Acessibilidade / Reportar erro

A Educação nas Tramas da Linguagem

Resumo:

Este artigo tem por objetivo trazer à discussão o tema da linguagem a partir da perspectiva hermenêutica inscrita no pensamento heideggeriano. Tendo como fio condutor o método fenomenológico-reconstrutivo, explora algumas possibilidades interpretativas que esta tradição de pensamento oferece para a construção de um diálogo com a educação. Assim, desde uma dobradiça de análise com a educação, busca olhar para a linguagem a partir de seus princípios internos de proliferação e, na contramão das concepções clássicas sobre o tema, expõe a tese de que nada acontece fora da linguagem. Por fim, entende que é na linguagem que moram às possibilidades de instauração de sentido em educação.

Palavras-chave:
Educação; Linguagem; Acontecimento

Abstract:

This article aims to bring to the discussion the theme of language from the hermeneutic perspective inscribed in heideggerian thought. Having as a guiding thread the phenomenological-reconstructive method, explores some interpretive possibilites that this tradition of thought offers for the construction of a dialogue with education. Like this, through a hinge of analysis with education, seeks to look at language from its internal principles of proliferation and, in the opposite direction to the classic conceptions on the subject, exposes the thesis that noting happens outside of language. Therebyl, understands that it’s in the language that live the possibilites of establishment of sense in education.

Keywords:
Education; Language; Happen

Introdução

Escrever sobre a linguagem não representa uma tentativa de trazer a linguagem para o universo daquilo que se escreve, pois segundo o entendimento aqui exposto, é a própria linguagem que sustenta o escrever. Assim, escrever sobre a linguagem significa ir ao encontro de seu acontecimento. Significa, ademais, vagar por suas fendas como aquele que busca recolher-se em sua morada. E isso quer dizer que escrever sobre a linguagem é, talvez, apenas um modo de farejar o lugar em que vigora seu modo de ser. Posto isso, meu objetivo, aqui, não é arrastar a linguagem para as tramas da representação, mas ouvir, no sentido de auscultar, aquilo que a própria linguagem fala. Isso, por entender que é em sua normatividade que se hospedam nossas possibilidades de compreender aquilo que sustenta o educar. Mas de que maneira isso pode acenar caminhos para o campo educacional? A que lugar esta empresa pode nos levar? A nenhum lugar para além daquele sobre o qual já nos encontramos. E mesmo que isto soe paradoxal, compreender a linguagem a partir dela mesma é um esforço que pode contribuir, significativamente, para que possamos chegar onde já estamos. E não seria este o esforço da ciência? Sem dúvida. Com diferentes propósitos e por diferentes perspectivas, esta é a meta da ciência: chegar onde já estamos. Isso, contudo, não quer dizer que aqui se busque com a linguagem um chegar de vez. Além dessa pretensão fazer parte de um projeto filosófico que este texto não acompanha, esta seria uma pretensão ingênua, pois o nosso estar no mundo é profundamente dinâmico, rizomático e urdido por uma gama incomensurável de acontecimentos e complexidades que impedem qualquer tipo de imobilidade. O fato é que, no mundo da vida, sempre haverá entropias que farão mutantes as realidades. E não é em meio a essas metamorfoses que também se encontra a educação? Certamente. E é justamente diante dessa mutabilidade contínua que o tema da linguagem assume importância ainda maior. Por quê? Porque a linguagem é nossa morada. Assim, para chegarmos, ao menos uma vez, onde já estamos não há outro caminho que não o da linguagem. Por quê? Porque conforme Heidegger (2003HEIDEGGER, Martin. A Caminho da Linguagem. Petrópolis: Vozes, 2003. ), “[...] a linguagem fala” (p. 9). E se a linguagem fala é, pois, na fala da linguagem que moram nossas possibilidades de compreender o mundo e as coisas.

Isso, contudo, não significa fazer da linguagem um fundamento da educação e, tanto menos, fazer da educação um lugar sobre o qual a linguagem se fundamenta. A linguagem é linguagem e isso nos sugere, justamente, o contrário: mais do que nos oferecer um Gründe, ela nos coloca sempre para mais perto de um Abgrund. E mesmo que a linguagem nos conduza para a beira de um abismo, isso não significa que ela nos precipita ao nada. Abismo é lugar de profundidade. E onde há profundidade há sempre a possibilidade de encontrarmos aquilo que não chega, habitualmente, a superfície. Nas fendas estreitas dos lugares profundos, vivem espécies desconhecidas de saberes que só se entregam aos que abdicam da superfície para farejar, tal como Zaratustra, o sinuoso caminho que o a ser conhecido determina. Assim, na tentativa de farejar o vigor da linguagem nas fendas da própria linguagem, divido o artigo em duas seções.

A primeira: O Quê Significa Falar? Da noção clássica da linguagem à leitura heideggeriana versa sobre os principais aspectos que sustentaram a noção clássica da linguagem e mostra, ademais, como a linguagem vai se desligando da representação metafísica para, doravante, alcançar sua ressignificação ontológica e inscrever seu ser na historicidade da compreensão. A segunda: A Saga do Dizer e o Acontecimento Apropriador do Aprender busca sustentar a tese de que é na linguagem que o educar efetiva-se, materialmente, como um acontecimento apropriador que possibilita o aprender. Deixando a linguagem falar e atuando sobre o quê em sua fala se mostra, busco, aqui, acionar algumas alavancas interpretativas que seus princípios internos de proliferação oferecem para pensarmos a instauração de sentido em educação a partir, sobretudo, de uma leitura hermenêutica da linguagem.

O Quê Significa Falar? Da Noção Clássica da Linguagem à Leitura Heideggeriana

Se perseguirmos as diferentes posições sobre o quê significa falar, iremos perceber que, de um modo geral, entende-se que a fala é a expressão sonora das coisas da alma. Em outros termos, esta visão subordina a fala ao campo da mecânica e faz da linguagem um meio de exteriorização. Esta posição sustenta-se, basicamente, em três descrições. A primeira, e mais habitual, é aquela que entende linguagem como pura expressividade. Nesta caracterização, falar é a forma de trazer para fora aquilo que se interioriza. Surpreende, no entanto, que a representação mais exterior à linguagem a considere expressão justamente quando esta caracterização se fundamenta, segundo Heidegger (2003HEIDEGGER, Martin. A Caminho da Linguagem. Petrópolis: Vozes, 2003. ), pelo recurso de uma interioridade. A segunda busca sustentar a noção de que a linguagem é uma atividade que o homem desempenha, por exemplo, ao falar uma língua. Nesta caracterização antropocêntrica, é o homem quem fala. Aqui, não podemos dizer, tal como Heidegger, que a linguagem fala, pois assim o homem seria apenas sua promessa. Já a terceira descrição considera que a fala é uma expressão da linguagem do homem que busca “[...] uma representação e apresentação do real e do irreal” (Heidegger, 2003, p. 10).

Essas descrições paradigmáticas sobre o que significa falar, sustentam, há centenas de anos, as representações correntes que guiaram nossa compreensão sobre o significado da linguagem. E ainda que não concordemos com tais representações, há de se ter claro que elas são corretas na medida em que são frutos daquilo que a investigação sobre os fenômenos da linguagem pode constatar ao longo do tempo. Em educação, essas descrições ainda sustentam grande parte da literatura e das investigações que têm na linguagem seus eixos de análise. Num exame rápido sobre o assunto, é possível constatar que, na produção corrente, boa parcela dos estudos1 1 Saviani e Duarte (2010), Gontijo e Campos (2014), Ehrenber (2014), Martins, Alves e Sousa (2015), Tonelli (2017) e Azevedo e Abib (2018), apenas para citar alguns. que, de alguma maneira versam sobre a linguagem, tratam a linguagem como meio de comunicação; como meio de ensinar e aprender; como ferramenta de mediação pedagógica; como técnica; como um instrumento que pode ser utilizado pelo professor em uma atividade; como uma capacidade de expressão léxica ou gramatical. Algumas ainda falam em aquisição de linguagem e defendem a ideia de que o professor é um tutor de linguagem. Não há qualquer problema no que concerne à validade dessas caracterizações. O que, porém, ocorre é que essas perspectivas buscam uma descrição exata e inabalável da linguagem deixando, assim, praticamente inobservada a linguagem como linguagem. Preservando uma noção clássica da linguagem elas buscam, quase sempre, descrever a linguagem a partir de uma visão externa à linguagem. Na conhecida obra As Palavras e as Coisas, Foucault (2000FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas. São Paulo: Martins fontes, 2000.) nos mostra como essa noção deitou raiz sobre os modelos paradigmáticos de caracterização da linguagem. Partindo da noção de que, hegemonicamente, a representação da linguagem esteve formada por um quadrilátero composto pelas teorias da proposição, articulação, designação e derivação, Foucault traça uma espécie de polígono clássico da linguagem para mostrar sob que bases de entendimento ela manteve-se apoiada durante longo tempo.

O quadrilátero elaborado por Foucault atua e está organizado da seguinte forma. Em linhas gerais, a articulação seria aquilo que dá conteúdo à formação verbal que se projeta de uma proposição. A articulação é o que preenche o vazio verbal da proposição. No entanto, ela se opõe à proposição para então diferenciar as coisas que, em suas atribuições, religam uma à outra. Já a teoria da designação é o segmento do quadrilátero que manifesta a ligação das formas nominais que a articulação recorta. Contudo, a designação se opõe ao recorte das generalidades que a articulação produz. A teoria da derivação mostra, por sua vez, o movimento das palavras desde sua origem, porém, o desvio que a linguagem produz na superfície da representação cria uma oposição que rompe o caráter estável que, numa perspectiva metafísica, supostamente ligaria a raiz de uma palavra à representação de uma coisa. Desta forma, a derivação retorna à proposição uma vez que sem ela a própria designação permaneceria presa em si e, assim, não daria conta da generalidade que, para Foucault, autoriza um laço de atribuição.

É preciso observar que, para Foucault, o quadrilátero da linguagem opera em relações diagonais. A primeira diagonal une a articulação à derivação, ou seja: se existe uma linguagem articulada por palavras é porque desde o ato fundante da designação elas (as palavras) não param de derivar-se e, assim, adquirem o que Foucault (2000) diz ser uma extensão variável. Para o mesmo autor, é justamente neste eixo do quadrilátero que está fixado o estado de uma língua. Isto se dá pelo fato de que a função articulatória de uma língua é determinada pelo estágio de derivação no qual ela se encontra. É nesse estágio que, também, define-se a dimensão histórica e seu poder de discriminação. A outra diagonal do quadrilátero vai da proposição à origem. Em outros termos, ela vai da afirmação presente no ato de julgar à designação presente no ato de nomear. É no eixo entre estes segmentos que está situada a relação entre às palavras e as coisas que elas representam. Assim, se considerarmos que uma representação é aquilo por meio do qual podemos dispor o que uma coisa é, então, o que as palavras fazem não é dizer o ser de uma coisa, mas apenas nomear algo já representado pela linguagem. Assim, se “A primeira diagonal marca o progresso da linguagem em seu poder de especificação” (Foucault, 2000, p. 164), a segunda marca o “[...] enredamento indefinido entre a linguagem e a representação” (Foucault, 2000, p. 164). Para usar termos de Foucault (2000), ora a palavra funciona com seu poder de representar, ora ela atua com seu poder de compor e de decompor.

Doravante, ali no ponto onde se cruzam as diagonais do quadrilátero está o nome. Portanto, para esta noção, nomear significa representar uma representação de forma verbal dentro, pois, de um quadro geral de coisas já representadas. É no nome que as funções da linguagem se cruzam e que a representação salta sobre uma proposição. Nele também o discurso se articula ao conhecimento. Dessa forma, se os nomes fossem precisos e a língua fosse bem-feita, para usar uma expressão de Foucault (2000FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas. São Paulo: Martins fontes, 2000.), não seria difícil separarmos o juízo verdadeiro do falso. Encontrar o erro seria uma operação simples. No entanto, a derivação infinita da linguagem produz desvios que impedem uma profilaxia do erro que, consequentemente, nos colocaria diante da verdade mesma.

Ademais, mesmo que Foucault tenha investido no tema, foi Nietzsche (2000NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Humano, Demasiado Humano: um livro para espíritos livres. São Paulo: Companhia Das Letras, 2000. ) foi quem, por primeiro, se encarregou de tornar isso mais explícito. No aforismo 11 da obra Humano, Demasiado Humano, ao discutir o caráter representacionista da linguagem, ele traz a noção de que, por muito tempo o homem acreditou em nomes de coisas com a mesma veemência que acreditou em aeternae veritates. Com base nisso é que o nome se tornou o termo do discurso. Para Foucault, por exemplo, o nome esgota a possibilidade de falar, pois faz com que tudo gire e permaneça a girar em torno daquilo que ele representa. Em termos nietzschianos, isto ocorre porque a representação instaura uma permanência do significado. Nesta direção, fica claro que os quatro segmentos desse quadrilátero emolduram a visão clássica da linguagem. Uma visão, digamos, pneumática que encontrou seu limite exatamente no ponto em que suas linhas diagonais se cruzam. Essa noção externa à linguagem nasce por uma intenção e por um conjunto de exigências representacionistas que buscam “[...] meramente compreender o que quer dizer o texto, e não de farejar, ou mesmo pressupor, um duplo sentido” (Nietzsche, 2000, p. 19). Assim, para o romantismo, conseguir nomear as coisas foi uma enorme conquista, mas, numa perspectiva foucaultiana, este foi também o motivo pelo qual o nome deixou de ser entendido como a essência da linguagem para, então, se tornar seu enigma mais fervoroso.

E para Foucault (2000FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas. São Paulo: Martins fontes, 2000.), depois que a linguagem se desprendeu da primazia do nome, ficou cada vez mais claro que há um discurso não-discursivo através do qual a linguagem se manifesta em seu ser bruto. Em acordo com o mesmo autor, entendo que é, justamente, a partir deste ser bruto da linguagem que poder-se-á farejar a linguagem da linguagem. Isso, tendo como base a noção de que “A linguagem tem em si mesma seu princípio interior de proliferação” (Foucault, 2000, p. 56). Não há, pois, uma lógica externa que atua em seu funcionamento, pois a linguagem é normativa. O funcionamento das coisas é já o despojamento da linguagem. Assim, para dizer em termos foucaultinaos aquilo que bem poderia ser dito em termos heideggerianos, uma prática educacional na linguagem só é possível à medida que a busca de sua função não se retenha puramente à palavra, mas que seja farejada na existência mesma da linguagem; em sua relação histórica com o mundo e com as coisas. É justamente esta relação que, a partir de agora, pretendo explorar para, quem sabe, extrair daí a possibilidade de fazermos uma experiência pensante com a linguagem em educação.

A Saga do Dizer e o Acontecimento Apropriador do Aprender

Se por muito tempo a linguagem esteve dissolvida como brasa nas cinzas da representação, o século XX foi o lugar em que vimos suas chamas reacenderem. Foi com o linguistic turn que uma nova clareira acendeu diante do tema. Tendo Wittgenstein como figura de proa, o linguistic turn abriu caminhos para inúmeras mudanças que, doravante, marcaram o pensamento sobre a linguagem. Assim, a principal mudança que este movimento produziu nas concepções pertencentes a fase que lhe antecedeu, foi determinada pelo reconhecimento que Wittgenstein fez de que os limites da linguagem representam os limites do mundo. Em outros termos, o insight fundamental desta virada é o de que somos seres propriamente linguísticos. Foi diante desta noção que, segundo Berticelli (2013BERTICELLI, Ireno Antônio; SCHIAVINI, Daniela Paula. Significados da Pragmática Linguística na Formação de Leitores. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 38, n. 2, p. 571-586, jun. 2013. Disponível em: <Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S2175-62362013000200013 >. Acessos em: 26 jun. 2019.
http://dx.doi.org/10.1590/S2175-62362013...
), passamos para o entendimento de que o mundo que há é o mundo que está na linguagem. Diante disso, mesmo que inúmeros autores2 2 Como é o caso de Richard Rorty, Ferdinand de Saussure e Michael Foucault, para não citar outros. tenham levado adiante os efeitos do linguistic turn, foi Heidegger (e depois Gadamer) quem desvelou um horizonte próprio à linguagem para, assim, redefinir o seu caminho na própria redefinição que fez do ser.

Contudo, esta discussão se presta a equívocos de toda sorte. O primeiro, e talvez o mais infantil, é reconhecer em Heidegger a originária noção sobre uma suposta unidade do ser. Para evitar qualquer confusão, é fundamental observar que este não é o ponto de partida de Heidegger, mas sim, de Husserl. Heidegger não é um filósofo da identidade, senão da diferença. Não obstante, a questão do ser em Heidegger não recepciona o idealismo e nem requisita sua fundamentação última. Pelo contrário. O que aí se encontra suspenso é o definitivo abandono da metafísica. Assim, a elaboração da questão do ser em Heidegger é um ponto de partida e não uma linha de chegada. Um ponto de partida que, inclusive, abala o firme terreno husserliano para mostrar que o ser-aí presente em sua virada hermenêutica, exige uma compreensão que, por sua vez, a metafísica não dá conta de fornecer. E se foi na sucessão de Nietzsche que Heidegger viu caducar a metafísica transcendental, foi também aí que ele viu a designação de uma abertura que o permitiu compreender o ser como acontecimento histórico. É no bojo dessa reviravolta hermenêutica que Heidegger, portanto, abriu caminho para uma importante reconsideração da linguagem. Uma reconsideração que fez-faz do próprio homem um caminho de linguagem. Mas por que somos caminho de linguagem? Ora! Porque a linguagem fala. Mas se somos caminho, de onde vem a fala da linguagem que nos percorre? Ela vem daquilo que se diz. No dito a fala da linguagem inicia sua saga. E onde ela termina? Em lugar nenhum. Por quê? Porque a fala se abriga no dito assim como a doçura se abriga no mel. Ai nenhuma das partes pode desgarrar-se da outra. Ambas constituem unidade, na pluralidade das vozes. Em outras palavras, o dizer é o abrigo em que a fala da linguagem se resguarda. E, heideggerianamente falando, no dito a fala resguarda tanto aquilo que perdura em seu vigorar, quanto aquilo que vigora em seu perdurar. No entanto, para Heidegger (2003), temos que buscar a fala da linguagem num dizer genuíno e não em um dizer qualquer. Mas o quê significa dizer genuinamente? “Dizer genuinamente é dizer de tal maneira que a plenitude do dizer, própria ao dito, é por sua vez inaugural” (Heidegger, 2003, p. 10).

Em educação isto é fundamental, pois é na apropriação do dizer que se mostra o acontecimento apropriador do aprender. Não em um dizer habitual, mas em um dizer apropriador. Não em um dizer copiado, colado, decorado se assim preferirmos, mas em um dizer genuinamente pensado. Mas o quê é uma apropriação? É um aprendizado que converte o apreendido em coisa própria. É, pois, aquilo que se inaugura, genuinamente, no gesto do dizer. No entanto, aprender não é simplesmente apreender. Aprender significa apropriar-se daquilo que se apreende. Lembremos que a palavra apropriação significa tornar próprio, tornar seu. De tal modo, para tornar próprio é preciso trazer para perto. Assim, a apropriação depende de uma aproximação. A aproximação edifica-se, por sua vez, no diálogo hermenêutico que o educar determina. Trata-se, aqui, de um diálogo que se insere nas múltiplas entradas do pensamento. Muitas vezes, se bem quase sempre, estas entradas interpretativas são ignoradas no processo pedagógico. Ora é porque a aula termina, ora porque o assunto é outro e ora porque também subestimamos as interpretações dos alunos. A noção de diálogo a que me refiro deve conservar-se aberta à pluralidade das vozes. É apenas neste horizonte que uma tal proximidade pode ser conquistada. E isto é fundamental, pois é no espaço da proximidade que o diálogo se eleva e, ao elevar-se, ele provoca, genuinamente, o dizer apropriador do aprender. Aqui, a experiência da leitura ilustra um pouco desse processo de diálogo. Isto é: ler não é aprender pela palavra. Ler é evocar pela leitura. Ler é trazer à proximidade aquilo que toa na evocação do que se lê. Ler, nesta perspectiva, é muito mais do que dominar o léxico de uma língua. Ler é atribuir mundo. Portanto, ler também é nomear mundo.

Mas (para reter-me um pouco sobre isso) o quê significa nomear? Nomear não é atribuir palavras. Nomear é evocar no sentido latino em que a palavra evoco-are significa chamar. Assim, nomear é chamar para o entorno da palavra. Nomear é, portanto, aproximar o que toa quando se evoca. No entanto, esta aproximação não cria o que se evoca no gesto da nomeação. Esta aproximação que se mostra na evocação apenas convoca e traz para perto da palavra a vigência e o vigor daquilo que se recolhe na ausência. É, pois, nesta convocação que a evocação provoca aquilo que se evoca. Mas em que sentido se dá essa provocação? No sentido de trazer para perto o que se recolhe na distância que vigora na ausência. Assim, provocar é chamar, reivindicar para a proximidade, é retirar da distância aquilo que se evoca de uma ausência para o descobrimento de um aparecer. Pensemos assim: ao dizer, vamos ver o Sol, eu os levo, imediatamente, para debaixo do Céu. Por quê? Porque a performatividade da linguagem une o ato de dizer ao ato de fazer. Com base no segundo Wittgenstein, esta foi a tese apresentada por Austin (1990AUSTIN, John Langshaw. Quando dizer é fazer. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.) na conhecida obra Quando dizer é fazer. Para ele, o dizer produz sua ação. Neste sentido, Berticelli (2004BERTICELLI, Ireno Antônio. A Origem Normativa da Prática Educacional na Linguagem. Ijuí: Editora Ijuí, 2004.) fez um avanço importante diante da questão ao reconhecer que é justamente aí que reside a normatividade da linguagem. Para ele, não há precedência em relação ao dizer por que a própria intenção do falante é linguisticidade. Assim, ao nomear eu evoco, e ao evocar eu convoco as coisas para perto daquilo que a palavra reúne. Estas coisas reunidas acerca da palavra são o que caracterizam o nomear. Desta forma, nomear não é dar nome às coisas, mas evocar, reunir, trazer, convocar, provocar, convidar aquilo que vigora numa ausência para o descobrimento de um aparecer que se mostra no acontecimento de uma presença. Por isso, ler é evocar. Ao mesmo tempo, ler é colher daquilo que se evoca. No entanto, a palavra não se introduz na língua pela nomeação. Ela se introduz por conta própria. É, pois, justamente, na presença que o nomear provoca que as coisas são evocadas em seu fazer-se. E nesta evocação é que, também, desabrocha o modo de ser da coisa.

Por conseguinte, Heidegger (2003HEIDEGGER, Martin. A Caminho da Linguagem. Petrópolis: Vozes, 2003. ) nos dirá que, fazendo-se coisa, as coisas des-dobram o mundo e, sendo sua própria duração, perduram no mundo. Ao perdurar, as coisas dão, segundo Heidegger, suporte a um mundo. Como? Sendo gesto do mundo. Vale, no entanto, lembrar que suportar quer dizer: ter sobre si, aguentar. Então, aquele que suporta é aquele que porta e transportar aquilo que tem sobre si. Desta forma, se a coisa suporta um mundo, então nomear não significa apenas evocar coisas. Nomear é atribuir mundo. Seguindo esta perspectiva, Heidegger (2003) nos mostra que a mesma evocação que nomeia as coisas, também chama-provoca a saga do dizer que nomeia o mundo. Nesse sentido, o dizer é que entrega o mundo à coisa e que dá para a coisa morada no mundo. Mas o quê confere à coisa e ao mundo seus modos de ser? A linguagem, pois seus modos de ser são operados pela linguisticidade presente na historicidade da compreensão. Ocorre, pois, que a linguagem fala e no falar da linguagem as coisas são evocadas para o início de uma saga que se revela no dizer. Desta forma, é na saga do dizer que coisa e mundo recebem seus modos de ser.

Não obstante, vale dizer que uma coisa é tudo aquilo que, de alguma maneira, é. E mundo é o gesto das coisas e o lugar em que as coisas se estruturam. Portanto, aqui, a palavra mundo deixa de ter um sentido metafísico porque não busca representar o universo, a história, a natureza ou, então, determinar a totalidade da existência em um único sorvo de entendimento. Não há no conceito de mundo aqui exposto aquela pretensão idealizada pelo materialismo iluminista, de uma história unitária, portanto, universal3 3 Sobre isso, ver Gianni Vattimo em: Adiós a la verdad. Barcelona: Gedisa, 2010. . O mundo que há é o mundo presente na pluralidade da linguagem. Mas se o tomamos neste sentido, onde é então que mundo e coisa se encontram? Onde é que seus modos de ser entram em fusão? Bem, essas questões por si mesmas nos indicam um caminho na medida em que pressupõem a existência de um lugar em que mundo e coisa se encontram e de um lugar sobre o qual colocam em fusão seus modos de ser. Dessa forma, essas questões nos indicam a existência de um lugar entre mundo e coisa. Portanto, é nesse entre que mundo e coisa se encontram. O entre é o lugar. E como se sabe, entre é o lugar que está no meio de dois. Vale lembrar que a palavra entre vem do latim inter. In é um prefixo latino que indica um movimento para dentro, para o inter-ior. Assim, o entre não é um lugar que apenas distingue as partes das quais é meio. Entre é um lugar em que as partes também se reúnem e, em seu inter, se entrelaçam. Portanto, a existência de um entre indica um lugar de intimidade entre mundo e coisa.

Mas onde é que vigora esta intimidade? Para Heidegger (2003HEIDEGGER, Martin. A Caminho da Linguagem. Petrópolis: Vozes, 2003. ), a intimidade mundo-coisa vigora, justamente, na diferença que o entre recolhe. Recolhida na intimidade do entre, a diferença reúne mundo e coisa. Na perspectiva heideggeriana, pode-se dizer que, ao reuni-los, a diferença tanto dá suporte ao fazer-se do mundo quanto ao fazer-se das coisas. Seguindo essa mesma perspectiva, podemos dizer que a diferença recolhida no entre é que entrega para mundo e coisa seus modos de ser. Assim sendo, fica claro que, na forma como está aqui concebida, a palavra diferença não indica diferenciação, tanto menos é forma de representar uma relação. Diferença é meio. Para utilizar termos de Heidegger (2003), a diferença é meio que apropria as coisas no gesto de mundo e que, também, apropria mundo concedendo coisas. Portanto, o entre chama mundo e coisa para o meio de sua intimidade. Em outras palavras, a diferença não é anterior ou posterior ao mundo e a coisa. A diferença vigora no acontecer de mundo e coisa. Ela recolhe e sustenta o meio em que mundo e coisa se entrelaçam. Ela não é aquilo que sustenta o mundo. O que a diferença faz é sustentar um lugar, um meio, sobre o qual mundo e coisa se acomodam. Assim “A claridade pura do mundo e o brilho simples das coisas dimensionam no seu entre, a diferença” (Heidegger, 2003, p. 22, grifo meu).

Neste sentido, a diferença evoca-chama mundo e coisa para o meio de uma intimidade e, ao fazer isso, ela acomoda o fazer-se das coisas no fazer-se do mundo. Em outras palavras: a diferença aquieta as coisas no mundo. Aquietar quer dizer acomodar as coisas de modo que elas possam, em seus gestos, resguardar o mundo. Dessa forma, ao aquietar, a diferença não apenas repousa as coisas nos braços do mundo, como faz repousar o mundo no bastar-se das coisas. Dito de outra maneira, as coisas repousam no mundo e o mundo se basta nas coisas. É nesse par de movimentos que se dá o aquietar da quietude. E quietude não significa aquilo que não soa. Não soar é apenas a ausência de um movimento de entoação. E essa ausência não deve ser assumida como um espaço vazio. O aluno surdo não soa entoando, mas algo soa na ausência do seu toar. Portanto, a quietude que vigora na ausência de entoação não é um espaço vazio, mas sim, um espaço de acontecimento. Esse é o meio em que se aquieta o fazer-se mundo do mundo e o fazer-se coisa das coisas. Mergulhados, assim, em tal quietude é que mundo e coisa resguardam a diferença. E quietos, portanto, em seus modos de ser, mundo e coisa se aquietam na intimidade que a diferença convoca. É precisamente aqui, na quietude desse aquietar, que se dá um soar. Não se entenderá o sentido desse soar se pensarmos que soar é produzir um som. Algo soa no silêncio. E esse soar só ocorre na quietude que o silêncio recolhe. Há um soar que só o silêncio produz. Há um soar que não se dá fora do silêncio. Em outros termos, do silêncio vem um dizer que só soa enquanto coisa não dita. Assim, a diferença chama aquilo que soa na quietude. A diferença evoca em seu chamar recolhedor. É, justamente, aí que a linguagem fala. Ela fala “[...] quando o chamado da diferença evoca e convoca mundo e coisa para a simplicidade de sua intimidade” (Heidegger, 2003HEIDEGGER, Martin. A Caminho da Linguagem. Petrópolis: Vozes, 2003. , p. 24).

Posto isso, é possível dizer que a fala da linguagem acontece na consonância da quietude. E isto ocorre porque a linguagem apropria-se da diferença para seu acontecer. Mas como o homem pode se apropriar da fala da linguagem se ela acontece na quietude? Uma vez que o homem pertence a essa consonância, é na fala da linguagem que ele alcança tal apropriação. A apropriação do homem se dá no falar da linguagem e não ao contrário. O homem é capaz de produzir ruídos, ou seja: ele é capaz de falar entoando sons por meio de palavras. Por isso, através da articulação da palavra, a fala do homem traz da quietude a fala da linguagem para seu acontecimento. Assim, “[...] a fala da linguagem projeta a palavra do homem no mundo, e o mundo, por sua vez, reflete-se na linguisticidade da palavra” (Sichelero, 2019SICHELERO, Junior Jonas. Linguagem, Hermenêutica e Educação. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 24, abr. 2019. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-24782019000100206&lng=en&nrm=iso >. Acesso em: 18 fev. 2020.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, p. 5).

Diante disso, a palavra do homem rompe o silêncio da quietude e com esse rompimento a quietude, então, soa em palavras. É, pois, no rompimento da quietude que, também, nasce o discurso. O discurso do homem entoa palavras, rompe a quietude e chama a diferença que a linguagem apropria em seu acontecer. É na diferença que a fala da linguagem apropria a fala do homem. Da diferença é que o homem recolhe suas palavras. É, também, por meio da diferença que o homem corresponde à linguagem. Aliás: “O homem fala à medida que corresponde à linguagem” (Heidegger, 2003HEIDEGGER, Martin. A Caminho da Linguagem. Petrópolis: Vozes, 2003. , p. 26). Vale lembrar que, para Heidegger, corresponder é escutar. Mas como escutar a fala da linguagem? Correspondendo ao chamado da diferença. Mas quê caminho isso pode nos indicar? O caminho da linguagem. Mas a fala da linguagem não deveria nos colocar diante da linguagem ela mesma? Não. A fala da linguagem que se mostra na correspondência da diferença apenas indica o caminho para a linguagem. Nessa indicação que a fala produz é que, em acordo com Heidegger (2003), podemos nos aproximar da possibilidade de trazer a linguagem como linguagem para a linguagem.

Mas para isso, é preciso prestar atenção ao que, de um modo ou de outro, está falando em sua fala (a da linguagem). No entanto, mesmo que aquele que fala vigore em seu falar e que a fala pertença àquele que está falando, aquilo que está falando na fala do falante não o pertence propriamente. Por quê? Porque aquilo que fala na fala não pertence ao falar do falante. A fala enquanto aquilo que, de diferentes formas, se pronuncia por um falante é o âmbito residual daquilo que o falante diz. O que está falando na fala não é pronunciado, expressamente, pela fala do falante. A fala apenas sustenta e convoca o que está falando para o interior do dizer. Quando o professor fala que a primavera está chegando ao fim ele anuncia, através do que não se fala, o início do verão4 4 Em outros termos, o aluno aprende, muitas vezes, aquilo que o professor inicialmente não pretendia ensinar. E isto ocorre sem que o próprio professor perceba tal deslocamento. Aliás, o aluno aprende, muitas vezes, aquilo que pode ser exatamente oposto ao que o professor acredita estar ensinando. Aqui emerge uma questão problemática no campo da educação que é o debate acerca dos processos de avaliação, pois se os aprendizados acontecem no plano singular do aprender, como podemos, nós professores, avaliar o mérito deste aprender? Eis, talvez, aqui um grotesco apressamento pedagógico que recai sobre o velho dilema da avaliação. (e um sem fim de coisas que a performatividade da linguagem suscita. A impressão que isso nos oferece é de que aquilo que se fala parece estar separado daquele que fala. Diante disso, mesmo que, em geral, os alunos se atenham à fala do professor é à fala do que não é falado que os orienta na compreensão sobre o que o professor diz. Assim, aquilo que o professor ensina sobre uma matéria fala de diferentes formas por meio daquilo que ele, propriamente, não diz. Aquilo que a fala do professor diz está descolado do falar enquanto pronúncia. A mecânica da pronúncia apenas convoca e reúne através do som nomeador da palavra.

Portanto, quem fala não é apenas a palavra entoada pelo falante. Quem fala em uma fala é, também e paradoxalmente, aquilo que não se deixa falar. Em outras palavras, aquilo que fica impronunciado no falar também é o que dá sentido ao que se fala propriamente. Sem essa correspondência não haveria sentido algum naquilo que se diz. Ou seja: aquilo que não se deixa falar faz parte do discurso presente naquilo que se fala. Dessa forma, aquilo que não se deixa dizer só existe enquanto coisa não dita. Consoante a isso, aquilo que fala em uma fala não pertence ao homem, mas ao universo próprio da linguagem. É aí que vigora a linguagem: na articulação dos que falam com sua fala e daquilo que aí, nessa fala, não se fala. É preciso, no entanto, olharmos com cuidado para o sentido que, aqui, carrega consigo aquilo que se fala do falar. Se não prestarmos atenção ao que está falando naquilo que aqui se fala, também não daremos conta de fazer, ao menos uma única vez, uma experiência pensante com a linguagem da linguagem em educação. Muito embora as definições fonéticas-sonoras-mecânicas da linguagem sejam corretas, elas não nos propiciam uma experiência educativa da consonância daquilo que soa na quietude. Tanto menos elas nos possibilitam uma correspondência entre a proveniência da quietude e o que significa soar.

Assim, além da linguagem ser reduzida ao campo daquilo que soa toando, o educar acaba sufocado por um imenso palavrório que, pretensiosamente, parece portar os limites daquilo que uma fala diz. Ignora-se que na quietude também se acomoda um modo de saber proveniente daquilo que não se deixa falar. E ao ignorar aquele soar que a palavra não suporta ignora-se, também, o suporte para um novo educar. E aqui a palavra novo não adjetiva algo, necessariamente, melhor. A palavra novo acena para uma experiência educativa que, mesmo não submetendo-se à inflação avaliativa ou aos cordames metodológicos da didática e das pedagogias tradicionais, é parte sim do processo educativo. Trata-se, portanto, de uma experiência onde “[...] a fala e o que se fala já se mostram como aquilo através do que e em que algo vem à linguagem, isto é, algo vem a aparecer à medida que algo se diz” (Heidegger, 2003HEIDEGGER, Martin. A Caminho da Linguagem. Petrópolis: Vozes, 2003. , p. 201, ênfase no original).

A importância educativa dessa colocação é flagrante na medida em que nos indica uma leve, se bem marcante, diferença entre falar e dizer. Essa diferença ilustra-se naquelas ocasiões em que alguém fala e, por horas falando, acabe sem dizer nada. No entanto, essa diferença também pode ser constatada, de maneira inversa, naquela ocasião em que, mesmo sem falar nada, o aluno diz muito. Mas o quê significa dizer? Tendo como fio condutor a hermenêutica filosófica, é possível sustentar que, a saga do dizer significa mostrar. Tudo que fala numa fala, fala mostrando. A obra de arte, por exemplo, fala mostrando. Ela mostra quando dá sua notícia ao espectador. E sua notícia sempre se mostra de diferentes maneiras porque seu mostrar é sempre histórico. Daí entende-se que em tudo vigora um mostrar que vela e se desvela na saga mostrante de um dizer. Quando educando e educador falam um com o outro eles participam de um processo no qual mostram coisas um para o outro. No dizer eles oferecem ao outro o que emerge do conversar e, nesse conversar, inauguram um saber que se mostra no interpretar. É, pois, exatamente dessa apropriação interpretativa de um saber, que eclode o genuíno acontecimento de um dizer. Aqui é fundamental aclarar que o caráter genuíno deste acontecimento não descarta as imagens de pensamento, para assim escamotear uma expressão de Deleuze (2018DELEUZE, Gilles. Diferença e Repetição. São Paulo: Paz e Terra, 2018.), mas apenas conserva o sentido particular daquele que inaugura em seu dizer algo que ainda não fazia parte de seu repertório, seja como criação ou repetição. Aquele que aprende a andar de bicicleta vive, na primeira vez que anda, um uma experiência genuína. O mesmo não ocorre com o aluno que, pela primeira vez, escreve uma palavra qualquer? Algo de genuíno ocorre para ambos. Portanto, aprender genuinamente refere-se àquele aprendizado que, muito embora seja conduzido pelo professor, só acontece no plano privado de uma singularidade que, inclusive, não pode ser mensurada.

Assim, o acontecimento apropriador de um aprender reúne aquilo que se articula na saga mostrante de um dizer. Isso é fundamental, pois a apropriação de um saber só ocorre na efetiva emergência do aprender. Contudo, há que se ter cuidado para não confundir saber com aprender. Saber e aprender são como que dois lados de um mesmo sulco, porém, em meio a eles há um rasgo lógico que lhes atribui lugares diferentes dentro da mesma envergadura. Ou seja: saber não quer dizer aprender. Só chega ao saber aquele que primeiro compreende aquilo que aprende. Aliás, só aprende aquele que, antes, compreende. Primeiro o aluno compreende e compreendendo é que ele aprende. Vale ressaltar que, aqui, não há espaço para uma leitura puramente abstracionista do aprendizado, muito embora a distância que aqui mantenho do representacionismo assim o faça parecer. De qualquer forma, um exemplo razoável (e divertido) para ilustrar esta noção está na vivência, já mencionada anteriormente, daqueles que se aventuram a andar de bicicleta pela primeira vez. Ou seja: só aprende a andar de bicicleta aquele que antes compreende os signos do equilíbrio. É só assim que o andar, aqui, se torna um aprendizado possível. E seria isto algo abstracionista? Parece-me que não, pois aí há uma dinâmica de compreensão sobre a qual se instaura materialmente um saber. A própria experiência educativa nos mostra que quando o aluno compreende um conteúdo ele, imediatamente, passa a demostrar significativas mudanças no aprendizado. Diante disso é possível dizer que só alcança o saber aquele que aprende a compreender. Assim, diferente da noção que às pedagogias histórico-críticas construíram de que o aluno aprende para saber compreender o mundo, aqui há um desenho completamente diferente.

Diante disso, há que se observar que nem sempre o genuíno acontecimento de um dizer se revela naquilo que se deixa mostrar, por exemplo, em uma avaliação ou mesmo em um relato. Ele pode se resguardar como indício de algo que se vela naquilo que não se deixa falar. Isso vai de encontro aos nossos hábitos representacionistas que buscam o sentido e avaliam o resultado do processo educativo, exclusivamente, na estrutura daquilo que o aluno verbaliza. Desconsidera-se que aquilo que o aluno não verbaliza resguarda o caráter original de algo que ainda não se deixou mostrar. Subestima-se, portanto, a possibilidade de um aprender originário presente no a ser conhecido que as coisas não ditas conservam. São também nas coisas não ditas que estão apoiadas as vigas de um dizer. Aquilo que não se deixou verbalizar é o que, por muito tempo, garantiu a possibilidade de que o homem continuasse falando. Se na verbalização de sua fala o homem atingisse a plenitude do que diz e nada deixasse inobservado na envergadura de seu dizer, de há muito o diálogo homem-mundo teria malogrado.

Dessa forma, frente a enorme inflação avaliativa que se atravessa na esfera educacional e da frenética mensuração dos aprendizados através da pura objetificação e objetivação dos saberes, acabamos deixando encoberto o vigor da linguagem e evitamos o diálogo que se mostra na saga do dizer. A saga do dizer reúne no vigor da linguagem aquilo que na fala ainda não foi considerado. E repousando sobre a saga do dizer é que a linguagem vigora e, em seu vigorar, ela perdura mostrando. Por isso que “[...] o vigor da linguagem é a saga do dizer enquanto o mostrante” (Heidegger, 2003HEIDEGGER, Martin. A Caminho da Linguagem. Petrópolis: Vozes, 2003. , p. 2003, ênfase no original). Um pouco diferente da concepção pragmática que vem de Peirce, aqui, não há um signo que sustenta aquilo que a linguagem mostra, pois para Heidegger, aquilo que a linguagem mostra é que sustenta os signos. Contudo, quer seja na pragmática peirceana, quer seja na hermenêutica heideggeriana, não podemos dizer que esse mostrar é o efeito da ação do homem no sentido de que não é o homem que mostra, mas o signo (para Peirce) e a linguagem (para Heidegger). No entanto, em contraste com a posição peircena, entendo que o signo apenas mostra como uma correspondência de linguagem. E mesmo na ocasião em que esse mostrar se dá por meio da fala do signo, aquilo que aí se mostra está, invariavelmente, precedido de um deixar-se mostrar que vigora na linguagem. O signo fala a linguagem da linguagem a partir da linguagem. E isso só é possível porque, segundo Heidegger (2003), desde sempre pertencemos à linguagem. Sua fala persegue a saga do dizer para ali se mostrar. Podemos dizer, então, que a linguagem fala mostrando. E ela fala na medida em que mostra desde si mesma. “Nesse sentido, escutamos a linguagem deixando que ela nos diga a sua saga” (Heidegger, 2003, p. 203). E independente do modo em que se dá essa escuta, o que escutamos é um dizer que sempre acompanha o nosso escutar. A nossa fala persegue o dizer que aí escutamos. Portanto, fala é escuta de linguagem. Em outros termos, falamos escutando a linguagem como aqueles que a sua saga pertencem.

Considerações Finais

Com base naquilo que expus até aqui, é possível considerar que a saga do dizer é que garante e propicia ao homem a capacidade de falar. Do que se entende, então, que a fala humana apropria-se naquilo que a saga do dizer concede ao nosso escutar. E como escuta de linguagem é que a fala do homem se edifica. Assim, a fala do homem é uma correspondência de linguagem que a ele é entregue pela saga do dizer. Diante deste entendimento, o homem é uma promessa de linguagem. Entrementes, o próprio da linguagem é que determina o acontecimento apropriador do aprender. Contudo, não visualizamos, ao menos com a clareza que desejamos, o vigor da linguagem porque é correspondendo a ela que pertencemos a sua saga. Posto isso, o vigor da linguagem coloca o homem no caminho apropriador de um mútuo pertencer. Isso não apenas no sentido de que o homem pertence mutuamente ao que apropria, mas também no sentido de que só apropria correspondendo à linguagem como seu pertencente. Portanto, o dizer enquanto saga envia a fala da linguagem à fala do homem como recomendação sonora daquilo que, na escuta de uma saga, concede ao homem a verbalização das palavras. E esta verbalização pode se dar também ao modo que os surdos verbalizam ou ao modo estético de que se vale a arte. Nesse sentido, mostrando-se na saga do dizer a fala da linguagem repousa, então, no acontecimento apropriador do aprender. O acontecimento apropriador traz, por sua vez, o que se esconde encoberto (no interior do que lhe é próprio) para o descobrimento de um aparecer. Assim, o brilho do saber que se mostra neste aparecer não se entrega a enunciação daquela noção moderna que temos sobre o quê significa aprender. O saber que reluz como descoberta de um aparecer permanece, aqui, entregue a saga mostrante e apropriadora do dizer.

Daí resta que, para fazermos uma experiência pensante com a linguagem em educação, precisamos de uma radical transformação na relação que com ela estabelecemos. E isso implica, inclusive, uma ressignificação muito radical das noções que temos sobre avaliação, pois se aprender é movimento e singularidade, há experiências que aí não podem ser objetivadas. E mesmo que seja impossível o acesso a tais singularidades, porque elas constituem o mundo subjetivo de cada um, a educação age como se isto fosse francamente possível. Aqui, no entanto, a linguagem nos oferece uma saída. Ou seja: se os professores têm a impressão de que todos os alunos assistiram a mesma aula, é apenas porque a linguagem produziu ajustes e acordos de entendimento, pois na verdade, nenhum aluno vê a aula da mesma maneira. Portanto, uma transformação no entendimento do que a linguagem significa para nós educadores, pode evitar que nossos hábitos pedagógicos destruam o mundo comum que a linguagem constrói. No entanto, tal transformação não deve ser assumida em seu cunho puramente psicológico e muito menos no horizonte de um apelo epistemológico, mas, isto sim, em seu cunho ético-estético. Por isso, mesmo que desde sempre à linguagem pertençamos como homens de sua morada, entendo que esta transformação deve ser determinada no modo como nos deixamos pertencer ao seu acontecimento apropriador. E isto implica, ademais, a tomada de uma atitude hermenêutica que passa pelo reconhecimento da normatividade que a linguagem exerce nos processos pedagógicos. E se aí se mostra o entendimento de que a instauração de sentido em educação tem na linguagem seu lugar material, então, esta também é uma atitude de reconhecimento de que aí as experiências são finitas. Aqui está uma noção antípoda a qualquer fundamentação que não reconheça a linguagem como base intransponível da experiência do ser da educação. Talvez esta noção propicie, no âmbito das práticas pedagógicas, uma experiência educativa que, por hora, as concepções clássicas da linguagem não conseguem fornecer. E se, de alguma maneira, este texto contribuiu para isso, terá, então, cumprido com seu objetivo. Objetivo, aliás, que não foi ver nem demostrar, mas tão somente interpretar a linguagem como um acontecimento decisivo no processo de instauração de sentido em educação.

Referências

  • AUSTIN, John Langshaw. Quando dizer é fazer. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.
  • AZEVEDO, Maria Nizete De; ABIB, Maria Lúcia Vital Dos Santos. O Arco-Íris em Foco: a linguagem como mediação do ensino e da aprendizagem sobre conhecimentos físicos. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 23, edição 230002, dez. 2017. Disponível em: <Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/s1413-24782018230002 >. Acesso em: jun. 2019.
    » http://dx.doi.org/10.1590/s1413-24782018230002
  • BERTICELLI, Ireno Antônio. A Origem Normativa da Prática Educacional na Linguagem. Ijuí: Editora Ijuí, 2004.
  • BERTICELLI, Ireno Antônio; SCHIAVINI, Daniela Paula. Significados da Pragmática Linguística na Formação de Leitores. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 38, n. 2, p. 571-586, jun. 2013. Disponível em: <Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S2175-62362013000200013 >. Acessos em: 26 jun. 2019.
    » http://dx.doi.org/10.1590/S2175-62362013000200013
  • DELEUZE, Gilles. Diferença e Repetição. São Paulo: Paz e Terra, 2018.
  • EHRENBERG, Mônica Caldas. A Linguagem da Cultura Corporal Sob o Olhar de Professores da Educação Infantil. Pro-Posições, Campinas, v. 25, n. 1, p. 181-198, abr. 2014. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-73072014000100010&lng=en&nrm=iso >. Accesso em: 25 jun. 2019.
    » http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-73072014000100010&lng=en&nrm=iso
  • FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas. São Paulo: Martins fontes, 2000.
  • GONTIJO, Cláudia Maria Mendes; CAMPOS, Dulcinéa. Bases Nacionais para o Ensino da Leitura e da Linguagem na Escola Primária (1949). Revista Brasileira de Educação , Rio de Janeiro, v. 19, n. 57, p. 307-328, jun. 2014. Disponível em: <Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-24782014000200003 >. Acesso em: 25 jun. 2019.
    » http://dx.doi.org/10.1590/S1413-24782014000200003
  • HEIDEGGER, Martin. A Caminho da Linguagem. Petrópolis: Vozes, 2003.
  • MARTINS, Vanessa Regina de Oliveira; ALBRES, Neiva de Aquino; SOUSA, Wilma Pastor de Andrade. Contribuições da Educação Infantil e do Brincar na Aquisição de Linguagem por Crianças Surdas. Pro-Posições , Campinas, v. 26, n. 3, p. 103-124, dez. 2015. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-73072015000300103&lng=en&nrm=iso >. Accesso em: 25 jun. 2019.
    » http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-73072015000300103&lng=en&nrm=iso
  • NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Humano, Demasiado Humano: um livro para espíritos livres. São Paulo: Companhia Das Letras, 2000.
  • SAVIANI, Dermeval; DUARTE, Newton. A Formação Humana na Perspectiva Histórico-Ontológica. Revista Brasileira de Educação , Rio de Janeiro, v. 15, n. 45, p. 422-433, dez. 2010. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-24782010000300002&lng=pt&nrm=iso >. Acesso em: 25 jun. 2019.
    » http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-24782010000300002&lng=pt&nrm=iso
  • SICHELERO, Junior Jonas. Linguagem, Hermenêutica e Educação. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 24, abr. 2019. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-24782019000100206&lng=en&nrm=iso >. Acesso em: 18 fev. 2020.
    » http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-24782019000100206&lng=en&nrm=iso
  • TONELLI, Juliana Reichert Assunção. As Capacidades de Linguagem de um Aluno ‘Disléxico’ Aprendiz de Inglês. Revista Brasileira de Educação , Rio de Janeiro, v. 22, n. 68, p. 81-99, mar. 2017. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-24782017000100081&lng=pt&nrm=iso >. Acesso em: 25 jun. 2019.
    » http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-24782017000100081&lng=pt&nrm=iso

Notas

  • 1
    Saviani e Duarte (2010SAVIANI, Dermeval; DUARTE, Newton. A Formação Humana na Perspectiva Histórico-Ontológica. Revista Brasileira de Educação , Rio de Janeiro, v. 15, n. 45, p. 422-433, dez. 2010. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-24782010000300002&lng=pt&nrm=iso >. Acesso em: 25 jun. 2019.
    http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
    ), Gontijo e Campos (2014GONTIJO, Cláudia Maria Mendes; CAMPOS, Dulcinéa. Bases Nacionais para o Ensino da Leitura e da Linguagem na Escola Primária (1949). Revista Brasileira de Educação , Rio de Janeiro, v. 19, n. 57, p. 307-328, jun. 2014. Disponível em: <Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-24782014000200003 >. Acesso em: 25 jun. 2019.
    http://dx.doi.org/10.1590/S1413-24782014...
    ), Ehrenber (2014EHRENBERG, Mônica Caldas. A Linguagem da Cultura Corporal Sob o Olhar de Professores da Educação Infantil. Pro-Posições, Campinas, v. 25, n. 1, p. 181-198, abr. 2014. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-73072014000100010&lng=en&nrm=iso >. Accesso em: 25 jun. 2019.
    http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
    ), Martins, Alves e Sousa (2015MARTINS, Vanessa Regina de Oliveira; ALBRES, Neiva de Aquino; SOUSA, Wilma Pastor de Andrade. Contribuições da Educação Infantil e do Brincar na Aquisição de Linguagem por Crianças Surdas. Pro-Posições , Campinas, v. 26, n. 3, p. 103-124, dez. 2015. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-73072015000300103&lng=en&nrm=iso >. Accesso em: 25 jun. 2019.
    http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
    ), Tonelli (2017TONELLI, Juliana Reichert Assunção. As Capacidades de Linguagem de um Aluno ‘Disléxico’ Aprendiz de Inglês. Revista Brasileira de Educação , Rio de Janeiro, v. 22, n. 68, p. 81-99, mar. 2017. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-24782017000100081&lng=pt&nrm=iso >. Acesso em: 25 jun. 2019.
    http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
    ) e Azevedo e Abib (2018AZEVEDO, Maria Nizete De; ABIB, Maria Lúcia Vital Dos Santos. O Arco-Íris em Foco: a linguagem como mediação do ensino e da aprendizagem sobre conhecimentos físicos. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 23, edição 230002, dez. 2017. Disponível em: <Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/s1413-24782018230002 >. Acesso em: jun. 2019.
    http://dx.doi.org/10.1590/s1413-24782018...
    ), apenas para citar alguns.
  • 2
    Como é o caso de Richard Rorty, Ferdinand de Saussure e Michael Foucault, para não citar outros.
  • 3
    Sobre isso, ver Gianni Vattimo em: Adiós a la verdad. Barcelona: Gedisa, 2010.
  • 4
    Em outros termos, o aluno aprende, muitas vezes, aquilo que o professor inicialmente não pretendia ensinar. E isto ocorre sem que o próprio professor perceba tal deslocamento. Aliás, o aluno aprende, muitas vezes, aquilo que pode ser exatamente oposto ao que o professor acredita estar ensinando. Aqui emerge uma questão problemática no campo da educação que é o debate acerca dos processos de avaliação, pois se os aprendizados acontecem no plano singular do aprender, como podemos, nós professores, avaliar o mérito deste aprender? Eis, talvez, aqui um grotesco apressamento pedagógico que recai sobre o velho dilema da avaliação.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    03 Jul 2019
  • Aceito
    26 Mar 2020
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Faculdade de Educação Avenida Paulo Gama, s/n, Faculdade de Educação - Prédio 12201 - Sala 914, 90046-900 Porto Alegre/RS – Brasil, Tel.: (55 51) 3308-3268, Fax: (55 51) 3308-3985 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: educreal@ufrgs.br