Da educação das meninas por Fénelon (1852)
Resumo
Durante longo tempo, a sociedade ocidental refutou a igualdade de instrução para os dois sexos. A longa dominação da Igreja Católica sobre a educação explica o privilegiamento da formação masculina, ou seja, dos futuros padres. Na Renascença, raros são os humanistas, como J. J. Vives ou Tomas Morus, a defender uma educação igual para mulheres e homens. Um espírito liberal como Erasmo também duvidou do interesse das meninas em aprender o latim (Bastos; Garcia, 1999, p. 79).
Angèle Mérici e sua congregação das Ursulinas, fundada em 1536, traçou, por três séculos, o programa comum de ensino para as mulheres: “ler, escrever, trabalho em agulha e instrução religiosa”, para formar as boas (futuras) mães cristãs, na falta de fazer piedosas noviças, cuja instrução tinha uma finalidade eminentemente endógena (Chassanges, 1983, p.10). Tanto Fénelon como a Marquesa de Maintenon não mudaram essa orientação, persuadidos que estavam que saber ler, escrever, costurar, cantar e rezar eram suficientes para a reprodução sociocultural (Bastos; Garcia, 1999, p. 78).
A partir do estudo que realizamos sobre a circulação da obra “As Aventuras de Telêmaco” (1694-98), de François Salignac de la Mothe Fénelon (1651-1715), no Brasil e, principalmente, da sua apropriação escolar (Bastos, 2009), nos questionamos sobre seu outro sucesso no século 17 - “De l’éducation des filles” (1687-1696), um clássico sobre a educação feminina. Procuramos por uma tradução para o português, localizando um exemplar na Bibliothèque nationale de France (BnF) de 1852. O qual reproduzimos para o leitor brasileiro.
Hoje, o que poderíamos dizer sobre a leitura de “Da educação das meninas”? Essa obra é um discurso fundador sobre a educação das mulheres e contribui para a compreensão da historicidade dos processos discursivos sobre como as questões de gênero se relacionam e como contribuem para tecer e homogeneizar a memória de uma época. Além disso, fazendo uso das palavras de Calvino (2006, p. 137), Fénelon foi “autor de um afresco do seu tempo”, construindo um texto repleto de conteúdos/ mensagens, pleno de sentidos e marcando uma concepção de educação de que “a virtude pode ser ensinada e que o vício é conseqüência da ignorância” (Brum, 1995, p. 57).
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