AS EXPOSIÇÕES DE ARTE E CULTURA BIZANTINA, 1931- 2009

 José Augusto Costa Avancini 1

 

Resumo: A comunicação visa sistematizar e analisar as diversas exposições de arte bizantina ocorridas no período indicado, analisando seus conteúdos, propósitos e suas correlações com o desenvolvimento e expansão dos estudos bizantinos pelo mundo ocidental, em particular na Europa, Estados Unidos e Austrália nas últimas décadas. A grande difusão editorial ocorrida, simultaneamente, nas línguas francesa, inglesa, sobretudo, espanhola, italiana e alemã de temas bizantinos e a criação e atuação das diversas associações e publicações científicas criadas a partir da segunda metade do século XX, conferem importância e relevância para nossa pequena pesquisa. Buscamos compreender a expansão desses estudos e do interesse crescente do público educado pela temática bizantina.

Palavras-chave:Arte Bizantina, exposições de arte, estudos Bizantinos.

O tema proposto visa fazer um levantamento, ainda que parcial, das mais importantes exposições ocorridas no período indicado, que abarca quase todo o século XX e se estende com intensidade até o presente momento. Foram numerosas as mostras organizadas na Europa e nos Estados Unidos, visando sumariar e questionar esse período histórico, tão desconsiderado pelos historiadores do século XVIII. Lembremos as opiniões depreciativas de Montesquieu, Gibbon e Voltaire sobre o Império Bizantino como uma longa e degenerada decadência, direcionada para um fim inexorável.
Os estudos bizantinos iniciados por um grupo de sábios e amadores no século XVII, tendo na figura de Charles Du Cange, o mais famoso e laborioso estudioso, que organizou a primeira coleção de documentos bizantinos, conhecida como a Bizantina do Louvre, teve seguimento no século XIX com o trabalho paciencioso dos alemães que elaboraram um grande Corpus, conhecido como a Bizantina de Bonn. A partir dos meados do século XIX aumentaram os interesses e se ampliaram os círculos de estudos sobre o assunto, dentro do interesse ascensional das pesquisas sobre a Idade Média e a busca das raízes nacionais, típico movimento cultural do Romantismo. Dentro do afã historicista daquele século surgiram diversas publicações periódicas com edições regulares. A Alemanha, a França e, pouco mais tarde, o Reino Unido e a Rússia, seguidas de expressões isoladas na Itália, na Espanha, na Hungria, na Boêmia e nos países ortodoxos que sentiam-se herdeiros diretos de Bizâncio, como a Grécia, a Sérvia, a Bulgária e a Romênia, contribuiriam muito para o aumento dos estudos sobre essa especialidade. Assim, organizaram-se os primeiros encontros internacionais sobre essas questões. Em 1924 realizou-se o I Congresso Internacional de Estudos Bizantinos, em Bucareste, Romênia, que a partir desse momento, realizaram-se a cada cinco anos, tendo sidos interrompidos durante a II Guerra Mundial, sob a égide da Associação Internacional de Estudos Bizantinos (AIEB), a mais ampla e tradicional instituição internacional existente.
Nos anos vinte veremos surgirem novas publicações sobre a história Bizantina em variados idiomas, aumentando a pouca bibliografia já existente sobre o tema, desde a década 1880, e predominantemente feitas em alemão ou francês.  Surgem as primeiras sociedades nacionais e internacionais no rápido interregno de paz entre 1919 a 1939, com a criação de alguns núcleos universitários especializados no assunto. Contudo, isso não possibilitou a consolidação dessa rede internacional de pesquisas e intercâmbio. Outro fato relevante para o desenvolvimento da área foi a doação feita pelo casal Robert Bliss, em 1940, de sua enorme mansão nos arredores de Washington, Dumbarton Oaks, para Universidade de Harvard, contendo uma excelente coleção de objetos e bibliografia sobre Bizâncio - o que a tornou com o passar dos anos no maior centro mundial de pesquisas e possuidora de uma fantástica biblioteca sobre os estudos bizantinos.
Ainda nesse período de entreguerras, em 1931, realizou-se em Paris a primeira grande exposição que temos conhecimento sobre arte bizantina: Exposition Internationale d’Art Byzantin, no Museu de Artes Decorativas. Os franceses recorreram às várias coleções estrangeiras e omitiram boa parte de seu próprio patrimônio de peças de variadas técnicas e temas. Em Berlim, sob regime nazista, em 1939, ocorre a primeira exposição sobre arte bizantina em terras alemãs, com catálogo editado por Helmut Schlunk.
Após essa notícia coletada na bibliografia consultada, somente após a II Guerra, intensificaram-se e aumentaram o número de instituições e associações vinculadas ao estudo e a pesquisa da história bizantina. Nos Estados Unidos temos uma verdadeira explosão de interesse e criação de cursos e programas universitários focados em Bizâncio, conectados num primeiro momento, à tradição inglesa e, após, a todos os grandes intelectuais europeus que lá se radicaram ou proferiram cursos e treinaram novos especialistas. A influência inglesa alcançou a Austrália, onde se formou um grupo de pesquisadores e não-profissionais, como nos EUA e na Europa. Surge então a figura dos amadores desses estudos que começam a prestigiar as associações e congressos, assim como tornarem-se um público leitor para os trabalhos publicados. A língua inglesa passa a ser o idioma franco, desbancando o francês, como idioma internacional e o alemão, o russo e o italiano, ficaram limitados a seus próprios grupos ou a especialistas da área. Já o espanhol, pela amplitude de seu público leitor, passa a ampliar as traduções e mesmo a divulgar a produção de seus próprios autores.
Um fenômeno novo é o aparecimento de um largo grupo de amadores e apreciadores da arte e da cultura bizantinas. Fenômeno resultado da democratização dos meios de acesso à cultura em todo o Ocidente e no então bloco socialista. A revolução das comunicações trazidas pela mídia eletrônica multiplicou enormemente o acesso às informações e a fontes, antes quase inacessíveis. Exemplo foi o que ocorreu em 2001, em Paris, a quando da realização do XX Congresso de Bizantinistas (AIEB) que recebeu uma afluência de mais de mil pessoas. O mesmo ocorreu em Londres em 2006 no XXI Congresso.
Dessa forma sumária procuramos situar o leitor no contexto geral em que se desenvolveram as várias exposições sobre arte e cultura bizantinas a partir de 1958 - ano que marca o começo desse interesse alargado pelo tema com a realização de duas grandes exposições: uma em Edinburgo e reapresentada depois em Londres, no Museu Victoria e Alberto, com o título de Masterpieces of Byzantine Art, com amplo sucesso de crítica e de público; e a outra em Paris, na Biblioteca Nacional Francesa, principalmente de manuscritos raros pertencentes a essa instituição, cujo título foi Byzance et La France Médièvale, com catálogo organizado por Jean Porcher e outros autores. Essas exposições foram um marco na retomada e na popularização do tema Civilização Bizantina, momento também marcado pela emergência de novos autores e por um forte movimento editorial de livros e periódicos antigos e novos. Após os anos 60 e 70 com a valorização acadêmica da Antiguidade Tardia, se justificou ainda mais o estudo e a pesquisa dos temas bizantinos, procurando-se enquadrá-los numa visão ampla da bacia mediterrânea durante o largo período que medeia do século III ao IX. Acrescente-se a esse fenômeno, a valorização dos estudos medievais ocidentais desde os anos 30, principalmente com a geração dos Anais franceses. Ambas as áreas de estudo alcançam, nos últimos 40 anos, um fortalecimento e uma valorização, nunca antes imaginados.
A reviravolta historiográfica dos anos oitenta alargou os temas e problemas das pesquisas dos estudos bizantinos, que passam a albergarem um número significativo de novos assuntos como os relativos às mulheres, aos grupos subalternos, a vida cotidiana, e principalmente, respondendo a uma relevante questão atual, a da sociedade multinacional de Bizâncio e da convivência desses diversos povos entre si. Temas de história cultural passam a primeiro plano nas pesquisas dos diversos períodos do Império Bizantino. Diversas metodologias de tratamento, desde o positivismo do século XIX, com o predomínio quase absoluto dos textos e fontes manuscritas e impressas, às recentes abordagens pós-estruturalistas de matriz francesa, passada pelo estágio de adaptação nas universidades anglo-americanas. Com certo atraso em relação às outras áreas da pesquisa histórica, os estudos bizantinos, acompanham os movimentos teóricos da História atual.
Contudo, foram as artes visuais o caminho primeiro de afirmação desses estudos no século XX, visando principalmente definir os limites entre a arte cristã primitiva e bizantina. Partiu-se da arquitetura, ponto central da temática bizantina pela existência e permanência da extraordinária construção de Santa Sofia, que continua a nos admirar e surpreender da mesma maneira que o fez durante séculos, desde sua edificação. Afora a realização da primeira exposição de 1931, em Paris, já fruto dessa revisão historiográfica que se inicia nos anos do entreguerras, com variadas exposições de temáticas diversificadas, nota-se o continuo interesse ocidental por esse Oriente imaginado e fabulado desde os começos do século XIX, a partir de expedição de Napoleão ao Egito, completando-se com as novas necessidades culturais e de lazer da emergente sociedade de massas, a partir dos anos vinte do século passado. A recuperação da economia mundial após a II Guerra trouxe uma rápida expansão das áreas de serviços nas regiões desenvolvidas do planeta e, com a internacionalização das comunicações e da economia, vemos as atividades culturais assomarem grande importância nesse cenário.
Foi dentro desse quadro que se realizaram um conjunto significativo de exposições de arte bizantina de grande porte e alcance internacional, centradas no eixo euro-norte-americano. Destaquemos algumas por sua importância e relevância cultural.
Após o ano de 1958, com as duas exposições em Londres e Paris, temos a de Atenas, em 1964, de maior porte e abrangência, com o apoio do Conselho da Europa, atraindo um contingente expressivo de visitantes e especialistas, apoiado num catálogo volumoso de mais de 500 páginas.
A partir da década de setenta assistimos um aumento e periodicidade maior de exposições do gênero e, dentro delas, destacamos a de 1977/78, do MET – Museu Metropolitano de Arte de Nova Iorque - intitulada “A Era da Espiritualidade: Antiguidade Tardia e Arte Cristã Primitiva, do Terceiro ao Sétimo Século”, sob a curadoria geral de Kurt Weitzmann. Um grande catálogo acompanhava a exposição que foi a consagração publica da temática da Antiguidade Tardia enquanto assunto de estudo e pesquisa da História na academia e diante do público culto em expansão. Realizou-se um seminário de debates sobre a exposição e seus temas. Seguiu-se a essa outra importante exposição, em Londres, na Academia Real de Artes, e em Atenas, em 1987, com temática mais restrita sobre pintura: “De Bizâncio a El Greco: Afrescos Gregos e Ícones”, obtendo larga repercussão. A expansão da arqueologia histórica nos antigos territórios bizantinos alargou a temática e enriqueceu o repertório de objetos recolhidos, juntamente com a descoberta de mais obras de arte em Chipre e a divulgação do precioso acervo do Mosteiro de Santa Catarina do Sinai.
Dos anos noventa até atualidade sucederam-se, numa velocidade crescente, um número significativo de exposições, somando, em 18 anos, um total aproximado de 12 exposições. Dentre elas destacamos as cinco maiores e mais abrangentes. Em 1992/93, o Museu do Louvre realiza a exposição: “Bizâncio. A Arte Bizantina nas Coleções Públicas Francesas”, levantamento exaustivo de todos os objetos dispersos em museus, igrejas, mosteiros e instituições públicas com coleções de artes, com a curadoria de Jannic Durand. Simultaneamente à exposição, a Escola do Louvre realizou um seminário internacional que resultou na publicação: “Bizâncio e as Imagens”. Os ingleses não ficaram atrás e organizaram uma abrangente exposição no Museu Britânico: “Bizâncio. Tesouros de Arte e Cultura Bizantinas das Coleções Britânicas”, de menor fôlego que a francesa, mas contendo um levantamento minucioso dos objetos e obras existentes no Reino Unido, com a curadoria de David Buckton.
A terceira em importância foi a exposição de 1997, novamente no MET, intitulada: “A Glória de Bizâncio. Arte e Cultura do Período Intermediário, A.D. 843-1261”. Como contraponto, o Museu Bizantino de Tessalônica, na Grécia, apresentou a exposição: “Os Tesouros de Monte Atos”, primeira mostra em conjunto das coleções dos mosteiros, do território sagrado da ortodoxia. No intento de, vinte anos após a primeira exposição, continuar a explorar a temática bizantina numa sequência cronológica, obtendo um sucesso total de crítica e público, a exposição envolveu várias instituições e coleções internacionais. O grande catálogo esgotou-se rapidamente, necessitando uma segunda edição e a exposição teve a curadoria de Helen C. Evans e Wiliam D. Wixom, especialistas do museu. Também foi realizado seminário complementar sobre os temas que foram abordados.
Em 2004, a quarta mostra no mesmo museu completou a trilogia das exposições enfocando o último período da história bizantina com o título “Bizâncio. Fé e Poder (1261 – 1557)”, sob a curadoria de Helen C. Evans. Como a exposição anterior, essa envolveu um número ainda maior de países e instituições no intuito de fazer um levantamento quase completo do período histórico enfocado. Durante a exposição o museu organizou um seminário que redundou na publicação “Bizâncio: Fé e Poder (1261 -1557). Perspectivas sobre arte e cultura bizantinas tardias”, organizado por Sarah T. Brooks, editado posteriormente em 2007.
Por fim, a quinta e última mostra, em 2008/9, realizou-se em Londres na Academia Real de Artes: “Bizâncio 330 – 1453”, sob a curadoria de Adrian Locke, Maria Vassilaki e Robin Cormack, pretendendo apresentar um panorama completo de toda arte bizantina através de setores comentados por diversos especialistas nos temas.
Após esse rápido panorama descritivo constatamos a consolidação dos estudos bizantinos no Ocidente após os anos oitenta e a popularização e valorização de seus repertórios artísticos, complementados pela expansão do turismo que já permite a viagem aos sítios do antigo império com relativa facilidade. Novas questões e novas formas de perguntar sobre esse passado do mundo oriental do Ocidente permitem uma conexão entre o presente e o passado e responde melhor do que antes sobre os limites do que chamamos Ocidente, isto é, quem são os herdeiros do legado greco-romano. 
E nos resta a pergunta: E no Brasil, como estão os estudos bizantinos? Ainda incipientes e restritos a alguns pesquisadores que desenvolvem dissertações e teses de mestrado e doutorado na região centro-sul do país. E quanto a exposições tivemos apenas a de arte russa: 500 Anos de Arte Russa, realizada em São Paulo, em 2002, sob o patrocínio da BrasilConnects/Palace Editions/Museu Estatal Russo, com a curadoria de Nelson Aguilar, Joseph Kiblitsky, Jean-Claude Marcadé e Ievguénia Petrova. Incluímos essa exposição em nossa pequena recessão, baseados no conceito desenvolvido por Nicolau Iorga, pesquisador romeno da primeira metade do século XX, da existência de uma comunidade bizantina, continuadora de seus padrões culturais - e a Rússia é sem dúvida, junto com os países ortodoxos, a principal herdeira do legado bizantino.
Esperamos com essa sintética apresentação despertar o interesse e mostrar a importância dos estudos bizantinos no universo dos estudos medievais e históricos.

 

The Exhibitions of Byzantine Art, 1931 to 2009.

Abstract:This communication aims to systematize and analyze the various exhibitions of Byzantine art staged during the period indicated, analyzing their content and purpose and their correlation with the development and expansion of Byzantine studies in Western world, especially Europe, USA and Australia in the last decades. The widespread editorial diffusion of Byzantine themes occurred simultaneously in French, English, and especially Spanish, Italian and German languages and the creation and performance of various associations and scientific publications from the second half of the twentieth century on, give importance and relevance to our small research. We want to understand the expansion of these studies and the increased interest of the educated public on Byzantine issues.

Keywords:Byzantine art, art exhibitions, Byzantine studies.

 

1 Doutor em História. Professor do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul/CNPq. Email: avancini@cpovo.net