Sobre o lugar do nacional na literatura e o lugar da literatura no nacional [1]
Jürgen Fohrmann
traduzido por Ana Helena Krause


1 O puro
2 Literatura (nacional)
3 Classificação, mito e o apóstrofe dos gêneros não nascidos
4 Tautologia
5 Forma vazia e “opção pela forma”
6 Violência da forma
7 O lugar da genealogia
Notas

1 O puro [2]

Existe uma literatura suíça, “puramente”? Assim como deve ter havido uma literatura “puramente alemã”? E a quem pertence o Reno?

“Poesia pura” corre no fundo do Reno, é justamente “poesia do Reno”.[4] Para Cäsar Flaischlen, ela se torna alemã, portanto, adotada e nacional, no Reno. Essa corrente subterrânea é o “fantasma da literatura nacional” e, ao mesmo tempo, a violência que está sempre ligada a esse tipo de atribuição? É nisso que eu gostaria de me aprofundar.

2 Literatura (nacional)

Literatura nacional” é o resultado de uma construção variada.[5] É claro que se poderia simplesmente enumerar todos as obras surgidas em um país e afirmar que isso é uma “literatura nacional”. Foi o que aconteceu até o século XVIII. O caráter de “literatura nacional” como resultado de construção surge desde o último terço do décimo oitavo século, porque seleções conduzem o processo de definição. Tais seleções já são a delimitação de “literatura” (no sentido de toda a produção textual) à poesia ou a restrição de literatura nacional a textos em língua alemã, ou seja, a segregação de textos em outras línguas que também eram escritos ou surgiam no “próprio país”, etc. Assim como no discurso sobre “Literatura Suíça”, também o veredicto de excluir dessas línguas a existência de literaturas em línguas diferentes e tratá-las como “unidade do plural”.

No que se refere a isso, trata-se sempre de duas decisões, que justificam, então, uma relação triangular. A primeira: não entender a literatura por mim analisada apenas como expressão do Pop ou do Modernismo estético, do Pietismo ou do Neo-romantismo, mas também como sinal de uma especificidade suíça, francesa, alemã ou inglesa, que, sistematicamente, serve como pano de fundo para esta literatura. A segunda decisão: começar, então, um discurso que não apenas examina uma possível “forma” suíça, por exemplo, do Iluminismo, a partir de características abstratas do Iluminismo, mas, ao mesmo tempo, introduz um esforço comparativo, no qual se recorra, no mesmo contexto, a um Iluminismo inglês, francês ou alemão. Com isso, temos uma relação entre três elementos: (1) país A, (2) o objeto observado e (3) país B. Todos nós nos acostumamos a pensar, a falar dentro dessa relação.

O objeto observado (também para além do campo da literatura) liga e separa país A e país B, de uma forma, por assim dizer, paradoxal: ele é a ligação e ele ao mesmo tempo separa, porque, no momento da análise, ele também demarca uma fronteira: a política de fronteira.

Essa pode ter funções bem distintas: uma fronteirização política tem um significado diferente do que uma econômica; afirmar fronteiras lingüísticas exerce outra função do que a ênfase sobre campos de influência jurídica. Os discursos sobre a “nação estatal”, a “nação cultural” e também sobre o “patriotismo constitucional” têm aqui seu lugar.

Subsistemas sociais diferentes utilizam, portanto, de forma bem diferente a fronteira que é dada simultaneamente com o objeto em comum, e isso é certamente necessário e significativo – sendo assim, poder-se-ia deixar de lado a questão “Existe uma literatura suíça?”, porque na linguagem do dia-a-dia nós sempre trabalhamos com essas atribuições, não importando se elas podem ser justificadas ou não. Elas existem.

Entretanto, isso é apenas a meia verdade, pois omite que os conceitos de “nação” e “literatura nacional” liberam uma força de atração, por assim dizer: eles desenvolvem uma ideologia que, antes de mais nada, justificou sua própria carreira. É isso que eu gostaria, neste ponto, de investigar de maneira mais exata, a fim de tornar compreensível a polêmica dos projetos “nação” e “literatura nacional” a partir de uma perspectiva histórica. Em seu âmago, esses projetos consistem em tentar uma sincronização de todas as fronteirizações sistêmicas no conceito de “um nacional unitário”. “Nação” ou “literatura nacional” se constitui à medida que se despe, sucessivamente, de tudo o que é estranho e concentra tudo o que é próprio em uma unidade de sentido. Nessa concentração, a “literatura nacional” tentou, por muito tempo, realizar uma contribuição para a identidade nacional, ou melhor: nessa concentração, a “literatura nacional” deu ao seu núcleo de sentido também o valor de centro da nação, tanto que se formou entre elas uma referencialidade mútua. Ela empregava três conceitos: história, manifestação, comparação

Pois a representação de “nação” (também na sua literatura) contava/esboçava a história da nação, fosse como processo teleológico, ou seja, orientado para um objetivo, enteléquico, quer dizer, “que se desdobra”, ou também como processo ciclicamente repetitivo. Essa história da nação deveria ser visível nas Manifestações, que produziu o processo da nação; para o século XIX (e para além dele) a arte valia como a mais importante de tais manifestações, também a literatura, que era vista em uma relação de intercâmbio intensivo com a nação. Aquilo que constitui a particularidade nacional específica, “o corpo”, deveria estar representado na literatura; teria de se mostrar aqui, se a literatura não quisesse perder sua fonte imanente de força. À história da literatura coube então a tarefa de revelar o “verdadeiro centro” da nação em suas manifestações poéticas. Foi essa, por assim dizer, sua mais importante lei de construção

Se refletirmos novamente sobre as conceitualizações de tal definição de “nações”, chama a atenção – ao lado de todas as derivações genealógicas de “natio”, “estirpe e patriciado” –, a ruptura no meio do século XVIII. Até aí, “nação” era um feixe de atribuições, que, no nível de “características humanas gerais”, atribuem aos franceses isso, aos ingleses aquilo, mas no sentido de uma família comum, na qual cada membro combinava de forma diferente em todos os aspectos existentes – mesmo que o aspecto fosse o de ser a combinação de combinações, a “unidade do heterogêneo” (e assim também se deve entender o teor do atual discurso sobre “Literatura Suíça”). Mas, a partir da segunda metade do século XVIII, há muito mais em jogo em termos de “nação”, mais especificamente, nação como contexto de constituição naturalmente diferenciatório. É preciso elaborar concepções substanciais sobre a “natureza” de um povo, partindo do princípio que, no “caráter nacional”, se manifesta o cerne inconfundível desse povo. Trata-se, portanto, de identidade nacional.

Na história da literatura, esse novo conceito de nação encontrou ingresso programático na obra de Johann Gottfried Herder. Literatura passa a ser relacionada não mais com critérios de gosto aparentemente abstratos, mas ao “povo”. Sobre as canções folclóricas, Herder escreve:

Percebe-se que o “corpo da nação”, em sua literatura e até em suas histórias da literatura, surge de fato apenas no prólogo, na evocação do brilho ou triunfo. Quando se trata de contar a “história” da literatura nacional, o “nacional” propriamente dito se torna invisível, é transferido para um número quase sem fim de relações internas entre autores, grupos, obras, etc. Por isso, “dentro da nação” o nacional fica irreconhecível. Isso só se torna visível pela troca de moldura (em outras palavras, através de um nível mais alto de observação), por uma perspectiva comparativa, portanto. Por isso, pode-se dizer com uma certa razão, que “literatura nacional” e “literatura comparada” se apresentam como duas irmãs de braços dados. O “nacional” de uma literatura só aparece em comparação consciente, que no princípio da literatura comparada freqüentemente veiculava uma comparação de valor: mais profundo, melhor, mais belo.

3 Classificação, mito e o apóstrofe dos gêneros não nascidos

Esta comparação (ou também literatura comparada) é caracterizada por um campo de tensão quase sempre também encontrável em um texto: ou ela reúne uma série, uma cadeia sem fim de características, que acaba não resultando em um quadro claramente esboçado porque seu poder contrastivo se dissolve cada vez mais; ou ela tenta uma forma de tratamento, um apóstrofe, cujo núcleo aponta para um mito, mais ou menos como, em um exemplo antigo, nos “Discursos à nação alemã” de Fichte, que, no apelo simulado dos netos ainda não nascidos aos “jovens alemães” contemporâneos, encontram seu ponto alto na súplica “de que a corrente não se quebre com vocês”.[7] E isso ainda se intensifica:

Uma vez que a reunião de características classificatórias, assim como ela é feita nas histórias da literatura, não basta para qualificar um nacional específico, uma vez que ela perde, na formaçãoem>, cada vez mais o quadro de uma literatura nacional, opera um conceito de nação ou de literatura nacional representado empaticamente, sempre com a evocação da unidade, que se cristaliza em um mito.

Com isso, no processo da fronteirização segmentária (nação contra nação), é efetuada simultaneamente uma des-diferenciação vertical (na própria nação). Se fôssemos decompor a “comunidade dos corações inflamados” de Ernst Moritz Arndt em membros isolados, o conceito de nação se quebraria. Por isso, pode-se apenas pertencer ou não a esta naçãoem>. E para defender aquilo que deve ser a nação, foram sempre no mínimo excomungados os grupos que colocariam em questão o critério de definição de “nação”. Se o desenvolvimento da sociedade moderna é entendido como um processo de crescente distribuição funcional, então a nação pensa a si mesma como remédio para isso, como suspensão de diferenciação. A estruturação interna, que colocou diversas nações, em primeiro lugar, contra os velhos universalismos do estado estratificado e do ministério apostólico, des-diferenciou ao mesmo tempo toda ordem estratificada ou funcionalmente determinada. Nessa nação, tudo é uno e a diferença apenas surgirá nas próprias fronteiras das nações. Assim, “nação” é um dos conceitos que sempre tentou estabilizar uma segunda Modernidade que se volta contra a primeira; a nação alimenta o fantasma de que a sociedade deva ser entendida como uma ordem sem diferença, como uma grande comunidade, como o grande corpo.

A unidade da nação é, nesse sentido, seu mito. Como tal, ele pode – assim eu havia afirmado – desdobrar-se, mas não no sentido de uma diferenciação literário-nacional; ele não é dissolúvel em História, mas desenvolve esse mito de unidade inclusive na forma de uma narrativa mítica. Quanto a isso, mencionemos um exemplo – dessa vez, não Fichte nem o início do século XIX, mas (salto temporal) o passado recente, e aqui Wim Wenders.

Wim Wenders, que gosta, e longamente, de viajar, descreve por que ele mesmo assim acabou deixando os Estados Unidos; em uma conversa ocorrida em alemão, nos EUA, teria lhe acontecido de lembrar-se de uma palavra em inglês, mas não em alemão. Nesse momento, ele teria experimentado a pátria na distância, como “perda”, como língua de que foi privado. Essa língua seria aquilo que lhe é próprio, e para ela ele teria precisado voltar. A língua:

Essa é exatamente a definição de um mito: algo que foi e sempre será, uma narrativa que abrange todas as narrativas, porque ela “é” todas as narrativas, rica, unificação dos contrários, enfim, em uma palavra: unidade. A forma como Wenders fala da língua alemã parece como a vocação para uma unidade míticaem>. É a mesma unidade, que um outro autor, Martin Walser, em 1988 – com cuidado ou descuido –, resume da seguinte forma: “É suficiente dizer o que nos move: o passado”. [10]

Aqui também é encenadoem> um conceito de unidade, pensado como algo inseparavelmente disponível. Essa unidade é estabelecida, não sendo nosso objetivo abordar aqui o quão sábia ou não sabiamente. Ela não é desdobrada. Tudo pertence a ela, tudo precisa ser sempre parte de um todo. Só aquilo que a própria unidade coloca em dúvida cai fora, ou seja, tudo o que fragmenta a tradição em tradições e, com isso, gera um quadro que não se presta à unidade.

Para pontuar o que está em jogo: o discurso da unidade quer “limpar”, excluindo tradições que são vantajosamente plurais e antagônicas – mesmo lá onde ele quer ser a “unidade da diversidade”; e, em segundo lugar, ele assume sua força autoestabelecida apenas nessa limpeza. Com isso, ele assegura imagens de unidade que permanecem míticas. Não há nada que esse discurso de unidade tema mais do que o “discurso democrático”, do qual ele é o próprio aniquilamento. Seu inimigo se chama “multiculturalidade”, “aleatoridade”. Mais ou menos nesse sentido, afirma o diretor Hans Jürgen Syberberg:

4 Tautologia

A vontade de desativar o múltiplo opera uma política de fronteira, cuja autoreferência sempre quer, sempre precisa dizer novamente a si mesma: “lá em casa”.

“Nós estamos em casa” – nesse caso, na Áustria e na Alemanha de Elfriede Jelinek, dois “lares de nuvens”. E nós estamos tão em casa, que sempre repetimos o “estar em casa”, e não dizemos outra coisa além disso. Aqui se trata da tautologia da identidade, que se esgota na autoreferência como “auto-dizer-estar-em-casa” e que é desenvolvida no movimento do texto de Jelinek. Se não se quer classificar e, então, perder-se rapidamente nas menores diferenciações, surge – e isso é, historicamente, o caminho de efeito especialmente poderoso do discurso nacional – a tautologia da evocação da unidade, cuja “determinação interna” fica vazia.

5 Forma vazia e “opção pela forma”

Portanto minha tese: discursos de unidade desse tipo operam “em seu interior” com uma forma vaziaem>. Essa “forma vazia” repete seu “estar em casa”, por um lado – como em Jelinek belamente apresentado –, em si, tautologicamente. Por outro lado, ela se constitui recém e apenas no momento em que se deve obrigar a uma “opção pela forma”. A “opção pela forma” é uma decisão que sempre produz também “política de fronteira” e que, necessariamente, surge quando eu tento fazer atribuições de coerência.

Mesmo quando se crê ter deixado para trás as determinações fortemente devidas ao século XIX de nação, história e literatura nacional que eu expus até aqui, quando nos dedicamos hoje à existência de uma “literatura suíça”, ainda assim não conseguimos nos libertar da idéia de constituição mútua de nação, história e literatura: mesmo enfraquecidas, trata-se de relações condicionais, que desembocam em um específico; sua definição leva a uma combinação de características especiais aparentemente inconfundíveis, a uma “individualidade” que produz uma forma de unidade (ou tenta simbolizá-la e, com isso, transforma documentos em monumentos – assimiláveis simultaneamente). Mesmo que argumentações científicas sempre operem com tais condições hipotéticas – sejam elas interpretadas sociológica ou, em um sentido mais amplo, culturalmente – então se trata, para além do discurso de nação ou de literatura nacional, de combinar sincronização e “administração de fronteira”. Pois a visão que se lança sobre a influência de processos narrativos de vanguarda para determinados grupos de autores e seu nicho social, não é, em si, nacional. Ela só passa a ser quando se avalia o resultado dessa visão como nacional, pois colocamo-na em relação com outras nações (comparativamente). Dessa forma, cria-se uma unidade que antes não havia e se ativa um discurso de unidade, que visa a bem outros níveis do que a descrição de nichos sociais concretos. Sem tal discurso de unidade não há literatura nacional. Opta-se por querer essa forma, e, quando se faz isso, no momento em que é realizado, coloca-se uma fronteira entre forma própria e o outro.

Mesmo assim, a verdadeira ideologia do discurso nacional consistia em conceber esse outro como algo a-morfo, como o sem forma, e tornar assim a diferenciação entre forma e não-forma centro do conceito de nação. Com isso, surge, simultaneamente, uma coerção à formaem>, e, inclusive, em forma de violência. Mostre-se isso rapidamente com um exemplo histórico-literário.

6 Violência da forma

Eu não citei essa cena de “O combate de Hermann”, de Heinrich von Kleist, por crer que todo o discurso nacional ou até todo o discurso sobre “literatura nacional” encontraria seu verdadeiro objetivo em tal ato de mortificação. Isso seria, de minha parte, atirar para muito além do alvo. Mesmo assim, eu queria lembrar um discurso que, localizado entre Kleist e Ernst Jünger (apenas para citar um exemplo do século XX), relaciona a geração do nacional sempre ao “momento do outro”, a uma situação excepcional, que ocorre porque ela mortifica o outro. A tese que, contudo, leva além da questão da literatura nacional, é o argumento de que situação de decisão e constituição de uma forma como corpo nacional estão intimamente ligadas e, com isso, não por acaso sempre contextualizadas na guerra. Mais do que isso: eu gostaria de afirmar que forma e decisão se encaixam de tal maneira, que a forma recém e apenas se constitui como e na opção pela forma, em cuja situação os sujeitos são invocados e onde a forma se constitui em conseqüência de tal apóstrofe. Assim, trata-se da “capacidade para a forma”, que se fecha, porque ela abandona a não-ética, o egoísmo do sem-forma e, por isso, pode ser diferenciada do sem-forma. Dessa maneira, também “nação” ou “literatura nacional” – sendo entendidas, nesse sentido, como constituição de forma – são sempre projetos estéticos, a ganhar forma.

Se em Kleist, assim como mais tarde em Jünger, as coortes, ou seja, as ligas militares, eram plenas de espírito, ou seja, plenas de ordem e forma, o contrário delas constituir-se-ia na dissolução da forma, na constituição da ausência de forma. Atingir isso no adversário é o objetivo dessa luta nova, fantasmagórica. Nessa luta, um corpo nacional se organiza contra um corpo estrangeiro, para se aliar a ele no momento da decisão. Esse ponto momentâneo de unificação, semelhante ao momento transnacional, é a experiência da fronteira, que opta pela futura forma ou falta de forma. Essa idéia gera um ativismo, que politicamente corresponde ao estado de exceção permanente. A situação normal da nação é aqui a guerra como decisão estabelecida a longo prazo. Para Jünger, é a luta de trincheiras, em que nação e não-nação, forma e não-forma se separam uma da outra e onde, após essa luta, fica o “local vazio”.

7 O lugar da genealogia

“Local vazio” é realmente uma descrição apropriada para definir o “lugar da nação” e, com isso, também o “lugar da literatura nacional”? Certamente não com essa unilateralidade. Tratei de expor aqui apenas uma perspectiva radical da constituição de forma, por assim dizer, do seu projeto estético-político. Poder-se-ia também entender o lugar da “nação” ou da “literatura nacional” sem defini-lo realmente, como um lugar fracamente ou até mal delimitado de esgotamento, efeito de uma economia genealógica que se deixasse assimilar como trama, como tecido de um trabalho levado adiante geração a geração. Essa tentativa pode ser especialmente bem acompanhada, de certa forma programaticamente, em Alexander Kluge, no Discurso sobre o próprio país: Alemanha, em que, logo no início, ele destaca: “Nenhuma palavra do título [...] se entende por si mesma”.[14] Assim, o conceito de “nação”, e com ele o de “literatura nacional” até ficam sempre mais difusos, mas mesmo assim não são levados a desaparecer. “Nação” é, para Kluge, uma dimensão temporal, não uma identidade fixada para sempre, nem dominada por um legado central de lembranças. No máximo, de acordo com ele, no caso da Alemanha, “uma acumulação de 87 gerações, das quais a maioria está morta e nós, apenas aqui nessa sala, por acaso estamos vivos agora. Eu considero tais relações um sentimento real”.[15] Uma concepção aparentemente sentimental, mas em si bem formal: é a plenitude de tudo aquilo que essas 87 gerações criaram, expressaram, materializaram que faz a “nação”, e não um algo especial, que é salientado. Dessa forma, a nação se torna um processo e, ao mesmo tempo, a “soma das pessoas que morreram em nosso país”, e isso é “algo do presente”.[16]

Mas mesmo essa soma se mantém sempre algo imaginário, a ser pensado apenas como conceito, resultado de conclusões que abstraem, e que também poderiam ser diferentes. A apresentação da soma, a realização individual de uma lembrança coletiva, é sempre um processo seletivo. A unidade das forças esgotadas em um país, ou seja, “a” tradição, manifesta-se sem ser visível como soma; esse efeito é, de acordo com Kluge, algo a ser investigado, mas ele se revela novamente apenas nas diferentes histórias, nos “currículos” (com desfecho mortal). Mas com isso cai um conceito unificado de nação. E, assim, é de se formular a questão mais adiante com Alexander Kluge, que com a “nação” também a “literatura nacional” poderia ser determinada como uma ausência, como uma carência. E, naturalmente, Kluge não deixa de citar, no final, Karl Kraus com a famosa frase: “Quanto mais de perto se olha para uma palavra, de mais longe ela olha de volta [...]” [17] – Qual palavra deve ser inserida aqui, delega-se ao leitor.

Notas

[1]O original foi publicado em alemão com o título “Grenzpolitik. Über den Ort des Nationalen in der Literatur, den Ort der Literatur im Nationalen“. In: CADUFF, Corina, SORGE, Reto (Orgs.). Nationale Literaturen heute – ein Fantom? Die Imagination und Tradition des Schweizerischen als Problem (Literaturas nacionais hoje – um fantasma? A imaginação e tradição do suíço como problema), München: Wilhelm Fink, 2004. p.23-33. O autor do artigo e a editora autorizaram a publicação da tradução na Revista Contingentia.

[2] No original: Der R(h)ein – a palavra, grafada com “h” (der Rhein), remete ao rio Reno, e sem “h”, ao adjetivo “puro” (rein) (Nota de tradução).

[3] FLAISCHLEN, Cäsar. Graphische Litteratur = Tafel, Stuttgart: Göschen, 1890, 116.

[4] No original: reine Dichtung e R(h)eine Dichtung – jogo de palavras entre “poesia pura” e “poesia do Reno” (NT).

[5] Cf. FOHRMANN, Jürgen. Das Projekt der deutschen Literaturgeschichte. Entstehung und Scheitern einer nationalen Poesiegeschichtsschreibung zwischen Humanismus und Deutschem Kaiserreich, Stuttgart: Metzler, 1989.

[6] HERDER, Johann Gottfried. Sämtliche Werke, Vol. 25, Berlin: Weidmann, 1877, 8.

[7] FICHTE, Johann Gottlieb. Reden an die deutsche Nation [1807/08], München: Goldmann, 211.

[8] Idem, 212.

[9] WENDERS, Wim. In: Reden über Deutschland 2, München: Bertelsmann, 1991, 67.

[10] WALSER, Martin. In: Reden über das eigene Land: Deutschland 6, München: Bertelsmann, 1988, 29.

[11] SYBERBERG, Hans Jürgen. Vom Unglück und Glück der Kunst in Deutschland nach dem letzten Kriege, München: Matthes & Seitz, 1990, 48.

[12] JELINEK, Elfriede. Wolken. Heim, Göttingen: Steidl, 1990, 9-11.

[13] KLEIST, Heinrich von. Die Hermannsschlacht. In: ______. Sämtliche Werke und Briefe, Vol. 1, München: Hanser, 1984, 627s.

[14] KLUGE, Alexander. Rede über das eigene Land: Deutschland. In: ______. Theodor Fontane, Heinrich von Kleist und Anna Wilde. Zur Grammatik der Zeit, Berlin: Wagenbach, 1987, 40.

[15] Idem, 50.

[16] Idem, 55

[17] Idem, 46.


Jürgen Fohrmann
Professor de Literatura Alemã e Teoria da Literatura na Universidade de Bonn. Endereço: Am Hof 1d, D-53113, Bonn, Alemanha. Tel:++49228737478; E-mail: j.fohrmann@uni-bonn.de
Ana Helena Krause
Doutoranda em Teoria da Literatura na PUC-RS, bolsista CNPq, atualmente fazendo Doutorado Sanduíche na Universidade de Bonn. Endereço: Lennéstraße 24, D-53113, Bonn, Alemanha. Tel:++4917626925472; E-mail: anahelenakrause@yahoo.com.br