Arquitetura escolar: diálogos entre o global, o nacional e o regional na história da educação

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Resumo

ARQUITETURA ESCOLAR: DIÁLOGOS ENTRE O GLOBAL, O NACIONAL E O REGIONAL NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

            O ano de 2018 marcou duas décadas da publicação no Brasil da obra organizada por Antonio Viñao Frago e Agustín Benito Escolano, intitulada “Currículo, Espaço e Subjetividade: arquitetura escolar como programa” (1998)[1]. Considerada na época a “caixa preta” dos estudos na área de história da educação, o espaço e a arquitetura escolar tem sido explorados em diversas pesquisas estudos no país, exercitando uma importante interlocução entre história, educação e arquitetura[2].

Revisitando a importância desta publicação, que teve sua segunda edição em 2001, este dossiê propõe dialogar sobre a arquitetura escolar em perspectiva global, nacional e regional, enfatizando o momento de configuração e de consolidação das redes de ensino primária em diferentes países e a constituição da escola como uma instituição independente das demais, o que lhe configurou uma identidade própria. Nesta conjuntura, consideramos a concepção funcional e simbólica que a arquitetura escolar incorporou, tanto nos meios urbanos como nos rurais, acompanhando as demandas pedagógicas, as questões higiênicas, assim como os discursos em torno da formação do cidadão através da escola. 

A historiografia da arquitetura escolar brasileira nos últimos anos expressa nos diferenciados temas e tópicos abordados, a sua importância para o campo da História da Educação. É evidente que algumas lacunas necessitam ser melhor investigadas, tanto do ponto de vista dos recortes temporais como de novas prospecções temáticas. E,  no intuito de visibilizar a trama discursiva e as ações que permeiam essas diferentes dimensões, consideramos, por um lado, a circulação das ideias pedagógicas no âmbito internacional e, por outro, as particularidades nacionais e regionais. Para tanto, objetivamos nesta proposta refletir sobre a arquitetura destinada para a escola primária em diferentes espaços geográficos, entre as últimas décadas do século XIX e primeiras décadas do XX, valendo-se de diferentes pressupostos teóricos-metodológicos.

Nesta perspectiva, consideramos relevante a discussão acerca da transposição de modelos internacionais, os discursos contrastantes, os projetos, as materialidades, as incorporações simbólicas, assim como as representações e a construção visual dos edifícios escolares no traçado urbano e, também, de sua configuração enquanto elemento considerado essencial para a melhoria e/ou qualidade das atividades de ensino e aprendizagem. Ainda, consideramos importante analisar a atuação dos intelectuais e diferentes profissionais, sobretudo médicos, pedagogos, engenheiros e arquitetos na elaboração de discursos e modelos em torno do espaço escolar idealizado, projetado e construído para infância moderna.

Os artigos que integram esse dossiê trazem experiências de seis países, sendo eles: Itália, Luxemburgo e Suíça, da Europa; Argentina, Brasil e México, da América Latina. O estudo de Marianne Helfenberger e Catherina Schreiber apresenta a discussão em torno da construção do cidadão através dos edifícios escolares em uma conjuntura multilingual, analisando os casos de Luxemburgo e Suíça. As autoras problematizam a importância destes espaços no âmbito nacional e local, convertendo-se em agentes de planificação social e tensionando aspectos da arquitetura escolar no processo de unificação e diferenciação dos indivíduos.

Analisando o caso da Itália, Valéria Viola retrata os discursos nacionalistas direcionados para a construção dos espaços escolares pelo regime facista, delineando sua fisionomia através do estudo de diferentes fontes arquivísticas e impressas. A autora identifica um lento processo de instalações e de desenvolvimento dos edifícios escolares, entre os anos 1909 e 1939, destacando a figura ministerial de Giuseppe Bottai e a importância do Regulamento de 1939, que desvincula a ideia de edifício escolar de qualquer tipo de adaptação. Além disso, o mesmo Regulamento expressa as indicações para construções de escolas rurais, compreendidas como elemento fundamental de construção da civilização facista.

Em sua pesquisa sobre o México, Carlos Ibarra analisa as mudanças empreendidas pela Reforma Constitucionalista na Cidade do México, entre os anos de 1914 e 1917, valendo-se do movimento de desenvolvimento da educação e a expansão da rede de ensino para as camadas populares. O autor evidencia o movimento de construção dos edifícios escolares de acordo com as necessidades funcionais e higiênicas, problematizando a descentralização educativa do Estado e a perspectiva local, através do empoderamento dos municípios e a coação dos proprietários agrícolas, industriais e de mineração para o estabelecimento escolas em suas respectivas jurisdições.

O estudo desenvolvido por Nicolás Arata nos remonta ao momento da inauguração de um conjunto de 54 edifícios escolares, na cidade de Buenos Aires/Argentina, entre os anos de 1884 e 1886. O autor analisa o movimento de expansão e redefinição dos espaços escolares inserido em um processo de reformas sociais em um sentido mais amplo, e, entre palavras e ações, as insígnas deste evento inaugural, destacando os discursos, os rituais e a repercussão deste empreendimento na imprensa.

A pesquisa dos organizadores deste dossiê remete ao caso do Brasil, mais especificamente, sobre a arquitetura escolar de duas capitais do sul do país, as cidades de Curitiba/PR e de Porto Alegre/RS, analisando o processo de implementação da escola graduada e suas relações com o traçado urbano. Valendo-se de um exercício reflexivo comparativo, os autores consideraram o estabelecimento de relações entre o interior e o exterior, reconstruindo o significado da arquitetura escolar, nessas duas cidades, e sua representação para o cenário da construção de escolas no Brasil, nos primeiros decênios do século XX.

As investigações sobre arquitetura escolar acima apresentadas desvelam conjunturas históricas que propulsionaram discursos e ações em torno dos espaços escolares. Dentre seus elementos funcionais e simbólicos, estão matizadas propostas educativas, programas governamentais, reformas políticas, concepções pedagógicas, demandas de diferentes grupos sociais e os diversos sujeitos que conceberam e que transformaram essas edificações em lugares memoráveis.


[1] Cabe assinalar que a obra publicada no Brasil esteve vinculada ao dossiê sobre Espaços Escolares, organizado na Revista Historia de la Educación/Salamanca e publicanda em 1994, com 23 artigos e bibliografia específicia sobre o tema. Sobre, ver Escolano (1993-94) e Viñao (1993-94).

[2] Para citar algumas das primeiras produções brasileiras, específicas do campo da História da Educação: Faria Filho (1996); Souza (1997), Moussatche; Mazzoti; Mazzoti (2000), Baltar (2001), Buffa; Pinto (2002), Buffa; Nosella (2002), Dórea (2003) e Bencostta (2005).

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Biografia do Autor

Tatiane de Freitas Ermel (Brasil), Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI)

Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI). Bolsista de Pós-Doutorado Júnior do CNPq (2017-2018), Doutora em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação/PUCRS (2013-2017), com indicação da tese ao Prêmio Capes (2018), Mestre em Educação pela mesma instituição (2009-2011), Bacharel e Licenciada em História pela Faculdade de História/PUCRS (2008). Realizou estágio na Universidad Nacional de La Plata/Argentina (2009) e Doutorado Sanduíche Universidad Complutense de Madrid/Espanha (2014-2015), ambos financiados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes/Brasil). Desenvolve pesquisas na área da História da Educação, principalmente os temas: espaço e arquitetura escolar; cultura, patrimônio histórico-educativo e memória escolar e imprensa pedagógica.

Marcus Levy Benconstta (Brasil), Universidade Federal do Paraná

Professor Titular de História da Educação da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná. Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo. Pesquisador Produtividade em Pesquisa do CNPq e Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em História da Arquitetura Escolar (NEPHArqE).

Referências

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Publicado

2019-01-31

Como Citar

Ermel (Brasil), T. de F., & Benconstta (Brasil), M. L. (2019). Arquitetura escolar: diálogos entre o global, o nacional e o regional na história da educação. Revista História Da Educação, e88785. Recuperado de https://seer.ufrgs.br/index.php/asphe/article/view/88785

Edição

Seção

Dossiê "Arquitetura escolar: diálogos entre o global, nacional e regional na história da educação"