Joachim Paech
recebido em 01/03/2010 e aceito em 11/03/2010
O cinema pode nos contar histórias tão belas não por ser uma linguagem, mas se tornou uma linguagem por nos tê-las contado. (Christian Metz)
A mudança gradual de narrativas fílmicas descontinuadas para continuadas com suas ligações match cut não perceptíveis e uma sintaxe cada vez mais complexa (p. ex. montagens alternadas e paralelas) ocorreu entre 1906 e 1908.
Os três seguintes momentos contribuíram substancialmente para as transformações do cinema: a) a ficcionalização do filme, b) a economização na produção cinematográfica e c) a institucionalização do filme no cinema. Todos os três momentos estão diretamente relacionados; mesmo havendo diferenças no desenvolvimento europeu e americano, essa fase específica da história do cinema sugere não perder de vista o exemplo americano, visto que neste foram propostas as diretrizes para a futura estrutura da indústria cinematográfica e da estética fílmica.
a) Por ficcionalização do filme, entende-se primeiro o simples fato que a relação entre filmes “documentários” (topics, travellogues, etc.) e ficcionais muda drasticamente e quase se inverte. Por volta de 1900, 87% dos filmes eram documentários, em 1904 essa taxa diminui pela metade e fica com apenas 42%. Nesse mesmo período, comédias e filmes de animação já somavam 50%, enquanto as narrativas dramáticas representavam apenas 8% da produção total. Até 1908, a situação se inverteu completamente: nesse momento, 96% dos filmes eram de narrativas ficcionais em comparação com apenas 4% de documentários (ver Allen, 1977).
É notável que a ficcionalização como processo possa ser vista de forma mais nítida nos próprios filmes documentários: no auge do entusiasmo patriótico, durante a guerra hispano-americana por Cuba (1896), havia um grande interesse por reportagens fílmicas sobre cenas dessa guerra. O público frequentava em massa essas exibições e ansiava sempre por novas filmagens, não apenas da guerra contra a Espanha, mas também do cenário de guerra sul-africano dos Boers contra a Inglaterra. E por que não gravar cenas do combate nos próprios Estados Unidos? Tais falsificações não diminuíram o entusiasmo dos espectadores e eram muito mais econômicas de produzir: a logística não era mais um grande problema, podia-se economizar nas viagens caras e, sobretudo, não era mais necessário esperar que algo acontecesse para então perceber se escolheu o lugar errado, visto que se podia dispor dos acontecimentos ao mesmo tempo em que estes eram (re)produzidos.
Esses procedimentos já tinhma na até então curta história do filme uma tradição: Georges Méliès, que a princípio também filmou atualidades, há muito tinha começado a multiplicar para seu teatro de mágicas de uma maneira fantástica as imagens da realidade e filmar como em actualités pastiches, entre eles o caso Dreyfus, uma erupção vulcânica ou a coroação do rei inglês Edward VII em seu estúdio em Montreuil. Desse modo, o filme sobre a coroação pôde ser visto ao mesmo tempo em que a própria cerimônia ocorria. A Biograph Company chegou a conseguir “que a data da filmagem do acontecimento em questão acontecesse cerca de um mês antes do mesmo” (Levy, 1979).
Certamente, a mistura de documentários com histórias ficcionais contribuiu para o estilo verossímil ou realista e para a vraisemlance da impression de réalité no cinema narrativo de Hollywood – ao contrário do burlesco, que nasceu da tradição de teatro Vaudeville e suas comédias de perseguição.
b) Decisivo foi o efeito da “economização” da produção cinematográfica. A maioria dos curtos documentários se concentrou rapidamente na representação de acontecimentos ritualizados previsíveis, como desfiles, cenas com a realeza, exposições mundiais, etc.; por isso, pouco a pouco o público, que ficou entediado, deixou de comparecer às sessões, o que levou à primeira crise do cinema por volta de 1902. Em relação à produção dos acontecimentos, o império do magnata da imprensa Hearst, até ajudou a tramar a guerra hispano-americana e, desse modo, possibilitou que os operadores das câmeras de Edison oportunamente estivessem no cenário de guerra para filmar o naufrágio do navio de batalha “Maine”, que então deflagrou a guerra.
O desenvolvimento em direção ao filme ficcional e narrativo entre 1902 e 1904 ajudou a estabilizar a indústria, ao regular uma parte essencial da produção. Entre 1906 e 1908, uma grande crescente demanda por filmes forçou os produtores a fazer mais filmes do que antes e tão rápido quanto possível. [...] O filme de narrativa [ficcional] sem dúvida estava na forma mais apropriada para ir ao encontro das exigências da indústria, que precisava produzir filmes com rapidez e baixo custo e cujo sucesso não dependesse de condições externas à situação da produção (Allen, 1977, p. 157), ou seja, fora do controle dos produtores.
A indústria cinematográfica respondia a esse desafio com o sistema de estúdio que estabeleceu o filme como indústria. O equivalente a isso e, ao mesmo tempo, o propulsor da industrialização da produção cinematográfica foi a institucionalização do filme no cinema.
c) Pelo menos para os Estados Unidos essa institucionalização do filme no cinema tem uma data: em 19 de junho de 1905 abriu, em Pittsburgh, a primeira nickelodeon com o filme de Porter “The great train robbery”, que logo resultou em milhares de salas comerciais usadas para projeção, com frequência equipadas de maneira muito precária. Uma condição para o fato de o filme se tornar autônomo no cinema, foi a mudança do sistema de venda para o aluguel já em 1903; assim, os filmes podiam circular em cinemas fixos e serem apresentados em diversas combinações. Uma consequência foi, como dito, um grande aumento da demanda, estimulada por um boom cinematográfico nessa fase inicial do cinema. A indústria cinematográfica respondeu com a ficcionalização e padronização da produção de filmes. A tentativa de Edison, entre 1908 e 1909, de reunir toda a produção, distribuição e consumo de filmes sobre os direitos de patente na MPPC (Motion Picture Patent Comp.), como já mencionado, foi a primeira tentativa de monopolizar a indústria cinematográfica.
As mudanças na produção e recepção de filmes durante as primeiras décadas do século XX, aqui circunscritas à ficcionalização, à economização e à institucionalização, precisavam não apenas mudar os filmes, mas antes disso produzir filmes diferentes dos feitos até então. Eles também deveriam, dentro do possível, alcançar um público diferente e ainda maior. Enquanto Edison e a MPPC não queriam abandonar a receita de sucesso da variedade de filmes curtos em um variado programa, os produtores de filmes independentes focaram na Europa, onde os filmes de grandes produções com uma hora ou mais de duração tiveram grande sucesso e amortizaram o aumento de investimentos. Adolph Zukor, presidente da Famous Players Film Corporation - um ano depois do italiano “Quo vadis” (Enrico Guazzoni; 2,5 horas) e um ano antes de “The birth of a nation” de Griffith (3 horas) – achava, ainda em 1914, que os pessimistas se conformaram, que “os filmes europeus de longa metragem eram muito superiores às produções americanas e que os filmes americanos nunca poderiam alcançar o padrão tão significativo dos produtores europeus” (Adolph Zukor, The supremacy of the feature film at last conceded, in: Billboard Dec. 19, 1914, in: Csida/Bundy Csida, 1978, p. 199).
Sobretudo na França, foi feita a primeira tentativa de alcançar também a burguesia, além do proletariado (das salas comerciais alugadas para exibições e feiras de atrações) e da classe média (das varietés), os quais já se podia ter como certo. Até aquele momento, a burguesia estava não apenas alheia e distante em relação ao filme, mas se comportou de modo abertamente hostil em relação a ele. Caso eles quisessem alcançar essa camada social, o filme e o cinema deviam ir ao encontro das necessidades culturais dos burgueses (sem frustrar as necessidades da massa proletária, como ameaçava o movimento de film d’art):
A estrutura narrativa do filme precisou agora ser conciliada com as tradições narrativas burguesas. Os mais claros sinais disso são os filmes, que foram feitos entre 1908 e 1909, baseados em famosas peças de teatro, romances ou poemas. Antes de 1908, as fontes preferidas para o cinema foram Vaudeville-burlesco, contos de fadas, histórias em quadrinhos e canções populares com efeitos excepcionais e muita ação, mas pouca motivação psicológica. O cinema ainda estava em sua fase inicial, mas agora buscava modelos narrativos de uma tradição consolidada e respeitada, bem como temáticas correspondentes. (Gunning, 1981, p.16)
Nota-se que a institucionalização do filme no cinema abrange muito mais do que apenas a organização de um local separado para exibição de filmes e a constituição de uma indústria cinematográfica. Com isso, se pensa também em um novo padrão de estética fílmica, que reagisse às mudanças nas condições de produção, que podiam ser descritas de maneira bem generalizada como tendência de “inscrição” do filme nas instituições da cultura e da arte burguesa (ver Bürger, 1981). A institucionalização
também diz respeito a uma máquina mental, essa outra indústria que os espectadores de filmes têm historicamente interiorizada e que possibilita a eles consumir filmes. [...] Qualifico essas leis escritas e não escritas como ‘modo institucional de representação’ (institutional mode of representation), que foram interiorizadas historicamente pelos diretores e técnicos como base imutável de uma ‘linguagem fílmica’ no campo da instituição e que durante os últimos 50 anos permaneceu constante independente das frequentes mudanças estilísticas profundas. Essa linguagem também foi internalizada pelos espectadores, no ato de aprender a ler, já na juventude, os filmes das instituições. (Burch, 1980, p. 24)
Os elementos desse “modo de representação (fílmica) institucionalizada” são aqueles da linguagem fílmica, tal como ela se desenvolveu até hoje, que se fortaleceu e nem foi questionada pelo cinema falado.
Essas características essenciais da mudança diante do precedente modo de representação fílmica não institucionalizada (na fase popular cultural do filme) são:
O domínio do tempo em relação ao espaço. A não continuidade do decorrer do tempo era compensada pela grande proximidade cênica em situações regidas pelo espaço, agora a supremacia do decorrer do tempo de uma ação, possibilita que os locais de ação possam ocorrer em locais distantes. Duas ações em locais diferentes podem ocorrer paralelamente no tempo (montagem paralela ou alternação) e serem reunidas no final (perigo e salvação na “última hora”). O narrar se torna também o domínio imaginário sobre o espaço no tempo e, com isso, se aproxima do imaginário literário.
Continuidade do narrar. Por isso, a estética fílmica, contrária à interligação descontínua de planos se esforçaria futuramente em realizar “as sequências de planos como narrativa contínua, homogênea, que produz a ilusão de uma narrativa que narra a si mesma.” (Gaudrault, 1983, p. 328). Com isso, surge paralelamente a linearização da narrativa fílmica como condição para a adaptação das estruturas da narrativa literária; conforme Metz (1972, p. 177) a lineariedade (Burch, 1983) da narrativa no filme é definida como “uma única sequência temporal que une todas as ações apresentadas visualmente”.
O estabelecimento do horizonte diegético como referente imaginário da narrativa fílmica. O modo narrativo não contínuo tinha no filme documentário dominante, mas também no filme de ficção, seu referente em campos externos à narrativa: na cultura popular e no conhecimento de seus membros. O modo narrativo contínuo e homogêneo tende a não se referir mais, como até então, ao campo referencial de códigos culturais, como as feiras de atrações ou varietés, ao conhecimento cultural e à vivência de seus frequentadores, mas sim inaugurar um mundo próprio, inteligível e homogêneo, harmonioso em si. Literatura e cinema compartilhariam futuramente esse horizonte de mundos imaginários narrados.
Essa nova estrutura narrativa, que é a antiga narrativa literária da literatura realista do século XIX, com sua linearização da narrativa no sentido de representar uma ação contínua, se impôs nos anos seguintes na produção cinematográfica dos EUA e também na Europa, consolidando-se por volta de 1914.
Sinais exteriores das transformações sociais, que acontecem paralelamente a essa mudança de paradigma na história cinematográfica, são transformações acentuadas também dos cinemas. Logo que o cinema se consolidou como local para projeção de filmes, surgiram nos EUA já as primeiras grandes e luxuosas salas de cinema para um público numeroso e variado: objetivava-se impressionar a camada proletária e a pequena burguesia e cortejar culturalmente a camada burguesa, que foi atraída, sobretudo, como fator econômico e social importante para o cinema. As pequenas salas comerciais alugadas podiam apresentar apenas programações de meia hora para um número reduzido de espectadores, renovado a cada 30 minutos; ao tornar os filmes cada vez mais longos, diminuiu-se rapidamente a frequência de renovação do público, o que apenas pôde ser compensado pela oferta de salas de cinema maiores, visto que não se podia aumentar o preço das entradas desenfreadamente. Para esse novo e numeroso público, foram inaugurados, aantes de 1914, nos EUA os primeiros grandiosos cinemas com capacidade para mais de 1.000 pessoas (Anne Paech, Kino zwischen Stadt und Land, 1985).
Esse processo de massificação não aconteceu apenas com o cinema, mas já havia acontecido na segunda metade do século XIX com a literatura, que forneceria a futura base material de inúmeros filmes, quando se abriu para um público bem amplo. Era essa literatura de romances de folhetim de Dumas (pai e filho), Victor Hugo, Eugène Sue ou Júlio Verne, entre outros, e seu modo específico de narrar, que fundou o filme no sentido moderno como filme de ficção de narração contínua e crescentemente realista e, assim, impôs a forma realista literária, baseada nas estruturas de pensamento burguês, também no cinema como meio de comunicação em massa.
Dois importantes passos intermediários fazem a transição do antigo e não contínuo para o novo modo de narrar, contínuo, linear e dominado pelo tempo, particularmente perceptível:
O filme “L’assassinat du Duc de Guise”, produzido em 1908 na França pela companhia Film d’art, contribuiu para a linearização da narrativa fílmica de maneira interessante e desenvolveu um modo de integração específico de planos, que nesse caso, partindo de experiências do teatro, levou a soluções cinematográficas. Pouco antes do assassinato do duque é possível vê-lo indo para uma passagem no fundo da cena (teatral), onde os soldados do rei Henrique III esperavam por ele. Ou seja, já se podia olhar para dentro da cena, que então, na próxima tomada, gira 180° (portanto, em contracampo) e continua no quarto contíguo, onde os assassinos lhe atacarão por ordem do rei.
A profundidade do espaço cênico é utilizada aqui no sentido do princípio de overlap, mas não como interligação temporal, e sim espacial. O caminho do duque de uma sala às outras pode ser mostrado continuamente e permanece assim também no corte entre dois planos, já que a continuidade espacial apoia como constância o desenvolvimetno temporal. De certo modo, esse procedimento se esquiva de entregar a montagem fílmica inteiramente à dominância do tempo sobre o espaço, e porque se trata ainda de teatro, a dominância do espaço como princípio cênico é justificada esteticamente de antemão; contanto que se trate de filme, a câmera permanece presa à cena.
Mais frutífero se tornou o desenvolvimento que se serviu de experiências populares culturais nos primórdios do filme e levou diretamente à nova estrutura narrativa.
O filme dos Lumière “L’arroseur arrosé” termina com uma pequena perseguição, até que o jardineiro prende o malfeitor e pode se vingar dele. Tais perseguições dominavam o burlesco do teatro Vaudeville; pisava-se em baldes e jogavam-se tortas, montavam-se armadilhas e cavavam-se buracos, nos quais por vezes caía o próprio protagonista... A regra era que se pudesse ver de fato em tais perseguições o perseguir em si, ou seja, perseguidor e perseguido precisam pelo menos temporariamente serem vistos juntos no placo, antes que a perseguição continuasse off-stage (e era apenas audível). Os primeiros filmes incorporaram esse princípio e gravaram perseguições em diversas tomadas, de maneira que ambos os personagens pudessem ser vistos juntos em cada tomada. Aquilo que era obrigatório para o ponto de partida e para o fim da perseguição, valia também para o trajeto que havia entre eles.
James Williamson, cujo filme “Fire!” já mencionamos, produziu em 1901 o seguinte filme de perseguição em três blocos (ver Burch, 1983, p. 34-35; Sopocy, 1978, p. 8; Jacobs, 1968, p. 60-61): “Stop thief!” mostra na primeira cena expositiva, como um andarilho rouba um pernil de um açougueiro que o carregava em um pote sobre os ombros. O ladrão foge correndo e o açougueiro sai atrás dele. A segunda cena é a execução do tema de perseguição com uma variante a mais: é que cães também fazem a perseguição, o açougueiro e eles, todos correm pela rua. O resultado da perseguição, o ponto alto e engraçado, acontece no terceiro plano: o ladrão chega a um barril que estava em sua frente (no meio da cena), joga primeiro a carne lá dentro para depois ele mesmo entrar. Os cães chegam ao barril, correm em volta e pulam para dentro, exceto um que tem as pernas muito curtas. Agora, o açougueiro chega ao barril, expulsa os cães, tira o ladrão do barril e encontra, de seu pernil roubado, apenas o osso. O movimento rápido da perseguição exigiria, em princípio, uma representação contínua e uma expansão espacial e temporal; já que apenas a cena que mostra o rígido quadro do plano pode ser percorrida, uma parte da perseguição é deslocada em elipses entre os planos como mero tempo passado sem espaço (visível). O espaço é que precisa ser reapresentado como cena da perseguição, onde o percurso temporal é simultâneo à representação da ação no mesmo espaço. Poderia se estender, agora, o espaço percorrido e tornar a perseguição mais minuciosa e mais interessante, caso se separasse ambos os movimentos correspondentes e se deixasse correr pela cena primeiro o perseguido e depois o perseguidor. No momento em que ambos não precisam mais estar juntos na cena, pode-se destinar diferentes espaços a eles, que permanecem encadeados pelo decorrer do tempo da ação da perseguição. Enquanto duas ações ocorrem ao mesmo tempo, estas podem ser separadas espacialmente por qualquer distância. A continuidade não é mais, então, do espaço (cênico), mas sim ligada, em primeiro lugar, à simultaneidade narrada das ações no mesmo local ou em diferentes locais: e essa é a liberdade das narrativas literárias, de poder dispor de tempo e espaço na mesma medida; essa liberdade o filme adapta junto com a estrutura e o conteúdo da narrativa literária.
Um sinal claro, entre muitos outros, para o início da literarização do filme é o fato que os cineastas saem do anonimato da produção coletiva, que foi característico para o contexto popular cultural de seu trabalho (isso vale também para Porter): o cinema começa a produzir indivíduos que, como “autores” de seus filmes, influenciam seu estilo (de modo análogo aos seus colegas literários); a concorrência dos produtores se torna a concorrência dos diretores(-estrelas) e atores(-estrelas). David Wark Griffith é o primeiro diretor-estrela na história do cinema que, desde 1908, contribuiu, como diretor da empresa americana Biograph Company, decisivamente para a formatação das novas estruturas narrativas. Sendo ele o primeiro que com seu nome, enquanto personalidade do filme artístico, pôde ser relacionado às novas formas expressivas surgidas nessa época, essas inovações foram creditadas a ele como mérito pessoal do “gênio” Griffith (Balázs). E quando se fala que a “linguagem” fílmica ou a arte do cinema foi iniciada somente com Griffith, deve-se considerar isso uma expressão da institucionalização do filme em uma história do cinema, que desde então se orienta nos indivíduos artísticos (autores-diretores, atores-estrelas), embora ainda se trate de um processo de produção coletiva. Não o reconhecimento do grande mérito desse primeiro diretor no sentido moderno, mas sim seu papel como o “criador genial dessas primeiras novas formas” do filme (Balázs, 1973, p. 165), que degradam todos os filmes antes dele em mera pré-história do filme e seus produtores em “primitivos” dos primórdios do filme, este é o tema que deve estar no centro de um debate controverso. É de se considerar que o desenvolvimento de narrativas fílmicas não contínuas em contínuas, que contribuíram para a formação de princípios substanciais de montagem, foi um processo no decorrer da institucionalização do cinema, que levou à linearização da narrativa fílmica, mas de modo algum se desenvolveu ele mesmo de modo linear; não foi Griffith, mas sim James Williamson que iniciou, com seu filme “Fire!” realizado já em 1901 na Inglaterra, o uso de sequências contínuas no sentido da lógica da narrativa linear. Georges Sadoul também apontou para esse fato e opinou:
Trata-se de fazer a pergunta certa – O que quer dizer montagem? E então perguntar: Quem foi o primeiro diretor que uniu alternadamente o plano geral com um close de um rosto ou um objeto? Quando se pergunta isso, a resposta corrente é que Griffith foi o inventor dessa montagem. Isso é incorreto. Terry Ramsaye (Ramsaye, 1986), um dos maiores historiadores do cinema, afirmou que Griffith desenvolveu a sintaxe do filme. Ele teria sido o primeiro a aplicar, de modo completo e sistemático, a técnica de montagem e assim a legou ao mundo. Porém, ele apenas definiu essa linguagem. Ele formulou as leis de uma linguagem fílmica, que de fato já era utilizada há muito. (Sadoul, 1946, p. 50)
Restringindo ainda mais, precisa-se dizer que Griffith apenas deu início à aplicação e ao desenvolvimento dos rotineiros processos contemporâneos do modo de expressão e de narração fílmica; sem dúvida seu grande mérito é que ele levou à perfeição pelo menos as formas básicas da sintaxe narrativa do filme de narração contínua, as montagens alternadas e as paralelas.
O uso de montagem paralela nos filmes da Biograph por Griffith criou não apenas uma forma narrativa, mas também uma forma de narrar e um narrador com habilidade de contar uma história. Com a montagem paralela, Griffith poderia produzir suspense ao interromper ações e deter informações; ele poderia transmitir mensagens morais, acentuar desejos de personagens e permitir o surgimento de motivações. Todas essas técnicas preenchem condições essenciais para uma nova forma burguesa de narrar, que fez dela uma rival do teatro e do romance. (Gunning, 1981, p. 23)
Em seguida, é dado um exemplo para o uso de montagem alternada (cronológica) e paralela (não cronológica). Na sistemática de “Groβen Syntagmen im Film” de Christian Metz (Metz, 1972, p. 151-198; Tabela dos grandes sintagmas no cinema, p. 198) o sintagma paralelo é assim definido: “A montagem junta dois ou mais motivos e os entrelaça, ou seja, a montagem faz os motivos voltarem de forma alternada, sem que a aproximação constitua uma relação precisa (temporal ou espacial) entre os motivos citados” (p. 173). Referente ao sintagma alternado, Metz comenta: “Através da alternância na montagem, duas ou mais séries de acontecimentos são apresentadas de tal maneira, que, dentro de cada série, podem ser mantidas as relações temporais da consecução, mas há a simultaneidade entre as séries registradas en bloc” (p. 177). Os dois exemplos seguintes para as montagens alternadas e paralelas têm por objetivo tornar mais compreensível o uso dessas importantes formas da narração fílmica contínua. Montagem contínua não significa que a continuidade entre dois planos, tratada anteriormente, não é mais usada; quando se trata de apresentar um movimento em um espaço ao longo de diversos planos como movimento contínuo, vai prevalecer, tanto quanto possível, a ligação match cut (mas que desempenha, nas sempre mais complexas narrativas fílmicas, um papel cada vez menor); o que ela é capaz de fazer, isto é, produzir uma sequência macia (smooth), imperceptível, também nos lugares onde precisava se inserir cortes (como nas transições de um local para outro), precisa ser alcançado por uma série de regras adicionais, quando um movimento (ação) não deve mais ser apresentado a partir de apenas um ponto de vista, mas sim através de um número crescente de diferentes perspectivas. A estrutura narrativa do romance realista (p. ex., a cena de sedução entre Emma e Rudolf em Madame Bovary de Flaubert, ver a seguir) organiza a montagem em uma riqueza de pontos de vista, caracterizados por certos críticos como de qualidade fílmica avant lettre: a descrição de detalhes segue-se por pontos de vista narrativos alternados; saltos sobre grandes lacunas (blancs) na sequência cronológica de movimentos e de ações fazem parte das características desse narrar literário. Sua adaptação requer do filme a capacidade de realizar a conexão de pontos de vista heterogêneos de possíveis situações espacialmente divergentes para dar a impressão de um tempo narrado homogeneamente, ou seja, o contrário da continuidade espaço-temporal das ligações de tipo match cut. Por outro lado, o cinema aprende na adaptação desses modos de narração literária a dominar também padrões de ação heterogênea e o narrar de conteúdos contraditórios.
Para entender o que significa continuidade nesse contexto, o olhar precisa ser expandido do nível do significante da montagem para o nível do significado; ou seja, a montagem (p. ex., de um movimento) não é mais apenas a (re)construção fílmica orientada na percepção real (contínua?) de fatos pré-fílmicos, mas sim, além disso, sua intenção (realizada de maneira narrativa), que, para ser alcançada, precisa, futuramente, da colaboração do espectador: sua experiência cotidiana, sua consciência espacial e temporal precisam ajudá-lo a reconhecer e aplicar as regras da continuidade a ser experimentada (um conjunto completo de códigos) como consequência lógica dos acontecimentos apresentados na forma de sua representação. E aqui a experiência de leitura beneficia tanto o espectador quanto o diretor de cinema; (retomaremos esse assunto mais tarde no contexto histórico).
Nos exemplos a seguir, uma montagem contínua funciona, então, particularmente nos seguintes níveis:
- como continuação do movimento contínuo (de câmera ou objeto) com os recursos da montagem (sequenciação contínua) de planos (match cut);
- como construção de uma unidade espaço-temporal de posições de câmera divergentes (a produção da homogeneidade do close de um rosto ou objeto com a situação espaço-temporal ou a definição de montagens de campo-contracampo de cabeças falantes como “conversa” são capacidades do espectador, que exigem um certo processo de aprendizagem);
- como alternação de ações em diferentes locais com o significado de simultaneidade (1° exemplo) ou a coesão de conteúdo (paralelismo de pobre e rico, no 2° exemplo).
1° exemplo: David Wark Griffith: “The lonedale operator”.
“The lonedale operator” estreou em março de 1911 e pertence, com 97 planos e cerca de 13 minutos de duração, aos filmes mais extensos que Griffith tinha realizado até então para a Biograph. O esquema narrativo do filme é característico de toda uma série de filmes, nos quais um mocinho precisa intervir para salvar sua amada ou sua família de uma dificuldade. Com essa estrutura narrativa, a localização cênica precisa ser dissolvida em uma relação temporal entre locais: a salvação é uma luta com o tempo no caminho que precisa ser percorrido entre os locais, para chegar a tempo para o last minute’s rescue e, por fim, ao happy end. Em relação às chase comedies e seus motivos bem concretos para perseguições, o padrão desses filmes já é alterado pelo fato de, por exemplo, não ser mais um ladrão o perseguido, mas o próprio tempo ameaça escapar no caminho para a salvação e precisa ser alcançado. São outras experiências de outras pessoas que apatir de agora são concretizadas em tais modelos de ação; o suspense, que resulta da fuga do tempo no resgate da amada, é bem conhecido entre os burgueses como time is money.
Em sua análise do filme, Raymond Bellour afirmou que podemos “observar aqui como se constitui a sistemática característica do grande cinema clássico americano e que parte da expansão de uma forma fundamental do discurso cinematográfico: a alternação” (Bellour, 1980, p. 69). A alternação constrói a unidade do tempo a partir da desconstrução da unidade do espaço, que somente é restabelecida como resultado da ação, ou seja, no paradigma do tempo. A simultaneidade como unidade temporal presumiu um processo da narração, que dissolve todos os seus objetos em relações e, por fim, os liberta. As relações entre locais são definidas pelas relações entre pessoas, que primeiro estão juntas, depois separadas e, sob o aspecto da salvação, voltam a ficar juntas. Por isso, o esquema da alternação começa, como aqui em “The londale operator”, não apenas no momento em que a ameaça é visível e o mocinho está a caminho, mas já nos primeiros planos do filme: um homem e uma mulher partem para se encontrar, primeiro em planos separados de diferentes locais (suas casas), até que eles se juntam no mesmo plano como um par, primeiro de forma temporária, pois somente sua separação e o heroico reencontro são a condição para sua futura e possivelmente definitiva união como casal.
Ela é telegrafista em uma estação de trem e ele é maquinista, ambos vão à estação de trem (A). Ele parte com sua locomotiva e, com isso, ela fica sozinha na estação, pois seu pai não se sente bem e foi para a casa por pressão da filha; ele leva consigo sua pistola, pois mulheres não saberiam manejá-la. (A propósito, Bellour não menciona em sua análise nem o pai, nem a pistola, que são importantes para os aspectos psicanalíticos do filme, pelos quais Bellour se interessou, em especial. Aqui se faz notar o problema crônico das diferentes versões dos filmes, produzidos por motivos variados para suas exibições e a resultante diversidade nas conservações dessas obras. A pergunta pelo “original” ou uma edição crítica de filmes é um quase insolúvel e talvez também inadequado problema para a fase inicial do cinema.)
Em uma outra estação de trem (B) é embarcada uma bolsa de dinheiro, o que é observado por dois andarilhos. Eles embarcam no trem e o deixam de novo, quando notam que a bolsa de dinheiro é entregue à telegrafista na estação de trem onde ela trabalha (A). Quando o trem volta a se mover, eles tentam invadir a estação, que a telegrafista conseguiu trancar a tempo. Ela telegrafa pedindo ajuda, mas o telegrafista no outro terminal cochila (estação de trem C, onde seu namorado maquinista se encontra); a jovem desmaia de medo, nesse momento o telegrafista desperta, vê o pedido de ajuda, tenta entrar em contato e como não recebe mais nenhuma resposta, imediatamente envia o maquinista à sua amada, que pelo visto está apuros; ele pega uma pistola e um foguista o acompanha. Nesse meio tempo, a telegrafista acorda de seu desmaio e quando os ladrões entram pela porta arrombada, ela os ameaça com um paquímetro, que eles julgam ser uma pistola.
Então se aproximam dali os mocinhos com o revólver de verdade, os ladrões se envergonham por terem sido logrados por uma mulher; para os outros, o fim reitera o início, a união do casal. E esse reencontro e afirmação da união do casal foi de fato a finalidade de todo o suspense, o fim precisa confirmar, no happy end, o início do episódio:
Nessa época, o happy end era disseminado como parte integrante de todos os filmes. Esse otimismo um pouco forçado parecia estar de acordo com as concepções do público de classe média. Em um texto na revista Nickelodeon consta: “Nós vivemos em uma época feliz, bela e regida por ideais masculinos. [...] não queremos suspiros ou lágrimas [...], todos buscamos a felicidade, seja através do dinheiro, de um bom emprego ou em nossa concepção de vida. É nossa tarefa resistir a todas as tentativas de nos apresentarmos com concepções infelizes”. (Gunning, 1981, p. 15)
Não só o final feliz corresponde a esse desejo, mas também o modo intrigante como este se realizou. Mais tarde, Brecht (1932) comentaria sobre esse assunto: “Um corte de cena e um plano, que têm o desejo principal de serem agradáveis, correspondem a uma dramaturgia que tem o mesmo desejo principal” (Brecht, 1973, p. 174). Como se pode ver, o desejo é antigo, assim como sua realização.
2° exemplo: David Wark Griffith: “A corner in wheat”.
O filme “A corner in wheat”, realizado em 1909 também pela Biograph Company, não contém um happy end, e sua estrutura narrativa se diferencia do uso da alternação em “The lonedale operator”. Metz relaciona a alternação essencialmente com a mudança de (tipo de) ação na simultaneidade dos acontecimentos (ver Metz, 1972, Probleme der Denotation im Spielfilm, p. 177). Porém, a aproximação mostrada alternadamente da locomotiva com os mocinhos e os esforços dos ladrões em invadir a estação de trem, mostrados de modo alternado, acontecem ao mesmo tempo em diferentes locais. Por outro lado, no filme “A corner in wheat”, a alternação é modificada em favor do princípio do paralelismo, cuja característica é uma relação não sequencial e não cronológica e primeiramente temática (p. ex., como aqui a justaposição de pobre e rico).
O filme conta, em 24 planos e 14 minutos, sobre uma especulação de trigo, que traz para os agricultores pobreza e fome e para o especulador riqueza e por fim a morte no silo de trigo; o especulador literalmente sufoca em sua riqueza adquirida ilegalmente. (Os títulos em itálico reproduzem os letreiros do filme)
Dois níveis de vida, os quais pertencem a duas classes diferentes e antagonistas, são relacionados apenas pelo produto “trigo”; além disso, eles não têm pontos de convergência. (Em outros filmes, usualmente é o amor que reconcilia as classes.) Visto que o trigo é mais do que um produto qualquer ou objeto de especulação, pois é simultaneamente alimento para os produtores e motivo da não merecida riqueza e morte do especulador, surge uma relação de efeito entre ambos os lados ou classes. No entanto, essa relação é unilateral, pois a especulação do rei do trigo leva, além do empobrecimento de um membro de sua própria classe, sobretudo os produtores, ou seja, os agricultores, à fome, mas não faz com que os esfomeados reagissem e lutassem ativamente contra seu depauperamento. Essa apatia dos agricultores é expressa de forma mais evidente pela fila inerte na padaria; nisto a cena se aproxima do modelo literário para esse filme, o romance “A deal in wheat”, de Frank Norris:
Sam Lewiston perdeu suas terras com a especulação do trigo e não encontra trabalho em Chicago. Com centenas de outros trabalhadores desempregados, ele espera na fila pelo pão. “Ali ele esperava e a garoa o envolveu, ele estava molhado e atordoado de fome. A fila se estendia para a frente e para trás de Lewiston. Ninguém falava. Não se ouvia nenhum ruído. A rua estava vazia. Estava tão silencioso, que o passar do bonde em uma passagem subterrânea próxima gritava como o trovejar duradouro de uma explosão, iniciada em distâncias intermináveis e se perdendo novamente. A garoa caía incessantemente. Depois de muito tempo bateu meia noite. Era algo funesto e muito impressionante nessa fila interminável de figuras escuras, estreitamente apertada, silenciosa; uma massa absolutamente quieta, uma fila apertada, silenciosa, esperando, esperando na rua totalmente vazia à noite, esperando sem uma palavra, sem se movimentar, lá, sob a noite e o movimento lento da garoa” (Frank Norris, A deal in wheat, apud George Pratt, Spellbound in darkness, Greenwich, N.Y. 1973, p. 74).
Na transposição fílmica ficou a fila totalmente inerte; confrontada com o estrondo do banquete da vitória do rei do trigo, cuja mesa se curva sob o peso dos pratos de comida e das bebidas. A fila silenciosa de esfomeados e o banquete não são mais duas partes mostradas alternadamente da mesma situação, mas trata-se de duas situações diferentes, dois universos, cuja ligação precisa ser afirmada e desenvolvida narrativamente. Essa montagem paralela de pobreza e riqueza confronta a situação de pobre com a de rico e sabe que o motivo da fome dos pobres é a insaciabilidade dos ricos; contudo, essa narrativa é contada em linhas paralelas e, como é típico dos paralelos, eles não se cruzam. A morte do rei do trigo representa a vingança de um destino anônimo, que o sufocou em sua riqueza; e a fome significa para os agricultores tanto seu destino como sua determinação de, na próxima primavera, repartir as terras de novo para a semeadura.
Béla Balázs injustamente iniciou a história do cinema como arte com o gênio de Griffith; por outro lado, reconheceu aquilo, que se consolida nesse processo, como nova forma narrativa, como expressão das relações sociais, como estrutura de sua ideologia:
A revolução na arte, que o cinema produziu, teve suas raízes na ideologia revolucionária da cultura jovem e sem tradição da América. [...] Certamente, não é por acaso que o criador genial dessas primeiras novas formas, David Wark Griffith, foi também revolucionário em relação ao conteúdo de suas obras. (Balázs, 1973, p. 165)
Nunca antes um diretor teve tanta liberdade de movimento na indústria cinematográfica americana, como o primeiro diretor-estrela da história do cinema, Griffith; a suposição de que com isso ele também se tornou artística e socialmente revolucionário é mais do que questionável. Apesar de Balázs se referir a “Intolerance” (Griffith, 1916), seu comentário deveria valer também para o filme “A corner in wheat”, filmado 7 anos antes: segundo Balázs, não haverá mais filmes no futuro que “contivessem uma crítica tão mordaz e revolucionária ao capitalismo como esse filme de Griffith, no qual a mudança de plano se tornou pela primeira vez o princípio formatador do filme. A partir do espírito revolucionário do conteúdo poderia surgir a totalmente nova forma revolucionária” (p. 166).
Quanto aos conteúdos crítico-sociais, estes eram temas que se dirigiram a um grande público, que se identificou tanto com os problemas representados quanto com os melodramas e as comédias, com os quais se divertiu. Que o filme é uma mercadoria em uma indústria do entretenimento capitalista e cujos princípios ele sempre segue, é fato consumado desde Griffith, bem como o é a tarefa do meio empregado (a narrativa fílmica, p. ex.) de fazer essa mercadoria operacional para essa sociedade. Justamente a “nova” estrutura narrativa do filme desde Griffith aponta que de modo algum se tratou de transformação revolucionária (Griffith, sem dúvida, esteve emocionalmente do lado dos pobres); a montagem paralela representou a divisão da sociedade em alto e baixo, rico e pobre, mas também cuidou que ambos os níveis não se relacionassem, a não ser que o antagonismo entre as classes fosse suspendido em um harmonizante happy end.
Por conseguinte, também é incompreensível que Eileen Bowser, que se esforçou como diretora do setor de filmes do Museu de Arte Moderna em Nova York para a reconstrução de “A corner in wheat”, poderia averiguar
que existiram as raízes de algumas representações de montagem de Eisenstein nos filmes da Biograph de Griffith. Minha tese era, ao contrário do que o próprio Eisenstein disse (!), que Griffith não só fez uma série de filmes que exprimem protestos sociais, mas também desenvolveu a montagem contrastiva para esse tipo de filme. (Bowser, The reconstrution of “A corner in wheat”, 1976, p. 42).
Entretanto, Eisenstein, que estudou intensamente Griffith e cujos filmes admirava, teve outras ideias sobre as raízes da estrutura narrativa desses filmes: ele a reconduziu às tradições da narrativa literária do século XIX e poderia, com isso, se basear no próprio Griffith, que investiu sua experiência como leitor dessa literatura na construção de seus filmes.
Enquanto o início do cinema se origina de uma cultura popular essencialmente não literária de varietés, teatro Vaudeville, Music Halls e das feiras de atrações, que também determinou a não continuidade da estrutura narrativa dos primeiros filmes, o desenvolvimento do cinema desde cerca de 1908 encadeou claramente a tradição da narrativa literária, cujo paradigma é o romance realista do século XIX. A literarização significa não apenas que obras literárias e sua estrutura narrativa servem agora explicitamente ao filme como fundamento, mas também sua integração na cultura burguesa literária; somente ela era capaz de assegurar os esforços de institucionalização da indústria cinematográfica. Os futuros debates em torno do “cinema como arte” versam sobre o papel do cinema dentro das instituições de cultura estabelecidas. Nada poderia servir melhor a esse papel do que aproximar o filme tanto quanto possível da literatura consolidada, seja através da adapatação fílmica da literatura universal ou da declaração da própria história da literatura como pré-história do cinema.
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BOWSER, Eileen. The reconstruction of “A corner in wheat”. In: Cinema Journal 15, 1976,2.
[1] Capítulo 2 do livro: Joachim Paech: Literatur und Film. 2., überarbeitete
Auflage. Reihe: Sammlung Metzler, Band 235. S. 25-44.
© 1997 J.B. Metzlersche Verlagsbuchhandlung und Carl Ernst Poeschel Verlag
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Agradecemos a editora pela permissão de publicar o capitulo em português.