 (E2): agrupamentos - caracteriza-se por respostas em que os estudantes utilizam agrupamentos (icônicos ou numéricos), sem contudo indicar se, a partir desse agrupamento, era utilizada a enumeração (contagem um a um) ou uma operação (adição ou subtração) para chegar à resposta. Não há qualquer indicação de que o estudante tenha lançado mão de uma operação em seu registro. Abaixo, apresentamos, na Figura 5, dois exemplos do uso desse tipo de estratégia.

Figura 5:
Exemplos de estratégias classificadas como E2

Estratégia 3 (E3): adição repetida - caracteriza-se pela opção de os estudantes em registrarem uma adição, numérica ou icônica, de parcelas repetidas em sua ação na resolução do problema. Entendemos que, ao fazer uso desse tipo de estratégia, o estudante demonstra que se encontrar em uma fase de transição entre o raciocínio aditivo e o multiplicativo (Magina, Santos, Merlini, 2014MAGINA, Sandra Maria Pinto; SANTOS, Aparecido dos; MERLINI, Vera Lúcia. O raciocínio de estudantes do ensino fundamental na resolução de situações das estruturas multiplicativas. Ciência e Educação, São Paulo, UNESP, v. 20, n. 2, p. 517-533, 2014., p. 528). “Tal estratégia aproxima-se do pensamento multiplicativo, mas está ancorada no raciocínio aditivo, isto é, forma grupos de mesma quantidade para então efetuar a operação de adição”. A Figura 6 apresenta dois protocolos que exemplificam esse tipo de estratégia.

Figura 6:
Exemplos de estratégias classificadas como E3

Tanto no exemplo da esquerda como no da direita, notamos que os estudantes repetiram cinco vezes o número seis e depois somou essa quantidade. Fica claro que enquanto o estudante do exemplo da esquerda tem domínio sobre a operação de adição, do ponto de vista do algoritmo, o estudante do exemplo da direita não tem o domínio de tal algoritmo. Porém, note que os dois têm o conceito de adição, os dois repetem o numeral 6 cinco vezes e ambos chegam ao mesmo resultado correto, numa clara demonstração que entenderam que deveriam adicionar cinco vezes o número 6, resolvendo, a contento, a situação-problema proposta.

Estratégia 4 (E4): operação com apoio icônico - caracteriza-se pelo ato de resolver o problema por meio da realização de uma formal da multiplicação, porém com o apoio icônico. Nesse caso, o estudante demonstra saber armar e efetuar a operação de multiplicar, mas parece carecer de um apoio icônico que se apresenta como um modelo repetido. Esse apoio provavelmente o ajudou na realização dessa operação de multiplicar. Esse tipo de estratégia, ocorrida apenas entre os estudantes do 3º ano, aponta não só para o contato formal do estudante com a operação de multiplicar, mas também para uma busca de estratégia informal (representação icônica). A Figura 7 a seguir oferece um exemplo desse tipo de estratégia.

Figura 7:
Exemplo de estratégia classificada como E4

Ao examinar a resolução do estudante, percebemos que ele, para além de armar e efetuar corretamente a conta, desenhou, ao seu lado, cinco fileiras de seis bolinhas. Não fica claro se primeiro o estudante fez a conta e, então, enfileirou as bolinhas para confirmar que sua ação estava correta ou, se, ao contrário, desenhou as fileiras de bolinhas e, apoiado nelas, armou e efetuou a conta. O que fica claro é que o ícone e também a ideia de adição repetida fazem parte de sua resolução, em conjunto com a conta.

Estratégia 5 (E5): uso de operações multiplicativas - caracteriza-se pela ação do estudante em lançar mão de uma operação aritmética (multiplicação ou divisão) de maneira canônica, para buscar a solução do problema. Essa estratégia, tal qual a anterior, foi usada apenas por estudantes do 3º ano. Na sequência, apresentamos, na Figura 8, dois exemplos (um de multiplicação e outro de divisão).

Figura 8:
Exemplo de estratégias classificadas como E5

Observamos que enquanto o estudante do exemplo do Problema 1 resolve satisfatoriamente a situação, o mesmo não acontece no Problema 4. De fato, notamos que, no problema 4, o estudante resolve a primeira parte do problema (encontra o valor do operador escalar entre os metros, qual seja 7 m), mas não aplica essa relação encontrada para as fantasias (3 X 7 = 21 fantasias). É importante ter em mente que enquanto o problema 1 é da classe um para muitos, a qual exige apenas uma operação para encontrar a solução, o Problema 4 pertence à classe muitos para muitos, que exige duas operações (multiplicação e divisão), tornando-o um problema mais difícil para os estudantes. Nossa assertiva encontra respaldo nos percentuais de acertos que esses estudantes apresentaram em um e outro tipo de classe de problema (rever Tabela 1, em que consta que o desempenho dos estudantes nos problemas de um para muitos foi quatro vezes melhor que naqueles de muitos para muitos).

Estratégia 6 (E6): funcional com apoio icônico e simbólico - caracteriza-se por ações em que o estudante estabelece uma relação proporcional entre as grandezas de naturezas distintas, aplicando essa relação para chegar à resolução do problema. Apresentamos, na Figura 9, a seguir, dois exemplos em que essa estratégia é usada.

Figura 9:
Exemplos de estratégias classificadas como E6

A primeira coisa que nos chama à atenção nos exemplos é que, nos dois, os estudantes buscaram apoio de ícones (tracinhos ou bolinhas). A relação que eles estabelecem é entre os valores explicitamente postos nos enunciados - 3 (fantasias) para 5 (metros) e 3 (voltas) para 4 (pontos). Porém, como eles sabiam que teriam que repetir sete vezes a relação ‘5 para 3’? Ou, da mesma forma, como eles sabiam que para saber o ponto total que Alex marcou era preciso estabelecer essa relação ‘4 para 3’ cinco vezes?

Nossa hipótese é de que o estudante tenha se utilizado primeiramente do invariante operativo de covariação (ou operador escalar). No exemplo dos metros por fantasias, o estudante parece ter identificado que 35 m é sete vezes mais que 5 m (ou, ainda, para chegar a 35 a partir do 5, é preciso repetir esse 5 sete vezes). Em outras palavras, o estudante encontrou o valor do operador escalar entre os valores da variável metro (no caso 7) e o aplicou na relação funcional (entre 3 metros e 5 fantasias), identificando quantas vezes essa relação se repetiria. Da mesma forma, podemos supor que, no exemplo da direita, o estudante primeiro identifica o operador escalar (5), e esse será o número de vezes que a relação entre 4 e 3 se repetirá, concluindo que 4 pontos 5 vezes resultam em 20 pontos.

Essa hipótese pode ter como variante de ação a ideia de “complementação” em que o 5 é repetido várias vezes até chegar ao 35 (5 + 5 = 10, não chegou; + 5 = 15, não chegou... e assim até chegar ao valor desejado), e, então, tal processo é copiado para a outra grandeza (3 sete vezes, chegando ao 21). Seja por um caminho ou por outro, o fato é que o estudante explicita o fator escalar entre os valores de uma das variáveis (entre o 5 e o 35, já que ele repete 7 vezes o 5) e faz o mesmo para a outra variável, repetindo o 3 (representado iconicamente) sete vezes. Nosso estudante deixa claro haver relação entre os valores das variáveis (5 e 3, no caso dos metros de tecido, e 4 e 3, no caso das voltas e pontos por volta).

Por fim, para sintetizar nossa análise, encontramos, na Tabela 2 a seguir a apresentação e quantificação dos tipos de estratégias utilizadas pelos estudantes dos três anos, segundo o tipo de situações-problema.

Tabela 2:
Relação entre as estratégias utilizadas com sucesso e as situações-problema

Os dados mostrados na Tabela 2 indicam que houve uma tendência de comportamento nos três grupos, em que as estratégias mais utilizadas foram, de longe, E1 e E2 - aquela que não explicita o esquema utilizado para a resolução da situação (E1) e a de agrupamento, por meio do uso de ícones (E2). Ainda, embora em número reduzido, tivemos estudantes dos três anos utilizando a estratégia de adição repetida (E3), normalmente com ajuda de ícones. Tal dado nos fornece uma ideia da importância do ícone no apoio ao raciocínio dos estudantes, pois sabemos que problemas de multiplicação são pouco ou nada trabalhados nesses anos de escolarização, em especial os 1o e 2o anos. Esses resultados reafirmam as conclusões do estudo de Merlini e Teixeira (2018MERLINI, Vera Lúcia; TEIXEIRA, Antônio César Nascimento. As estratégias de resolução dos estudantes do 1º ano em situações de proporção simples. Com a Palavra o Professor, v. 3, n. 7, p. 73-89, 2018.).

Queremos, ainda, chamar à atenção para: primeiro, os estudantes dos três anos tiveram comportamentos similares no sentido de ter sido a E1, seguida pela E2, as estratégias mais comumente utilizadas; segundo, a E1 pode ter sido “um chute”, uma contagem ou até uma operação mental desses estudantes. Mas o que importa aqui é que o estudante não soube (ou não pôde, ou não quis) registrar o caminho que seguiu para encontrar seu resultado. É importante informar que, durante toda a aplicação do teste, os pesquisadores enfatizaram e estimularam constantemente o registro de suas resoluções. O caso de não saber ou não poder registrar nos remetes ao uso implícito do invariante (Vergnaud 1994VERGNAUD, Gérard. Multiplicative conceptual field: what and why? In: GUERSHON, Harel; CONFREY, Jere (Ed.). The Development of Multiplicative Reasoning in the Learning of Mathematics. Albany, New York: State University of New York Press, 1994. P. 41-59., 1998).

Também notamos que estratégias mais sofisticadas - E4, E5 e E6 - em que a operação de multiplicação ou divisão é explicitamente realizada - só aparecem entre os estudantes do 3o ano e, mesmo assim, com um percentual irrisório (pouco mais de 5%). Isso já era esperado, uma vez que, como afirmamos anteriormente, é costume de o universo escolar só introduzir formalmente a estrutura multiplicativa no 3o ano, sendo que ela ganha ênfase a partir do 4o ano.

Por fim, gostaríamos de chamar à atenção para as soluções não canônicas de quatro estudantes do 3o ano, os quais, em duas das situações-problema (P4 e P6), encontram a solução buscando a relação, com o auxílio de ícones, existente entre as variáveis presentes no enunciado. Na visão de Magina e Cols.(Magina; Santos; Merlini, 2014MAGINA, Sandra Maria Pinto; SANTOS, Aparecido dos; MERLINI, Vera Lúcia. O raciocínio de estudantes do ensino fundamental na resolução de situações das estruturas multiplicativas. Ciência e Educação, São Paulo, UNESP, v. 20, n. 2, p. 517-533, 2014.; Magina; Merlini; Santos, 2016; Magina; Fonseca, 2018), a relação de proporcionalidade encontra-se construída entre quatro medidas, tratadas duas a duas.

Conclusão

Nossa primeira conclusão é a de que os estudantes, mesmo sem terem aprendido o processo de multiplicar, são capazes de pensar multiplicativamente. Tal resultado tem encontrado respaldo em estudos correlatos (Magina, 2013MAGINA, Sandra Maria Pinto. As estruturas multiplicativas e a formação de professores que ensinam Matemática na Bahia - PEM. Projeto de Pesquisa FAPESB (PES 0019/2013): Edital Inovação em Práticas Educacionais nas Escolas Públicas da Bahia. Ilhéus, 2013.; Magina, Santos; Merlini, 2014, Lautert; Santos, 2017LAUTERT, Síntria Labres; SANTOS, Ernani Martins dos. Estudantes do 1o ano ao 3o ano resolvem situações multiplicativas. In LAUTERT, Síntria Labres; CASTRO-FILHO José Aires; SANTANA, Eurivalda Ribeiro dos Santos (Org.). Ensinando multiplicação e divisão do 1o ao 3o ano. Série Alfabetização Matemática, Estatística e Científica. Coletânea Cadernos E-Mult. Itabuna -Bahia: Via Litterarum, 2017, v. 1. P. 45-76., Lautert; Santos; Merlini, 2018, Merlini; Teixeira, 2018; Magina; Fonseca, 2018). Identificamos, contudo, que, mesmo que tal pensamento esteja elaborado o suficiente, estratégias alternativas são buscadas já desde o 1o ano, para levá-los ao sucesso na resolução da situação-problema. Assim embora essa conclusão já tenha sido apontada em estudos anteriores, trazemos como novidade a identificação de estratégias alternativas dos estudantes, tais como contagem, adição repetida e, de sobre maneira, o uso de ícones diversos.

Há uma clara distinção, em termos de sucesso e uso de estratégias, entre as duas classes - um para muito e muitos para muitos - em que, na primeira, há um salto significativo entre os comportamentos dos estudantes dos 1º e 2º anos e os do 3º, a favor desses últimos; por outro lado, na segunda, o resultado sofre o efeito de chão. Fica clara a dificuldade de os estudantes explicitarem os invariantes da classe muitos para muitos, resultando em soluções baseadas, de sobremaneira, em esquemas implícitos. E isto foi válido para os três anos escolares.

Por fim, concluímos que esses resultados confirmam a nossa conjectura de que a escola pouco ou nada tem ensinado sobre as estruturas multiplicativas, em especial nos 1º e 2º anos. Tal postura dificulta a apropriação e o desenvolvimento do raciocínio multiplicativo, já presente, de maneira intuitiva, entre alguns estudantes dos 1o e 2o anos. Há uma tendência, entre os estudantes, de pensar a situação multiplicativa sob um olhar aditivo, mesmo quando chegam a armar o algoritmo da multiplicação (os estudantes do 3º ano)4 4 Agradecimentos: Nós gostaríamos de agradecer ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela bolsa de produtividade de pesquisa concedida. Também agradecemos a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) por seus apoios financeiros aos projetos de pesquisas dos quais resultaram este artigo. .

Referências

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  • 1
    Quando da realização deste estudo, o ciclo de alfabetização compreendia os 1o, 2o e 3o anos do Ensino Fundamental. Assim, para efeito deste artigo, o termo “ciclo de alfabetização” compreenderá os anos acima referidos.
  • 2
    Isomorfismo, do ponto de vista matemático, é o mapeamento entre objetos, que mostra um relacionamento entre duas propriedades ou operações, preservando a estrutura dessas propriedades ou operações.
  • 3
    Mais informações acerca do raciocínio proporcional podem ser obtidas (Tourniaire; Pulos, 1985TOURNIAIRE, Francoise; PULOS, Steven Proportional reasoning: A review of the literature. Educational Studies in Mathematics, v 16, n. 2, p. 181-204, 1985., Lautert; Schliemann, 2020LAUTERT, Sintria Labres; SCHLIEMANN, Analúcia Dias. Using and Understanding Algorithms to Solve Double and Multiple Proportionality Problems. International Journal of Science and mathematics Education, 2020.).
  • 4
    Agradecimentos: Nós gostaríamos de agradecer ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela bolsa de produtividade de pesquisa concedida. Também agradecemos a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) por seus apoios financeiros aos projetos de pesquisas dos quais resultaram este artigo.
  • Editora-responsável: Beatriz Vargas Dorneles

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    30 Ago 2019
  • Aceito
    06 Out 2020
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