ARTE E ARQUITETURA MOURISCA E MUDÉJAR
NA ESPANHA MEDIEVAL E NA AMÉRICA

Rafael Sumozas García-Pardo 1

 

Resumo: Mudéjar ou mudéjares são os muçulmanos espanhóis que permaneceram morando em território conquistado pelos cristãos, sob seu controle político, durante o processo de avanço dos reinos cristãos para o sul da Península Ibérica, que se processou ao final da Idade Média. Os mouriscos foram os espanhóis muçulmanos batizados sob ordens dos Reis Católicos, após 14 de fevereiro de 1502. Foram numerosos no sul de Aragão e Valência. Em Castela não foram abundantes, a julgar pelos dados que nos chegaram das contas de contribuição salvo no reino de Granada. A pesquisa aborda o estudo da Arte Mourisca e Mudéjar, desde a sua gestação, desenvolvimento e extensão, com suas primeiras manifestações na Europa medieval, até suas manifestações na América. O estudo pretende oferecer uma visão panorâmica do Mudéjar, como testemunho de um pensamento, de uma cultura e de um momento histórico que se manifesta através da beleza das formas. Isto implica relacionar as manifestações com o contexto histórico geral e das localidades em que tal arte ocorreu. A pesquisa pretende oferecer uma visão de conjunto dos diversos períodos medievais da arte Mudéjar, por meio do conhecimento de sua gestação, desenvolvimento e expansão na América. Para isso se fará um painel sobre as características específicas de cada período, bem como das obras mais representativas.

Palavras-chave:Arte; Arquitetura; Mudéjar; mourisca.

O nome de mudéjar, cunhado por o estudioso, Amador de los Rios, se alterna com o de mourisco para denominar este arte produto misto de duas civilizações coetâneas 2. Não pode­mos falar de estilo original, mas de uma simbiose original de sistemas construtivos, decorativos românicos, góticos e muçulmanos. Nesta mescla reside a personalidade indiscutível do mudéjar. Não se trata de uma arte similar em todas as regiões ao contrário, tem tantas variedades como as zonas nas quais se localiza. (GUALIS, 2002). Encontramos arte mudéjar em todo o território da Península Ibérica, desde Leão ao norte até Andaluzia ao sul e desde Cáceres ao oeste ao Rio Ebro a leste. Existe, sem dúvida, una zona ao norte (Cordilheira Cantábrica e Pirineos) na qual estes monumentos são quase inexistentes, e outra (Toledo e Valle do rio Ebro) em que são especialmente abundantes. Para compreender esta disposição dos achados basta repassar a cronologia do avanço cristão. Até o século XII não existiu propriamente arte mudéjar, pois os cristãos somente possuíam uns pequenos reinos no Valle do rio Douro e o elemento islâmico derramava o seu império sobre a Península Ibérica. Só a partir das conquistas do Rei Fernando I e Alfonso VI de Castela, com a ocupação do Valle do rio Tejo e a toma da cidade de Toledo, se põem em contato os dois povos. (SALAMERO, 2002).
Existe uma arte de genealogia muito similar, mais bastante anterior, e é a chamado arte moçárabe. (ABALID, 2004). Também consiste em uma assimilação das técnicas islâmicas às necessidades construtivas dos cristãos primitivos (séculos IX e X), porém se trata de emigrantes voluntários que abandonaram as terras do sul por sua própria vontade e atendem ao apelo da civilização crista quando esta ainda se debate na precária estabilidade dos nascentes reinos cristãos. Os mudéjares,  ao contrário, começam a trabalhar para os cristãos a partir do século XII, e continuam fazendo-o até o XVI, porém já não se trata de um deslocamen­to voluntário, mas de uma absorção forçada pela cultura cristã, mais forte e juvenil. Sendo, portanto, mudéjar e moçárabe dois estilos que fundem os elementos islâmicos e cristãos, mas que são na realidade muito distintos um de outro. Entremos agora nas considerações essenciais sobre a arte mudéjar. Na arquitetura se trata de um estilo original que aporta novas teorias e elementos construtivos a História da Arte. Suas novidades são: um novo tipo de material, o tijolo, e um novo tipo de decoração muçulmana superposta aos elementos construtivos cristãos. A arte mudéjar significa também uma espécie de reação nacional ante a prolongada invasão de estilos europeus a partir do século XIII. A antiga reverência do Rei Sancho III, O Maior de Navarra, para a cultura franca se dissolve pouco a pouco através de seus sucessores, no princípio do século XII já vemos o Rei Alfonso VI convivendo amigavelmente com os muçulmanos e outorgando-lhes um «status», tolerante e pacífico. Outros reis cristãos do século XIII se satisfazem por conhecer a cultura islâmica e de escrever algumas palavras em sua língua. Se vai produzindo um progressivo aleijamento dos influxos europeus e uma aceitação paralela das formas de vida muçulmanas que culmina com a figura do Rei Pedro I de Castela. O período mais importante da arquitetura mudéjar na Espanha são os séculos XIII, XIV e XV. Isto se deve em grande parte à qualidade e ao baixo preço dos «alarifes» muçulmanos desta época, mestres no emprego do tijolo podiam elevar igrejas e todo tipo de construções em um prazo de tempo e em condições econômicas sumamente competitivas ante os arquitetos cristãos. A arquitetura mudéjar, como a própria arquitetura árabe espanhola, é, sobretudo, decorativa e não se esforça em mudanças construtivas. Normalmente emprega como seus antecessores orientais, materiais simples e baratos, entre os quais se destacam o tijolo, e gesso e o barro vitrificado. Não é uma arquitetura de cantaria, como a românica e gótica ocidental, mas uma arte de alvenaria (alarifes) cujo objetivo é criar obras atrativas, tanto por sua cor como por seus efeitos de luz e sua riqueza decorativa. Faz a substituição das grandiosas abóbadas românicas por os tetos planos de madeira ou armadura. (GUZMÁN, 2000).
O estilo mudéjar tem seu início em terras do Rio Douro, e se conhece correntemente como o «românico de tijolo». Os cristãos estabelecidos no Valle do Douro contratam construtores muçulmanos para levantar suas igrejas e exigem-lhes que estas se ajustem às normas estéticas da arte românica, então em voga. Os alarifes mouriscos executam o traçado românico, empregando materiais baratos como o tijolo. Em algumas ocasiões se atrevem a ornamentar os elementos construtivos com lóbulos muçulmanos, porém não é o corrente neste primeiro momento. Ao contrário, os artistas muçulmanos se empenham reproduzir o traçado românico com toda a autenticidade possível e empregam pilares, arcos de médio ponto, arcos cegos exteriores, portadas arquivoltadas etc., em resumo, o repertório fundamental da arte românica. O que dá a estes templos um caráter inconfundível é precisamente o material, o tijolo, que não só proporciona um efeito notavelmen­te decorativo, como obriga a variar as proporções de absides, muros e torres. Os grossos muros de pedra do românico se fazem agora ainda mais grossos, ao serem construídos em material tão débil e as proporções não chegam a alcançar a altura do românico puro. As torres se fazem mais pesadas e o templo todo apresenta normas claramente distintas das europeias. Este tipo de edificação abunda em vários pontos da meseta norte da Península Ibérica, porém é típico das regiões de Leão, Segóvia e Ávila na Espanha 3.
Porém o verdadeiro estilo mudéjar, quando os artistas muçulmanos desprendem todo seu instinto secular, aparece nos séculos XIII, XIV e XV, e tem sua sede na zona de Toledo, Cáceres, Andaluzia e o Valle do rio Ebro. Encontramo-nos já em uma época de domínio indiscutível do gênio cristão na península, e é agora que se nota essa relação contra o europeu ou afirmação artística do nacional. Tanto a Coroa de Castela como a de Aragão tem absorvido importantes grupos de elementos mudéjares que se dedicam, sobretudo ao trabalho do campo e a certos ofícios urbanos, entre os quais se destacam a alvenaria, o couro, a louça e os tecidos, herança de uma tradição multissecular. É nos séculos XIV e XV quando se incorpora à arte gótica – imperante na Europa – os materiais e ornamentos da arte almofade e nazarita. Estamos, pois, ante a arte mudéjar mais característica. Igrejas, sinagogas e mesquitas parecem fundir-se num aspecto comum e nos encontramos com esbeltas torres de tijolo aragonesas que pareciam alminares muçulmanos, ao contrário, encontramos elementos românicos nas construções de templos judeus ou mouriscos. A fusão destes elementos não é somente artística, mas muito mais transcendental e simbólica porque ocorre na Baixa Idade Média, quando se produz um fenômeno similar de fusão espiritual entre estas duas Espanhas. A Escola de Tradutores de Toledo e a obra do Rei Alfonso X e seus colaboradores são o exemplo mais notável no plano intelectual para ilustrar isso. A arte mudéjar é a arte mais representativamente espanhola e medieval. Os monastérios românicos tem um marcado sabor europeu, igual às enormes catedrais góticas, em qualquer lugar de Europa podemos encontrar muitos exemplos similares românicos que correspondem a um mesmo tipo de vida e economia. O mesmo ocorre com a arte muçulmana dos séculos VIII ao XI, as mesquitas e palácios andaluzas nos recordam sem perder sua originalidade as formas orientais da Síria e do norte da África. Em troca, em que lugar do mundo encontramos igrejas como as aragonesas do século XIV? Pode-se dizer que em nenhum. A simbiose de formas góticas e decoração muçulmana é tão perfeita que engendra. «ipso facto» um estilo acabado e pessoal. (GUSMÁN, 2000).
Não é uma arte grandiosa como as medievais do Ocidente, porém ilustra um período muito mas interessante da história da Península Ibérica e reúne em um só gesto vários séculos de inspiração nacional. Estamos, sem dúvida, ante o estilo arquitetônico mais peculiar, original e ibérico de todos os tempos. Por ser uma arte fronteiriça e de contato, as regiões mais abundantes em obras mudéjares são justamente aquelas onde os dois povos conviveram durante séculos. Temos, diante disso, a região do românico de tijolo, com seus centros fundamentais nas províncias de Leão, Valladolid, Ávila e Segóvia. Depois aparece a arte mudéjar em outra região que segue a linha do rio Tejo desde Toledo até Portugal e ao sul estão os interessantes focos na região estremenha (GONZÁLEZ, 1985), para chegar a uma das regiões mais importantes: Andaluzia, as províncias de Sevilha e Córdoba são onde são mais frequentes, sem que falte o estilo em outras províncias.
A última região – é uma das mais interessantes – constitui o Valle do rio Ebro, sobretudo Zaragoza e Teruel, pois ao norte de Aragão, a província de Huesca estava ocupada em sua maior parte por monumentos românicos de tempos anteriores; Teruel e Zaragoza apresentam uma grande quantidade e qualidade de formas mudéjares, pode-se dizer que não tem povo nesta região que não participe da influência mourisca em maior ou menor grau.
O Mudéjar vai continuar na América, como as mesmas tradições medievais mais adaptadas ao novo continente, nos dois vice-reinados de Nova Espanha e Peru, os projetos urbanísticos e arquitetônicos serão a melhor imagem do novo poder espanhol sobre os distintos grupos indígenas. (TAWKIF; CARABAZA; CANO; GALÁN; GUZMÁN, 1999, p. 257-280).

 

Moresque and Mudejar art and architecture in the Medieval  Spain and in America.

Abstract:Mudejar It describes the Spanish Muslims who remained on the land that was conquered and under the political control of the Christians during a period at the end of the Middle Ages, when the Christian kingdom was advancing throughout the southern Iberian Peninsula.   The Moresque  were Spanish Muslims baptized by order of the Catholic Kings after February 1502. Regions of southern Aragon and Valencia had a large population of Moresque. According to contribution account statements, there was a relatively small population in Castile, with the exception of the kingdom of Granada. This research discusses the origin, development, and extension of the Moresque and Mudejar Art, beginning with its first expressions in Medieval Europe, to its expressions in America. The research aims to offer a wide vision of the Mudejar, through a way of thinking, a culture, and a moment in history as seen through the beauty in their use of shapes. This will be accomplished by relating the aforementioned manifestations to their specific historical context, and the places where the art was created.

Keywords:Art. Arquiteture. Mudéjar and Moresque.

 


1 Doutor em Historia da Arte, Universidade Federal de Minas Gerais, rafaelsumozas@hotmail.com. Pesquisa realizada dentro do Pos-Doutorado em Historia da Pós-Graduação em Historia UFMG.

2 DE LOS RIOS, José Amador: Discurso pronunciado por Don José Amador de los Ríos en la solemne investidura del grado de doctor en letras. Madrid, 1850 (Imp. a cargo de Celestino G. Alvarez). Conhece-se por arte mudéjar ou mourisco a produção artística dos muçulmanos que trabalharam ao serviço dos cristãos. À medida que foi avançando essa onda histórica que conhecemos com o nome de Reconquista, grandes massas de população muçulmana se submeteram à administração dos reinos cristãos. Estes guerreiros do norte não contavam a maior parte das vezes com suficientes arquitetos para erigirsuas obras e, recorreram em grande medida ao trabalho dos «alarifes» muçulmanos, que conheciam seu oficio com perfeição. Deste modo, a técnica muçulmana, avalizada por muitos séculos de tradição, se pôs ao serviço dos cristãos, de suas ideias e caprichos estéticos.

3 Bibliografía de arte mudéjar, addenda: 1992-2002. Instituto de Estudios Turolenses, 2002.

 

Referências:

ABALID, Jesús Sánchez. El mozárabe. Ediciones B, Barcelona, 2004.

BIBLIOGRAFÍA DE ARTE MUDÉJAR, ADDENDA: 1992-2002. Instituto de Estudios Turolenses, 2002.

DE LOS RIOS, José Amador. Discurso pronunciado por Don José Amador de los Ríos en la solemne investidura del grado de doctor en letras. Madrid, 1850 (Imp. a cargo de Celestino G. Alvarez).

GONZÁLEZ, María del Carmen Fraga. Arte mudéjar. Universidad de Extremadura. Badajoz, 1985.

GUALIS, Gonzalo Máximo Borras. El mudéjar, um arte español. Trébede. Mensual aragonés de análisis, opinión y cultura, Zaragoza, n. 62, 2002.

GUZMAN, Rafael López. Arquitectura mudéjar. Del sincretismo medieval a las alternativas hispanoamericanas. Madrid: Cátedra, 2000.

SALAMERO, Ricardo Centellas. Bibliografía mudéjar. Trébede. Mensual aragonés de análisis, opinión y cultura, Zaragoza, n. 62, 2002.

TAWKIF, Aly; CARABAZA, Juliana Maria Bravo; CANO Pedro Ávila; GALÁN, Ildefonso Garijo; GUZMÁN, Rafael Jesús López. Arquitectura Mudéjar y su proyección en América. El saber en Al-Andalus. Textos y estudios. v. 2, 1999.