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Espaços livres de uso público no contexto da segurança urbana

Open public space in the context of urban security

Resumo

A qualidade de vida urbana está diretamente relacionada com o desenvolvimento das interações sociais, assim como com a garantia da segurança pública, muitas vezes, promovida pelo desenvolvimento e pela valorização dos espaços livres de uso público. Nesse sentido, este estudo analisa como a presença de espaços públicos de qualidade pode contribuir para a prevenção do crime e a mitigação da sensação de insegurança urbana. Também apresenta o levantamento dos espaços livres para práticas sociais inseridos na paisagem urbana e realiza uma correlação de ausência ou falta de manutenção de tais espaços com a incidência de crimes locais, sendo considerado o recorte da Regional Grande Aribiri, Vila Velha, ES. A pesquisa é de natureza aplicada, quanti-qualitativa, na qual, a partir de dados georreferenciados, disponibilizados pelo Observatório da Segurança Pública e pela Prefeitura Municipal, se desenvolveram mapas para as análises espaciais. Esses mapas foram devidamente correlacionados com o levantamento técnico realizado nas visitas. Os resultados evidenciam a ocorrência de crimes em áreas com ausência de praças e, ainda, revelam que a escassez desses espaços pode contribuir para a insegurança pública e a falta de vigilância natural, na medida em que não favorece o pertencimento local, a ocupação e a vitalidade urbana, elementos inibidores da ocorrência de crimes como homicídios, roubos, furtos e tráfico de drogas.

Palavras-chave:
Espaços livres de uso público; Praças; Segurança urbana; Prevenção do crime

Abstract

The Urban quality life is directly related to the development of social interactions as well as the guarantee of public security, often promoted by the development and enhancement of free spaces for public use. In this sense, this study analyzes how the presence of quality public spaces can contribute to crime prevention and to mitigate the feeling of urban insecurity. It presents the survey of open space for social practices inserted in the urban landscape and performs a correlation of such spaces with the incidence of local crimes, considering the cut of the Regional Grande Aribiri, Vila Velha, ES. The research is applicate, quanti-qualitative, based on georeferenced data provided by the Public Security Observatory and the City Hall, it was possible to develop maps for spatial analysis and correlate with the data survey carried out during technical visits. The analyzes show the occurrence of crimes in areas with no squares and also reveal that the scarcity of these spaces can contribute to public insecurity and the lack of natural surveillance - insofar as they do not favor local belonging, occupation and vitality urban - elements that inhibit the occurrence of crimes such as homicides, robberies, thefts and drug trafficking.

Keywords:
Open public space; Squares; Urban security; Crime prevention

Introdução

Em decorrência do crescimento dos interesses do mercado e da expansão dos espaços privados, a “cultura do medo” tem fortalecido uma tendência de tornar os espaços urbanos menos frequentados (BAUMAN, 2009BAUMAN, Z. Confiança e medo na cidade. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2009.). A violência, a prática de atividades ilícitas, bem como o tráfego intenso de veículos são ameaças constantes nas cidades que prejudicam as apropriações no meio urbano e contribuem para o esvaziamento dos espaços públicos.

O medo do crime e o aumento da violência urbana influenciam no modo de habitar e em novas morfologias urbanas, refletidas nas “paisagens do medo” e na “arquitetura do medo”1 1 Lira (2014), com base em Batista (2003), utiliza as expressões “paisagem do medo” e “arquitetura do medo” referindo-se a como o discurso do medo influencia na disseminação de elementos de autoproteção, tais como muros altos, grades, cercas elétricas, guaritas e videomonitoramento. (LIRA, 2014LIRA, P. Geografia do crime e arquitetura do medo. Vitória: GSA, 2014.; BATISTA, 2003BATISTA, V. O medo na cidade do Rio de Janeiro: dois tempos de uma história. Rio de Janeiro: Revan, 2003.). O medo também está relacionado, segundo Lira (2014)LIRA, P. Geografia do crime e arquitetura do medo. Vitória: GSA, 2014., com a violência urbana e, apesar de ser construído de forma individual, tem sido vivenciado de modo coletivo.

Com o aumento da violência urbana, os espaços livres de uso público, principalmente aqueles sem qualidade e atrativos, estão sendo cada vez mais esquecidos pela população. Segundo Lima (2015, p. 20)LIMA, D. M. M. C. A violência urbana e a sensação de insegurança nos espaços públicos de lazer das cidades. Geoconexões, v. 2, n. 1, 2015. , o abandono dessas áreas está relacionado a diversos fatores, entre eles, “[...] a descaracterização e destruição do patrimônio, os acidentes no trânsito, os roubos, os crimes, os assassinatos, as balas perdidas, o tráfico de drogas, a luta entre gangues, etc. [...]”.

Sentir-se seguro na cidade é fundamental para que as pessoas abracem os espaços públicos. Jacobs, em 1960, já discutia a relevância de ruas seguras e a prevenção à criminalidade a partir da vida urbana e da diversidade das funções nos edifícios. A expressão “olhos da rua”, descrita pela autora, evidencia a importância de os edifícios possuírem relação com a rua e oferecerem possibilidades de contato visual com o espaço público, de modo a garantir a vigilância natural, através da movimentação de pedestres e do maior contato do morador com a sua vizinhança (JACOBS, 2013JACOBS, J. Morte e vida de grandes cidades. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. ).

Nygaard (2010)NYGAARD, D. P. Espaço da cidade, segurança urbana e participação social . Porto Alegre: Livraria do Arquiteto, 2010. também afirma que existe uma relação direta entre a sensação de segurança e a distribuição de usos e ocupação das cidades, onde se torna essencial que o espaço urbano possua diversidade de usos e atividades para garantir a movimentação de pessoas, assim como inibir ações criminosas. Para o autor, “[...] a sensação de segurança se instala e se fortalece quando a ocupação, a configuração e a dinâmica do espaço são percebidas pela população como inibidoras da ação criminosa [...]” (NYGAARD, 2010NYGAARD, D. P. Espaço da cidade, segurança urbana e participação social . Porto Alegre: Livraria do Arquiteto, 2010. , p. 165), ou seja, quando o ambiente é apropriado pelas pessoas, existe uma propagação da sensação de segurança no espaço público.

Gehl (2014)GEHL, J. Cidade para Pessoas. São Paulo: Perspectiva. 2014. defende a ideia de que, se a vida na cidade for estimulada para que mais pessoas caminhem e vivenciem os espaços públicos, haverá um aumento de segurança real e percebida. Para o autor, a presença do “outro” indica que o lugar é seguro e possui valor. Uma cidade viva é aquela onde seus espaços públicos são valorizados e, consequentemente, também são mais seguros.

Um dos autores precursores do tema, Newman (1996)NEWMAN, O. Creating defensible space. Instituto for community design analysis, 1996. Disponível em: https://www.humanics-es.com/defensible-space.pdf. Acesso em: 22 nov. 2019.
https://www.humanics-es.com/defensible-s...
, evidencia o espaço defensável a partir das relações entre segurança, tipologia construída e tecidos urbanos. A teoria estabelece uma série de estratégias de controle e filiação territorial, com o uso de barreiras físicas e também o envolvimento dos moradores.

No Brasil, Bondaruk (2007)BONDARUK, R. L. A prevenção do crime através do desenho urbano. Curitiba: edição do autor, 2007. discorre sobre como a arquitetura e o desenho urbano, quando projetados estrategicamente, podem auxiliar na prevenção de ações criminosas. O autor defende que “[...] a prevenção do crime, através de modificações no desenho urbano, pode ser definida com as necessárias providências para reduzir a probabilidade do acontecimento de delitos, e de forma a aumentar a sensação de segurança [...]” (BONDARUK, 2007BONDARUK, R. L. A prevenção do crime através do desenho urbano. Curitiba: edição do autor, 2007., p. 71).

No entanto, o que se verifica, em especial nas médias e nas grandes cidades brasileiras, é uma sociedade inserida em uma nova configuração de espaço público. Tal fator, aliado ao crescimento da violência urbana, à desigualdade social e à falta de investimento por parte do poder público, favorece a segregação do espaço público (AMARAL, 2010AMARAL, L. O imaginário do medo: violência urbana e segregação espacial na cidade do Rio de Janeiro. Contemporânea, v. 8, n. 1. 2010. ).

Mattos (2011)MATTOS, R. F. da S. Expansão urbana, segregação e violência: um estudo sobre a região metropolitana da Grande Vitória. Vitória: EDUFES, 2011. também afirma que a relação entre crescimento desordenado das cidades e aumento dos problemas urbanos, bem como a desigualdade e a segregação socioespacial contribuem para a geração de um cenário propício à propagação da violência urbana.

Gehl (2014)GEHL, J. Cidade para Pessoas. São Paulo: Perspectiva. 2014., assim como outros autores, enfatiza que a desigualdade social e econômica é uma das principais causas para os altos índices de ocorrências criminais, violência urbana e iniciativas privadas de proteção da vida e do patrimônio. Entretanto, vale investigar que outros fatores espaciais também podem contribuir para a diminuição da violência e o aumento da segurança pública.

Nesse sentido, o presente estudo analisa a correlação entre a presença de espaços livres de uso público e ocorrências criminais de homicídios, tráfico de drogas, e roubos e furtos. Enfatiza a contribuição de que espaços públicos de qualidade podem auxiliar na prevenção de crimes e serem mitigadores da sensação de insegurança nas cidades. Apresenta o levantamento dos espaços livres para práticas sociais inseridos na paisagem urbana, com foco nas praças, e considera o recorte da Regional Grande Aribiri, município de Vila Velha, estado do Espírito Santo.

A pesquisa é de natureza aplicada e de abordagem quanti-qualitativa. A região do estudo de caso é constituída por 17 bairros, caracterizados, majoritariamente, como zona especial de interesse social (Zeis) (VILA VELHA, 2018VILA VELHA. Lei complementar nº 65, de 09 de novembro de 2018. Institui a revisão decenal da lei municipal nº 4575/2007 que trata do plano diretor municipal no âmbito do município de Vila Velha e dá outras providências. Diário Oficial , Prefeitura de Vila Velha - ES. 2018.). A partir do uso das ferramentas Google Earth e Street View e do programa ArcGIS, foram identificadas e mapeadas as praças existentes, bem como levantados estudos inerentes à distribuição e à abrangência desses espaços no contexto da região. Tais informações, juntamente com a análise espacial, visitas locais e dados de incidências criminais da região, permitiram compreender a relação socioespacial das ocorrências e os espaços estudados.

Espaços livres de uso público

Considerando que os espaços livres influenciam na qualidade de vida ambiental e urbana, a ausência, ou a falta de qualidade desses espaços, pode sugestionar ações indevidas e propiciar a sensação de insegurança. É importante compreender as diferentes concepções sobre os espaços livres presentes entre os autores a fim de justificar e orientar os princípios expostos nesta pesquisa.

Ressalta-se que todos possuem o direito de vivenciar os espaços públicos da cidade de forma autônoma, igualitária e saudável; e, para que isso aconteça de forma plena, é preciso que a cidade seja viva. A cidade viva, segundo Gehl (2014)GEHL, J. Cidade para Pessoas. São Paulo: Perspectiva. 2014., é aquela que convida as pessoas a caminharem, pedalarem ou permanecerem nos espaços livres que oferece. Para o autor, os espaços livres de uso público não são apenas áreas para atividades de lazer, recreativas ou atividades esportivas. São espaços, quando possuem qualidade física e visual, capazes de influenciar nas atitudes e nas atividades de seus usuários, convidam a participar da vida em comunidade e propiciam convívio e encontro. Os espaços livres tornam a vida urbana mais versátil e variável.

Magnoli (1982)MAGNOLI, M. Espaços livres e urbanização: uma introdução a aspectos da paisagem metropolitana. São Paulo, 1982. 116 f. Tese (Livre-docência em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1982., ainda na década de 1980, definiu espaço livre como todo espaço livre de edificações ou urbanização, que pode ser público ou privado, tais como quintais, jardins públicos ou privados, ruas, avenidas, praças, parques, rios, florestas, mangues e praias urbanas, ou simples vazios urbanos. Tal definição procura afirmar o espaço livre como objeto do paisagismo em suas diferentes escalas.

Sá Carneiro e Mesquita (2000)SÁ CARNEIRO, A. R.; MESQUISTA, L.B. Espaços livres do Recife. Universidade Federal de Pernambuco, 2000. definem espaços livres públicos como aqueles que são constituídos de pouca ou nenhuma construção, podem possuir função de recreação, circulação, equilíbrio ambiental e composição paisagística. Para os autores, são exemplos de espaços livres públicos ruas, praças, pátios, parques, entre outros.

Diante do exposto, é possível considerar que os espaços livres de uso público são aqueles fundamentais, tanto para o equilíbrio ambiental local quanto para a qualidade de vida e segurança de seus usuários. Assim, de modo a garantir o direito a esses espaços, ressalta-se a importância do Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257 de 2001, que traz diretrizes sobre política urbana. Esse estatuto visa que todos os cidadãos tenham acesso às oportunidades que a vida urbana de qualidade apresenta, sobretudo, com o objetivo de garantir o direto de todos a cidades sustentáveis, infraestruturas urbanas e lazer (BRASIL, 2001BRASIL. Lei nº 10.257 de 10 de julho de 2001. Estatuto da Cidade. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2001.).

Desse modo, além da disponibilidade e da oferta de espaços livres, deve-se democratizar e incentivar o uso desses espaços. Lima (2015, p. 24)LIMA, D. M. M. C. A violência urbana e a sensação de insegurança nos espaços públicos de lazer das cidades. Geoconexões, v. 2, n. 1, 2015. define que o interesse por espaços de qualidade é um direito do cidadão e afirma que “[...] é necessário refletir sobre os diversos tipos de privação e as possibilidades de distribuição dos bens materiais e culturais por todos. Dessa forma, ter acesso e oportunidades de lazer coloca-se no mesmo patamar dos anseios e expectativas e direitos a serem conquistados pelo cidadão [...]”.

No entanto, apesar do direito de acesso ao lazer e a uma vida urbana de qualidade, o que se verifica é a escassez de espaços para práticas sociais ou mesmo a ausência de equipamentos e serviços adequados. O cenário atual de violência urbana e a ausência de intervenção do poder público para a criação de medidas que assegurem segurança pública para os seus usuários são fatores que contribuem para inibir o uso desses espaços por parte da população. Tais influências serão explanadas na próxima seção a fim de amparar e argumentar os conceitos aqui apontados.

Segurança urbana e os espaços livres de uso público

A sensação de insegurança e seus diversos fatores, como a própria necessidade humana de deter o controle e a proteção, tornam-se, cada vez mais, barreiras para a integração social nos espaços públicos. Para Lima (2015, p. 21)LIMA, D. M. M. C. A violência urbana e a sensação de insegurança nos espaços públicos de lazer das cidades. Geoconexões, v. 2, n. 1, 2015. , “[...] os lugares públicos e as ruas têm-se tornado, de fato, cada vez mais perigosos. Essas áreas estão a deixar de ser vistas como o lócus de sociabilidade, tal como as relações de vizinhança [...]”.

Lira (2014)LIRA, P. Geografia do crime e arquitetura do medo. Vitória: GSA, 2014. evidencia que a composição e a organização espacial da cidade influenciam na incidência da violência urbana. O autor considera que a violência é um “fenômeno complexo e multifacetado” (LIRA, 2014LIRA, P. Geografia do crime e arquitetura do medo. Vitória: GSA, 2014., p. 23) e aborda diversas correlações, como dados geográficos e socioeconômicos, aspectos espaciais e ambientais, entre outros, que interferem diretamente nessas incidências.

É possível relacionar a assertiva apresentada por Lira (2014)LIRA, P. Geografia do crime e arquitetura do medo. Vitória: GSA, 2014. com a teoria das “janelas quebradas”, quando evidencia que o meio é capaz de interferir e influenciar diretamente nas atitudes das pessoas. O ambiente pode diminuir ou aumentar as possibilidades de um crime acontecer e assim tornar-se uma componente significativa para as ações criminosas (SOARES; SABOYA, 2019SOARES, M.; SABOYA, R. T. Fatores espaciais da ocorrência criminal: modelo estruturador para a análise de evidências empíricas. Urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, v. 11, 2019.).

Destaca-se, ainda, que sinais de negligência, desordem e deterioração física no espaço urbano - tais como pichações, lixos, mobiliários urbanos sem manutenção e pisos danificados - transmitem sensação de insegurança e medo e, portanto, áreas que apresentam tais características tendem a ser evitadas por seus usuários. Tais aspectos influenciam na percepção do criminoso em relação ao controle social desses ambientes, que passam a tornar-se mais vulneráveis a ações criminosas (SOARES; SABOYA, 2019SOARES, M.; SABOYA, R. T. Fatores espaciais da ocorrência criminal: modelo estruturador para a análise de evidências empíricas. Urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, v. 11, 2019.).

De acordo com Bauman (2009)BAUMAN, Z. Confiança e medo na cidade. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2009., a partir do século XXI, ocorre uma inversão do papel histórico da cidade. A luta contra a insegurança, riscos e perigos, em combate ao sentimento de “medo”, passou a assombrar as cidades. A sociedade visualiza a cidade por um filtro da “cultura do medo” - criada por interesses políticos e econômicos e apoiada também pelos meios de comunicação de massa.

Bauman (2009)BAUMAN, Z. Confiança e medo na cidade. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2009. ainda relata o medo urbano e o desinteresse da população pela vida comunitária. Cita o termo “mixofobia”, que é o medo das pessoas em misturar-se, além de evidenciar a busca das pessoas por segurança em ambientes privados, em detrimento dos espaços públicos.

A conexão entre espaços públicos como agentes para prevenção do crime tem se tornado um dos meios para mitigar a sensação de medo em escala local. Beato (1998, p. 2)BEATO, C. F. C. Determinantes da criminalidade em Minas Gerais. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 13, n. 37, 1998. afirma que “[...] a literatura sobre políticas públicas de combate à criminalidade tem enfatizado crescentemente a busca por soluções locais e descentralizadas, o que conduz necessariamente à identificação de problemas nos contextos específicos de sua ocorrência [...]”.

Os espaços públicos urbanos, como instrumento para a prevenção e a redução da criminalidade, ostentam potencial diante desse cenário. Jacobs (2013)JACOBS, J. Morte e vida de grandes cidades. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. , em seu livro “Morte e vida de grandes cidades”, publicado na década de 1960, aponta a influência da vigilância natural, do ver e ser visto. Aborda aspectos como a importância da vitalidade urbana, em que se defendem a diversidade de usos e a circulação de pessoas nas ruas, quer seja em diferentes horários, quer para a geração de uma cidade mais atrativa e segura. A autora, ainda hoje, influencia e contribui nos estudos sobre segurança pública e criminologia ambiental.

De acordo com o raciocínio, a sensação da segurança advinda da diversidade dos usos e da dinâmica do espaço é determinada pelo traçado da cidade, pela distribuição igualitária de espaços livres e por suas conexões. Outros exemplos são as quadras de dimensões menores que aumentam a permeabilidade e a continuidade da malha urbana ao suscitarem alternativas de percursos (JACOBS, 2013JACOBS, J. Morte e vida de grandes cidades. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. ).

Jacobs (2013)JACOBS, J. Morte e vida de grandes cidades. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. argumenta também sobre a vigilância natural, que se torna uma forma de manutenção da vitalidade urbana diária. Cita, ainda, a importância do planejamento para a vitalidade da vizinhança contínua e da presença de usuários informais na manutenção da “[...] segurança dos espaços públicos, lidando com estranhos, de modo que sejam um trunfo e não uma ameaça, garantindo a vigilância informal das crianças nos lugares públicos [...]” (JACOBS, 2013JACOBS, J. Morte e vida de grandes cidades. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. , p. 271).

Diante do cenário de medo e da necessidade de novas formas urbanas, na década de 1970, Jeffery (1971)JEFFERY, C. R. Crime prevention through environmental design. Beverly Hills: Sage Publications, 1971. apresenta a expressão CPTED (crime prevention through environmental design), que significa a “prevenção do crime através do desenho urbano”. A teoria baseia-se na integração da estrutura arquitetônica e do desenho urbano, com estratégias que promovem o controle efetivo e natural sobre o espaço público. O autor enfatiza que as características do espaço público são cruciais para a redução de ações criminosas.

O conceito CPTED traz os princípios de vigilância natural, reforço da territorialidade e pertencimento, controle dos acessos e manutenção dos espaços públicos. Tais estratégias e aplicações - descritas no Quadro 1 - devem respeitar prioritariamente as características locais, físicas e sociais.

Quadro 1
Princípios do CPTED, descrição e exemplos de aplicação

Newman (1996)NEWMAN, O. Creating defensible space. Instituto for community design analysis, 1996. Disponível em: https://www.humanics-es.com/defensible-space.pdf. Acesso em: 22 nov. 2019.
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também define um conjunto de estratégias para a prevenção do crime, através do desenho urbano, a partir do “espaço defensável” (defensible space). Aponta a importância do ordenamento dos espaços físicos e residenciais das cidades para que se tornem controlados e vigiados pelos moradores. Os conceitos de Newman (1996) reforçam os princípios de territorialidade e controle social dos acessos, presentes no CPTED, e corroboram com Jacobs (2013)JACOBS, J. Morte e vida de grandes cidades. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. , na medida em que ambos defendem que o contato das edificações com o espaço público é requisito fundamental para a segurança nas cidades. Entretanto, enquanto Jacobs (2013) defende que a vigilância natural também é garantida pela maior interação social e diversidade de usuários, para Newman (1996)NEWMAN, O. Creating defensible space. Instituto for community design analysis, 1996. Disponível em: https://www.humanics-es.com/defensible-space.pdf. Acesso em: 22 nov. 2019.
https://www.humanics-es.com/defensible-s...
, os estranhos podem ser potenciais inimigos.

Gehl (2014, p. 99)GEHL, J. Cidade para Pessoas. São Paulo: Perspectiva. 2014. assegura os conceitos de vigilância natural, territorialidade e pertencimento presentes no CPTED. O autor afirma que potencializar a vida na cidade poderá contribuir para as ocupações dos espaços públicos e, dessa forma, para o aumento da segurança. Também ressalta que o térreo das edificações, com diferentes formas de uso, pode impactar diretamente a vitalidade urbana.

Saboya (2016)SABOYA, R. T. de. Fatores morfológicos da vitalidade urbana: parte 1: densidade de usos e pessoas. ArchDaily Brasil, nov 2016. Disponível em: https://www.archdaily.com.br/br/798436/fatores-morfologicos-da-vitalidade-urbana-nil-parte-1-densidade-de-usos-e-pessoas-renato-t-de-saboya. Acesso em: 04 jun. 2018.
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vai ao encontro das teorias de Jacobs (2013)JACOBS, J. Morte e vida de grandes cidades. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. e Gehl (2014)GEHL, J. Cidade para Pessoas. São Paulo: Perspectiva. 2014. ao defender que a interação de pessoas em diferentes atividades nos espaços públicos tende a aumentar a vitalidade na cidade. Essa vivacidade, em diferentes horários do dia, garante uma maior vigilância natural e a consequente redução dos riscos de crimes no local.

A sintaxe espacial2 2 Conhecida como Teoria da Lógica Social do Espaço, analisa os aspectos físicos presentes na cidade, em especial a malha viária, para compreender suas relações sistêmicas com o entorno, sobretudo o movimento de pedestre (HILLIER; HANSON, 1984; NETTO, 2013). , ligada ao movimento de pedestre na rua, também vem afirmar que a segurança urbana está diretamente ligada ao fluxo dos movimentos da cidade e faz referência à vigilância natural daqueles que coabitam o espaço urbano (RICARDO; SIQUEIRA; MARQUES, 2013RICARDO, C. de M.; SIQUEIRA, P. P. de; MARQUES, C. R. Estudo conceitual sobre os espaços urbanos seguros. Revista Brasileira de Segurança Pública, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 200-216, fev./mar. 2013. ).

De forma a exemplificar os efeitos positivos defendidos pelos autores supracitados, apresentam-se, a seguir, intervenções urbanas, realizadas em áreas de vulnerabilidade social, que contribuíram para a vivacidade urbana e o combate à violência.

Experiências urbanas no combate à violência

Diante dos desafios em relação aos conflitos no campo da violência urbana e na promoção da segurança pública, existem experiências, internacionais e nacionais, que comprovam que é possível mitigar índices de criminalidade com a presença de espaços livres de uso público de qualidade, a integração e a participação ativa entre população e poder público.

Destaca-se a experiência da cidade de Medellín, na Colômbia, cuja ênfase na cultura e em espaços públicos de qualidade, tais como calçadas, praças e ruas, norteou toda a intervenção. A participação popular foi fundamental, pois a atuação da comunidade local desencadeou o processo de pertencimento e potencialização do uso e da conservação dos espaços (MUNIZ, 2018MUNIZ, I. B. A participação cidadã e o espaço público como agentes de transformação: o caso de Medellín. Blog Cidade e Passagens, 2018. Disponível em: https://cidadesepassagens.com.br/participacao-cidada-e-o-espaco-publico-como-agentes-de-transformacao-o-caso-de-medellin/. Acesso em: 04 jun. 2019.
https://cidadesepassagens.com.br/partici...
), que trouxe dinamismo no uso da cidade e consequente vigilância natural.

Na Figura 1 é possível observar a mudança estrutural realizada em uma rua da cidade de Medellín. Antes da intervenção, o carro era prioridade, mas depois o pedestre passou a ter mais privilégio, pois foram ampliadas as áreas para travessia a pé e realizadas mudanças no tipo de piso, com ênfase na vivência do espaço público.

Figura 1
Antes e depois de uma rua na cidade de Medellín

Outra experiência de destaque trata-se do projeto Espaços de Paz, realizado em algumas cidades da Venezuela de menor escala, que buscou transformar áreas residuais da malha urbana - com altos índices de criminalidade - em “áreas de paz”. As intervenções partiram da transformação de espaços vazios e locais subutilizados em espaços públicos de vivência para a comunidade, com qualidade nos materiais, nas demandas projetuais e também no fortalecimento e no envolvimento da população (FRANCO, 2014).

O Projeto tem como estratégia atuar em áreas pontuais, de vulnerabilidade social, para que, progressivamente, possa transitar por um processo de transformação e consolidação do bairro, conforme o exemplo da Figura 2, em que, anteriormente, o espaço não tinha utilização e, após a intervenção, tornou-se uma área de trocas e encontros sociais.

Figura 2
Antes e depois de uma das intervenções do projeto Espaços de Paz

Vale destacar que, nas experiências ilustradas nas imagens das Figuras 1 e 2, outras ações foram tomadas simultaneamente à requalificação dos espaços públicos, as quais possivelmente também contribuíram para aumentar a sensação de segurança e auxiliar na redução da criminalidade local.

No caso específico de Medellín, a reestruturação da cidade deve-se, em grande parte, à parceria público-privada, à independência administrativa da empresa de serviços públicos, assim como ao combate à corrupção e à transparência das contas públicas. No entanto, os espaços públicos nas diferentes localidades providenciam a identidade e o sentido de pertencimento da comunidade, além de contribuir para a consolidação da vivacidade urbana e a mitigação da criminalidade na esfera local (MASIERO, 2014MASIERO, E. Medellín: onde os fracos não têm vez. Arquiteturismo, São Paulo, v. 8, n. 093.02, nov. 2014. Disponível em: https://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/08.093/5407. Acesso em: 15 dez. 2019.
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).

Método

O presente estudo é de natureza aplicada e abordagem quanti-qualitativa, desenvolvido a partir de quatro etapas metodológicas: contextualização, identificação, mapeamento e análises. Primeiramente, foram realizadas leituras bibliográficas, pesquisas empíricas e documentais, de modo a contextualizar o referencial teórico e conceituar temas como espaços livres de uso público, violência urbana, segurança pública, prevenção do crime através do desenho urbano. Nesta etapa, foram utilizados como principais autores Bauman (2009)BAUMAN, Z. Confiança e medo na cidade. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2009., Jacobs (2013)JACOBS, J. Morte e vida de grandes cidades. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. , Gehl (2014)GEHL, J. Cidade para Pessoas. São Paulo: Perspectiva. 2014., Saboya (2016)SABOYA, R. T. de. Fatores morfológicos da vitalidade urbana: parte 1: densidade de usos e pessoas. ArchDaily Brasil, nov 2016. Disponível em: https://www.archdaily.com.br/br/798436/fatores-morfologicos-da-vitalidade-urbana-nil-parte-1-densidade-de-usos-e-pessoas-renato-t-de-saboya. Acesso em: 04 jun. 2018.
https://www.archdaily.com.br/br/798436/f...
e Lira (2014)LIRA, P. Geografia do crime e arquitetura do medo. Vitória: GSA, 2014..

A Regional Grande Aribiri, foco deste estudo, localiza-se em área de vulnerabilidade, tanto pelas suas características morfológicas e geográficas quanto por suas condições socioeconômicas. A Regional possui ocupações subnormais em áreas alagadas e uma mancha urbana que avança em direção às áreas de proteção e equilíbrio ambiental. Além disso, os bairros da Grande Aribiri possuem histórico de disputa pelo controle do tráfico de drogas, com elevada incidência de roubos, furtos e homicídios. Em contrapartida, são bairros com potencialidade que abrigam, conforme definido no plano diretor municipal (PDM), zonas especiais de interesse ambiental (Zeia) que devem ser valorizadas a fim de conservar o equilíbrio ambiental da região.

Após a escolha do recorte urbano, iniciou-se a segunda etapa deste estudo. Nesse sentido, foi realizada a identificação dos espaços livres para práticas sociais. Para o levantamento, foram utilizadas imagens de satélite, dados geográficos disponibilizados pelos programas Google Earth e Street View, juntamente com visitas e levantamentos fotográficos realizados em campo, de modo a comparar com as informações presentes no plano diretor municipal. Entre os espaços livres de uso público, presentes na Grande Aribiri, foram focadas as praças - espaços dedicados a práticas sociais, atividades esportivas, recreação e lazer -, de modo a verificar a possível correlação entre a ocorrência de crimes e a qualidade e manutenção desses espaços.

O mapeamento das áreas, terceira etapa desta pesquisa, foi desenvolvido em uma base cartográfica digital, com o auxílio do sistema de informações geográficas (SIG), o programa ArcGIS (ArcMap, versão:10.3.1) de georreferenciamento via satélite, no qual foi possível formar uma base de dados com legendas de identificação dos bairros, dos relevos e dos espaços livres de uso público. As ortofotos utilizadas foram disponibilizadas pelo Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (INSTITUTO..., 2014INSTITUTO ESTATUAL DE MEIO AMBIENTE E RECURSOS HÍDRICOS. Ortofoto. Ortofoto Mosaico cedido pelo IEMA. Vitória, 2014. ); e o banco de imagens, o Basemap, disponibilizado para a plataforma ArcGIS (ENVIRONMENTAL..., 2016ENVIRONMENTAL SYSTEMS RESEARCH INSTITUTE. ArcGIS Desktop. Basemap: ESRI, 2016.).

A quarta etapa deste estudo foi subdividida em três tipos de análises - dados espaciais, levantamento local, e visualização e correlação de dados -, que permitiram compreender os espaços estudados e as relações existentes.

Para a análise de dados espaciais, com base na distribuição e no atendimento das praças da Regional, utilizou-se a técnica de vetorização de feições espaciais3 3 Técnica de desenho digital sobre a imagem georreferenciada de qualquer elemento espacial que possa ser representado, com o uso do SIG. . E, posteriormente, para a definição de uma área de abrangência desses espaços, considerou-se um raio de 400 m4 4 A definição do raio de 400 m tem como referência as classificações de Berke et al. (2006), que concebem as praças como espaços públicos de vizinhança, com raios de abrangência inferiores a 400 m, correspondendo a um intervalo de tempo médio de cerca 5 minutos de caminhada, o que evita grandes deslocamentos e incentiva a presença de pessoas nos espaços. , através da ferramenta espacial Buffer. Esses aspectos foram conjugados com as informações disponibilizadas pelo banco de dados do Mapa Interativo do IBGE (INSTITUTO..., 2010INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo demográfico 2010: características da população e dos domicílios: resultados do universo. Rio de Janeiro, 2010. ) para que, assim, fosse possível identificar a quantidade e a distribuição de habitantes residentes nas referidas áreas de abrangência.

Após a análise espacial, foi iniciado o levantamento local da caracterização das praças da Regional Grande Aribiri com base nos critérios estabelecidos no Guia de Espaços Públicos (HEEMANN; SANTIAGO, 2016HEEMANN, J.; SANTIAGO, P. C. Guia do espaço público: para inspirar e transformar. 2. ed. São Paulo: Conexão Cultural, 2016.). Nesse sentido, os resultados do levantamento foram organizados e agrupados em quatro categorias:

  1. acessos e conexões;

  2. usos e atividades;

  3. limpeza e segurança; e

  4. conforto e imagem.

Dentro de cada grupo, foram adaptados elementos que contribuíssem para a identificação da carência de equipamentos e serviços existentes. Nesse sentido, ressalta-se que, num primeiro momento (abordado neste artigo), durante as visitas técnicas, o levantamento limitou-se a verificar a presença e a ausência de serviços e equipamentos.

Por fim, após análise espacial e caracterização dos espaços públicos existentes, as informações geradas foram confrontadas com os dados sobre ocorrências criminais. Para ilustrar as incidências dos crimes registrados, foram gerados mapas de densidade a partir de dados fornecidos pela Gerência do Observatório da Segurança Pública (GeOSP), vinculado à Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (Sesp) do estado do Espírito Santo (ESPÍRITO SANTO, 2016ESPÍRITO SANTO. Observatório da Segurança Pública. Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Espírito Santo. Ocorrências Vila Velha. 01 de janeiro a 31 de dezembro de 2016. , 2018ESPÍRITO SANTO. Observatório da Segurança Pública. Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Espírito Santo. Ocorrências Vila Velha . 01 de janeiro a 31 de dezembro de 2018. ). Os dados, concedidos para uso somente na pesquisa, referem-se a todos os crimes registrados em boletim de ocorrência nos anos de 2016 e de 20185 5 Ressalta-se que o ano de 2017 não foi analisado, tendo em vista a crise de segurança pública ocorrida no estado do Espírito Santo, em virtude da qual muitas das ocorrências criminais não foram registradas corretamente. , os quais foram disponibilizados georreferenciados - formato shapefile - em arquivos de desenho vetorial especializados, com os pontos onde os crimes aconteceram.

A pesquisa concentrou-se em analisar três categorias de incidências criminais ocorridas no espaço público: homicídio, tráfico de drogas, e roubos e furtos. Desse modo, foi necessário filtrar e delimitar as ocorrências que não se enquadravam no universo pesquisado.

Os mapas de incidência criminal foram elaborados com a utilização da metodologia de densidade de Kernel - importante ferramenta cartográfica de análise espacial -, que considera manchas com graus de concentração dos três tipos de crimes registrados no espaço urbano. Ainda nesta etapa, foram elaborados mapas com a análise de aspectos socioeconômicos e espaciais (densidade populacional e renda per capita da Regional) com a finalidade de identificar indícios que justificassem a concentração de crimes em determinadas localidades.

Com as áreas identificadas e mapeadas, foi possível realizar análises espaciais e comparações acerca da quantidade, da distribuição e da abrangência dos espaços livres, bem como da presença de ocorrências criminais no contexto da Regional Grande Aribiri.

Resultados e discussões

A apresentação dos resultados inicia-se com a caracterização da Regional Grande Aribiri, recorte urbano utilizado neste trabalho, seguida do levantamento dos espaços livres de uso público e sua correlação com incidências de crimes locais.

Caracterização urbana da Regional Grande Aribiri

Vila Velha faz parte da Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV), sendo o município mais antigo e o segundo mais populoso do estado do Espírito Santo, com uma população estimada em 476.664 habitantes e com área territorial de 209,965 km2 (INSTITUTO..., 2010). Limita-se a norte com o município de Vitória; a sul com Guarapari; a leste com o Oceano Atlântico; e a oeste com os municípios de Viana e Cariacica. Para a sua melhor organização, Vila Velha possui cinco regiões administrativas. A região administrativa 03 - Grande Aribiri (ilustrada em vermelho na Figura 3) - define-se como a regional estudada.

Figura 3
Mapa de localização das regiões administrativas de Vila Velha, ES

De acordo com o censo demográfico (INSTITUTO..., 2010), a Grande Aribiri possui uma população de 68.635 habitantes e uma renda per capita média de um salário mínimo. É constituída pelos bairros de Argolas, Aribiri, Ataíde, Cavalieri, Chácara do Conde, Dom João Batista, Garoto, Ilha da Conceição, Ilha das Flores, Paul, Pedra dos Búzios, Primeiro de Maio, Sagrada Família, Santa Rita, Vila Batista, Vila Garrido e Zumbi dos Palmares, conforme mostra a Figura 4 (VILA VELHA, 2008VILA VELHA. Lei nº 4.707 de 10 de setembro de 2008, que dispõe sobre a institucionalização dos bairros nas Regiões Administrativas, os limites e a denominação dos mesmos e os critérios para organização e criação de bairros, no perímetro urbano do Município. Diário Oficial, Vila Velha: Prefeitura Municipal, 2008.). Como é possível observar, a Regional é demarcada por áreas de risco de alagamentos e suscetíveis deslizamentos de terra (Figura 4).

Figura 4
Identificação de bairros e áreas de risco da Grande Aribiri

Na década de 1950, Vila Velha experimentou um grande e desordenado crescimento populacional que, junto com a abertura da Avenida Carlos Lindemberg, concretizou a ligação com Vitória (capital do estado) e permitiu acesso a vários bairros da região central e litorânea do município. Na década subsequente, a crise do café ocasionou um aumento do fluxo migratório para zonas urbanas, sendo parte da população absorvida pelo município de Vila Velha. Em função desse crescimento, originou-se um movimento de ocupação urbana em áreas alagadas e de alta declividade, inclusive nas margens da Bacia Hidrográfica do Ariri (Rio Aribiri), o que contribuiu para o aumento da densidade populacional na região (MOVIVE..., 2002MOVIVE VERDE VIDA. Diagnóstico socioeconômico e ambiental região do Aribiri . Diagnóstico socioeconômico e urbanístico de Vila Velha, v. 1, dez. 2002. ).

No passado, o Rio Aribiri foi fonte de alimento, trabalho e transporte. Atualmente, é possível verificar a existência de ocupações irregulares em suas margens, com consequentes problemas de saneamento e drenagem pluvial, conforme ilustrado na Figura 5 (MOVIVE..., 2002MOVIVE VERDE VIDA. Diagnóstico socioeconômico e ambiental região do Aribiri . Diagnóstico socioeconômico e urbanístico de Vila Velha, v. 1, dez. 2002. ).

Figura 5
Canal do Rio Aribiri, Vila Velha, ES

A Regional é caracterizada por áreas residenciais e também por atividades terciárias, principalmente ligadas ao setor logístico e portuário. Apesar da concentração de moradias subnormais, possui potencialidades econômica e ambiental, entre elas, destacam-se, respectivamente, o Porto de Capuaba - exportador e importador de cargas em geral - e a unidade de conservação do Parque Natural Municipal Morro da Manteigueira (Figura 6).

Figura 6
Potencialidades da Regional Aribiri, o Porto de Capuaba (à esquerda) e o Parque Natural Municipal Morro da Manteigueira (à direita)

O entendimento da consolidação urbana da Grande Aribiri, através do levantamento histórico, da análise do plano diretor municipal e das características geográfica e morfológica da região, auxiliou na compreensão da ocupação das áreas de risco, da vulnerabilidade socioespacial e da falta de espaços livres de uso público. Os demais dados, como renda per capita e densidade demográfica por bairro, serão apresentados e discutidos durante o desenvolvimento das análises.

Espaços livres de uso público e a incidência de crimes na Regional Grande Aribiri

Para a análise da distribuição dos espaços livres de uso público, dentro do cenário urbano da Regional, foi possível identificar nove praças - localizadas nos bairros Argolas, Aribiri, Ataíde, Ilha da Conceição, Paul, Santa Rita e Vila Garrido -, três delas situadas no bairro Aribiri, conforme evidenciado no gráfico da Figura 7.

Figura 7
Quantidade de praças por bairros da Regional Grande Aribiri

Observa-se que dez bairros (Cavalieri, Chácara do Conde, Dom João Batista, Garoto, Ilha das Flores, Pedra dos Búzios, Primeiro de Maio, Sagrada Família, Vila Batista e Zumbi dos Palmares) possuem total ausência de praças, o que evidencia uma distribuição fragmentada dos espaços livres de uso público.

Para a análise da abrangência (Figura 8), que considera um raio de atendimento à população de 400 m para cada uma das nove praças existentes, percebe-se que, apesar da distribuição fragmentada dos espaços livres para práticas sociais mapeados, 68% da população da Grande Aribiri possui acesso às praças.

Figura 8
Mapeamento e distribuição das praças na Regional Grande Aribiri

A elevada porcentagem destacada no raio de influência das praças mapeadas deve-se, em especial, ao adensamento populacional dos bairros Santa Rita e Zumbi dos Palmares, que apresentam densidades de 263 hab/ha e 290,66 hab/ha, respectivamente (INSTITUTO..., 2010).

Na sequência, as praças foram enfatizadas com o objetivo de verificar a qualidade e a manutenção dos espaços existentes, de modo a compreender a possível influência na ocorrência de crimes. Nesse sentido, foi utilizado como suporte o Guia de Espaços Públicos (HEEMANN; SANTIAGO, 2016HEEMANN, J.; SANTIAGO, P. C. Guia do espaço público: para inspirar e transformar. 2. ed. São Paulo: Conexão Cultural, 2016.) a fim de identificar as deficiências e carências de cada praça. A Tabela 1 apresenta o resultado do levantamento de campo com foco nas categorias acessos e conexões; usos e atividades; limpeza e segurança; e conforto e imagem. Vale ressaltar que a análise realizada foi quantitativa, e não qualitativa, na qual foi verificada a ausência ou a presença de elementos identificados relevantes para a vivacidade do espaço.

Tabela 1
Levantamento e análise das praças da Regional Grande Aribiri

O diagnóstico evidenciou diferenças entre as praças, principalmente em relação a equipamentos, diversidade de usos e atividades, fatores determinantes para a apropriação de usuários com diferentes faixas etárias. Nem todos os espaços possuem atrativos que propiciam o uso e incentivam a permanência nas praças, como quadras ou campos, academias populares e atividades que dinamizem o uso diurno e noturno. Em relação ao atendimento à NBR 9050 da ABNT (2015)ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 9050: acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos. Rio de Janeiro, 2015., observaram-se pisos inadequados e a ausência de rampas, que não cumprem as exigências da Norma. Somado a esses, verifica-se a ausência de faixas de pedestre, o que acaba por tornar vulneráveis os acessos aos referidos espaços. Por fim, observou-se a falta de policiamento e de iluminação (em quantidade adequada), elementos que, possivelmente, contribuiriam para reduzir a elevada taxa de roubos e furtos nesses locais.

Outro dado explorado foram as incidências de crimes ocorridos na Regional, de modo a cumprir a última análise proposta. Os bairros inseridos nesse contexto, em sua maioria, estão em áreas periféricas, dominadas pelo tráfico de drogas. Somado a esse, evidencia-se a escassez de manutenção e qualidade nos espaços públicos, o que resulta na falta de segurança. Essas evidências acabam por inibir a apropriação das praças pela comunidade local.

Tais situações foram evidenciadas nas análises realizadas e ilustradas nas Figuras 9, 10 e 11, apresentadas através de uma escala de gradação (vermelho para maior incidência e azul para menor incidência) que se refere às ocorrências de crimes ocorridos nos anos de 2016 e de 2018 na Regional Grande Aribiri. Foram considerados, nessa análise, somente os crimes decorridos em espaços públicos relacionados a homicídios e tentativas de homicídios; tráfico, posse/uso e apreensão de entorpecentes; roubos e furtos.

Figura 9
Ocorrências de homicídios e tentativas de homicídios na Grande Aribiri

Figura 10
Ocorrências de tráfico, posse/uso e apreensão de entorpecentes na Grande Aribiri

Figura 11
Densidade populacional e renda per capita na Grande Aribiri

No intuito de avaliar a relação entre espaços livres de uso público e incidências de crimes, realizou-se uma sobreposição de informações, que foram correlacionadas com os locais das ações de violências registradas, a localização das praças, bem como a análise de aspectos socioeconômicos e espaciais (densidade populacional e renda per capita da Regional).

No mapa apresentado na Figura 9, é possível observar as ocorrências de homicídios e tentativas de homicídios registradas nos espaços públicos (ESPÍRITO SANTO, 2016ESPÍRITO SANTO. Observatório da Segurança Pública. Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Espírito Santo. Ocorrências Vila Velha. 01 de janeiro a 31 de dezembro de 2016. , 2018ESPÍRITO SANTO. Observatório da Segurança Pública. Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Espírito Santo. Ocorrências Vila Velha . 01 de janeiro a 31 de dezembro de 2018. ). Nota-se que as manchas de incidências são mais evidentes e concentradas nos limites entre bairros, algumas recortadas pelo leito do Rio Aribiri, tais como os bairros Santa Rita, Zumbi dos Palmares, Primeiro de Maio, Ilha da Conceição e parte do bairro Pedra dos Búzios. Esses são também bairros com elevados registros de ocorrências violentas e com um longo histórico de disputa pelo controle do tráfico de drogas.

Ao observar a Figura 10 a seguir, nota-se que a concentração das manchas, que evidenciam as ocorrências de crimes de tráfico, posse/uso e apreensão de entorpecentes, assemelha-se em parte à espacialização das ocorrências de homicídios e tentativas de homicídios. Esse fator evidencia que crimes de homicídios estão correlacionados com o tráfico de drogas na região. Observam-se características semelhantes em todas as áreas identificadas: conformidade da malha urbana adensada, vias estreitas, infraestrutura precária, fachadas introspectivas e ausência de espaços livres de uso público, foco deste trabalho.

Ao verificar os aspectos socioeconômicos e espaciais da Regional, além da ausência de praças e outros espaços públicos de permanência, percebe-se, nesses bairros, elevada densidade demográfica (hab/ha) associada a uma das mais baixas rendas per capita do município, conforme evidenciado na Figura 11.

A análise isolada da densidade populacional e da ocorrência de crimes é discutida por muitos autores, com opiniões bastante contraditórias. Conforme relatado por Soares e Saboya (2019)SOARES, M.; SABOYA, R. T. Fatores espaciais da ocorrência criminal: modelo estruturador para a análise de evidências empíricas. Urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, v. 11, 2019., há autores que associam a elevada densidade populacional à incidência de crimes e outros que defendem que a elevada densidade populacional contribui para a vigilância natural. No entanto, acredita-se que a combinação da elevada densidade populacional com a renda per capita pode ser um elemento norteador para ações violentas. Bairros com áreas adensadas, mas com elevado poder aquisitivo possuem menos ocorrências de crimes violentos que áreas adensadas com baixo poder aquisitivo.

A análise sugere também que nas áreas com maiores incidências de crimes não existem espaços livres de uso público, o que poderia comprometer a falta de pertencimento local, a ocupação e a dinâmica do espaço - fatores esses que proporcionariam segurança e vigilância natural, bem como poderiam evitar ou minimizar a ocorrência de homicídios.

Tal relação não se mantém ao verificar as ocorrências de roubos e furtos na regional estudada. Na Figura 12, é possível identificar o deslocamento da mancha de roubos e furtos, localizada em uma área menos adensada e nas proximidades de algumas praças.

Figura 12
Ocorrências de roubos e furtos da Grande Aribiri

Percebe-se que as manchas vermelhas, que representam a maior quantidade de ocorrências de roubos e furtos registradas, localizam-se, em maior evidência, próximas às áreas comerciais, às feiras livres locais e às áreas com maior renda per capita. Ainda, conforme evidenciado na Figura 12, a Praça da Amizade, a Praça José Vereza, a Praça de Aribiri e a Praça de Paul encontram-se localizadas em áreas com maiores ocorrências de roubos e furtos (próximas às concentrações das manchas mais avermelhadas).

No caso específico da Praça de Aribiri, quando confrontado com a Tabela 1, que ilustra as características de cada uma das praças, verifica-se uma possível relação dos crimes de roubos e furtos com a falta de manutenção, a ausência de equipamentos/mobiliários e a consequente falta de apropriação do espaço por parte da comunidade local (Figura 13). Tal correlação corrobora, em especial, com o princípio de “manutenção dos espaços públicos” - presente no CPTED e apresentado por Jeffery (1971)JEFFERY, C. R. Crime prevention through environmental design. Beverly Hills: Sage Publications, 1971. -, que enfatiza que as características físicas e a conservação dos espaços públicos são cruciais para a redução da criminalidade. Soares e Saboya (2019)SOARES, M.; SABOYA, R. T. Fatores espaciais da ocorrência criminal: modelo estruturador para a análise de evidências empíricas. Urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, v. 11, 2019. também destacam, em seus estudos, que a falta de gestão e conservação do espaço físico - caracterizada por sinais de deterioração física - influencia na sensação de insegurança e cria cenários vulneráveis e propícios a ações criminosas.

Figura 13
Praça de Aribiri e sinais da falta de manutenção

Ainda, nas Praças da Amizade, José Vereza, Aribiri e Paul, se nota que, conforme evidenciam Jacobs (2013)JACOBS, J. Morte e vida de grandes cidades. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. , Gehl (2015)GEHL, J. Cidade para Pessoas. São Paulo: Perspectiva. 2014. e Saboya (2019)SABOYA, R. T. de. Fatores morfológicos da vitalidade urbana: parte 1: densidade de usos e pessoas. ArchDaily Brasil, nov 2016. Disponível em: https://www.archdaily.com.br/br/798436/fatores-morfologicos-da-vitalidade-urbana-nil-parte-1-densidade-de-usos-e-pessoas-renato-t-de-saboya. Acesso em: 04 jun. 2018.
https://www.archdaily.com.br/br/798436/f...
, fatores espaciais, tais como acessos e conexões (comprometidos por vias estreitas e becos), falta de permeabilidade física e visual nas fachadas (edifícios no entorno não possuem muitas possibilidades de entradas) e carência de diversidade de uso (predominância residencial), também podem estar correlacionados com a vulnerabilidade do espaço, que induz a ações violentas. Vale destacar que as demais praças da Regional não apresentam concentrações significativas de roubos e furtos; são praças que possuem maior vitalidade e consequentemente maior presença de pessoas no espaço público.

Considerações finais

A região em estudo é uma área em transformação e desenvolvimento, com ocupações irregulares que continuam a crescer de forma desordenada em direção às áreas alagadas e de preservação ambiental, o que afeta diretamente a qualidade ambiental e urbana. A Grande Aribiri apresenta situações de risco e precariedade, com ocupações irregulares em áreas íngremes e em proximidade do Rio Aribiri.

Os espaços livres de uso público, como demonstrado, não atendem os bairros da Regional de forma homogênea. Dessa forma, demonstram-se uma efetiva desigualdade na distribuição dos investimentos e um alto índice de crimes violentos presentes em áreas com ausência de espaços públicos. As análises evidenciam, ainda, a presença de crimes e tentativas de homicídios em áreas de disputa de tráfico de drogas, caracterizadas por baixa renda per capita e ausência de praças. Os crimes de roubos e furtos apresentam-se mais presentes quando próximos às praças com ausência de equipamentos e manutenção, e também às áreas residenciais de maior renda per capita.

Tais correlações vêm afirmar que o ambiente pode influenciar na possibilidade de ações criminosas e na sensação de insegurança. A falta de manutenção e a carência de infraestrutura e atrativos geram espaços públicos ociosos, sem uso, e, por consequência, sem a presença de pessoas que podem contribuir para a vigilância natural. Dessa forma, elas deixam de ser os “olhos da rua”, tal como defendido por Jacobs (2013)JACOBS, J. Morte e vida de grandes cidades. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. e Gehl (2014)GEHL, J. Cidade para Pessoas. São Paulo: Perspectiva. 2014..

Por outro lado, outros fatores independem da presença de praças, e sim da sua relação com o entorno, seus acessos e conexões, diversidades de uso e permeabilidade urbana. Fazem-se também necessárias ações e políticas públicas eficazes que visem à qualificação, à gestão, à manutenção e à fiscalização dos espaços livres existentes. Igualmente, requerem-se estudos e projetos para instalações de novos ambientes urbanos mais convidativos e vitais que, assim, possam garantir a segurança percebida e vivenciada.

Espaços livres de uso público devem ser pensados não só como espaços para encontro, lazer e práticas sociais, mas também como espaços que podem contribuir na prevenção de ações violentas. Conforme citado por Lima (2015, p. 23)LIMA, D. M. M. C. A violência urbana e a sensação de insegurança nos espaços públicos de lazer das cidades. Geoconexões, v. 2, n. 1, 2015. , “[...] a segurança de fato, pressupõe muito mais do que punição e enclausuramento. Pressupõe outra ética de valorização da liberdade, da alteridade, da solidariedade e da preservação coletiva da cidade, com a justa distribuição das riquezas e dos saberes [...]”.

Destaca-se que soluções urbanas pontuais de prevenção ao crime, pensadas sem a participação popular, não contribuem significativamente, em especial, para as regiões onde a sensação de insegurança é interligada, também, com condições sociais e econômicas. Nesse cenário, enfatizam-se as propostas de intervenção e requalificação dos espaços livres de uso público, planejadas sistematicamente e de modo colaborativo, que envolvem a população e diferentes atores, distribuídas igualmente no contexto local.

Ressalta-se, ainda, que os bairros da Grande Aribiri possuem potencial para o desenvolvimento de intervenções e projeto de requalificação urbana em pequenas escalas. Possuem escadarias que podem ser qualificadas, vias que podem ter o pedestre como prioridade, de modo a valorizar o comércio e a comunidade local. Trabalhar com ações e projetos educativos que visem reforçar a segurança real e percebida também se torna crucial para o resgate da apropriação nos espaços livres de uso público.

A pesquisa também enfatiza a necessidade de estudos cujos resultados auxiliem no planejamento de áreas vulneráveis, além de maior entendimento de como os fatores socioespaciais podem influenciar no sentimento de insegurança e na ocorrência de crimes, atingindo diretamente a segurança pública. Novas pesquisas podem ser replicadas em outros contextos, a partir da utilização da mesma metodologia de levantamento de dados e confecção dos mapas, de modo a comparar e comprovar os resultados desta pesquisa. Os estudos gerados podem, ainda, ser fomento para futuras intervenções, para a criação e a transformação de novos espaços livres de uso público que visem à qualidade urbana e à segurança da população.

  • 1
    Lira (2014)LIRA, P. Geografia do crime e arquitetura do medo. Vitória: GSA, 2014., com base em Batista (2003)BATISTA, V. O medo na cidade do Rio de Janeiro: dois tempos de uma história. Rio de Janeiro: Revan, 2003., utiliza as expressões “paisagem do medo” e “arquitetura do medo” referindo-se a como o discurso do medo influencia na disseminação de elementos de autoproteção, tais como muros altos, grades, cercas elétricas, guaritas e videomonitoramento.
  • 2
    Conhecida como Teoria da Lógica Social do Espaço, analisa os aspectos físicos presentes na cidade, em especial a malha viária, para compreender suas relações sistêmicas com o entorno, sobretudo o movimento de pedestre (HILLIER; HANSON, 1984HILLIER, B.; HANSON, J. The social logic of space. Cambridge: Cambridge University Press, 1984.; NETTO, 2013NETTO, V. M. O que a sintaxe espacial não é? Arquitextos , São Paulo, ano 14, n. 161.04, out. 2013. Disponível em: https://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/14.161/4916. Acesso em: 15 fev. 2020.
    https://www.vitruvius.com.br/revistas/re...
    ).
  • 3
    Técnica de desenho digital sobre a imagem georreferenciada de qualquer elemento espacial que possa ser representado, com o uso do SIG.
  • 4
    A definição do raio de 400 m tem como referência as classificações de Berke et al. (2006)BERKE, P. et al. Urban land use planning. 5. ed. Urbana: University of Illinois Press, 2006., que concebem as praças como espaços públicos de vizinhança, com raios de abrangência inferiores a 400 m, correspondendo a um intervalo de tempo médio de cerca 5 minutos de caminhada, o que evita grandes deslocamentos e incentiva a presença de pessoas nos espaços.
  • 5
    Ressalta-se que o ano de 2017 não foi analisado, tendo em vista a crise de segurança pública ocorrida no estado do Espírito Santo, em virtude da qual muitas das ocorrências criminais não foram registradas corretamente.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2020

Histórico

  • Recebido
    05 Dez 2019
  • Aceito
    24 Mar 2020
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