ABSTRACT
Based on the bilingualism and ethnolinguistic identity research, this study aims to observe the role identity and linguistic attitudes play in a minority mother language’s maintenance or shifting process in early bilingualism cases in a societal bilingualism situation. The analyzed context comprises native speakers of essentially bilingual communities that migrate to an urban center like Porto Alegre, where the opportunities for minority mother language use are drastically restrained by the monolingual Portuguese context. It’s asked how this language was maintained and what is the identity and linguistic attitude after the removal of the original context identified as more rural, isolated and ethnic and culturally different. The data collection derives from semi-structured interviews, recorded and subsequently transcribed. The data analysis suggests that the ‘geographic’ factor isn’t so relevant to the maintenance/shifting of a minority language than the speaker’s ‘micro-decisions’ to preserve the cultural and affectionate ties with their origin group, the family. Besides family group, community, school and government should be called to come together to construct new ways for the linguistic and cultural preservation of the bilingual community in Brazil. In that sense, this research intends to contribute to a wider understanding of the identity and linguistics attitudes’ role in the languages’ teaching and learning in general.
Keywords:bilingualism; identity; ethnolinguistic attitude; minority language.
Este artigo pretende apresentar uma pesquisa realizada com quatro falantes de dialeto alemão [1] Hunsrückisch, oriundos de comunidades essencialmente bilíngües, que migram do interior do Estado para um centro urbano como Porto Alegre, onde as oportunidades de uso da língua materna minoritária são drasticamente restringidas pelo contexto monolíngüe em português. A partir de entrevistas semi-estruturadas com os participantes, o presente estudo busca analisar o papel da identidade e das atitudes lingüísticas no processo de manutenção ou substituição da língua materna minoritária a partir da perspectiva das “micro-decisões”[2] de seus falantes com o afastamento de seu contexto original. Para tanto, são apresentados e discutidos estudos sobre bilingüismo, identidade e direitos lingüísticos que servem de base teórica para a realização desta pesquisa. A seguir, é descrito de modo geral como se desenvolveu o estudo, com a apresentação do material, método e participantes. Segue-se a análise dos dados cujos resultados sugerem que o fator geográfico, apontado por Fishman,[3] torna-se secundário para o processo de manutenção/perda de uma língua minoritária. Assim, o sentimento de afiliação e de pertencimento de seus falantes, além de suas expectativas de aquisição futura de recursos simbólicos e materiais, pode ser determinante para a sobrevivência de uma língua.[4] Observa-se também a formação de novos grupos de falantes por meio do dialeto, a atuação na revitalização do uso do dialeto na família e a aprendizagem da variedade padrão como recursos utilizados pelos falantes para preservar a sua língua materna. O dialeto Hunsrückisch conseguiu, pois, se manter mesmo em um ambiente exógeno devido às “micro-decisões” de seus falantes de preservar os laços sócio-culturais que os ligam e identificam com a sua comunidade de origem. Apesar disso, não foi relatada a transmissão da língua materna minoritária para a próxima geração devido, talvez, ao desprestígio do dialeto alemão em nossa sociedade, e o seu reflexo no silenciamento da língua materna no ambiente escolar. Por fim, traçam-se considerações sobre a relevância não só das “micro-decisões” dos falantes, mas também da atuação conjunta da sociedade, escola e família no processo de presevação lingüística e cultural da comunidade bilíngue minoritária no Brasil. Esta pesquisa busca igualmente contribuir para um maior entendimento do papel da escola no ensino e aprendizagem de línguas de modo geral. O papel da escola torna-se importante como promotora do diálogo com a comunidade sobre que atitudes tem tomado e deseja tomar para com a sua cultura e a sua língua materna. A sala de aula de línguas deve saber dialogar com o conhecimento lingüístico e de mundo trazido pelos alunos, para a formação de cidadãos críticos e efetivos participantes de diferentes comunidades discursivas.
Um dos conceitos centrais para este trabalho é o de identidade que, segundo Norton,[5] se constitui no modo pelo qual as pessoas compreendem a sua relação com o mundo, como tal relação é construída através do tempo e do espaço e como essas mesmas pessoas entendem suas possibilidades para o futuro. Para a autora, a noção de identidade está ligada aos desejos de reconhecimento, afiliação e segurança. Aplicado à manutenção/perda de uma língua minoritária, o investimento na língua materna representa o investimento na própria identidade social.
Contudo, a identidade pode ser definida não só pela língua, mas acima de tudo pelo olhar do outro.[6] Assim, “o sentido de si mesmos” de imigrantes, que antes estava ligado, no país de origem, à sua classe social, às visões políticas ou ao seu status econômico, no novo lar torna-se mais ligado à cidadania nacional ou à religião, porque essa é a identidade imposta pelo olhar dos outros.[7]
Na sociedade, olhares sobre a língua ou normas, partilhadas ou não entre seus membros, podem gerar sentimentos, atitudes e comportamentos diferenciados. Em face do contato entre as línguas, gerado por migração voluntária ou não a um país, e a proximidade de fronteiras espaciais, sociais e/ou virtuais (pelos meios telemáticos de acesso à informação), há atitudes de rejeição ou aceitação, comportamentos lingüísticos e sociais que expressam as “relações de poder” que se constroem na participação e representação dos indivíduos em diferentes grupos sociais.[8]
Além disso, o contato lingüístico pode levar ao bilingüismo societal ou individual, o primeiro ocorrendo quando, em uma dada sociedade, duas ou mais línguas são faladas.[9] Com relação ao bilingüismo individual, segundo Romaine,[10] as crianças bilíngües podem adquirir mais de uma língua simultaneamente ou de maneira consecutiva. Os indivíduos bilíngües, falantes de duas ou mais línguas, usam-nas diante de diferentes condições, conforme com quem falam, o que falam e de onde falam.
Conforme Spolsky,[11] diglossia foi um termo originariamente criado para se referir ao fenômeno do uso de duas variedades de uma mesma língua com diferentes funções dentro de uma comunidade. A variedade alta (língua padrão), seria usada de forma escrita no domínio formal, oficial e público, como educação formal, religião, e literatura, enquanto a variedade baixa (língua vernácula) é usada na fala, no domínio informal, como na família e no dia-a-dia. O autor afirma que, atualmente, diglossia passou a ser usada para os casos do uso de duas línguas distintas que dividem os domínios lingüísticos de uma comunidade de fala, oferecendo uma dupla-identidade a seus membros.
É relevante apontar que diglossia e bilingüismo são conceitos diferentes, sendo que bilingüismo caracteriza um comportamento lingüístico no nível dos indivíduos e diglossia refere-se a uma organização lingüística no nível sócio-cultural.[12] Assim, podem existir sociedades que apresentam diferentes padrões para cada um desses fenômenos discutidos.
No presente estudo, as comunidades de origem dos participantes eram essencialmente bilíngües e diglóssicas, isto é, os indivíduos falavam o dialeto oral alemão Hunsrückisch na família e em conversas informais no dia-a-dia e aprendiam na escola o português como língua escrita e falada para a interação em ambientes oficiais e públicos. Com isso, o português exerce a função de variedade alta e o dialeto a de variedade baixa nessas comunidades. A partir da migração para uma comunidade mais urbana, neste caso Porto Alegre, os participantes depararam-se com uma comunidade essencialmente monolíngue e diglóssica, em seu sentido original de usos de variedades padrão e vernacular de uma mesma língua, o português.
O dialeto alemão Hunsrückisch é considerado uma língua minoritária que, segundo Kaufmann,[13] caracteriza-se por ser a língua de um grupo étnico - colônia de imigrantes alemães -, cujos falantes estão em contato com outro grupo étnico mais numeroso e poderoso que fala uma língua oficial diferente, o português, língua nacional. De acordo com Pupp Spinassé,[14] o dialeto Hunsrückisch (francônio-renano) expressa a formação de uma identidade híbrida, resultante do processo natural de integração dos imigrantes alemães no Sul do Brasil. A partir de um contato crescente com falantes de português brasileiro no domínio público (comércio, meios de comunicação), além do aprendizado obrigatório na escola, o dialeto francônio-renano passou a assimilar vocabulário novo em português, germanizando-o ou incorporando-o como estrangeirismo. Com isso, o Hunsrückisch pôde se manter vivo e atual, respondendo ao diálogo entre as fronteiras culturais e sociais instaurado pelas novas gerações de teuto-brasileiros.
Ao relacionar motivação identitária e a aprendizagem de uma língua, Norton [15] chega ao conceito de comunidade imaginada, que seria uma comunidade de prática à qual os aprendizes vislumbram pertencer. A partir desse conceito, infere-se que o falante de uma língua materna minoritária constrói a sua identidade social, criando laços entre a sua língua e a comunidade da qual se sente participante. A noção de comunidade imaginada pode se modificar conforme os indivíduos ressignificam a sua relação com a língua e o social, podendo expressar atitudes identitárias positivas ou não em relação à língua materna minoritária.
Nas comunidades de imigrantes, observam-se conflitos de gerações que, conforme Pupp Spinassé,[16] decorrem do não-compartilhamento com os mais velhos da idéia de uso da língua materna para manter a ligação com a pátria abandonada. As novas gerações nascidas no Brasil não possuem a mesma comunidade imaginada que seus pais e avós, uma vez que eles se encontram entre as duas fronteiras sócio-culturais, formando uma identidade híbrida, os teuto-brasileiros. Assim, a língua materna minoritária representa o laço afetivo com a comunidade–família–bairro–colônia que passa pela cultura local com origens germânicas; e o domínio do português representa uma afiliação à identidade nacional.
Segundo Spolsky,[17] os direitos lingüísticos dos indivíduos contemplam o direito ao acesso não-discriminatório ao trabalho, à saúde, à educação e à justiça; além do direito do grupo de falantes de uma língua de preservá-la e mantê-la, bem como de buscar reverter qualquer mudança lingüística que possa ameaçá-la. O autor argumenta que pode haver uma contradição entre o direito de um grupo e o de seus membros enquanto indivíduos. O grupo pode querer preservar a sua língua, enquanto os indivíduos-membros podem preferir trocar para uma língua dominante, que pode ser mais capaz de levá-los à ascensão social e financeira.
A Declaração Universal dos Direitos Lingüísticos [18] considera, no artigo 4, que a assimilação cultural não “deve ser forçada nem induzida, antes sendo o resultado de uma opção plenamente livre”. Contudo, ainda que cada membro de um grupo minoritário deva ter o direito de deixar o seu grupo ou parar de usar a sua língua étnica, o grupo deve ter o direito e a possibilidade de promover o uso de sua língua e cultura.[19]
O êxito da aplicação de medidas de política lingüística que promovam os direitos lingüísticos das minorias bilíngües depende da compreensão do que efetivamente possa motivar as “micro-decisões” de cunho político empreendidas pelos membros das comunidades, e que compreendem valores, ideologias, mitos, ressentimentos, concepções e preconceitos lingüísticos presentes na interação diária entre os grupos sociais e os falantes das diversas línguas e variedades em contato.[20]
Lingüistas preocupados com a extinção de línguas minoritárias como perda de construtos singulares do olhar social têm estudado o grau de lealdade de seus falantes diante da pressão de línguas mais poderosas.[21] Conforme Fishman,[22] a reversão à mudança da língua é o campo de estudo de planejamento que busca melhorar as condições ecológicas do uso das línguas que sofrem com uma prolongada balança desfavorável de usuários e usos. Para o autor, a reversão da mudança lingüística só é possível se estiver ancorada no esforço conjunto vindo de dentro do grupo étnico minoritário, e se for intergeracional e demograficamente concentrada na casa–família–bairro. Assim, o esforço coletivo dos falantes da língua minoritária pode tornar ações políticas mais eficazes na busca por respostas de instituições municipais, regionais e nacionais quanto à promoção das línguas na esfera da educação e do trabalho. E acrescenta que estudos nessa área tornam saliente a existência de um grande número de falantes de línguas minoritárias que acreditam na contribuição criativa e permanente de suas línguas e que estão engajados em esforços individuais e coletivos para proteger a sua língua materna e reverter processos de mudança lingüística que estejam sofrendo.
Conforme Fishman,[23] fatores como geografia - distância dos grandes centros -, motivação e tamanho - quantidade de falantes -, intuitivamente relacionados à manutenção ou não de uma língua minoritária, são conceitos “folclóricos” que devem ser sociologicamente reinterpretados. O que surge de mais concreto são, sim, os comportamentos sociolingüísticos que os falantes possuem com relação à sua língua minoritária e às “micro-decisões” que tomam para mantê-la ou não.
Dessa forma, a manutenção ou mudança da língua minoritária é fruto coletivo de padrões de escolha lingüística dos sujeitos. Atitudes etnolingüísticas negativas podem levar à mais rápida extinção de uma língua minoritária, mas atitudes positivas não são o suficiente para salvá-la. Apesar de falantes de línguas minoritárias apresentarem atitudes positivas quanto a sua língua, eles podem não querer transmiti-la a seus filhos, para que eles não passem pelas mesmas dificuldades de aprender a língua majoritária em uma aula lingüicista e nem pelo preconceito quanto ao sotaque. Para reverter o processo de mudança lingüística, o sentimento de inferioridade dos falantes deve ser alterado.[24]
Pode parecer que a mudança lingüística seja causada por uma ação livre do indivíduo de falar ou não a sua língua materna e transmiti-la ou não a seus filhos. Porém, se movimentos de supressão não são visíveis, não significa que não existem forças coercitivas (como restringir o acesso a recursos simbólicos e materiais) que favoreçam o uso exclusivo da língua majoritária. O poder de escolha dos falantes é tão restrito por forças sociais e psicológicas que não existe liberdade real.[25]
Segundo Skutnabb-Kangas e Cummins,[26] lingüicismo pode ser definido como ideologias e estruturas que são usadas para legitimar, efetuar e reproduzir uma divisão desigual de poder e de recursos (simbólicos ou materiais) entre grupos distintos com base em sua língua materna.
Quanto a isso, Altenhofen [27] observa que ainda há a proibição do uso da língua minoritária na escola em muitas comunidades bilíngües. Essa proibição representa uma prática política de assimilação da cultura e língua majoritárias, colocando o falar a língua portuguesa como condição para ser cidadão brasileiro; e uma concepção pedagógica de silenciamento da língua materna vista como interferência na aquisição do português. Essa atitude discriminatória à identidade social e individual dos alunos acaba por ser assimilada pelos próprios membros da comunidade que, como pais bilíngües, muitas vezes não ensinarão a sua língua materna para que seus filhos não se sintam excluídos da escola/sociedade em geral. Ainda, são freqüentes os juízos de valor depreciativos das línguas minoritárias, via de regra representadas por uma variedade dialetal oral, como o dialeto alemão Hunsrückisch, não só por professores, mas pelos próprios falantes em relação à variedade padrão. Atributos como “alemão errado”, “sem gramática”, “língua de colono”, até dizer que não é alemão ou sequer língua podem ser observados em sua fala.
A proibição do uso da língua minoritária na escola comunica às crianças a idéia de que se deve abandonar qualquer lealdade com a sua língua e cultura para serem aceitas pelo professor e pela sociedade. No entanto, ao destruir a língua da criança bilíngüe e afrouxar o seu relacionamento com pais e avós, contradiz-se a própria essência da educação. Além disso, o autor afirma que a destruição da língua e cultura minoritárias nas escolas é contraproducente para a sociedade em geral, já que na era da globalização, o acesso a recursos multilíngües e multiculturais contribui para a habilidade de seus cidadãos desempenharem um forte papel social e econômico no mundo de redes de informação e contatos interculturais. [28]
Em seu 23º Artigo, a Declaração Universal dos Direitos Lingüísticos [29] concebe que o ensino deve contribuir para a manutenção e para o desenvolvimento da auto-expressão lingüística e cultural da comunidade lingüística local. O que se pergunta é como a escola pode ser o espaço catalisador do respeito e promoção da diversidade lingüística e cultural de um povo, se ela permanecer distante das vozes das comunidades que pretende servir.
Segundo Cummins,[30] as crianças bilíngües têm um bom aproveitamento na escola quando esta ensina sua língua materna eficientemente e, quando possível, desenvolve o letramento naquela língua. Porém, quando as crianças são encorajadas a rejeitar a língua materna, o seu desenvolvimento é prejudicado e a sua capacidade de aprendizagem subestimada.
O sucesso ou não de estudantes de grupos minoritários na escola relaciona-se à posição pedagógica tomada pelo professor na interação com esses aprendizes. A promoção da “tomada de poder” (empowerment) dependerá entre outros: de como a cultura e a língua minoritária são incorporadas no sistema escolar; se a participação da comunidade minoritária é incentivada como componente integral para a educação dos aprendizes; e se a pedagogia promove motivação intrínseca dos aprendizes na utilização da língua materna para a criação de seu próprio conhecimento.[31]
A noção de “tomada de poder” proposta por Cummins [32] pode ser associada ao desenvolvimento da autonomia em sala de aula. A autonomia sendo entendida aqui como um processo contínuo de tomada de atitudes transformadoras do aprender e de si próprio levadas pela curiosidade diante do mundo e pela reflexão crítica do próprio agir no mundo. Diante das diversidades lingüísticas e culturais dos alunos, a escola deve se tornar culturalmente sensível, aproveitando as experiências, vivências e conhecimentos que seus alunos trazem para a aula como recursos disponíveis para o fomento de interações, construção de conhecimento e promoção da autonomia.[33]
Para que a escola possa promover uma transformação social, a sala de aula deve fomentar a desconstrução de crenças e valores que o olhar do outro traz.[34] A tomada de consciência de seu papel social e a formação de uma identidade cultural confiante pode fomentar a tomada de poder pelo estudante minoritário, mesmo que seja um poder ainda limitado pela esfera política e institucional, ou seja, uma micro-autonomia libertadora. Portanto, a escola pode exercer um importante papel para a manutenção da língua e cultura minoritárias a partir da promoção das “micro-decisões” conscientes em sala de aula. Para tanto, parece imprescindível que as línguas minoritárias obtenham lugar nas escolas para que, com o aumento de seu prestígio, seus falantes possam ver uma consideração por parte das instituições sobre quem são e ter a sua auto-estima recuperada.
Ainda, o professor deve promover o diálogo entre a escola e a comunidade, em que esta seja ouvida sobre que papel deseja que a sua língua materna tenha em sala de aula e participe ativamente tanto em eventos culturais quanto na educação de seus filhos.
De acordo com Fishman,[35] a defesa do multilingüismo deve buscar argumentos na afiliação etnocultural, na expectativa de enriquecimento etnocognitivo, e na convicção de que o plurilingüismo contribui para o desenvolvimento da nação. As línguas minoritárias deveriam ser consideradas como recursos naturais de uma nação, imprescindíveis para seu enriquecimento tanto lingüístico quanto cultural, como diferencial para seus cidadãos diante da globalização e modernização. Para que o multilingüismo seja aceito e protegido no âmbito nacional, deve-se implementar políticas de planejamento que estejam centradas na democracia cultural e nos direitos de grupos étnicos. Assim, educadores e políticos têm o desafio de fomentar um sentimento de nação multicultural e plurilingüista que respeite os direitos de todos cidadãos e maximize seus recursos culturais e lingüísticos.
A partir de estudos sobre bilingüismo e identidade etnolingüística discutidos anteriormente, esta pesquisa procura analisar o papel da identidade e das atitudes no processo de manutenção ou substituição da língua materna minoritária, em casos de bilingüismo precoce em situação de bilingüismo societal.
Os participantes são quatro indivíduos adultos com diferentes históricos de vida, oriundos de comunidades essencialmente bilíngües, do interior do Estado, nas quais a língua alóctone (de imigração) aparece integrada ao meio social e familiar, que migram para Porto Alegre, um contexto urbano, onde as oportunidades de uso da língua materna minoritária são drasticamente restringidas pelo contexto monolíngüe em português.
Para a geração de dados, foram feitas entrevistas semi-estruturadas com os participantes, nas quais foram questionados sobre a sua relação com a língua materna minoritária, o dialeto oral alemão Hunsrückisch, com o alemão padrão e com a língua de variedade alta aprendida na escola, o português. As entrevistas semi-estruturadas foram gravadas em áudio e transcritas.
A análise dos dados buscou responder a seguinte questão: como se mantém essa língua e qual a identidade e atitude lingüística após o afastamento do contexto original, identificado como mais rural, isolado e étnica e culturalmente diferente.
Através da análise dos dados das entrevistas, o presente artigo enfocará as atitudes lingüísticas dos quatro participantes: Ana, Valéria, Jonas e Cristina. Ana é uma mulher de 34 anos, natural do interior de Cerro Largo, na fronteira noroeste do estado, que veio para Porto Alegre há 18 anos em busca de melhores condições de estudo e trabalho. Membro de uma comunidade bilíngüe, a participante aprendeu o dialeto alemão em casa e somente ao chegar à escola aprendeu o português.
No excerto 1, questionada sobre a sua relação com o dialeto e o português, a participante Ana relata a experiência na escola de sua comunidade.
(1)
A: Foi muito difícil porque os primeiros anos, assim, quando principalmente na terceira série, quando começou aquela história, assim, ninguém podia falar alemão e aí tinha aquela coisa assim quem fala mais de três palavras em sala de aula ou na escola ou se alguém ouviu se fulana ficou falando, beltrana ficou falando em alemão mais de três palavras ficava de castigo no recreio.
Pode-se observar a política lingüicista, assimiladora e excludente promovida pela escola, que tenta silenciar a voz e a identidade social de seus alunos, punindo-os com a marca de inferioridade diante do isolamento à participação de/ com o grupo no intervalo. Assim, há um vácuo entre a comunidade e a escola que não busca dialogar com a sua realidade bilíngüe, prestando um desserviço à sociedade com o silenciamento de sua identidade primeira.
Em 2, observa-se que o preconceito lingüístico não vinha só da instituição educacional, mas era reproduzido por seus alunos.
(2)
Porque no interior mesmo se tu não entendia uma coisa, todo mundo debochava, todo mundo ria, mesmo que aquela pessoa não soubesse, então assim, então tu tinha vergonha, tu tinha medo de perguntar alguma coisa, porque tu era, tu ia ser debochada, né, puxa.
Apesar de parecer contraditório o fato relatado de que os falantes do dialeto que debochavam da colega por não saber falar português, muitas vezes, podiam também não o saber, essas atitudes representam uma prática de aceitação das regras da escola e assimilação da idéia de que o uso do dialeto alemão não tinha espaço ou futuro na escola e deveria ser rejeitado.
No excerto 3, Ana fala de sua dificuldade e medo de falar em sala de aula.
(3)
Depois eu tive muitas dúvidas e eu não sabia assim como questionar a professora. Como que eu ia perguntar sobre tal coisa se eu nem sabia formular direito as frases. Então, a gente ficava muda na sala de aula. Então, tinha uma dúvida, tu nem sequer pensava em perguntar por que pô uma pergunta já formulava mais do que três palavras, então era certo. Pô ninguém queira ficar de castigo no recreio, né.
Isso sugere que a proibição do uso da língua materna minoritária na sala de aula, como recurso lingüístico e social, acabou por restringir o acesso da participante à educação na medida em que não podia posicionar-se diante do que estava sendo ensinado e participar na construção de conhecimento em sala de aula.
Em 4, questionou-se à participante se o seu filho também falava o dialeto para tentar verificar se a língua materna havia sido transmitida à geração seguinte.
(4)
O alemão assim é muito fácil de aprender quando tem mais de uma pessoa na casa, e há o diálogo em alemão. Então, pra ti ensinar o alemão, é que nem o inglês, é difícil, sabe, então, é porque a correria do dia-a-dia, a vida, cheguei até, peguei as fitas, o material, pra fazer assim, vou montar, vou fazer umas aulas de alemão pra fazer pra ele, e nisso também eu vou aprendendo, mas que é o clássico daí, né, mas a vontade dele é muito grande, “porque tu não me ensina, porque eu quero aprender”, aí ele fica muito chateado quando a gente fala em família, né, que família fala todos alemão, e ele fica chateado, que ele não entende.
É interessante notar que Ana parece associar a situação de ensino ao alemão padrão e não à sua língua materna aprendida em casa, o dialeto alemão Hunsrückisch. Esse comportamento sugere um preconceito lingüístico da própria falante, talvez devido ao dialeto, de natureza oral, não fornecer maiores possibilidades de trabalho e estudo como a língua escrita e oral do alemão padrão. Apesar de seu filho mostrar interesse em aprender o dialeto para poder participar de forma efetiva no âmbito familiar, a participante apresenta uma atitude de omissão quanto ao seu ensino, o que leva à não-transmissão do dialeto para a futura geração.
Por outro lado, apesar da distância e do tempo fora da comunidade natal bilíngüe, a participante parece ter uma atitude positiva e de manutenção de sua língua, construindo novas redes de interação dialógica com outros falantes tanto de dialeto quanto de alemão padrão em Porto Alegre. Com isso, o dialeto pode ser mais um recurso para conhecer novas pessoas e formar novos grupos mesmo fora de sua terra natal, como mostra 5.
(5)
Tenho essa coisa super forte do alemão, eu adoro alemão, e sempre que tenho oportunidade a gente conversa com a minha mãe pelo telefone, a gente fala alemão, tem as minhas irmãs que moram, a gente fala alemão, tem a minha amiga que mora aqui que fala alemão, eu tenho um cliente que vem da Alemanha, sabe, que só entende alemão, então a gente consegue se comunicar mesmo sendo um pouco diferente, mas a gente consegue. Tem algumas pessoas que eu atendo que são daqui que entendem e falam alemão. Eu falo alemão, a gente conversa, eu adoro isso, e gostaria realmente de aprofundar, de repente de fazer alguns cursos.
A seguir, em 6, podemos ver a revitalização da língua materna minoritária gerada pela ação de Ana de valorização do dialeto como meio lingüístico e afetivo de se relacionar com as suas irmãs. Assim, partindo de um desejo interno desta comunidade e das “micro-decisões” decorrentes, fez-se a reversão de uma possível perda lingüística e cultural.
(6)
A minha outra irmã depois que veio também, e ela morava no Paraná e vieram pra cá e tal e ela disse assim “essa guria não para de falar alemão” (risos), daí eu puxava, assim, “mas que palavra é essa, meu deus quanto tempo eu não ouço essa palavra”, então, “que significa mesmo?” e aí foi indo, e hoje é normal. Então, de uma certa forma, eu resgatei isso nelas, sabe, é uma coisa assim que eu lembrei disso agora, porque realmente era uma coisa assim que vinha se perdendo nela, e foi resgatado.
Quanto ao seu dialeto, a participante conseguiu recuperar a sua auto-estima apesar de todos os preconceitos que sofreu na vida escolar e social. Assim, permitindo-se aceitar de forma positiva a sua formação e a sua dupla identidade de falante bilíngüe, Ana passa a valorizar a sua cultura através da descoberta de que negar o dialeto significa negar quem é, como mostra 7.
(7)
Me permiti realmente de aceitar isso, e isso hoje eu vejo isso uma coisa muito construtiva, uma coisa muito boa, uma coisa muito saudável, que são as raízes da gente, eu acho que se a gente tem isso, a gente não pode deixar perder, a gente tem que realmente ahn prevalecer essas coisas, tem que permanecer, algumas coisas da vida da gente, que a gente tem lá desde que nasceu, né, a gente tem que manter, porque são essas coisas desde lá que fazem, que são tuas, particulares, tuas, e que são coisas que fazem o teu ser, né.
A segunda participante, Valéria, de 22 anos, natural de Três Passos, veio para Porto Alegre há aproximadamente 2 anos para estudar na UFRGS. Recentemente está fazendo também um curso de alemão padrão. Em casa, teve contato mais com o dialeto alemão do que com o português, com o qual teve contato massivo com a entrada na escola.
Em 8, Valéria, questionada sobre o seu motivo para aprender alemão padrão, expressa o seu desejo de alcançar recursos simbólicos e concretos que a variedade padrão parece oferecer.
(8)
Porque o dialeto eu sei falar, não existe uma escrita, não existe regra, não existe nada, então alemão foi pra aprender a escrever, falar correto, e quem sabe um dia ir pra Alemanha (ri). É o objetivo de todo mundo assim, eu acho.
Pode-se ver também um desejo de afiliação à pátria distante, a Alemanha. Ademais, a participante parece não considerar que o seu dialeto seja um sistema lingüístico que possa vir a ser aprendido por alguém, reproduzindo o desprestígio que a variedade dialetal possui por não ter um registro escrito e nem espaço na sala de aula.
Apesar da participante perceber que a língua materna facilita a sua aprendizagem do alemão padrão (excerto 9) ao ser questionada sobre a aceitação do dialeto em sala de aula, muda de opinião (em 10). Não há contradição aqui, mas, sim, a reprodução de um preconceito lingüístico promovido por ambientes de ensino nos quais o dialeto alemão é incompatível com o espaço de sala de aula, já que “atrapalharia a aprendizagem de outras línguas”. A aprendiz encobre o recurso cognitivo e social que dispõe, que poderia ser uma vantagem para aprender o alemão padrão, pois na sala de aula a sua língua materna é vista como uma desvantagem diante dos colegas, um empecilho.
(9)
Acho que o dialeto facilita a aprender o alemão padrão, quem sabe o dialeto tem uma facilidade maior em aprender o alemão padrão.
(10)
Não, até porque não é aconselhável, as vezes pode até atrapalhar, né. Eu só comentei com o F, que é o professor, que eu sei falar o dialeto, mas os professores que eu tive anteriormente eu nem comentei que eu sabia. Eu acho que não sei (ri). Até porque os professores na sua maioria não sabem o dialeto. O F acho que até sabe, mas assim os professores que eu tive anteriormente.
Com relação ao uso do dialeto em sua cidade natal, a participante considera que as novas gerações não querem mais falar dialeto, novamente por este dificultar a aprendizagem do português e pelos falantes serem alvo de gozação por outros membros da comunidade, como mostra 11.
(11)
Mais dialeto em jogos de carta, tudo isso assim (risos). Claro que as pessoas, os mais novos, não costumam falar muito. A minha família acho que é exceção, que todos os filhos falam dialeto, porque muitos os próprios filhos não quiseram aprender, sabe, eu tenho primas que não falam dialeto, apesar dos pais delas falarem. (...) Elas acharam que ia atrapalhar o português delas, é, e aí, tipo, porque é feio, as pessoas ficam dando risada da tua cara, mas eu acho que não (risos).
Pergunta-se se este deixar de falar a língua minoritária é uma opção consciente ou uma aceitação inconsciente de que a assimilação é a melhor alternativa de convivência em uma sociedade excludente e avessa à diversidade lingüística como apontou Kaufmann (2006: 244).
No excerto 12, ao falar do uso do dialeto depois da vinda para Porto Alegre, Valéria parece entender que ter um parceiro para conversar, como a sua irmã, é importante para manter o dialeto vivo, mas não demonstra interesse em criar novas comunidades de falantes.
(12)
Muitos que vêm pra cá, que sabem o dialeto, por não ter com quem falar, acabam não falando, falam quando vão pra casa, eu por ter a minha irmã falo com ela, mas se não tivesse ela, não falaria com ninguém porque são poucas as pessoas que sabem.
Outro participante, Jonas, tem 25 anos e é natural do interior de Nova Petrópolis, na serra gaúcha, mais precisamente da Linha Imperial. Saiu de sua cidade há três anos, formou-se professor de alemão padrão e veio para Porto Alegre para continuar os seus estudos na UFRGS. Em casa, a sua primeira língua materna foi o dialeto alemão Hunsrüskish e nas ruas e no centro da cidade começou a ter um contato maior com o português. Na escola, foi alfabetizado em português e passou a ter alemão padrão da quinta série em diante.
Perguntado sobre se a sua língua materna era aceita nas séries iniciais, em 13, Jonas comenta que o dialeto era aceito como meio de suavizar a transição para o português.
(13)
A tendência era falar português e os professores meio que levavam a gente a falar português. Então eu lembro que uma professora no jardim de infância, que daí foi o primeiro contato mais com o português, e aí eu sei que às vezes ela falava alguma coisa em dialeto, sei lá, pra gente não estranhar tanto no início, depois era só português.
Interessante atentar para o fato de que esta pedagogia, apesar de mais aberta à língua minoritária, tem o objetivo de sua assimilação pela língua majoritária e se dá em um ambiente escolar em que a grande maioria dos professores é falante da língua minoritária.
Com relação ao dialeto, à língua padrão e ao português, o participante aponta para o fato de que essas três línguas possuem cada uma o seu espaço funcional e não competem, mas se complementam em torno de sua identidade híbrida.
Em 14, Jonas parece associar o uso do dialeto Hunsrüskish à manutenção de laços afetivos com o seu grupo familiar. Assim, preservar a língua materna minoritária pode significar preservar a afiliação à sua comunidade imaginada, à sua identidade social.
(14)
É uma língua de comunicação que eu uso com meus parentes, meus pais principalmente. A função seria essa, significa algo que ta ligado as minhas raízes, né, foi a primeira língua que eu aprendi e é importante pra mim, pretendo preservá-la (ri).
Pode-se perceber na fala do participante, assim como na de Ana e de Valéria, que o alemão padrão aparece associado aos estudos e a maiores oportunidades econômicas como mostra 15.
(15)
Bom, o alemão padrão significa pra mim oportunidades, emprego, estudos, seria mais isso, né. Adoro o alemão padrão e era isso. É mais voltado pros estudos e pra questões empregatícias também (risos).
Já o português, para Jonas, parece estar ligado à identidade nacional que, como membro da nova geração de imigrantes, é impelido a buscar, como em 16.
(16)
Bom, o português a gente tem que saber, tem que falar, porque a gente tá num país onde que a língua oficial é português, então pra tu conseguir te comunicar em certos lugares tu tem que saber o português, e é só o português, então, tu tem que saber, e eu acho que é importante a gente saber, mesmo morando no interior, né, não tem necessidade de repente, né, porque as pessoas todas falam, no meu caso, falam dialeto e tal. Então, devem nem sentirem a falta, inclusive tem pessoas que não falam o português, né, mas eu acho que é importante a gente conhecer a língua do nosso país, né, tem, acho que tem também uma importância cultural também.
Quanto ao dialeto no ensino de alemão padrão, Jonas vê a necessidade de que haja mais consciência por parte dos professores da língua materna minoritária trazida pelos alunos em seu aprendizado, excerto 17.
(17)
Deve, sim, inclusive eu acho que agora, por exemplo, em Nova Petrópolis as escolas desde o jardim de infância já tem o alemão padrão, e eu acho que deve ser continuado, mas eu acho que tinha que se pensar melhor, preparar melhor os professores que iniciam o alemão padrão, né, que quando tem alunos que falam dialeto, por exemplo, pra ele saber lidar com os aspectos que os alunos trazem pra aula de alemão, que são do dialeto.
Em 18, Jonas, assim como Valéria, parece usar o dialeto para conversas em família. Por lecionar diversas horas semanais por meio da variedade padrão, parece não sentir falta de criar novos grupos para falar o dialeto.
O alemão padrão pode ser, talvez, um porto seguro para que o dialeto se mantenha, apesar de permanecer escondido na sala de aula. Perguntado sobre se passaria a sua língua materna para seus filhos, Jonas mostra uma atitude positiva com relação à manutenção do dialeto, relacionando-o à preservação de sua cultura, apesar de ter objetivos menos otimistas quanto ao domínio da língua pela próxima geração.
(18)
Se eu tiver filhos, eu acho que eu ensinaria pra ele o dialeto, sim. Eu acho que eles devem aprender o dialeto, né. Até porque o português eles vão aprender na rua, na escola e tudo mais, né, mas o dialeto, como uma língua minoritária, e a tendência é falar menos, cada vez mais né, e então eu acho que a gente tem que ensinar pros filhos, e se a gente já conhece o dialeto a gente tem que aproveitar e ensinar pros filhos. Não que eles se tornem falantes de dialeto, né. Como é que eu vou dizer, não que eles dominem o dialeto (ri), usem sempre, né, mas que eles tenham o conhecimento, saibam que exista, que eles conheçam algumas coisas pelo menos.
A quarta participante, Cristina, tem 54 anos, é natural do interior de Montenegro, teve contato mais com o dialeto do que com o português em casa, e chegou a se alfabetizar em alemão padrão antes de chegar à escola. Veio para Porto Alegre há 30 anos para montar um pequeno negócio.
No excerto 19, pode-se ver que no início de sua estada em Porto Alegre, Cristina pôde manter o seu dialeto vivo por meio de interações com uma amiga e com textos em alemão padrão, mas que, com o tempo, por falta de maiores esforços, o dialeto acabou ficando cada vez mais renegado a visitas à família no interior, ainda que seu marido fosse também falante.
(19)
Depois quando eu vim pra Porto Alegre, eu tive uma amiga que era da Alemanha, ela falava o alemão, daí eu falava com ela, o alemão dela, o meu, como eu lia, mas às vezes eu tenho vontade de aprender (o alemão padrão), de fazer curso de alemão, por falta de tempo mesmo.
Como no caso de Ana, Cristina não passou a língua materna minoritária para os filhos, ainda que estes desejassem participar mais em conversas com familiares, como mostra 20.
(20)
Não, nunca, dificilmente eu falo, né, quando eu tinha essa amiga alemã aqui eu falava com ela, em alemão, agora dificilmente, mesmo o meu marido falando dialeto também. A minha filha me cobra que eu não falei em alemão com eles. (...) E eles não falam, porque nós não falamos com eles, agora, os meus sobrinhos todos que moram lá fora, tu fala com eles, eles sabem, eles entendem, mas eles nunca falam. (...) Eu gostaria, eles me cobram, seria uma língua a mais, mesmo o dialeto. O dialeto seria um passo pro outro.
No final de sua consideração, Cristina deixa transparecer que, como Ana, Valéria e Jonas, associa o ensino ao alemão padrão. A função que o dialeto possuiria para suas filhas seria, segundo ela, a de servir de ponte para chegar ao alemão padrão. Por outro lado, para os filhos de Cristina e Ana, o dialeto talvez signifique a possibilidade de se sentir mais parte da família, uma inclusão social, portanto.
O desejo das mães de que os filhos aprendam a variedade padrão, por não possuir raízes indentitárias mais concretas, torna-se uma motivação de pouco efeito. Assim, a nova geração acaba não aprendendo nem a língua materna de seus pais nem o alemão padrão.
Os resultados sugerem que a manutenção de uma língua minoritária relaciona-se às “micro-decisões” dos falantes de preservar laços identitários com o seu grupo de origem, a família. Quando fora de suas comunidades bilíngües, a língua minoritária se manteve através da interação com familiares, da criação de novos grupos de falantes por meio do dialeto e do estudo de alemão padrão. Apesar disso, não foi relatada a transmissão da língua minoritária para a próxima geração, devido, talvez, ao desprestígio do dialeto enquanto variedade basicamente oral na escola, e à sua reflexão na auto-estima da própria comunidade teuto-brasileira. Tendo em vista a preservação da diversidade lingüística e cultural das comunidades de língua minoritária, faz-se necessário a abertura de um diálogo entre comunidade, escola e governo para a construção de caminhos para o seu futuro.
Este trabalho objetivou analisar as atitudes etnolingüísticas dos falantes de uma língua alóctone em um contexto essencialmente monolíngue, olhando para os movimentos de manutenção ou perda da língua materna minoritária sobre a perspectiva de seus participantes, no domínio das “micro-decisões”.
A partir da análise dos dados, observa-se que o fator geográfico, apontado por Fishman, torna-se secundário para o processo de manutenção/perda de uma língua minoritária. Assim, o sentimento de afiliação e de pertencimento de seus falantes, além de suas expectativas de aquisição futura de recursos simbólicos e materiais, pode ser determinante para a sobrevivência de uma língua.
A participante Ana mostrou que, mesmo estando fora da comunidade bilíngüe onde foi criada, pôde formar novos grupos de falantes, interagindo através do dialeto. Pode-se perceber com o depoimento dos participantes, especialmente do Jonas, que a aprendizagem e o uso do alemão padrão pode servir não como meio de exclusão, mas como apoio para a manutenção da língua minoritária. Além disso, todos os participantes entrevistados mostraram manter o dialeto como meio de identificação e participação com o seu grupo familiar, estando este distante ou não. Portanto, sugere-se que a língua materna minoritária conseguiu se manter mesmo em um ambiente exógeno devido às “micro-decisões” de seus falantes de não perder este modo único de se ver e se relacionar com o mundo.
Para que uma língua minoritária sobreviva, além das “micro-decisões” torna-se necessário também o apoio da sociedade e da família. A chave para a manutenção da língua materna minoritária parece residir na preservação de laços culturais e afetivos entre os membros de uma comunidade de falantes como extensão do pequeno, mas essencial, núcleo familiar.
Além disso, parece imprescindível que as línguas minoritárias obtenham lugar nas escolas, para que, com o aumento de seu prestígio, seus falantes possam ver uma consideração por parte das instituições sobre quem são e ter a sua auto-estima incrementada. A sala de aula de línguas deve saber dialogar com o conhecimento lingüístico e de mundo trazido pelos alunos, para a formação de cidadãos críticos e efetivos participantes de diferentes comunidades discursivas. A aceitação e incentivo da língua materna minoritária em sala de aula pode ser um passo para que os falantes vislumbrem um futuro melhor para si e procurem transmitir o dialeto a seus filhos. Assim, comunidade, educadores e políticos têm o desafio de fomentar uma identidade nacional que respeite os direitos lingüísticos e sociais de todos os cidadãos e maximize seus recursos culturais e lingüísticos
[1]No presente artigo, o uso do termo dialeto serve apenas para diferenciar o Hunsrückisch da variedade alemão padrão sem qualquer intenção pejorativa que isto poderia remeter.
[2] Entende-se por “micro-decisões” as atitudes etnolingüísticas dos falantes enquanto indivíduos para com a sua língua materna.
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