UM RELATO DE PESQUISA:
AS QUESTÕES QUE ORIENTARAM A INVESTIGAÇÃO ACERCA DA CLASSIFICAÇÃO DOS SERES NO LAPIDÁRIO, DE ALFONSO X, O SÁBIO, E ALGUMAS CONCLUSÕES.

 

                                                                                               Carlinda Maria Fischer Mattos 1

 

Resumo: O presente artigo tem como objetivo apresentar alguns dos questionamentos que suscitaram e orientaram a pesquisa acerca da classificação do seres num texto específico, o Lapidário, de origem muçulmana, traduzido em 1250, na corte do reino de Leão e Castela, a mando do futuro rei Alfonso X (1252-1284). O texto reúne a descrição e a indicação de uso de 360 pedras para as mais diversas doenças e circunstâncias cotidianas. Cada pedra ganha todas as suas propriedades de uma estrela do céu, perfazendo os 360 graus do zodíaco. As receitas reúnem, frequentemente, plantas e partes de animais. O texto abre, portanto, um amplo leque de abordagem, referindo-se a seres de diversas naturezas, da terra ao céu, justificando-se, portanto, o interesse de investigação do tema proposto.

Palavras-chave:Alfonso X. Lapidário. Classificação.

Há algum tempo, tivemos a oportunidade de assistir a apresentação de um filme pelo próprio cineasta que o realizara: tratava-se de um documentarista, que num certo momento de sua trajetória, havia sido convidado a deixar o mundo urbano, para registrar, ao longo de oito meses, a vida de índios na Amazônia.
Segundo seu relato, sem contato com a vida citadina e qualquer de seus aportes – rádio, televisão, telefone, relógio, banho quente, luz elétrica etc. –, o conhecido documentarista percebeu a modificação gradual, mas inquestionável, de sua percepção acerca do meio natural, bem como de sua inserção dentro dele. Desde o simples deslocamento das mãos e dos pés, a percepção atenta - mas não intencional - dos odores, o foco que faz incidir o olhar sobre os detalhes, tudo o dispunha de uma outra maneira no interior de um mundo que mudara de forma e de sentido. Já não era possível perambular despreocupadamente, em meio ao mato: mesmo quando imerso em seus pensamentos: um sentido fino fazia sua atenção individualizar os componentes do terreno, singularizar folhas e sombras, por exemplo. Se, na cidade, o olhar é planificado, a percepção do meio é ampla, abrangente e geometrizada, naquela circunstância, a atenção estava condicionada a perceber o detalhe, a possibilidade de uma cobra ou um lagarto estar confundindo-se com o entorno. Tendo deixado de lado o relógio, por opção, era com certa angústia que procurava no céu a orientação acerca do tempo que se escoava tão lentamente.
Essas observações, que podem nos parecer tão alheias ao tema de nosso artigo, realizadas por um homem contemporâneo e totalmente orientadas pelos parâmetros de nossa cultura, não deixavam, naquele momento, de ser um convite à relativização com respeito a nosso próprio objeto de pesquisa: estudo a atribuição de propriedades médicas e mágicas a um conjunto de pedras, descritas em um documento chamado Lapidário 1, traduzido em 1250, na corte do reino de Leão e Castela, a mando do futuro rei Alfonso X (1252-1284), ainda infante na época. Tal estudo acabou por tomar forma no nosso trabalho de tese A Classificação dos Seres no Lapidário de Alfonso X, o Sábio.
Tão distante no tempo e no espaço, a palestra do cineasta nos dizia algo importante acerca da maneira como os medievais viam a natureza, os animais, as plantas, as pedras, os astros no céu: tratava-se de uma percepção fundamentalmente diferente da nossa, orientada por outros condicionamentos culturais, diante de uma realidade ainda muito próxima de uma natureza exuberante – com suas maravilhas e com seus perigos.
Tentar entender a maneira como as qualidades das pedras eram identificadas significava perguntar acerca do que era importante perceber nelas; o modo como as informações eram organizadas mentalmente, que nexos estabeleciam entre si; que relação elas tinham com as doenças que se supunham curar ou os eventos sobre os quais se esperavam influir ou operar. Ou ainda, que noção de corpo os homens desse período tinham, e qual o modo como as pedras poderiam operar sobre ele? E, uma vez que as receitas constantes do Lapidário associam ao uso das pedras também as plantas e partes de animais, que valores e propriedades lhes eram atribuídos, e que lugar ocupavam na “grade de leitura” do mundo? Como eram classificados os seres ali mencionados?
Embora o texto refira suas propriedades, ele não deixa que capturemos com facilidade a lógica interna que preside uma tal atribuição. A percepção do mundo natural está como que embutida na forma como os homens daquela época se referiam ao seres e aos eventos naturais, e o texto nos permite, tão somente, deduzir e tentar recompor esta grade ou sistema valorativo, tomado como hipótese.
Ou seja, é a partir de uma matriz cultural ordenadora que falamos acerca do mundo, e uma tal matriz é permanentemente elaborada: lidamos com balizas que não são fixas, pontos de referência que mudam segundo o tempo, as regiões e as trocas culturais, mas que também conhecem permanências, segundo as tradições, e reapropriações, com diferentes investimentos simbólicos. Trata-se, enfim, de um trabalho de investigação a ser desenvolvido ao longo de muitas vidas, por muitas pessoas.
O Lapidário é um documento de origem muçulmana, cujo autor é Abolays, sábio cuja identidade permanece a ser discutida, e que foi traduzido para o castelhano na corte do reino de Leão e Castela, a mando do infante Alfonso – como dissemos antes –, pelo médico judeu Hyud fy de Mosse al-Cohen Mosca, auxiliado pelo clérigo Garcí Pérez, em 1250. Referências a outros autores e obras no interior do texto levam a crer que o documento original, o muçulmano, teria sido redigido entre os séculos X e XI.  Nele são descritas 360 pedras, cada uma vinculada a um dos 360º do círculo do Zodíaco, trinta – pedras e graus – correspondendo a cada um dos 12 signos. Cada grau e cada pedra correspondem a uma estrela da constelação zodiacal, da qual esta última recebe todas as suas características – desde sua composição elementar, ou seja, a quantidade de calor, frio, umidade ou secura que ela possui, suas propriedades curativas decorrentes de tal composição – como a capacidade secativa de uma pedra muito quente e seca –, até aquelas qualidades operativas e mágicas, que não decorrem daquela – como o poder de angariar notoriedade e a afeição de um grande número de pessoas, por exemplo.
Entre os males do corpo, o Lapidário cita e recomenda usos de pedras para o tratamento da hidropisia, da sarna, das artroses, da lepra, de envenenamentos, de hemorragias, de problemas de pulmão, rins, fígado, estômago, olhos, coração, baço, bexiga, de impotência, para beneficiar os partos e promover a gravidez, por exemplo. Mas também são empregadas na pigmentação dos cabelos, para a preservação dos bens, para a aquisição da oratória, para a proteção contra feitiços, contra espíritos assustadores, para a conservação dos alimentos, por exemplo.
Temos diante de nós, portanto, um documento riquíssimo para a investigação acerca de hábitos, a relação entre os homens e os outros seres, a maneira como estes eram apreciados, valorados e classificados, as noções de saúde, doença, remédios e alimentos, como era visto o céu, entre tantos outros temas que o Lapidário sugere.
O Lapidário de Alfonso X faz parte de um gênero literário bastante comum na Antiguidade e Idade Média, no Ocidente e no Oriente: lapidários, segundo Carmen Calvo Delcán, são “catálogos de pedras, quase sempre preciosas ou semipreciosas, às quais se atribuem poderes mágicos ou maravilhosos, virtudes de caráter terapêutico ou de utilidade prática.” (DELCÁN, 2001, s/n). Sua origem remonta à Índia, à Pérsia, à Mesopotâmia, e rapidamente difundiram-se no Ocidente, depois das conquistas feitas por Alexandre, no século IV a. C.
Tais documentos constituem uma tradição viva, porque foram copiados, recopilados e acrescidos de informações ao longo dos séculos, acabando por ser amplamente difundidos no período medieval, no Ocidente e no Oriente Próximo.
Estudiosos do tema elaboraram classificações desses lapidários, de forma a abarcar em grandes conjuntos a diversidade desses documentos. Robert Halleux e Jacques Schamps (1985) , por exemplo, dividiram-nos em quatro categorias – proposição que se tornou clássica no estudo do tema:

  1. lapidários que reúnem as pedras segundo suas propriedades físicas – peso, cor, fissilidade, porosidade etc. Reservam pouco espaço para usos mágicos e medicinais.
  2. documentos desse gênero que apresentam as pedras sob o ponto de vista de suas virtudes mágicas. São frequentemente atribuídos a autores de origem oriental.
  3. uma corrente que, além de  atribuir virtudes mágicas às pedras, vincula-as aos astros.
  4. uma alegórica, de origem judaico-cristã, que lhes atribui valores simbólicos, frequentemente relacionados com passagens bíblicas.

O Lapidário de Alfonso X insere-se, claramente, no terceiro tipo. No documento estão descritas as pedras segundo suas virtudes mágicas, bem como os laços que as ligam aos astros do céu – embora elas também tenham suas propriedades físicas e medicinais ali apresentadas, como ocorre com os lapidários do primeiro tipo.
Falar sobre as pedras do documento alfonsino, entretanto, traz em si grande complexidade: ainda que à obra se atribua uma origem muçulmana, ela está estreitamente vinculada a tradições de diferentes culturas do Oriente, de períodos não bem definidos. A maior parte das pedras ali descrita tem nomes e propriedades que não encontram paralelo em outras obras do gênero e do mesmo período. Muitos pesquisadores tentaram identificá-las, com maior ou menor sucesso, e boa parte das discussões incidiu sobre tal perspectiva – sua identificação 3. Algumas são conhecidas, mas outras são nomeadas em árabe, em caldaico, ou em persa - nomes que em nada lembram os gregos e latinos. E, descobrir a origem desses nomes nessas outras línguas não significa que elas correspondam às pedras que conhecemos. E esforços semelhantes continuarão, sem dúvida, a ser empreendidos, e certamente nos levarão a entender melhor as propriedades das pedras descritas no Lapidário.
Nossa proposição de análise, contudo, incide sobre um outro viés, como apontamos anteriormente. Gostaríamos de entender a ação das pedras, não tanto sob a perspectiva de nossos valores contemporâneos – ou seja, tentando identificar processos e modos de operação e composições químicas das pedras a partir de nossas premissas teóricas –, mas sob aquela daqueles que redigiram e traduziram o Lapidário no século XIII. Mesmo que, em alguns momentos, não tenhamos qualquer ideia acerca de qual pedra a que o documento se refere, sabemos que há uma pedra, dotada de tais e tais qualidades, cunhadas por uma estrela do céu e que, associada a tal planta ou tal animal, age de tal forma sobre o homem, ou sobre certa doença, ou sobre determinado animal, ou ainda, sobre um ente sutil.
A maneira como as pedras são descritas, bem como a forma como agem sobre outros seres encontram uma explicação interna no texto, e tais concepções não estão destacadas daquelas que são correntes na época em que ele é traduzido: para que as receitas que compõem o Lapidário fizessem algum sentido para aqueles que delas fizeram uso no tempo de Alfonso X, elas precisavam estar sustentadas por ideias conhecidas e aceitas. Algumas daquelas faziam parte do repertório de receitas tradicionais, passadas de geração a geração; outras, apoiavam-se em ideias populares correntes; outras, ainda, ancoravam-se em teorias bastantes sofisticadas, oriundas de meios cultos, embora referidas de maneira indireta, ou, muito simplesmente, pressupostas. E, que ideias e teorias seriam estas?
Tal questionamento nos parece tanto mais importante, na medida em que Alfonso X vive numa época em que novas formas de ver o mundo e os seres estão sendo elaboradas, combinando-se, articulado-se, enfrentando-se com as anteriores. Há, por um lado, uma maneira de ver os seres que é orientada por critérios anatômico-fisiológicos, tributária das obras naturais aristotélicas que começam a ser reintroduzidas no Ocidente, a partir do século XII 4, acrescentando-se ainda a Metafísica e Da geração e da corrupção, seguidas pelas obras de zoologia 5, no século XIII, com as traduções empreendidas em Toledo e outros centros. Tal perspectiva está preocupada em entender como estes estão organizados internamente para realizar as funções que promovem a vida, como veremos a seguir.
E se as obras de Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.), que trazem uma nova forma de ver a natureza e a constituição dos seres – das quais somos nós mesmos, contemporâneos, grandemente tributários – só são introduzidas nos séculos XII e XIII, como se classificavam os seres até então? Como essa diferente forma de conceber os seres e a natureza foi assimilada por aqueles que empregavam as pedras, as plantas e as partes dos animais nas terapias curativas? Quais eram as teorias anteriores de que partiam? Como são classificados os seres no Lapidário de Alfonso X, traduzido e reelaborado num reino que conhecera todo o movimento de traduções, e num momento em que as teorias biológicas aristotélicas estavam sendo amplamente discutidas e incorporadas no domínio prático em vários centros cultos europeus?
A maior parte da atividade culta do Ocidente cristão na Península Ibérica, a partir das invasões dos muçulmanos vindos do Norte da África, em 711, desenvolveu-se dentro dos mosteiros. Estes, com o apoio dos governantes dos reinos que foram se formando ao longo dos séculos da Reconquista, tornaram-se os repositórios da cultura remanescente dos antigos latinos, dos eruditos cristãos do período final do Império Romano e do reino visigótico. Há uma atividade intensa dentro deles: ali, desenvolvem-se atividades de ensino, coleta e compilação de textos. Muitas dessas bibliotecas atraíam um número significativo de estudiosos que vinham de toda a Europa em busca de conhecimento – como é o caso do mosteiro de Santa Maria de Ripoll, localizado na Marca de Espanha, na fronteira com o Império Carolíngio. (RUCQUOI, 1995).
Na área das artes, como a Medicina, até o século XI, quando novas ondas de traduções começam a introduzir obras de um outro estofo teórico, como ocorre em Salerno, com Constantino o Africano, a tônica recai nas compilações e composições de obras com caráter informativo, de aspecto composto, com justaposição de partes e adaptações, desvinculadas de sua matriz teórica; enciclopédias e manuais de cunho prático; farmacopeias, receituários e lapidários - compêndios que enumeram os medicamentos segundo suas virtudes terapêuticas. Pedras, plantas e animais eram nomeados, valorados e catalogados segundo sua utilidade e seu convívio com o mundo humano.
Nessas bibliotecas era possível encontrar alguns tratados, traduzidos nos séculos V e VI, do corpus hipocrático: Ares, águas e lugares; Das doenças das mulheres; Semanas; Da natureza do homem; Do regime; Aforismas, além de uma série de textos apócrifos. E, também, obras falsamente atribuídas a autores antigos e que se tornaram célebres, como por exemplo, o Medicina, de Pseudo-Plínio; Epistola ad macenum, falsamente atribuída a Hipócrates, o Herba vettonica, de Pseudo Antonio Musa, o Herbarium, de Apuleio de Madaura (autor do século II), por exemplo.  (JACQUART, 1990b; 1995).
Quanto a Galeno (aprox. 131 – 200), além dos vários textos que lhe eram pseudamente atribuídos, só se conhecia, traduzidos, na época, o De sectis, o Ars medica, o De pulsibus ad tirones, e uma má tradução do Ad glauconem de medendi methodo, do qual foi suprimida a parte teórica. Alguns fragmentos galênicos podem ser encontrados interpolados em outros textos.
Dos enciclopedistas bizantinos, Oribásio (320-400) foi bastante conhecido, e sua obra é marcada por um forte conteúdo galênico; conhece-se, ainda, embora pouco, Alexandre de Trales (séc. V) e Paulo de Egina (625 - 690), que só foi traduzido, em parte, no século X. As obras dos metódicos são mais conhecidas graças à difusão de adaptações das obras de Soranos de Éfeso (aprox. 70 - 130) (médico do século II).
Também muito lida, a obra de Isidoro de Sevilla (560-636) Etimologias (1951) reúne o conhecimento da época acerca de doenças, propriedades de plantas e pedras nas práticas curativas, fazendo apelo aos humores e às qualidades elementares – quente/frio/úmido/seco – constitutiva das coisas.
Somam-se a essa lista, obras que integram conteúdos mais empíricos, como o De medicamentis liber, deMarcellus de Bordeaux (século V): tratava-se, essencialmente, de uma coleção de receitas extraídas de textos médicos antigos, de receitas populares e ouvidas de outros, que não dispensavam os aspectos mágicos. Na mesma linha inscreve-se o De observatione ciborum, de Anthimus (século V) e outros.
Há, portanto, uma série de textos que, no seu conjunto, não permitem depreender um sistema coerente de explicação dos eventos fisiológicos, das doenças e dos processos de cura. Na maior parte, as adaptações, compilações e traduções destinavam-se ao emprego imediato, destituídas de um substrato teórico e de uma produção intelectual de cunho médico.Os conceitos fundamentais forjados pelos antigos haviam se perdido dentro de um saber fragmentado [...].”(JACQUART, 1990a, p. 92-93).
O Lapidário de Alfonso X inspira-se, por um lado, ampla, mas discretamente, nas teorias de Galeno. As pedras, como todos os seres, são o resultado da combinação dos quatro elementos – fogo, ar, água e terra – e das qualidades resultantes – calor, frio, umidade e secura. Segundo os elementos que se destacam nessa combinação, as pedras são qualificadas como frias e úmidas, frias e secas, quentes e úmidas ou quentes e secas, nos graus de 1 a 4, que correspondem desde a ação inaparente, mas eficiente, até a ação mais veemente (calor, frio, secura ou umidade extremas), conforme postula o médico. (GALIEN, 1542).
As doenças e a fisiologia do corpo descritas na obra de Alfonso X são igualmente pautadas pela mesma teoria, e de forma bastante acabada – já não se trata de uma ideia fragmentária e empregada apenas para curar objetivamente uma determinada enfermidade. Tributária da concepção hipocrática, a teoria galênica entende que, no corpo humano, cada humor é produzido no corpo por um órgão, e depois é misturado e distribuído pelo corpo: o sangue é produzido pelo coração e é responsável pela nutrição; a flegma ou linfa é produzida pelo cérebro e associada à secreção límpida, a coriza, e é a mantenedora dos nervos e das membranas; a bile amarela é o suco amargo e queimante produzido pelo fígado e responsável pela cocção; a bile negra, associada ao baço, mantém os ossos e os tendões em bom estado. Todo corpo humano tem em si esses quatro humores, em diferentes proporções, mas segundo uma justa medida; e deste equilíbrio decorre a saúde ou a doença dos corpos. (JOUANNA, 1995).
Por outro lado, Galeno faz uso do princípio pneumático: o corpo seria dinamizado por uma energia sutil, absorvida junto com o ar que entra pelos órgãos da respiração. É o pneuma, qualificado no fígado, no coração e no cérebro que garantem o exercício das diversas faculdades dos seres, das mais concretas como a reprodução, digestão, excreção, às mais complexas como a percepção e o raciocínio.
Chamando o pneuma de espírito, à moda latina, o Lapidário dá prova de sua vinculação a uma concepção pneumática e galênica ao nos explicar que os venenos matam porque expulsam aquele componente do corpo:

 
69]. Da pedra a que chamam de bezahar. [...]. sua virtude é combater o tóxico, tanto aquele que causa dano mas não mata, como aquele que mata, e tanto  contra os venenos que nascem das coisas da terra, como aqueles que estão nos animais.[...]. [E os sábios] disseram que o tóxico mata não tanto por causa de sua compleição de frio ou de quente que nele há, senão pela força da má virtude que nele abunda e que vai diretamente para o sangue do coração e do fígado, [...], também vai para as veias do sangue corrente e encerra o espírito que anda por elas e empurra-o tão fortemente que o faz sair do corpo do homem e deste modo o mata se não o vão socorrer com aquelas medicinas que servem para isto. (ALFONSO X, 1980, p. 34, grifo nosso).

O Lapidário menciona, na citação, mas também ao longo do texto, o sangue do fígado, que é pneumatizado por esse órgão, e o sangue do coração, onde é alimentado pelo pneuma vital.
Divididas entre quentes e secas, quentes e úmidas, frias e úmidas, frias e secas, as pedras podem agir por ambas ou por apenas uma das qualidades que as constituem, dependendo do grau em que se manifestam. A hidropisia, por exemplo, que é descrita como o acúmulo de uma água amarela, quente e um tanto salgada no corpo e, particularmente, nas articulações, pode ser tratada por pedras que sejam secas e frias, ou secas e quentes, porque secam a umidade que caracteriza a doença; mas pode ser tratada, também, por pedras úmidas e frias, porque agem sobre o calor da doença, que é de natureza quente e úmida.
A maior parte das doenças é causada por excesso de umidade no corpo – gota, artrose, tísica, sarna –, que corresponde à flegma, cuja sede é a cabeça, embora todos os humores estejam misturados entre si e distribuídos pelo corpo, quando a pessoa está saudável. Mas os outros humores são também citados: requerem controle e, até mesmo, a purgação.
A melancolia, por exemplo, que é o excesso de bile negra, ligada à terra e ao baço, causa tristeza e medo. As pedras que a tratam fortalecem o coração e limpam o sangue que ali passa. Também são recomendadas para o fortalecimento dos ossos, porque da mesma forma esses estão ligados à terra – sendo a parte mais sólida do corpo.
O pó das pedras, que secam e aquecem, pode ser misturado à água e pingado no nariz e nos olhos, de modo a escorrer para o interior da cabeça, impedindo que a água desça dali e provoque a tísica nos pulmões. Ingeridas, secam e constrangem os nervos, dando-lhes vigor, força – embora outras ajam de maneira tão incisiva e forte, que podem causar seu encolhimento. Nesse caso, faz-se o tratamento para umedecê-los e relaxá-los.
Boa parte das pedras é tóxica, embora haja outras que se caracterizem como neutralizadoras desses efeitos danosos. Grande parte das pedras é, por isso, empregada para tratar doenças dermatológicas, provocadas em geral por ferimentos ou excesso de umidade, como a sarna, a comichão, as escrófulas, a lepra e para os problemas do couro cabeludo.
Sendo tóxicas, quando ingeridas, criam chagas no intestino, baço, rins, fígado, bexiga, porque alteram suas compleições. Mas há outras que curam as doenças nesses órgãos, causadas pela alteração dos humores. Algumas delas quebram as pedras que se formam nos rins e na bexiga, por exemplo, e o Lapidário nos explica que:

 
[57]. Do XXVII grau do signo de Touro é a pedra que acham no homem; [...]. Segundo definiram os sábios, os animais – menos o homem – têm os condutos largos, por onde correm os humores grossos e saem com a urina, mas o homem os tem estreitos e [por onde] não podem tão facilmente correr os humores e, detendo-se quando chegam a algum lugar onde há mais calor, coalham-se, pelo que vão se superpondo [...]. (ALFONSO X, 1980, p. 28).

Em largas linhas, essa é a dinâmica que anima o conjunto das receitas que compõem o Lapidário, tal como a abstraímos da leitura do seu conjunto – uma vez que o documento não traz uma apresentação dos princípios que orientem a parte medicinal, embora os traga expressos em meio às indicações de uso e preparo das pedras.
Galeno foi o mestre inspirador da medicina praticada e escrita no Oriente. Nos séculos V e VI, toda a região do Mediterrâneo – desde a Sicília, passando pela Anatólia, Síria, Alexadria, Kaiouran, Tunis – empreendia traduções da obra do médico, originalmente escrita em grego. Destacam-se, nesse contexto, as traduções feitas na Síria, por Sergis de Ra`s al-Ayn (+536), para o siríaco, de 26 obras do médico. Em Alexandria, no século VI, dezesseis obras de Galeno foram sintetizadas, traduzidas e reunidas e, juntamente com outras 12 de Hipócrates, vieram a compor um programa de estudos médicos, seguidos por inúmeras outras cidades ao longo de séculos. Outros centros importantes na Pérsia, como Gundishapur, também se debruçaram sobre as obras desses mestres. E, da mesma forma, no Império Muçulmano, sobretudo após a fundação da Casa da Sabedoria – centro de estudos de todas as ciências, com destaque para a Astronomia e para a Medicina –, tal esforço foi realizado sob al-Ma’mun (813-833), em Bagdá. (AMASUNO, 1987).
No Ocidente cristão, Galeno começa a ser introduzido em Salerno, com a tradução de escritores médicos muçulmanos que nele se abeberaram. O nome que se destaca, nesta cidade, é o de Constantino, o Africano 6, que traduz, para o latim, obras de autores que viveram em Kairouan, localizada no Norte da África: Ishaq ibn Imran, Ishaq al-Israeli – ambos com formação em Medicina no Oriente –, e Ibn al-Gazzar. Constantino debruça-se, sobretudo, sobre o Isagoge, inspirado em Hunain ibn Ishaq (808?-873), e o Pantegni, de Ali ibn al-Abbas al-Magusi (morto em 982/994). (JACQUART, 1995; 1990a).
Alguns estudiosos, como García-Ballester (2001), perguntam-se: por que os tradutores escolheram obras muçulmanas para apresentar Galeno? Por que as obras desse médico não foram traduzidas diretamente? O mesmo autor sugere que Galeno poderia ser intimidador, porque ele parte de um lastro filosófico rico, que emprega algo do platonismo, do aristotelismo, do estoicismo, do metodismo.
A Medicina não tem uma conexão necessária com a filosofia natural. Entender processos fisiológicos intrincados, que ocorrem no interior do corpo, a partir de nexos causais de grande amplitude, nexos que excedem sua circunscrição, ou ainda seu entorno imediato, entender a constituição das partes do corpo no contexto de um sistema explicativo integrado, entender a doença e os procedimentos curativos pensando todos os elos causais que encaminham para um equilíbrio do corpo – tudo isso requer instrumentos teóricos e racionais, método de abordagem, treinamento no seu uso, a abertura de campos investigativos e um conjunto de obras que ofereçam um suporte para o pensamento. García-Ballester (2001) frisa o fato de que há uma aristotelização de Galeno nas obras árabes, no sentido de que ele é explicado a partir de sua inserção no contexto da filosofia natural do Filósofo – tal como este fora lido por aqueles.
Há diferenças muito significativas do ponto de vista da anatomia, da fisiologia, do processo reprodutivo, da maneira como se configura a alma, em particular, entre ambos os autores, Galeno e Aristóteles, e tais diferenças darão ensejo a outras discussões no Ocidente, no curso do século XIII, quando as obras zoológicas de Aristóteles serão traduzidas. Mas num primeiro momento, a leitura feita de Galeno pelos olhos dos muçulmanos forneceu um escopo conceitual que permitiu que um conjunto de estudiosos pensasse acerca da Medicina a partir da reflexão teórico-filosófica – e não apenas prática.
Embora Galeno não professe nenhuma doutrina filosófica específica, ainda que se desdiga frequentemente, voltando a percorrer os caminhos de sua reflexão sob novas perspectivas – o que torna sua própria doutrina bastante complexa –, ele emprega uma formulação de cunho marcadamente aristotélico quando se refere à anterioridade lógica da forma na constituição dos seres; quando fala da finalidade de cada uma das partes do corpo; das faculdades da alma – embora tenha um entendimento bastante diferente do de Aristóteles acerca desta; na ideia de que matéria e forma, assim como alma e corpo, são indissociáveis; na ideia de que a matéria é sempre qualificada.

 
12. A Natureza é anterior à disposição dos elementos; é ela que os dispõe segundo sejam animais ou plantas. E isso ela realiza em virtude de certas faculdades inatas que possui – atrativa, assimilativa, expulsiva. Depois, ela molda todas as coisas durante o estágio da gênese; e as provê, depois do nascimento, empregando ainda outras faculdades. (GALEN, 1952, p. 173).

A Natureza, como diz Galeno, constrói os tecidos, os ossos, as cartilagens, os nervos, as membranas, os ligamentos, as veias, tudo de que o corpo tem necessidade desde a semente fecundada no útero. Ela o faz atraindo os elementos de que necessita, empregando os quatro elementos primordiais e suas qualidades, transformando-os, dispondo-os e formatando-os segundo a necessidade e a função a ser desempenhada. A forma, ou a Natureza, como Galeno a chama, opera segundo uma disposição que é anterior à realização, que é impessoal, e que obedece ao fim maior de toda a existência, mas atendendo à especificidade e a todos os detalhes da forma particular.
Segundo Aristóteles (1969; 1947), matéria e forma são componentes logicamente distintos, mas que, na realidade, estão sempre associados nos entes materiais. Mas enquanto princípios intelectualmente discerníveis, a matéria é passiva: o que, efetivamente, qualifica a junção, cunhando-a com todas as suas características, é a forma. Esta é o que faz as coisas e os seres serem o que, de fato, são. É da forma que damos definições, que dizemos que tipo de coisa algo é. É ela que faz disso planta e daquilo homem. É ela que estabelece que tipo de planta, que tipo de animal, que tipo de pedra assim se configura. A classificação diz respeito, precisamente, a uma operação que reúne os seres segundo semelhanças, e os separa segundo diferenças formais. Apreendemos as características gerais, aquelas que se encontram num grande número de indivíduos: primeiramente, aquilo que é comum ao gênero, e depois, às espécies dentro dos gêneros. Entre os gêneros, há diferenças tão grandes que só as analogias são possíveis.
A classificação de cunho aristotélico identifica que atributos são essenciais, os quais, por via de regra, definem que tipo de coisa uma coisa é. Ela ancora-se, fundamentalmente, numa visão de como se constituem os seres, e que lugar no mundo eles ocupam. E que características são essenciais? Aristóteles e Galeno - na sua esteira – estão atentos à maneira como os seres estão organizados anatômico-fisiologicamente para responder às funções básicas que promovem a vida: nutrição, digestão, excreção, reprodução etc. É pela maneira como os seres estão organizados para corresponder a tais faculdades que extraímos suas características fundamentais. É a forma, isto é, a alma – quando se trata dos seres vivos –, que organiza os corpos segundo os fins a que devem corresponder. A alma atrai, agrega, e se torna una com a matéria que organiza. Ela reúne, de acordo com o gênero, diversas faculdades, das mais simples às mais complexas. As plantas possuem uma alma dotada de faculdades vegetativas, que promovem a nutrição, a assimilação, o crescimento, a reprodução. Nos animais, a alma agrega as faculdades vegetativas às anímicas – sensação, desejo, locomoção. No ser humano, alma reúne todas as demais, e agrega-lhes a racional. As pedras não têm alma, mas age sobre elas a forma, impulsionada pelo movimento cósmico: ela opera sobre os quatro elementos primordiais, e estes vêm a compor pedras e metais.
Aristóteles introduz, assim, um método de classificação que se orienta pela divisão dos seres segundo sua morfologia e função que seus órgãos realizam, separando-os em agrupamentos segundo relações mais extensas de semelhança e analogia. São categorias bastante rígidas, que admitem com certa dificuldade os seres híbridos e as mutações de uns seres em outros.
É sob a lente de tais princípios que Galeno é frequentemente lido pelos estudiosos muçulmanos do período medieval, e são as obras de tais estudiosos – tais como Razhes, Ibn Ishaq, Ibn Sina, Albucassis, al-Gazali - que são frequentemente traduzidos em Toledo nos séculos XII e XIII, e lidos pelos cristãos do Ocidente da época, sob a perspectiva de toda uma tradição platônica, neoplatônica, estoica, e toda uma herança cultural de cunho empírico. E é nesse contexto intelectual que o Lapidário de Alfonso X é traduzido e lido.
Quando lemos, por exemplo, que a aljofar, pedra quente e seca, deve ser empregada para fazer colírio com a finalidade de fortalecer os nervos e secar a umidade que desce para eles, devemos nos remeter à anatomia do olho, tal como ela é formulada pela tradição galênica, e lembrar que a cabeça é o lugar onde se produz a flegma, humor aquoso cujo excesso explica a origem de inúmeras doenças, sobretudos aquelas que afetam os olhos, os brônquios, os pulmões.

 
[11.] Da pedra a que chamam aljofar.
Do décimo primeiro grau do signo de Áries, é a pedra a que chamam de aljofar. É de natureza quente e seca. [...]. Também fazem pós com ela, que põem nos olhos, porque clareia muito a vista, fortalecendo os nervos, tirando os vapores e enxugando a umidade que desce para eles. [...] O mesmo fará se colocarem dela no nariz daquele que tem dor de cabeça por causa dos movimentos dos nervos dos olhos. (ALFONSO X, 1980, p. 8-9, grifo nosso).

O canal linfático vem do cérebro, atravessa o nervo óptico, alimenta e umedece os olhos por pequenos vasos. O excesso de umidade produzido no cérebro causa-lhes doenças. O colírio quente e seco, seca-a, constrange os nervos, fortalecendo-os. Pingado no nariz, cura a dor de cabeça porque há um canal que une este órgão aos olhos.
E assim, ao longo de todo o Lapidário, vemos o emprego de pedras, plantas e partes de animais obedecendo a uma ideia de corpo informada por uma tradição médica de cunho galênico, por um lado, e a identificação e a atribuição de propriedades, como a quantidade de calor, umidade, secura ou frieza desses seres, e faculdades como a capacidade de constranger, apertar, soltar, lavar, digerir, supurar etc., baseadas em tradições culturais imemoriais, por outro.
Nesse segundo sentido, vemos o texto, pouco a pouco, afastar-se de uma determinada maneira de entender os seres, aquela oferecida pelos postulados de cunho aristotélico –orientada pela constituição anatômico-fisiológica dos corpos –, e adotar outras balizas de classificação, fundamentadas numa outra percepção da natureza.
Se Galeno postulava uma faculdade atrativa da alma e da Natureza para reunir os elementos materiais que pudessem constituir os corpos segundo as funções que precisavam desempenhar neles, tal propriedade era tida como ação impessoal, agindo de forma global, universal nos seres de um determinado gênero e espécie. No Lapidário, por outro lado, vemos tais propriedades dos seres tomarem conotações volitivas, emotivas e morais. Vemos as pedras cumprirem funções movidas por sentimentos.
As pedras nutrem apreço ou desapreço pelo contato com substâncias, ou mesmo entre si.

 
[10.] Da pedra que foge do leite. [...] sua propriedade é tal que se a colocarem perto do leite de qualquer animal, salta e foge de perto dele, de tal forma que de nenhuma maneira se quer juntar com ele; e isso é pela inimizade que tem para com ele, segundo sua natureza.[...]. (ALFONSO, 1980, p. 8)
[51.] Da pedra que foge do vinho. [...] e tem outra virtude: aborrece-lhe tanto o vinho, por sua natureza, que quando a colocam com ele, salta e foge dele muito rapidamente.[...]. (ALFONSO, 1980, p. 25)
[105]. Da pedra que foge do mel. [...] sua propriedade é tal que aborrece o mel, de forma que quando o colocam perto dela, esta salta e foge o quanto pode. [...]. (ALFONSO, 1980, p. 47)
[177]. Da pedra [que foge] do vinagre. [...] sua virtude é tal que parece que aborrece-lhe o vinagre e todas as coisas acres, de forma que quando o colocam perto dela, esta salta e foge, afastando-se o quanto pode dele.[...]. (ALFONSO, 1980, p. 72)
[231]. Da pedra a que chamam atymçar. [...] ajuda muito a fundir o ouro porque o abranda. Quando os colocam juntos, esta pedra faz o ouro fundir tão depressa que parece que lhe tem medo.[...]. (ALFONSO, 1980, p. 93)
[301.] Da pedra que tem o nome de yethniel. [...]. Esta pedra e a rubi se querem muito mal, de maneira que se a colocarem juntas, dana-se cada uma delas e quebram. (ALFONSO, 1980, p. 116).

Ainda que venhamos a considerar tais qualificações como um efeito metafórico no emprego da linguagem, forçoso é perceber que há uma aproximação forte, uma projeção que toma como parâmetro o mundo humano.
O Lapidário, além disso, não se furta à apresentação de alguns seres maravilhosos, aliás, já conhecidos pelo repertório fantástico do Ocidente e do Oriente 7. A pedra que foge do vinho, por exemplo, é encontrada na ilha de Alcuçun, vizinha da ilha Vacuac, onde há árvores cujos frutos são seres curiosos.

 
[51]. [...] perto da ilha a que chamam Vacuac, que tem este nome porque, segundo diz Ptolomeu, nascem naquela terra, nas árvores, umas frutas com figura de mulheres presas pelos cabelos; enquanto estão nas árvores, verdes, estão vivas e nunca deixam de dizer vacuac; e quando estão maduras, caem e morrem.[...]. (ALFONSO, 1980, p. 25).

O Lapidário aceita a ideia de que haja árvores que geram frutos vivos, movidos por um princípio anímico e que são capazes de falar: vacuac.
O documento também admite que propriedades essenciais – como a presença de veneno no corpo de uma serpente ou outro animal peçonhento – possa ser adquirida por contato: algumas pedras tornam-se tóxicas por nascerem em lugares onde há seres venenosos ou pelo contato com sua pele ou seus fluidos:

 
[199.] Da pedra a que chamam de tarnificen.
Do XVIII grau do signo de Escorpião é a pedra a que chamam de tarnificen; [...] É encontrada em um lugar chamado de Cova do Paraíso, que fica no começo da Terra de Promissão [...]. Nesta cova mencionada, há muitos tipos de cobras e serpentes, e há uma espécie delas que são da largura de um palmo, semelhantes a víboras. E têm tal propriedade que quando sobe o planeta Marte sobre a terra, emitem vozes tão estranhas que quem as ouve, logo morre [...]
Se a moerem [a pedra] depois de ter sido queimada e colocarem dela um pouco sobre o ferro ou outra coisa quando está fundindo, e com ele fizerem lança ou uma arma qualquer, e ferirem com estas a algum animal de maneira que saia sangue, não poderá se salvar e morrerá. (ALFONSO, 1980, p. 81).

Um animal tão extraordinário, uma serpente de um palmo de largura que emite vozes que matam quem as ouve, teria, naturalmente, que ser um animal venenoso e letal também quanto ao seu corpo. Há seres que, no Lapidário, matam pelo som que emitem – como no exemplo citado –, mas há também seres e pedras que matam pelo fato de serem vistas, e também pelo contato que com elas se têm – além, é claro, daquelas que são consumidas oralmente. A letalidade da pedra citada está relacionada com a das cobras e serpentes peçonhentas, uma vez que ela nasce justamente onde essas vivem.
No Lapidário, a noção de que o meio onde nascem as pedras relaciona-se fortemente com a disposição de suas qualidades intrínsecas, estende-se para a ideia de que propriedades essenciais podem ser adquiridas também pelo mero contato com outros seres circundantes.

 
[31.] Da pedra chamada diamante. [...] Esta pedra é, por sua natureza, fria e seca no quarto grau, e é achada no rio que se chama Barabicen, que corre por aquela terra chamada Horacim; mas ela só nasce na terra que é seis meses dia e seis é noite, e nenhum homem pode chegar onde nasce aquele rio, porque há ali muitas serpentes e outras bestas venenosas de muitas classes, e ali estão as víboras que matam somente com sua vista. [...]. Mas esta pedra é venenosa por causa daquelas animálias venenosas que se criam onde ela nasce; e, como estas pedras são sempre quadradas e agudas, rasgam-se aqueles animais e aquelas recebem deles o veneno, de modo que se os homens as colocam na boca, caem-lhes os dentes. E fazem algo ainda pior: se dela moem o peso de uma dracma com o chumbo, e a dão para beber a algum homem, mata. [...]. (ALFONSO, 1980, p. 17, grifo nosso).

O diamante tem virtudes negativas, venenosas, porque o sangue de animais peçonhentos costuma banhá-lo, e não porque o veneno faça parte de sua natureza essencial. A pedra incorpora fisicamente uma virtude que concerne àqueles animais, porque a malignidade destas e a do meio que a circunda, a cunha, a molda, exerce poder sobre ela. 
Nesse mecanismo de aquisição de virtudes por contato, intervêm outros princípios de operação – estes, estranhos ao domínio de explicação propriamente galênico. Não se trata aqui de um poder de atração, mas de assimilação, de imitação de propriedades, contágio por similitude, vizinhança, consonância e até por ’amizade’.
Numa ordem de raciocínio que se avizinha, o Lapidário também admite a transformação de uma substância em outra, como vinho em água, ou como sangue em água, pelo poder de determinadas pedras ao serem imersas nos recipientes que os contém.
Entre vários exemplos de mudanças que poderíamos citar a partir do Lapidário, temos os seguintes:

 
[195.] Da pedra que tem nome de caraheyxura.
[...]. Tem outra virtude muito maravilhosa: se se coloca algo dela em algum vaso em que haja leite, torna-o logo sangue, em substância, cor, sabor e todas as suas qualidades. (ALFONSO, 1980, p. 79, grifo nosso).

E também:

 
[51.] Da pedra que foge do vinho.
Do vigésimo primeiro grau do signo de Touro é a pedra que foge do vinho. É fria no fim do quarto grau e seca no começo do segundo. [...]. [Queimada, sua cinza] tem tal propriedade que se tomarem dela um vaso e a deitarem em uma cuba de vinho, por mais forte que ele seja se danará e se tornará em substância e cor de água. [...]. (ALFONSO, 1980, p. 25, grifo nosso).

Com respeito ao sangue, tanto Galeno (1952) como Aristóteles (1984) entendem que sua geração ocorre dentro do corpo de uma boa parcela de seres vivos (animais e homens), pela complexa e fundamental transformação do alimento pela ação do fogo, do calor interior. Embora tais processos sejam explicados com algumas diferenças entre os dois autores, o fato é que, para ambos, tais transformações não são acidentais, mas substanciais – quando as mudanças que ocorrem resultam na transformação de uma substância 8 em outra –, e como tais, ocorrem segundo uma causa formal – o fato de que aquilo que se transforma, o faz de algo para algo, segundo uma disposição já existente potencialmente naquilo que muda; segundo uma causa final – o fim a que se destina: no caso do sangue, alimento para os órgãos corporais; segundo uma causa eficiente, ou seja, aquilo que faz com que tal mudança de fato ocorra: o calor, o fogo; uma causa material – os componentes daquilo que virá a ser têm que pré-existir naquilo que é atualmente.
A transformação substancial de leite em sangue pela mera imersão de uma pedra moída não é justificada por nenhuma das causas acima aludidas – não é um processo que ocorre dentro de um corpo animado, não obedece a uma causa formal, porque não há na forma do leite nada que, objetivamente, suponha sua transformação em sangue; não há uma finalidade que a torne necessária – a de alimentar o corpo onde a operação se realiza.
Quanto à transformação de vinho em água pela imersão das cinzas de uma pedra, também não é algo menos surpreendente do ponto de vista galênico presente na obra. O vinho é composto de água e de terra.  O evento, relatado nos Evangelhos de S. João 9, em que Cristo transformou a água em vinho, acrescentando àquela não apenas o componente terroso, mas também o princípio formal que transforma isso que é água nisto que é vinho, foi e é considerado um efeito milagroso por todos os cristãos: Cristo acrescenta algo que não estava dado potencialmente na disposição natural daquilo que era tão somente água. Mas, também o inverso é surpreendente: porque a adição das cinzas da pedra ao vinho não é suficiente para explicar como aquilo que faz daquilo (uvas, mosto, calor – além da água) vinho, é suprimido de sua composição original.
Junto ao uso de pedras, o Lapidário sugere o uso de plantas e partes de animais, como dissemos antes. Seu emprego, ainda que possa ser orientado pela observação dos efeitos que produzem, estão condicionados a valores culturalmente forjados e impressos no seu perfil.  Enquanto nas teorias de cunho galênico e aristotélico o eixo explicativo gira em torno da idéia de que os seres capazes de realizar o maior número de faculdades são mais complexos, mais completos em relação ao modelo homem, no Lapidário tal idéia convive bem com outros critérios de valoração, como o da proximidade e uso que dos seres se faz na vida dos homens. É a partir do grau de trocas que realizam com o ser humano, segundo o valor simbólico e religioso de que são investidos, que os diversos seres ganham seu lugar.
Os crocodilos, os cavalos e os leões são vistos como animais dotados de virtudes superiores, de comportamentos que os aproximam do homem. Cavalos e carneiros são animais mais nobres, por serem dóceis ao comando e úteis, e o cavalo o é ainda mais, por compartilhar sentimentos com seu dono. As pedras agem de maneira pontual sobre tais animais: a camyulicaz (ALFONSO X, 1980, p. 39) age apenas sobre os cavalos; a pedra que aparece no mar quando sobe Marte (ALFONSO X, 1980, p. 11) age sobre os leões; a abçatritaz (ALFONSO X, 1980, p. 6) age sobre os crocodilos, a nifiçer (ALFONSO X, 1980, p. 29) age sobre os quadrúpedes carnívoros, e não sobre outros animais. E ainda, o documento também separa animais domésticos dos selvagens: as pedras não agem sobre uns e outros de forma semelhante. Não são observados os comportamentos anatômico-fisiológicos dos corpos e de seus órgãos, porque nesse caso, os remédios agiriam sobre todos aqueles que têm constituição orgânica semelhante.
Os animais são classificados conforme o meio onde nascem e vivem: animais que vivem na e da terra são os menos apreciados. Animais aquáticos vivem num mundo tão diferente, têm comportamento tão frio, que frequentemente têm pedras no lugar do cérebro. Por outro lado, há frutos que o Lapidário aproxima do mundo humano – como aqueles com cabeças femininas, presas pelos cabelos aos galhos, e que falam ‘vacuac’, tal como mencionamos anteriormente.
As pedras, por fim, ganham, cada uma, suas propriedades de uma determinada estrela – desde sua composição elementar – terra, água, ar e fogo –, até suas propriedades curativas inaparentes, virtudes que não decorrem apenas da quantidade de calor, frio, umidade ou secura que possuem, mas tão somente dos influxos celestes – como atrair sucesso, engravidar de filhos homens, preservar a comida, delatar a presença de venenos, proteger os viajantes, afastar espíritos, angariar amigos e riquezas, por exemplo.  Cada pedra é o resultado da ação de uma determinada estrela, e nada em sua feição deixa objetivamente explicada a relação de causa e efeito entre ambas: conhecer a que corpo celeste cada uma está ligada, e que ação produz nos outros corpos – de homens e animais – decorre de uma tradição, ligada à observação.
Tentamos, portanto, com ajuda de uma série de fontes do mesmo período, depreender as operações mentais que presidiram a atribuição de valores aos seres nesta obra específica, o Lapidário de Alfonso X. Trata-se de outras maneiras de ver o mundo, outros registros acerca do modo como ele funciona e se desdobra – vinculadas a uma tradição cultural, por um lado, e a introdução de novos balizadores conceituais, por outro.  E essas diferentes formas de explicar os fenômenos, os animais, as plantas, as pedras e as gentes do mundo, coexistiram não apenas nos textos, mas naquele mundo em que viveram os tradutores da obra e o próprio Alfonso X, bem como naquele daquele ou daqueles que a redigiram originalmente.
Entender um texto dessa natureza requer que tenhamos em mente que ele não está fechado em si mesmo; que ele está assentado sobre idéias e valores que são cultural e socialmente aceitos, ainda que não sejam objetivamente expressos – tamanha é sua aceitação como fundamentadores da realidade em que tais homens viviam. Entender as receitas que o texto propõe nos remete a uma investigação não apenas das teorias que as explicam, mas também dos valores curativos e valorativos que são atribuídos a seus componentes – pedras, plantas, animais, homens e seres sutis.

 

 

Rapport d’Étude : les questions qui ont orienté la recherche autour de la classification des étres dans Le Lapidaire d’Alfonso X, le Sage, et quelques conclusions..

Resumé:Le présent article a pour objectif de présenter certaines des questions qui ont suscité et orienté l'étude autour de la classification des êtres dans un texte spécifique, le Lapidaire, d'origine musulmane, traduit en 1250 à la cour du roi de Castille et de León, à la demande du futur roi Alfonso X (1252-1284). Le texte réunit la description et l'indication d'usage de 360 pierres pour les plus diverses maladies et circonstances quotidiennes. Chaque pierre tient ses propriétés d'une étoile, complétant ainsi les 360 degrés du zodiaque. Les formules réunissent, fréquemment, des plantes et des parties d'animaux. Le texte ouvre, donc, un large éventail de sujets, en faisant référence à des êtres de diverses natures, de la terre au ciel, justifiant, ainsi, l'intérêt de recherche du thème proposé.

Mots-clef:Alfonso X. Lapidaire. Classification..

 

1 Graduada em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre e Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em História dessa mesma instituição. E-mail: caiafi@gmail.com

2 ALFONSO X. Lapidario and Libro de las formas & imagenes [Texto impreso]. Editado por Roderio C. Diman e Lynn W. Winget. Madison : Hispanic Seminary of Medieval Studies, 1980.

3 Cf. MËLY, 1891; MÉLY; COUREL, 1893; PORTOLÉS, 1982.

4 Referimo-nos às obras Física, o De anima e o De caelo.  Cf. LIBERA, 1998, p. 360.

5 As obras de zoologia, de Aristóteles são as seguintes: História dos animais, Das partes dos animais, Da marcha dos animais, Da geração dos animais. Conf. Ibidem.

6   Constantino, provavelmente oriundo de uma das comunidades cristãs de Cartago, chega a Salerno por volta de 1077.

7 O mesmo relato acerca das árvores da ilha Vacuac é feito pelo mercador Sulayman, por exemplo. Cf. SULAYMAN, 1922, p. 28.

8 Substância, num sentido, o fundamento primeiro de um ser, de um item da natureza. A substância de algo é aquilo que uma coisa é essencialmente, é a condição de existência de todas as características que o qualificam. Conf. ARISTÓTELES. Metafísica, 1969, 1041b13-34.

9 Trata-se da passagem Bodas de Caná, onde ele realiza seu primeiro milagre. Cf. Evangelho de São João. Português. Biblia de Jerusalém, 2002, p. 1846, cap. 2, 1-12.

 

Referências:

 

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