O Aprendizado do alemão-padrão por alunos bilíngües: pesquisas e ações
recebido em 22/09/2009 e aceito em 13/10/2009
1 Introdução
2 Da hipótese inicial
3 Das ações concretas desenvolvidas nos contextos de pesquisa
4 Conclusão ou ‘Dos Desafios e perspectivas’
This paper aims to contribute to the rich discussion that has been developed in this journal throughout previous editions. Many authors have already written here about their considerations and praxis regarding bilingualism, bilingual contexts and bilingual education from different perspectives. Thus, this paper also brings to discussion aspects of the education in bilingual settings in Brazil, where people speak Portuguese and a variety of German basis called Hunsrückisch as their mother tongue. Moreover, this paper aims to be an account of results from different researches, which deal with the advantages of speaking dialect to learn standard German and the prejudices, learners coming from minority languages confront.
Keywords: bilingualism; hunsrückisch; bilingual education; linguistic prejudice; interference; language policy
Como exposto por Steffen (2008)[1], este espaço eletrônico vem servindo cada vez mais para que cientistas da área da pesquisa sobre bilingüismo possam traçar diálogos e reflexões a respeito de inquietações, crenças e práticas. Principalmente no que diz respeito ao bilingüismo de contato hunsrückisch-português, muito se tem escrito e discutido neste veículo (vide PUPP SPINASSÉ 2006[2], ALTENHOFEN et allii. 2007[3], ALTENHOFEN/SCHLATTER 2007[4], MESSA 2008[5], FINGER 2008,[6] PINHO 2008[7] e o próprio supracitado STEFFEN 2008). Os diferentes artigos que já foram publicados aqui sobre o assunto são de extrema valia, pois abordam diferentes aspectos, contribuindo com visões diferentes e sendo um estímulo para novas reflexões e novas práticas.
Nesse sentido, o presente artigo pretende ser uma contribuição para essa rica troca, trazendo novas (velhas) reflexões e, principalmente, alguns resultados de pesquisas de campo já realizadas pela autora no âmbito de seu projeto de pesquisa na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Consideramos sempre importante trazer os resultados de pesquisas – bem como suas concepções e metodologias – para o conhecimento do público acadêmico em geral, para que haja verdadeiramente um diálogo entre as ações que são desenvolvidas em relação a esse assunto de interesse.
Os resultados e posicionamentos que serão apresentados nesse trabalho fazem parte já de um segundo momento da pesquisa sobre o tema do bilingüismo – mais especificamente sobre as questões relativas a ensino/aprendizagem de língua estrangeira em contextos bilíngües – desenvolvida pela autora. Os primeiros dados, que se relacionam diretamente com a questão da interferência da língua materna no processo de aprendizado do alemão-padrão por falantes de dialetos de base alemã no Brasil, serão abordados de forma mais sucinta, uma vez que já se encontram em domínio público (vide PUPP SPINASSÉ 2005[8] ). Esse trabalho visou a investigar a influência da(s) língua(s) materna(s) dos alunos brasileiros de diferentes contextos – um bilíngüe e um monolíngüe – no aprendizado da língua alemã padrão como LE.
A presente contribuição traz resultados obtidos nas pesquisas que se decorreram, nas quais se procurou abordar aspectos diferenciados: enquanto nas primeiras o foco recaía sobre o aluno e o seu processo de aprendizado, os novos levantamentos buscam investigar o professor, a metodologia, a instituição de ensino e a comunidade na qual o aluno se insere. Os diferentes enfoques, no entanto, se complementam, servindo de subsídio para a idealização de nossas testagens empíricas e dos materiais didáticos que aplicamos.
Finalmente, esse artigo pretende dar um pequeno panorama do trabalho que vem sendo realizado pelo projeto junto às escolas de contextos bilíngües até o momento, apresentando alguns resultados e apontando os desafios que ainda se colocam frente às pesquisas.
Para que se entenda o momento atual, no qual a pesquisa se encontra, faz-se necessária uma rápida introdução a respeito das hipóteses e perguntas de pesquisa que nortearam os levantamentos de dados.
Em determinadas localidades do Brasil acredita-se, em relação ao ensino/aprendizado do alemão, que os melhores professores e também os melhores alunos desse idioma seriam os nascidos no sul do país.[9] Essa afirmação, ouvida não raramente de alguns profissionais da área nas regiões sudeste e nordeste, dizia respeito à proficiência desses indivíduos e era relacionada não a uma metodologia de ensino ou a alguma outra questão didático-pedagógica, mas sim ao fato de nos estados do sul do Brasil ainda haver ilhas lingüísticas, colônias nas quais se falam, no dia-a-dia, dialetos do alemão.[10]Principalmente no Rio Grande do Sul, essa deveria ser a realidade: os alunos, enquanto falantes de dialeto, teriam muita facilidade em aprender o alemão-padrão e o falariam, devido aos conhecimentos no dialeto, de forma praticamente perfeita e sem sotaque. Os professores seguiriam a mesma lógica, pois também haviam sido alunos falantes de dialeto em sua época de escola.
Analisando, entretanto, a fala de alguns professores de alemão gaúchos bilíngües, ou seja, falantes do português e do dialeto alemão como línguas maternas, pôde-se perceber que, ao lado da alta proficiência fonética, havia estruturas gramaticais que nem sempre eram construídas da forma dita como padrão nas gramáticas alemãs. Esses pequenos desvios gramaticais não atrapalhavam a compreensão, mas chamavam a atenção pela recorrência sistemática e, sobretudo, por ir de encontro ao mito que se conhecia.
Através dessas observações, foi formulada a pergunta de pesquisa que objetivava investigar sobre as reais influências da língua materna de alunos bilíngües de contato português-dialeto do alemão, a fim de averiguar as possíveis vantagens. A maior motivação da pesquisa era observar até que ponto essa segunda língua materna dos alunos os ajudava no aprendizado do alemão-padrão, levando-os a ser um modelo de proficiência almejado por estudantes de outras localidades. Ao mesmo tempo, queria-se entender por que se podiam perceber também pequenos desvios na fala daqueles indivíduos, buscando-se aspectos lingüísticos que justificassem as interferências negativas. Para tanto, desenvolvemos entrevistas e testagens em contextos bilíngües, visando a traçar um panorama do processo de ensino nessas regiões de contato lingüístico.
Cabe informar aqui que o dialeto de base alemã em questão é o que denominamos hunsrückisch, “o conceito guarda-chuva usado para uma variedade supra-regional do alemão do Rio Grande do Sul / do sul do Brasil, que representa um contínuo dialetal, cuja constituição lingüística remete a uma base fracônio-renana/francônio-moselana, incluindo uma gama de elementos determinados pelo contato lingüístico com outros dialetos alemães assim como (e principalmente) com o português” (ALTENHOFEN 1996, 27).[11] Essa variedade é a mais dominante no Rio Grande do Sul dentre as variedades dialetais de base alemã. Por esse motivo, e também pelo grau de entendimento proporcionado pela língua alóctone, nossas pesquisas foram realizadas com falantes desse dialeto, em localidades de bilingüismo societal português-hunsrückisch.
A primeira grande constatação das pesquisas de campo, no entanto, não foi nenhum dado lingüístico obtido em sala de aula: foi a percepção de que o mito constatado em outras regiões ganhava, no Rio Grande do Sul, nas regiões de contato lingüístico, uma outra forma. Enquanto naquelas localidades se citava o bilingüismo dos alunos do sul como um fator positivo, no estado sulista esse mesmo bilingüismo era tachado, na grande maioria dos contextos que visitamos ou dos quais tivemos notícia, como um fator negativo, um empecilho para o bom aprendizado do alemão-padrão.
A pesquisa em si consistiu em fazer entrevistas e testes com alunos de contexto monolíngüe e bilíngüe para avaliar a sua produção. O objetivo era, por um lado, descrever um pouco o perfil do aluno, da escola e do ensino, e, por outro lado, descrever a língua do aluno (Lernersprache, uma derivação do termo interlanguage). Gostaríamos de ver que aspectos apareceriam na utilização da língua-alvo por esses alunos nos diferentes contextos, tendo em vista as quatro habilidades básicas (ler, escrever, compreender e falar). Para tanto, utilizamos escolas com perfis parecidos, ou seja, que mesmo dentro de contextos tão diferentes, minimizassem ao máximo as diversidades. As escolas selecionadas tinham, por exemplo, o mesmo status perante suas respectivas comunidades, utilizavam o mesmo material didático em aulas de estilos semelhantes, ministradas por professores de formação também muito equivalente.[12]A diferença básica entre as escolas dos dois contextos deveria ser apenas a de que os alunos traziam de casa diferentes línguas maternas: os do contexto monolíngüe falavam somente o português e os do contexto bilíngüe falavam o português e o hunsrückisch como L1.[13]
Apesar de o hunsrückisch se mostrar, em relação a outros dialetos de base alemã falados no Brasil, como uma das variedades mais próximas do alemão-padrão , os próprios falantes nem sempre reconhecem essa proximidade, atendo-se apenas às divergências com o alemão-padrão,[14] classificando sua fala como um “alemão errado” ou um “alemão ruim”. Pudemos observar esse fato em vários âmbitos nos contextos bilíngües visitados, inclusive no discurso dos alunos pesquisados, os quais declaravam que as aulas na escola serviam para “consertar” o seu alemão.
Esses mesmos alunos também declaravam que “não gostavam de falar” a sua língua materna minoritária, que era “língua de colono” ou ainda que “não servia para nada”.
As vantagens constantemente atribuídas aos alunos do sul do país puderam ser constatadas e classificadas. Certamente, a parte gramatical apresentou uma pequena desvantagem em relação às outras, mas se levarmos em consideração que o que importa ao aprender uma língua deveria ser a comunicação, as vantagens fonéticas e lexicais comprovadas atribuiriam aos falantes bilíngües uma habilidade comunicativa realmente maior, se comparados aos alunos monolíngües pesquisados. Enquanto estes sabem lidar melhor com as estruturas da língua (em termos de gramática e de expressões prontas treinadas e apreendidas), aqueles alunos conseguem lidar de forma mais íntima e criativa com a língua aprendida na escola – a qual eles acreditam ser a forma correta de sua língua materna.
Os resultados gerais mostraram, porém, que muitas vezes o que influencia (de forma positiva ou negativa) as estratégias de comunicação na língua aprendida na escola não são, diretamente, elementos lingüísticos das línguas maternas, mas sim aspectos extralingüísticos, que parecem determinar a noção do que é “permitido ou não” na língua alvo. Eles desvelaram, também, contudo, uma atitude muito negativa em relação à língua materna minoritária por parte dos alunos, da escola e da comunidade em geral.[15]
Com essa conclusão, ficou claro que, para obter resultados mais representativos em relação à situação do ensino do alemão nos contextos bilíngües, dever-se-ia sempre levar em consideração os aspectos extralingüísticos, como motivação, atitudes, crenças, metodologias, política pedagógica da escola, política lingüística da Secretaria de Educação local etc. Para tanto, não bastava levantar dados da produção dos alunos; era necessário também observar todo o entorno do processo de aprendizado: a comunidade, a instituição e a metodologia adotada, por exemplo. E esse foi o próximo passo de pesquisa.
Tendo em vista o quadro descrito acima, as novas pesquisas procuraram envolver, já em suas hipóteses e justificativas, aspectos sociológicos da lingüística, além de cumprir a meta de abranger mais instâncias a serem pesquisadas. Desta vez, poder-se-ia abordar mais escolas, o que daria aos resultados dessas pesquisas um caráter ainda mais representativo. Nossas perguntas centrais eram:
1- Por que, justamente no Rio Grande do Sul, em alguns contextos, não se acredita nas vantagens[16] trazidas pelo dialeto para o aprendizado/para a boa proficiência no alemão-padrão aprendido na escola?
2- Qual seria o status desse dialeto para alunos, professores, diretores e comunidade em geral?
3- Já sabemos quais conhecimentos prévios o aluno traz para a sala de aula. Como o professor de alemão-padrão lida com esse conhecimento, com o dialeto em sala de aula? Ele está preparado par a lidar com a questão do bilingüismo?
4- Como é visto o bilingüismo?
5- O que alunos, professores, comunidade escolar e comunidade em geral sabem sobre a língua minoritária que falam?
O atual projeto de pesquisa, intitulado “Aspectos lingüísticos e sociolingüísticos do ensino do alemão em contextos multilíngües de contato português-hunsrückisch” (abreviadamente Ens-PH), vem desenvolvendo ações que buscam responder a esses questionamentos. Nossos objetivos são, primeiramente:
- desenvolver estratégias didáticas que levem em consideração o conhecimento prévio trazido pelo aluno para chegar ao alemão-padrão de forma menos traumática e mais eficiente do que temos podido observar;
- averiguar a melhor forma de sensibilizar escola e comunidade para as vantagens do bilingüismo, para que a língua materna minoritária do aluno não seja um tabu, mas sim um dado normal e bem aceito;
- estudar questões de metodologias de ensino que visem mais diretamente à pluralidade e à comunicação.
Com as novas pesquisas, vários aspectos vistos anteriormente, como o forte preconceito lingüístico em relação à língua minoritária e as atitudes negativas para com ela, foram confirmados. Em diferentes âmbitos e de diferentes formas pudemos averiguar novamente que a língua minoritária não ocupa mais lugar de destaque junto às famílias falantes desse dialeto, e isso se reflete na atitude negativa dessas crianças em relação ao hunsrückisch – postura esta corroborada, às vezes despropositalmente, pela instituição.
Participando de reuniões junto a escolas e com dirigentes de instituições relacionadas à língua alemã, percebemos que existe uma grande preocupação, por parte da maioria, de que o dialeto materno dos alunos atrapalhe seu rendimento nos exames de proficiência em alemão-padrão, que eles prestam na escola ao longo dos anos. Como os exames ainda são muito voltados para a correção gramatical[17] (uma forte tradição do ensino de alemão-padrão no país), pode ser que qualquer pequeno deslize que o aluno cometa seja estigmatizado como influência negativa do dialeto, prejudicando a nota do candidato.
Os exames de proficiência acabam por se tornar o objetivo final do aprendizado do alemão-padrão em muitas escolas.[18] Com isso, toda a metodologia adotada nessas instituições passa a visar apenas ao ensino de estruturas gramaticais – aspectos nos quais os alunos bilíngües podem apresentar uma maior dificuldade. O problema é que ainda não se adota sistematicamente uma estratégia didática não traumática que faça o aluno perceber os seus desvios ao falar o alemão-padrão, e muitos professores acabam por simplesmente condenar o dialeto como o causador dos problemas, sem que se questionem, por exemplo, se talvez o objetivo dos exames de proficiência não estejam mal formulados.
Sabemos, através de conversas nos contextos de ensino de língua alemã, por exemplo, que há avaliadores que, visando à análise da habilidade comunicativa, não avaliam a procedência do aluno, analisando apenas a produção no momento do exame. No entanto, outros avaliadores, com concepções mais tradicionais, temendo a influência do dialeto, dão muita atenção a esse dado, descontando ponto, por exemplo, de qualquer desvio fonêmico que, se pensarmos em termos de comunicação, não representaria um problema caso o aluno estivesse em uma situação de uso da língua na Alemanha. É nesse sentido que nos questionamos sobre os objetivos dos certificados, pois seus critérios deixam espaço para ambas as avaliações – que acabam partindo de uma avaliação subjetiva.[19]
Mesmo assim, como pudemos ver em Messa (2008), o fato de se falar uma língua minoritária de base alemã não parece ser um fator tão prejudicial para o índice de aprovação nos exames como se acredita em alguns contextos. Percebemos que, muitas vezes, esses mitos que carregam certo preconceito em si são criados a partir de dados não comprovados/comprováveis.
Ademais, diferentemente do que pode parecer, o problema não é o dialeto ser historicamente uma variedade “subordinada” à língua que o aluno está aprendendo em sala de aula; o problema é a língua minoritária ser considerada, socialmente, “uma variedade errada daquele”, quase como “o lado ruim da língua alemã”.
A vergonha é muito presente e vem à tona nas mais diversas ocasiões. Ao tentar-se abrir uma turma específica para falantes de dialeto no curso de línguas da Universidade, o NELE (Núcleo de Ensino de Língua em Extensão), não houve procura. Não por falta de falantes de hunsrückisch interessados em cursar o idioma padrão; falantes de hunsrückisch estudam normalmente em variados cursos de línguas, porém matriculados nos cursos regulares.[20] Segundo o que pudemos averiguar, o medo da estigmatização levou-os a preferir adequar-se ao grupo “normal”, pois eles não entendiam a segmentação como estratégia didática, mas sim como uma espécie de “rotulação” por falarem o “dialeto”.[21]
Acreditamos, contudo, que grande parte desse preconceito e dessas atitudes lingüísticas negativas, oriundas historicamente da Nacionalização de Vargas e da época da 2a Guerra, também provenham da ignorância, ou seja, da falta de conhecimento e da falta de informação a respeito da variedade minoritária, conforme pudemos averiguar em nossas entrevistas em campo.
Por esse motivo, procuramos, em nossas testagens, primeiramente, abordar aspectos históricos do hunsrückisch, pois acreditamos que sabendo mais a respeito da língua materna, os alunos poderão compreender melhor as características da mesma e, assim, separar de forma clara o hunsrückisch do alemão-padrão como dois códigos lingüísticos distintos.
A fim de encontrar estratégias para o aproveitamento do hunsrückisch no aprendizado do alemão-padrão, pensamos em desenvolver uma metodologia que parta da leitura: se os alunos já conhecem um pouco da língua, ao invés de iniciar o ensino com frases básicas como “Hallo, Ich heiße X” (“Oi, meu nome é fulano”), poder-se-ia partir de pequenos textos em alemão, para que o aluno tivesse, primeiramente, um letramento nesta língua. Para chegar ao alemão-padrão, porém, utilizamo-nos primeiro da forma escrita do hunsrückisch, que é a língua conhecida e que pode ser reconhecida através dos parâmetros que eles dominam.
Como, no entanto, o hunsrückisch é uma língua falada, foi necessário primeiramente constituir regras para a sua escrita, e isso foi realizado pelo grupo de pesquisa ESCRITHU, da UFRGS. Usando as regras do ESCRITHU, os alunos são confrontados pela primeira vez com o código escrito do alemão, pois este grupo se utiliza da ortografia alemã para transliterar o que é dito no dialeto (vide ALTENHOFEN et allii 2007).
Até o momento não havíamos visto exemplos de métodos que utilizassem o dialeto para o ensino do alemão-padrão. Depois de algumas testagens pudemos concluir que essa estratégia traz resultados, pois os alunos vêem a língua de forma mais palpável. Isso já seria uma ação concreta da nossa tarefa de encontrar estratégias didático-metodológicas para o uso do hunsrückisch em prol do aprendizado do alemão como língua estrangeira – o que trouxe bons resultados.
Para citar um exemplo, quando entramos em sala de aula para começar essa testagem, os alunos normalmente apresentam uma atitude negativa e preconceituosa em relação à língua materna, fazendo comentários depreciativos. Apesar de mostrarem um certo interesse em saber mais sobre o seu código lingüístico, eles demonstram uma certa vergonha, medo e baixa auto-estima. Depois da “aula-teste”, na qual eles aprendem como ler em alemão e ficam sabendo a respeito da história do dialeto, eles passam a demonstrar autoconfiança, vontade de obter mais informações a respeito da variedade local, euforia e um perceptível aumento da auto-estima.
Em termos de proficiência, pudemos notar que em turmas que nunca haviam tido ensino de alemão-padrão, esta pareceu uma introdução interessante à língua, pois partiu da realidade dos alunos.[22]
Além das testagens em escolas (estamos expandindo as atividades agora para outras cidades), o projeto também tem outras frentes de ações concretas junto a instituições de ensino, professores e comunidade em geral. Por exemplo, são oferecidos workshops para professores de alemão, para que pensemos juntos a questão do bilingüismo e as estratégias didáticas. Além disso, buscamos trazer essa consciência metalingüística almejada nas escolas para toda a comunidade, pois, concordando com Steffen (2008)[23] , entendemos que o dialeto não seja só um objeto para ser usado em sala de aula como meio para o aprendizado do alemão-padrão, mas sim um bem imaterial da comunidade, que deve entender seu papel dentro da pluralidade lingüística.
Como afirmamos na introdução, esse artigo buscou trazer um pouco das ações que vimos realizando no âmbito do projeto de pesquisa em relação ao ensino de línguas em contextos bilíngües de contato hunsrückisch-português. Contudo, nossa atividade não está encerrada. Tínhamos como objetivo mostrar que alguma ação está sendo feita, não estamos de braços cruzados apenas observando a teoria. As atitudes, porém, não são modificadas em curto prazo e ainda há muitos desafios pela frente.
Uma grande dificuldade é a questão das classes heterogêneas e, mais que isso, o fato de cada vez menos alunos falarem a variedade minoritária. Segundo informações obtidas junto a professores sob a supervisão da coordenação geral do alemão no Rio Grande do Sul, são raras as comunidades onde a maioria dos alunos em sala de aula seja de falantes de hunsrückisch. Com isso, a maioria desses profissionais acha que não se deve fazer nenhuma atividade que inclua o dialeto em sala de aula. Partindo de nossas testagens, porém, que foram feitas com todos os alunos presentes em sala de aula, ou seja, bilíngües e monolíngües, notamos que também estes se interessam e participam das atividades, sensibilizando-se para a diversidade lingüística. Temos que testar agora, em um próximo momento, como se seguiriam as atividades, tendo em vista os dois públicos em mesma sala de aula.
Também nos ateremos mais, a partir desses resultados, às discussões relacionadas ao ensino/aprendizado de línguas próximas. Sabemos que línguas mais próximas muitas vezes se deixam interferir mais uma na outra do que quando as línguas são menos aparentadas. A questão das interferências pode ser também resultado dessa semelhança óbvia entre o hunsrückisch e o alemão-padrão, como acontece quando se compara o português e o espanhol. No caso do hunsrückisch há o agravante de que os falantes conhecem pouco sobre sua língua, não tendo, assim, a consciência metalingüística necessária para separar uma variedade da outra em termos de adequação e função. Essa discussão está inserida nas nossas próximas etapas.
Continuaremos nos questionando em relação à estigmatização encontrada no Rio Grande do Sul de que os alunos falantes de dialeto não se sairiam tão bem nos exames de proficiência: queremos apurar mais dados numéricos e nos questionar a respeito dos objetivos, da metodologia e das concepções desses testes.
Como já afirmamos acima, nosso intuito não é ficar apenas na sala de aula, mas também levar as questões relativas ao dialeto para dentro das casas, para tentar reverter a problemática da vergonha lingüística e da desvalorização da língua minoritária. Intensificaremos essas ações, pois acreditamos que propagar as vantagens do bilingüismo e diminuir o preconceito lingüístico em relação à variedade minoritária é a primeira ação “didática” que temos que realizar. E isso se reverte também a favor do aprendizado do alemão-padrão, pois modifica a atitude em relação à língua estrangeira.
Por fim, é importante salientar que não queremos ensinar o dialeto, pois não vemos necessidade de tal procedimento. Apenas queremos que a língua do aluno ou da comunidade do aluno seja respeitada como língua materna de seus falantes. Trata-se, primordialmente, de fomentar a pluralidade, pois ela aumenta os horizontes, sensibiliza para outras línguas estrangeiras e traz inúmeros benefícios cognitivos para o aprendizado de forma geral.
[1] STEFFEN, Joachim. A Vantagem de falar dialeto: aproveitar as variedades não-padrão para a construção de comunidades multilíngües. In: Revista Contingentia, Vol. 3, No 2, 2008, p. 67-76.
[2] PUPP SPINASSÉ, Karen. Os conceitos Língua Materna, Segunda Língua e Língua Estrangeira e os falantes de línguas alóctones minoritárias no Sul do Brasil. In: Revista Contingentia, Vol. 1, No 1, 2006, p. 1-10.
[3] ALTENHOFEN, Cléo V.; FREY, Jaqueline; KÄFER, Maria Lidiani; KLASSMANN, Mário S.; NEUMANN, Gerson R.; PUPP SPINASSÉ, Karen. Fundamentos para uma escrita do Hunsrückisch falado no Brasil. In: Revista Contingentia Vol. 2, No 2, 2007, p.73-87.
[4] ALTENHOFEN, Valesca T. & SCHLATTER, Margarete. Ensino e avaliação de rendimento em alemão como língua estrangeira para falantes de dialeto. In: Revista Contingentia, Vol. 2, No 2, 2007, p. 101-110.
[5] MESSA, Rosângela M. O papel do dialeto no desempenho de alunos na prova de proficiência Deutsches Sprachdiplom I. In: Revista Contingentia, Vol. 3, No 1, 2008, p. 51-68.
[6] FINGER, Leila. Contexto multilíngüe: conduta avaliativa e atitudes lingüísticas. A influência de crenças e políticas. In: Revista Contingentia, Vol. 3, No 1, 2008, p. 69-77.
[7] PINTO, Isis da C. Diversidade lingüística e Identidade: as microdecisões na manutenção/perda de uma língua materna minoritária. In: Revista Contingentia, Vol. 3, No 1, 2008, p. 78-94.
[8] PUPP SPINASSÉ, Karen. Deutsch als Fremdsprache in Brasilien: Eine Studie über kontextabhängige unterschiedliche Lernersprachen und muttersprachliche Interferenzen. Frankfurt am Main: Peter Lang, 2005.
[9] Com “sul do país” queremos nos referir aqui realmente aos três estados da região sul do Brasil. Cabe ressaltar, porém, que quanto mais ao sul, maior a impressão de que há mais falantes de variedades dialetais de base alemã e, conseqüentemente, mais forte o mito: ou seja, segundo o que pudemos observar, se acredita nisso com mais intensidade em relação ao Rio Grande do Sul do que em relação ao Paraná, por exemplo.
[10] “Dialetos do alemão” é como essas línguas alóctones costumam ser denominadas no senso comum. A utilização desse termo aqui foi com o intuito de deixar claro, num primeiro momento, de que contexto geral estamos tratanto. Sabemos, porém, que o mais correto seria falar em “variedades dialetais minoritárias de base alemã” – entre as quais estão o hunsrückisch, o pomerano, o vestfaliano, o bávaro etc.
[11] Livremente traduzido do original de ALTENHOFEN, Cléo V. Hunsrückisch in Rio Grande do Sul. Ein Beitrag zur Beschreibung einer deutschbrasilianischen Dialektvarietät im Kontakt mit dem Portugiesischen. Stuttgart: Steiner, 1996. Pág. 27. “Hunsrückisch ist der Oberbegriff für eine überregionale Varietät des Deutschen in Rio Grande do Sul / Südbrasilien, die ein Dialektkontinuum darstellt, dessen sprachliche Konstitution auf eine rhein-/moselfränkische Basis zurückgeht und eine Vielfalt sprachkontaktbedingter Elemente anderer deutscher Dialekte sowie insbesondere solche des Portugiesischen einschließt”.
[12] Cf. PUPP SPINASSÉ 2005, 111-137[13] Talvez seja importante lembrar, nesse momento, que essas crianças bilíngües, hoje em dia, raramente aprendem o português depois do hunsrückisch, como era antigamente, quando se aprendia o português apenas na escola. As crianças de hoje, com toda a mídia e a maior abertura dos contextos bilíngües, têm acesso mais fácil e rápido ao português, mesmo dentro de casa. Com isso, podemos falar de uma aquisição paralela e simultânea, ao invés de uma aquisição consecutiva..
[14] Cf. STEFFEN 2008, 74
[15] Para mais detalhes em relação às afirmações coletadas e aos resultados de pesquisa, vide PUPP SPINASSÉ 2005, que se trata da publicação fiel da tese de doutoramento (supracitada).
[16] Entendemos essas “vantagens” como um “conhecimento prévio” para o alemão-padrão, o qual o aluno traz “de casa”, conforme utilizado em PUPP SPINASSÉ 2005 (“Vorkenntnis”).
[17] ALTENHOFEN & SCHLATTER 2007, 101.
[18] Cf. ALTENHOFEN & SCHLATTER 2007
[19] Cf. FINGER 2008, ALTENHOFEN & SCHLATTER 2007
[20] Um pouco sobre a participação e o desempenho de alunos falantes de dialeto em cursos livres, vide UFLACKER, Cristina M. As identidades negociadas na aula de alemão em ações que envolvem falantes de dialeto. (Dissertação de Mestrado) Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); PPG-Letras, 2006.
[21] O termo dialeto nessa frase, como citação do discurso do falante, denota um valor pejorativo atribuído de forma geral à variedade minoritária. Na maioria das vezes, falar um “dialeto” significa falar uma variedade ruim, sem prestígio, que não pode ser nem chamada de “língua”. Esse é o uso que vigora no senso comum, como pudemos perceber em muitas comunidades bilíngües visitadas. Para esse artigo, no entanto, de forma geral, utilizamos o termo dialeto com a conotação abrangente de “sistema lingüístico”, partindo da origem da palavra grega, que significava conversa, discussão, linguagem própria de uma região.
[22] Para maiores informações a respeito da testagem vide PUPP SPINASSÉ, Karen; KÄFER, Maria Lidiani; MORAES, Romara G. A Didatização de regras ortográficas do hunsrückisch como fator de facilitação para o aprendizado do alemão-padrão como língua estrangeira. In: GERBER, Dóris; DILLY, Gabriela; ARENDT, Isabel; WITT, Marcos. Imigração: do particular ao geral. Porto Alegre: CORAG, 2009.
[23] STEFFEN 2008, 75