CORREDORES DE COMÉRCIO E SALAS DE JUSTIÇA:
LEI, COERÇÃO E LEALDADE NAS FRONTEIRAS DO RIO DA PRATA 

                                                                                                           Joseph Younger 1

 

 

Resumo:Este trabalho explora o estabelecimento de direitos de propriedade sobre redes comerciais que atravessavam a fronteira entre Rio Grande do Sul e Uruguai nos meios de século XIX. Na primeira parte, o ensaio explora as soluções para o problema da definição da lei na ausência de uma única soberania, usando instituições como tabeliões para projetar direitos de propriedade. A segunda parte avança que as definições mutantes de lei e coerção foram a chave para definir direitos de propriedade no contexto fronteiriço.

Palavras-chave:Fronteira. Propriedade. Direito.

No começo de 1855, Manoel de Almeida Lima apareceu na corte distrital em Alegrete 2, demandando por parte de Manoel Rodrigues da Silva a restituição de quatro mil cabeças de gado de sua estância no Estado Oriental 3. De acordo com a reclamação, Lima havia abandonado seu rancho, juntamente com seu gado, em 1842, como resultado das guerras civis que aconteciam em ambos os lados da fronteira porosa entre o Brasil e o Uruguai. Lima agora alegava que Silva, aproveitando-se de sua ausência, havia se apropriado indevidamente de suas posses através da marcação e venda ilegais de seu gado através do Uruguai e do Sul do Brasil.
Em resposta, Silva afirmou que esta não era a primeira medida judicial de Lima contra ele. Em 1847, Lima havia pedido um processo de reconciliação entre os dois, em frente ao Juíz de Paz na cidade fronteiriça brasileira de Santana do Livramento. Quando isto falhou em resolver a questão do gado faltante, Lima abriu um processo judicial contra Silva na cidade de Salto, no Uruguai, em 1849. Lá, o advogado de Lima entrou em um acordo de conciliação com Silva, permitindo que Lima removesse três mil e quinhentas cabeças de gado de uma determinada área de seu rancho pelos três meses seguintes. Além disso, Lima havia subsequentemente obtido uma ordem do comandamente da fronteira uruguaia, coronel Diego Lamas, permitindo que atravessasse o gado em disputa através da fronteira. Sobre isto, Silva argumentou que “somente uma pessoa completamente ignorante do poder então possuído pelo cel. Lamas, e o terror que seu nome causava, poderia resistir a tal ordem” 4. Para Silva, este foi o fim da questão: os dois brasileiros possuíam um acordo de conciliação reconhecido judicialmente e haviam assegurado a aprovação do comandante militar da região na conclusão de suas pendengas.
Ainda assim, Lima não removeu seu gado dentro do período designado, repudiando o acordo uruguaio. Ao invés disso, Lima abriu uma outra ação judicial, desta feita acusando criminalmente Silva na cidade brasileira de São Gabriel, localizada a centenas de quilômetros da fronteira uruguaia, por roubo de gado. Seguindo à apresentação da evidência de Lima, o Juíz de Paz considerou Silva culpado. Nunca tendo aparecido no julgamento de São Gabriel, Silva apelou da decisão. Finalmente, o Presidente da Província do Rio Grande do Sul invalidou o julgamento, argumentando que o assunto deveria ser resolvido nas cortes civis, dado o caráter essencialmente privado da disputa e o fato de que as cortes brasileiras não tinham jurisdição para adjudicar crimes supostamente cometidos em outros países.
Finalmente abrindo um processo civil em Alegrete, Lima argumentou que o acordo de Salto era inválido, pois seu advogado não tinha autoridade para fazê-lo. Ademais, ao invés de ser uma conciliação judicial, ele argumentou que o acordo era fruto de coerção explícita. Ratificado em uma corte estrangeira sem sua permissão, Lima afirmou que era “clara a malícia com que ele havia sido obtido e a má fé com a qual o Respondente procedeu em torná-lo- válido” 5. Em resposta, o advogado de Silva em Alegrete, Mathias Teixeira de Almeida, alegou que fora Lima quem apresentou um padrão consistente de coerção, falsamente acusando seu cliente e aliando-se a violentos comandantes de fronteira para a obtenção de gado que não era seu. A corte de Alegrete concordou, julgando que o acordo de Salto havia resolvido a questão e que, pela lei brasileira, Lima não deveria receber nada.
Usando casos como Lima contra da Silva como ponto de partida, este trabalho explora a relação entre variadas disputas legais e o processo maior de asseguramento da lealdade nacional e legitimidade soberana nas regiões fronteiriças entre o Brasil e o Uruguai. Em jogo no caso de Lima estava a questão fundamental de como propriedades que atravessavam a fronteira poderiam ser definidas, asseguradas e impingidas. Por sua vez, a resolução de tais questões dependia não só do estabelecimento de títulos legais reconhecíveis, mas também da localização de fóruns legais válidos para o asseveramento de reivindicações em todo escopo das redes comerciais internacionais. Em cada caso, a questão central era determinar a própria demanda de alguém e a variedade de instrumentos legais e oficiais que a apoiavam dentro do reino da lei. Inversamente, como deixam claros os argumentos legais tanto de Lima quanto de Silva, isto também significava apresentar reivindicações rivais como sendo ilegais e coercitivas.
Este trabalho explora estas definições mutantes de lei e coerção, procurando oferecer algumas sugestões possíveis sobre sua relação com os processos de definição territorial e legal na região do Rio da Prata. Ele afirma que casos como Lima c. da Silva revelam um mundo em que as fronteiras entre o legal e o ilegal, propriedade e roubo e juíz e criminoso eram profundamente obscuras. Este artigo sugere que ao fixar definições nacionais na variedade de mecanismos que pretendiam explicitar estes limites, os Estados estabeleceram sua própria autoridade soberana nas fronteiras do Rio da Prata. Em outras palavras, os vários Estados-Nação que emergiram na região não foram imaginados ou inventados pelas mentes de homens de elite, mas foram ativamente construídos através de uma míriade de conflitos legais, tanto em salas de justiças formais quanto informais através dos corredores de comércio trans-nacionais da baía do Rio da Prata 6.
Este trabalho vai examinar duas proeminentes questões legais interrelacionadas  ao caso de Lima que surgiram continuamente em Alegrete e em uma variedade de outros fóruns legais através das fronteiras do Rio da Prata, particularmente focando-se nas questões de direitos de propriedade. Para fazer isto, a primeira parte deste artigo delimita brevemente o contexto político e econômico no qual Silva e Lima contestaram seus respectivos direitos, pintando um quadro de uma região fronteiriça caracterizada tanto por conexões econômicas e sociais quanto por separação de soberanias.
A segunda seção é voltada para o exame específico de como, dentro deste ambiente fronteiriço, litigantes localizavam e faziam uso de elementos legais em apoio às suas reivindicações de propriedade. Este trabalho sustenta que as complexas manobras legais de Silva e Lima, cruzando e recruzando tanto limites jurídicos quanto nacionais, refletiam a problemática busca por autoridade legal pelos habitantes da região em meados do século XIX. Operando em uma região fronteiriça espacialmente integrada, mas juridicamente heterôgenea, os residentes do Prata frequentemente enfrentavam questões básicas de como e em que termos eles poderiam resolver suas disputas legais em um mundo em que nenhuma entidade soberana exercia autoridade legal sobre a totalidade das conexões comerciais. Ainda assim, a despeito desta busca por legalidade, os fronteiriços igualmente rejeitavam soluções nacionais e seus limites restritivos. Como resultado, os litigantes voltavam-se para fontes locais de autoridade, engajando-se na busca por fóruns estratégicos para a definição do que era legal, e usando mecanismos como o sistema notarial público para projetar pronunciamentos legais através de espaços de comércio internacional. Este artigo também postula que os Estados asseguraram a lealdade de tais litigantes através do apoio a esses sistemas fronteiriços, e não através de sua supressão.
Consequentemente, a terceira parte deste artigo volta-se para as questões mais substantivas da própria definição dos direitos de propriedade levantadas pelo caso de Lima. Em particular, a disputa entre Silva e Lima, e outras similares, apresentavam às autoridades judiciais (e extrajudiciais) o desafio de desenredar reivindicações rivais de propriedade em situações em que a guerra quase constante havia obscurecido profundamente o limite entre o título legal e o confisco violento. Como esse trabalho revela, este problema era ampliado pelas questões das implicações legais de decisões judiciais estrangeiras e contratos que diziam respeito à propriedade brasileira no outro lado da fronteira imperial, assim como pela intervenção de uma série de atores legais e quase-legais rivais, cada um reivindicando o direito de conferir direitos de propriedade. Sendo assim, novamente a definição do limite entre o que constituía título legal e lei no lugar de apropriação indébita constituía um dos desafios centrais para os emergentes Estados-Nação da região.
No exame destes temas, este trabalho foca-se na busca pela lei e seus usos em uma variedade de locais formais e informais dentro e ao redor da proeminente cidade fronteiriça de Alegrete, no Brasil, em um período de aproximadamente trinta anos, entre a eclosão da Guerra dos Farrapos, em 1835, e o começo da Guerra do Paraguai, em 1865. Para os juízes das cortes de Alegrete, casos como Lima c. da Silva não eram incomuns. Estrategicamente situada perto das fronteiras da Confederação Argentina e do Uruguai, Alegrete serviu como ponto focal não somente da crescente indústria pecuária da região fronteiriça, mas também como assento judicial para os distritos da fronteira e as cortes de apelação. Deste modo, Alegrete oferece um ponto de vantagem para o começo do desenredamento de definições rivais de lei, propriedade e direitos que permeavam a região do Rio da Prata durante boa parte do século XIX.

1. As Fronteiras do Rio da Prata

Como Manoel Lima e Manoel Silva certamente compreenderam, durante sua série de batalhas legais, a natureza dinâmica e internacional das redes comerciais no Rio da Prata de meados do século XIX complicava suas buscas para definir e controlar a lei, porque o Direito local, e até mesmo nacional, não poderia governar totalmente sobre cada elemento destas redes comerciais. Isto refletia a realidade da relação entre lei e comércio nas fronteiras platinas. Situado no mal definido limite entre os Impérios Espanhol e Português, o sistema fluvial do Rio da Prata havia sido durante muito tempo o palco de intensas rivalidades imperiais. Espanha e Portugal buscaram assegurar continuamente suas autoridades soberanas sobre as ricas terras da região, juntamente com as rotas que ligavam as minas de Potosí ao Atlântico.
Estes conflitos fronteiriços só aumentaram no desenrolar do século XIX. Em particular, o colapso da autoridade imperial no lado espanhol da fronteira nas décadas que se seguiram à Revolução de Maio de 1810 em Buenos Aires não só abriu a porta para novos modelos soberanos, mas também para novas relações de comércio. Brasileiros inundaram a fronteira porosa entre a região então conhecida como a Banda Oriental e a província do Rio Grande do Sul no rastro das tropas portuguesas que avançavam com o intento de realizar o sonho de fixar os limites do império na boca do estuário do Rio da Prata. Depois de uma década de conflito, o Império Português acabou sendo bem-sucedido na incorporação da Banda Oriental ao império em 1820, sob o nome de Província Cisplatina.
Enquanto brasileiros assentavam-se no norte da Província Cisplatina durante a década de 1820, aprofundaram-se os laços comerciais entre a região pecuária em desenvolvimento e os centros populacionais no leste do Rio Grande do Sul. Uma notável carta assinada por mais de cem proprietários de terra brasileiros no Estado Oriental, datada de 1845 e endereçada ao Conde de Caxias, Presidente da Província do Rio Grande do Sul, oferece uma detalhada história desta migração em direção aos ricos pastos entre Alegrete e Salto, no Uruguai 7. De acordo com a carta, os brasileiros começaram a povoar a Província Cisplatina em 1820, sob o comando da Coroa. Com a independência de Portugal em 1822, o novo governo confimou as reivindicações brasileiras às terras cisplatinas. Os brasileiros escreveram:

 
Desde então considerando-se os Brasileiros legitimos Senhores e posuidores desses campos começarão a dispor d’elles como taes, vindo assim a passarem a terceiros dônos por titulos de comprar, trocas V.E. de que se pagarão os direitos respectivos.  Mais de dusentos Brasileiros, atrahidos pela superioridade das pastagens d’aquelles campos, para alli transferirão sem domicilio, mudando-se com suas familias e interesses do interior desta Provincia, abandonando os seus antigos habilitações pelos novos estabelecimentos que passarão a construir, de modo que em pouco tempo não ficou alli um palmo de terreno que não estivesse occupado por Brasileiros 8.

Ainda assim, mesmo que os colonos tenham tido sucesso na anexação do Uruguai setentrional na órbita comercial do Brasil, tentativas de assegurar a autoridade imperial sobre as fronteiras seguidamente fracassaram. Em 1825, a guerra recomeçara, resultando na independência uruguaia do Brasil em 1828. Separados do Brasil, expostos a “toda sorte de barbáries”, muitos brasileiros recruzaram a fronteira em direção ao Rio Grande do Sul 9. No entanto, dada a ausência de colonos espanhóis, as forças uruguaias das fronteiras setentrionais, sob o comando de Fructuoso Rivera, expulsaram os brasileiros somente para mais tarde buscar seu retorno. Nos trinta anos subsequentes, brasileiros (e uruguaios, a partir da perspectiva oposta) enfrentaram o desafio de preservar relações comerciais internacionais muito valiosas para serem abandonadas, mas muito instáveis para serem completamente exploradas 10.
Através da leitura da carta dos proprietários de terra brasileiros, é fácil detectar um forte desejo por ordem e lei. Como Spencer Leitman argumentou persuasivamente, o fluxo de gado entre o Uruguai e o Rio Grande do Sul foi de central importância para os proprietários de terra brasileiros na fronteira. (LEITMAN, 1979). De acordo com Leitman, as políticas fiscais do governo brasileiro, sob a forma do aumento da taxação do comércio internacional, tendiam a prejudicar os interesses dos pecuaristas, especialmente depois de 1828. Para Leitman (1979), isto, mais do que qualquer outra coisa, produziu a explosão revolucionária de 1835, que resultaria na secessão da província e uma guerra que duraria dez anos.
Em resumo, existia no coração das redes de comércio da fronteira uma tensão básica entre a necessidade de um governo soberano que poderia preservar ordem e direitos de propriedade e a ameaça que tal ordem representava para redes de comércios que tinham por premissa fronteiras abertas e porosas. Como veremos, a inabilidade de um único modelo soberano em estabelecer um controle definitivo sobre as fronteiras abriu a porta para violentos debates sobre os próprios limites da lei, assim como sobre quem possuía o direito de determinar e policiar seu conteúdo.

2. Definindo a Lei na Fronteira

Retornando às circunstâncias específicas da disputa entre Manoel Lima e Manoel Silva, o desafio principal para os litigantes não era a obtenção de reconhecimento judicial ou quase judicial de seus direitos de propriedade. Ao contrário, Silva e Lima continuamente confrontaram-se com o fato de que cada um deles podia estabelecer suas próprias reivindicações de propriedade, mas somente em fóruns legais separados. A tensão básica entre separação soberana e integração comercial significava que litigantes da fronteira, como Silva e Lima, tinham que definir mecanismos para assegurar reivindicações legais sobre todo o escopo das redes comerciais. Assim, dentro deste contexto de litígio internacional, o objetivo era acumular reconhecimento legal suficiente para aumentar a posição de barganha de alguém. Como muito bem resumido pelo advogado de Silva, a meta das várias ações criminais abertas por Lima era fazer seu cliente “cantar”, através da acumulação de uma série de julgamentos coercitivos contra ele 11.
Como Lauren Benton (2001) argumentou em seu estudo sobre o papel dos estrangeiros na consolidação do sistema legal uruguaio, “o desafio do Estado não era tanto a repressão do que estava ‘fora da lei’, mas o controle desta ‘outra’ lei” 12. Se invertermos a observação de Benton da perspectiva do Estado para a dos litigantes da fronteira, o estabelecimento de direitos de propriedade frequentemente significava uma mistura de reivindicações em uma variedade de fóruns formais e informais, não somente a fim de situar seus próprios direitos dentro do reino da lei, mas também para “controlar” a lei de seu oponente, definindo-a como sendo fruto de coerção. Deste modo, para poderem reivindicar seus direitos de propriedade, litigantes como Manoel Lima e Manoel Silva precisavam desenvolver estratégias para a seleção de fóruns onde poderiam ampliar suas próprias reivindicações à autoridade legal.
Durante sua disputa, tanto Lima quanto Silva engajaram-se na busca por fóruns estratégicos. A decisão de Lima de acusar criminalmente Silva em São Gabriel foi uma escolha estranha para crimes ocorridos no Uruguai e apoiados pelo depoimento de testemunhas uruguaias. Ainda assim, o Juíz de Paz (supostamente encorajado por conexões comerciais entre ele e Lima) aceitou a jurisdição sobre a matéria e julgou-a favorável a Lima. De modo ainda mais interessante, o juíz distrital confirmou o julgamento, forçando Manoel Silva a usar suas próprias conexões políticas em Porto Alegre para obter a reversão da sentença, através das mãos do Presidente da Província. Contudo, o fato do processo de São Gabriel ter chegado tão longe fala muito sobre as amplas possibilidades de obtenção de pronunciamentos legais em apoio a reivindicações de propriedade, que muitas vezes transcendiam a letra negra da lei de jurisdição e soberania 13.
Encontrar lei em fóruns locais e funcionários públicos favoráveis era, contudo, somente o começo do estabelecimento de direitos de propriedade sobre redes comerciais que atravessavam a fronteira. Em particular, as mesmas conexões locais que facilitavam a obtenção de julgamentos também abriam a porta para acusações de que estas decisões eram fruto de coerção extralegal. O desafio era encontrar um mecanismo que transcendesse as conexões locais, ou seja, a articulação de uma reivindicação que pudesse operar simultaneamente nos níveis local e internacional 14. Em outras palavras, definir a lei poderia não significar o mero reconhecimento de uma autoridade absoluta sobre uma única entidade soberana. Tendo estabelecido reivindicações legais em fóruns estrategicamente selecionados, a questão passava a ser como projetar tais reivindicações através de soberanias múltiplas e em uma variedade de fóruns legais que pretendiam controlar o espaço físico das relações comerciais.
A interpretação do processo de Salto pela corte de Alegrete, no caso de Manoel Lima, oferece uma possível solução para o problema da definição da lei na ausência de uma única soberania. Ignorando os vários processos criminais por roubo existentes no Brasil contra Manoel Silva, o tribunal de Alegrete julgou que o caso dependia da autoridade do advogado de Lima, Francisco Escolle, em entrar em um acordo de conciliação sob a lei uruguaia. Esta questão, portanto, dependia exclusivamente do escopo do poder de Escolle como advogado. Ao defender sua validade, Manoel Silva deu grande ênfase ao fato do documento ter sido notariado em Salto, afirmando que este simples fato já provava sua legalidade. Ainda que não possuísse uma cópia do documento, a corte concordou e julgou que Lima havia falhado em provar que o contrato de Salto era inválido 15.
O que foi reconhecido explicitamente por Manoel Silva e implicitamente pela corte de Alegrete era a poderosa relação entre o sistema notarial internacional e a projeção da lei sobre as fronteiras. Dito de outro modo, o sistema notarial oferecia aos residentes da fronteira um mecanismo para projetar a lei através de todas as dimensões dos sistemas de comércio internacional, oferecendo um modo de ligação entre a autoridade legal local e os sistemas de comércio internacional. O sistema não era perfeito. Ainda assim, ele fornecia aos proprietários de terra e comerciantes da fronteira um meio de estabelecer reivindicações legais que poderiam ser reconhecidas por cortes em ambos os lados da fronteira.
A cadeia de processos judiciais envolvendo Francisco de Lemos Pinto e seu cunhado Bernardino Martins de Menezes demonstra como litigantes utilizaram notários, juntamente com outros fóruns legais, para projetar uma legalidade local por todas as redes comerciais que atravessavam as fronteiras. A relação comercial entre os dois homens começara em 1826, com um acordo para operar uma charqueada em parceria, na cidade de Triunfo, no Rio Grande do Sul. A partir desta base, os dois parceiros empurraram suas redes comerciais em direção ao Oeste durante os dez anos seguintes, expandindo suas operações com o comércio de escravos, gado e terras nos arredores de Alegrete durante a década de 1830. Finalmente, em 1836, os cunhados adquiriram terra além da fronteira com o Uruguai, integrando sua charqueada diretamente aos ricos pastos daquele país, que tanto haviam atraído colonos brasileiros 16.
Apesar disso, a parceria de Lemos Pinto e Menezes foi rapidamente desmanchada. Menezes foi morto em 1838, enquanto viajava pela fronteira. Encontrando-se sem seu parceiro e em meio a uma guerra civil, Lemos Pinto lutou para continuar com os negócios da parceria. Ao mesmo tempo, contudo, Lemos Pinto alegou que a viúva de Menezes havia se apoderado de muitos dos ativos da empresa, antes que Lemos Pinto pudesse ter sucesso em reavivar seus negócios. Em particular, Maria Menezes conseguiu que seu cunhado, Antônio Rodrigues da Fonseca Aranjo, se apoderasse tanto da charqueada em Triunfo, quanto do gado no Uruguai. Temendo que os ativos da parceria fossem pilhados, Lemos Pinto buscou ter seu direito à propriedade declarado em Triunfo, em 1846, apenas para ter sua ação legal afundada em um longo processo de legitimação do testamento de Menezes sobre seu patrimônio 17.
Encarando um beco sem saída nas cortes de Triunfo, Lemos Pinto empregou sua própria versão de busca de fórum estratégico, voltando-se à comunidade de comerciantes de Porto Alegre e ao sistema notarial da fronteira para proteger seus direitos de propriedade. Em 1849, Lemos Pinto apareceu diante de um Juíz Distrital em Porto Alegre, tentando congelar os ativos da parceria. Em apoio à sua reivindicação, Lemos Pinto apresentou o testemunho de vários membros da comunidade mercantil de Porto Alegre, detalhando o escopo da sociedade e apontando que seus ativos ainda estavam por serem liquidados. Decidido a não esperar por um julgamento final em Porto Alegre, Lemos Pinto também acabou levando sua petição e testemunho por todo o escopo de sua rede comercial, registrando-os primeiro em Triunfo e depois em Alegrete. Ainda não satisfeito com isto, Lemos Pinto apresentou sua evidência a Bento José de Farias, o Vice-Cônsul do governo uruguaio em Porto Alegre, que o notariou, aparentemente para uso nas cortes do Estado Oriental 18.
Em resumo, Lemos Pinto tentou utilizar o sistema notarial internacional como uma ponte entre suas redes locais de apoio, em Porto Alegre, e os vários fóruns em que os ativos da parceria poderiam permanecer. Isto não significa que os notários tenham oferecido uma solução definitiva para seus problemas legais. Em particular, ambos os lados da disputa poderiam utilizar igualmente o sistema notarial para projetar julgamentos locais favoráveis através de todo espaço comercial da fronteira. Ainda assim, o sistema notarial fornecia aos litigantes um mecanismo importante para extender as implicações de sua busca por fóruns através de todo o escopo físico de arranjos de propriedades internacionais que não dependiam exclusivamente da lei nacional.
O uso do sistema notarial por Lemos Pinto para extender a lei local por todo o escopo de suas redes comerciais também sugere mecanismos pelos quais os Estados começaram a se fixar em tais transações e, com isto, a construir suas próprias legitimidades soberanas na fronteira. Em particular, o uso de um consulado nacional por Lemos Pinto revelou um modo para que entidades legais nacionais pudessem estabelecer sua própria legitimidade, ao servirem para a projeção da lei. Do quadro incompleto que surge dos registros notariais de Alegrete, há ao menos uma evidência do uso do registro consular para o asseguramento de transações internacionais e direitos de propriedade 19.
Além disso, as cortes mostravam-se dispostas a proteger evidências garantidas pelo sistema notarial. O caso de Marcos Pradel c. João Preis oferece um exemplo de como as cortes incentivaram o uso de notários para projetar a lei através das fronteiras 20. No caso, Pradel buscava a recuperação de um pagamento adiantado de Alfonso Sarasin & Irmãos pela compra de mercadorias em Alegrete, quando da morte de Sarasin. O caso voltou-se para a natureza do débito de Sarasin e se ele teria adquirido-o em nome da parceria ou se seria somente uma obrigação pessoal. Para Pradel, a demonstração de que a sociedade devia dinheiro a ele significava a possibilidade de recuperação do crédito diretamente da casa comercial da empresa, em Montevideo, operada pelo irmão de Alfonso Sarasin, João.
Para embasar sua reivindicação, Pradel tentou apresentar uma cópia de uma carta em que João parecia confirmar a intenção da parceria de satisfazer o débito. João Preis, outro sócio da empresa, contestou o documento, afirmando que eram necessários documentos originais para provar que a dívida era de responsabilidade da parceria. A corte, entretanto, rejeitou esta contestação, observando que a carta havia sido copiada em “fórum público” e, portanto, era supostamente válida. Ao fornecer tal veredito, a corte de Alegrete sinalizou sua disposição em apoiar o uso de notários para estabelecer obrigações internacionais. Além disso, ao fazê-lo, a corte explicitou sua disposição judicial em proteger os mecanismos que asseguravam relações comerciais internacionais.
Deste modo, as ações de consulados e cortes sinalizam outro mecanismo através do qual os Estados podiam fixar a lei nacional às relações de comércio internacionais. Estados poderiam fornecer aos proprietários de terras e comerciantes meios para projetar decisões locais através das fronteiras. Ademais, as cortes podiam assegurar que o sistema público notarial, uma das principais ferramentas para isto, receberia proteção judicial. Como tal, isto nos permite entrever brevemente um dos modos pelos quais Estados-Nação poderiam utilizar práticas legais internacionais, como a busca por fórum estratégico, para assegurar lealdade na fronteira, sem forçar limites jurídicos nacionais aos litigantes, mas reconhecendo a necessidade inerente de flexibilidade de movimento através de tais fronteiras. Ainda assim, a questão de como eram definidos direitos de propriedade substantivos continua não esclarecida. A próxima seção volta-se para este ponto.

3. Os Nebulosos Limites da Propriedade

A questão substantiva específica na prolongada disputa de Manoel Lima e Manoel Silva dependia, em último caso, de quem tinha o direito de propriedade sobre o gado localizado além da fronteira, no Uruguai. Nós vimos como cada um dos homens reuniu várias declarações oficiais de apoio às suas reivindicações individuais. Sendo assim, o problema em casos como o de Silva e Lima é saber como as cortes desenlaçaram direitos em disputa, a fim de produzir algo que pudesse se aproximar de direitos de propriedade estáveis na fronteira.
No cerne do processo de construção de limites legais sobre o direito de propriedade, estava a definição da linha entre lei e coerção. A afirmação de direitos de propriedade necessariamente envolve coerção. Entretanto, a definição do escopo de coerção permitida em uma região em que, como demonstraram Duncan Baretta e John Markoff, nenhum grupo possuía o “monopólio da violência”, significava a inclusão de um número de atividades violentas ao terreno de ações permitidas para a defesa de propriedade, ao mesmo tempo em que se declaravam coercitivas ações claramente “legais”. (DUNCAN BARETTA; MARKOFF, 1978). Cortes, caudillos e requerentes gradualmente forjaram direitos de propriedade ao ganharem o direito de ditar o que constituía lei e o que significava coerção. Do mesmo modo, ao reconhecerem estes exercícios inerentemente locais na forja dos limites da propriedade e da lei, os Estados encontraram outro mecanismo para conectar lealdade e autoridade.
Normalmente, violência explícita estava no cerne das reivindicações de propriedade 21. O desafio para funcionários públicos e litigantes era legitimar seu próprio recurso à violência diante dos olhos da lei. As disputas de propriedade entre funcionários do governo uruguaio e proprietários de terras brasileiros no Estado Oriental oferecem um exemplo de como este processo funcionava. Retornando por um momento à carta dos proprietários de terra brasileiros ao Conde de Caxias, os homens que a escreveram pintaram um quadro de direitos de propriedade frequentemente violados pelos fucionários públicos uruguaios. Em particular, os homens afirmavam que como “estrangeiros governados por estrangeiros”, o Estado Oriental “retirava tudo quanto podia dos brasileiros, sem pagá-los, sem ao menos providenciar um pedaço de papel... considerando as fazendas brasileiras como bens comuns” 22. Aos olhos dos brasileiros, como pode se perceber claramente, as ações dos funcionários uruguaios equivaliam a um pouco mais do que roubo institucionalizado.
A despeito de seus protestos, entretanto, os brasileiros na fronteira estavam longe de serem fracos ou complacentes na defesa de suas próprias reivindicações de propriedade. Ao contrário, os brasileiros frequentemente recorriam às suas próprias ações coercitivas na forma de incursões militares, conhecidas como “califórnias”, para fazer valer suas reivindicações de propriedade no Estado Oriental. O desafio para os brasileiros era, então, separar suas próprias ações daquelas de funcionários públicos hostis da fronteira. A obtenção de um pronunciamento legal formal oferecia um mecanismo para alcançar esta separação entre lei e coerção. Em efeito, um julgamento podia providenciar precisamente a folha de papel que os proprietários de terra brasileiros amargamente afirmavam que os funcionários uruguaios não providenciavam 23.
Um exemplo interessante deste processo de Alegrete foi uma queixa criminal contra dois comandantes de fronteira brasileiros, Hypolito Firio Cardoso e Candido Figuero, por supostamente terem organizado uma incursão massiva de trezentos brasileiros em solo uruguaio 24. A ação legal começou com uma reclamação do comandante de fronteira uruguaio Diego Lamas. Lembrem-se de que foi Lamas que ofereceu apoio às reivindicações de propriedade de Manoel Lima, ao permitir que ele retirasse gado das terras de Manoel Silva. Descrito por Silva como um terror, Lamas agora peticionava às cortes brasileiras que defendessem a soberania e as propriedades uruguaias contra as incursões violentas não só de brasileiros, mas também de homens de Corrientes, na Argentina, e de um considerável número de residentes (vesinho) desta fronteira que contribuíram para aquele fim (ataque às propriedades) 25.
Diante das afirmações de Lamas, os funcionários brasileiros pareceram responder positivamente, abrindo acusações criminais contra os dois comandantes da fronteira por terem realizado um ataque que violava a política brasileira de estrita neutralidade em relação à guerra civil uruguaia. Ainda assim, mesmo tendo acusado os homens, os funcionários brasileiros, de modo pouco surpreendente, não pareceram muito zelosos na obtenção da condenação. Ainda que a carta de Lamas acusasse Cardoso de ter liderado a invasão, as acusações contra este último nunca foram levadas a julgamento. Pelo contrário, as autoridades foram atrás de Figuero, supostamente com evidências muito mais fracas. Em resposta, Figuero produziu ampla evidência de que, à época da invasão, ele estava conduzindo operações em Santana do Livramento, o que impossiblitaria sua participação nos ataques. Um júri brasileiro concordou, arquivando o caso 26.
O que é interessante no caso de Cardoso e Figuero não é tanto seu desenlace, mas o fato de que foram feitas acusações contra eles. Uma leitura plausível do caso é a de que os funcionários do governo brasileiro estavam tentando manter a paz na fronteira, respeitando a política oficial de neutralidade diante das reclamações de um importante militar uruguaio. Em um sentido mais profundo, contudo, as cuidadosamente construídas acusações criminais, que essencialmente asseguraram a absolvição de Figuero pelo júri brasileiro, ofereceram às elites fundiárias da fronteira a oportunidade de declarar a legalidade de suas ações na proteção de seus direitos de propriedade através dos limites nacionais 27. Ao fornecer à suas condutas uma aparência de legalidade, uma “califórnia” supostamente violenta podia tornar-se coerção a serviço da lei.
Se o caso de Figuero ofereceu um exemplo dos modos como ações coercitivas podiam ser trazidas para o reino da lei, a prolongada disputa entre Joaquim dos Santos Prado Lima e Joaquim Machado Leão revela a maneira como o resultado de lutas locais de poder podiam transformar ações legais explícitas em coerção ilegal. Prado Lima era um proeminente funcionário público em Alegrete. Ele serviu como juíz municipal por vários mandatos e foi presidente do Conselho Municipal em 1837. Durante a guerra farroupilha, ele foi Chefe de Polícia e Comandante de Fronteira do governo revolucionário municipal. Depois do conflito, ele continuou ocupando um lugar importante na política e no sistema judiciário locais 28.
De acordo com Leão, Prado Lima havia usado destas posições de autoridade para expulsá-lo de terra que era legalmente sua. Em sua petição à corte, Leão afirmou que ele havia originalmente comprado de Antônio Ferreira da Cunha uma extensão de terra localizada junto ao Rio Quaraí, no extremo oeste do atual Rio Grande do Sul, em 1833. Leão afirmou que ele continuou a ter a posse pacífica da terra até 1837, quando, durante a Revolução Farroupilha, foi violentamente expulso de sua propriedade pela força armada de Joaquim dos Santos Prado Lima, juntamente com todo o seu gado 29. Diante de violentas ameaças e tendo já perdido três mil cabeças de gado, Leão deixou a área, mudando-se para a cidade de Taquari. Dada a importante posição local de Prado Lima, Leão só conseguiu buscar restituição por suas perdas em 1861, depois de 25 anos de sua expulsão daquelas terras.
Não surpreende, contudo, a versão dramaticamente diferente dos eventos oferecida por Prado Lima. Como defesa inicial, Prado Lima afirmou que Cunha, o homem de quem Leão havia comprado a terra, nunca havia tido a posse legal da propriedade. Pelo contrário, ele afirmava que a terra pertencia originalmente a Valentin Bueno de Camargo como uma parte de uma carta de sesmaria concedida pela Coroa portuguesa em 1814. Prado Lima alegou que Cunha havia conseguido ocupar a terra ilegalmente, tirando proveito da desordem produzida pela invasão do general uruguaio José Artigas em 1815. Ainda que as autoridades militares tenham repetidamente ordenado a saída de Cunha, ele tirou proveito de uma segunda guerra, desta feita contra a Argentina em 1835, para permanecer nas terras. Foi somente em 1830 que Prado Lima, tendo comprado o título à terra dos herdeiros de Valentin Bueno, conseguiu um julgamento favorável por parte da Justiça de Paz local confirmando seus direitos de propriedade e expulsando Cunha daquelas terras.
Ao saber que Leão havia ocupado a propriedade em questão, Prado Lima buscou outra ação de expulsão em 1833. Obtendo um julgamento, Prado Lima fez um contrato com Leão para arrendar a terra, cuja cópia Prado Lima apresentou à corte. Seguindo à conclusão do contrato, contudo, Prado Lima uma vez mais buscou ações judiciais contra Leão para removê-lo de sua terra em 1836. Em resumo, possuindo múltiplos julgamentos legais contra Leão e um contrato em que o próprio Leão parecia reconhecer seus direitos de propriedade, Prado Lima concluiu afirmando que somente através de escárnio poderia alguém classificar tais ações legais como inválidas, ridículas e um ataque aos direitos de propriedade 30.
A corte discordou. Após concluir que Leão havia adquirido o título legítimo às terras em disputa em 1833, a corte declarou todas as ações judiciais anteriores como sendo fruto de coerção ilegal. Ao discutir o contrato entre Leão e Prado Lima, a corte tornou claro seu raciocínio:

 
Como pela maneira que foi requerida a coação em que paserão os reos de apresentarem seus titulos, e alternativa de assignar a concordata ou ser custrangido a despejar dentre de vinte e quatro horas, demonstra que foi antes em julgamento presente proprio a que sugeitarão os mencionados reos o que desvirtuan todo o acto por não haver nelle a expontaneidade e cerrão mutuo de direitos reais ou presumidos, que é a base das conciliações tornando a se que se trata nulla 31.

A corte igualmente considerou os julgamentos de 1833 e 1836 contra Leão como sendo contrários à lei e em inconformidade com os procedimentos legais adequados, representando o produto da substancial autoridade pessoal de Prado Lima sobre os juízes 32. Tomadas em conjunto, a corte concluiu que os numerosos processos legais e documentos de Prado Lima, tendo sido baseados em atos explicitamente “jocosos” e “inválidos”, falhavam em dar apoio a qualquer direito de propriedade legalmente reconhecível 33.
A reversão dramática da sorte de Prado Lima em relação às suas reivindicações de propriedade contra Leão revela o quão nebuloso podia ser o limite entre a lei e a coerção. Ao decidir contra Prado Lima, a corte implicitamente reconheceu a nebulosa fronteira entre a conduta coercitiva de funcionários do Judiciário e as ações semi-legais dos caudilhos. A declaração efetiva da corte foi a de que múltiplos precedentes legais e um contrato aparentemente válido não eram de vários modos mais legais que as práticas abertamente coercitivas empregadas por funcionários do governo uruguaio para a usurpação de terras de brasileiros além da fronteira. Isto não significa dizer que a corte estava errada em encontrar coerção: Leão certamente estava falando a verdade quando afirmou que a presença de Prado Lima, acompanhado de numerosos soldados sob seu comando, dava-lhe pouca escolha real sobre a possibilidade de entrar em um contrato com ele. Ao mesmo tempo, Prado Lima deve ter se sentido justificado em utilizar a autoridade do Estado para manter intrusos fora de suas terras. Deste modo, a questão é saber o que ocorreu entre 1836 e 1861 para que a corte declarasse os precedentes legais de Prado Lima como ilegais e seu uso da força como coerção aos olhos da lei.
O fato de Mathias Teixeira de Almeida, o mesmo advogado que representou Manoel da Silva no seu bem-sucedido litígio contra Manoel Lima, tenha trabalhado na defesa de Leão nos dá uma pista sobre a resposta. Talvez mais do que qualquer outra pessoa, Almeida personificava os confusos limites entre lei e violência na fronteira. Por um lado, Almeida era um importante advogado e funcionário público local 34. Almeida apareceu em dúzias de casos em Alegrete, representando cível e criminalmente vários importantes cidadãos locais. Ele também serviu como promotor público no fim da década de 1840 e como Presidente do Conselho Municipal em 1857. Bem versado tanto no Direito brasileiro quanto no europeu, ele possuía um rebuscado estilo legal que frequentemente resultava em petições de mais de cinquenta páginas. Quando de sua morte, em 1874, ele possuía uma substancial biblioteca jurídica, incluindo trabalhos de Vatel sobre Direito Internacional e comentários sobre os códigos civis francês e português 35.
Ao mesmo tempo, Almeida era um duro rival de Prado Lima em uma disputa local cada vez mais violenta pelo controle do governo de Alegrete e de sua máquina judiciária. Durante as décadas de 1840 e 1850, duas importantes facções políticas surgiram na região de fronteira dos arredores da cidade, com o intuito de disputar eleições. O grupo dominante, do qual Almeida era um membro, centrava-se na figura de Severino Ribeiro d’Almeida, um poderoso comandante militar e estancieiro da região. Prado Lima aderiu ao grupo rival liderado por David Canabarro, general farroupilha e comandante da Guarda Nacional na fronteira. Em geral, a facção de Ribeiro d’Almeida ganhou a maioria das eleições, mas o partido de Canabarro continuou poderoso o suficiente para exercer grande influência sobre a nomeação de funcionários da máquina judiciária local e de outros funcionários públicos da cidade 36.
As tensões entre os dois grupos em geral, e de Almeida e Prado Lima em particular, atingiu seu ápice em 1853, após o assassinato supostamente político de Francisco Rocha, o tabelião local, por forças associadas à facção de Almeida. Seguindo à morte, José Vaz Alves de Castro Amaral, genro de Prado Lima e juíz municipal em Alegrete, abriu uma investigação que resultou em acusações criminais contra Manoel de Freitas Valle, um oficial da guarnição militar de Alegrete, por supostamente ter ordenado o ataque e dado abrigo aos criminosos. Mantendo Almeida como seu advogado, Freitas Valle respondeu abrindo queixas criminais contra Amaral por abuso de autoridade. Em particular, Freitas Valle acusou Prado Lima e Amaral de prestarem falsas queixas contra ele por razões políticas. Mais especificamente, ele alegou que os homens assim o fizeram para removê-lo do conselho eleitoral local, aumentando, assim, as chances de sua própria facção 37.
O caso rapidamente transformou-se em um conflito aberto entre Almeida e Amaral. De acordo com Amaral, as alegações de Freitas Valle de que sua investigação sobre o assassinato era motivada por fins políticos eram simplesmente ridículas. Elas eram, segundo Amaral, produto da animosidade pessoal entre Almeida e ele. Almeida ressentia-se do fato de que ele não havia sido nomeado para o posto judicial de Amaral. Ademais, Amaral alegou que a inimizade entre os dois homens tornou-se ainda mais profunda após ele ter se recusado a subornar um advogado em um outro processo criminal.
A resposta de Almeida veio através do arranjo para que Prado Lima e Amaral fossem julgados por um tribunal militar. Finalmente, após soldados terem atacado suas casas, Prado Lima e Amaral fugiram de Alegrete 38. Ainda que as tensões tenham se amainado, e Amaral absolvido das acusações de abuso de autoridade contra ele, Almeida e sua facção emergiram do conflito com o firme controle do aparato político da cidade. Com a autoridade política veio também a autoridade de declarar a lei e policiar a linha entre a legalidade e a coerção. Almeida usou seu poder para ditar os limites entre direitos de propriedade e incursões ilegais contra Prado Lima no processo de 1861. Em resumo, a conduta de Almeida nestas prolongadas disputas contra a facção de Prado Lima revela uma intensa combinação entre coerção e lei que era crítica para qualquer estratégia de controle dos funcionários públicos locais e de garantia do título legal de propriedade.
Este processo frequentemente violento de estabelecimento do controle sobre definições de lei também forneceu aos emergentes Estados da região as oportunidades para consolidar sua própria autoridade. Como Richard Graham (1990) demonstrou, as eleições brasileiras no século XIX não eram expressões espontâneas da vontade popular, mas testes da força de certas facções políticas locais. Ao ganharem uma eleição, grupos como o de Almeida efetivamente assinalavam ao Estado sua contínua habilidade em governar. Deste modo, ao assegurarem suas próprias autoridades nas fronteiras, os Estados podiam usar os limites construídos por estas facções triunfantes entre lei e coerção, propriedade e confisco, para construir a autoridade legal nacional na fronteira. Em resumo, o resultado de casos como Justiça c. Figuero e Leão c. Prado Lima oferece uma possível explicação de como o Brasil e outros Estados nas fronteiras do Rio da Prata ganharam legitimidade, autoridade e, finalmente, soberania ao reconhecerem as determinações locais de direitos de propriedade, fornecendo mecanismos para assegurar derivações locais destes limites e poder para excluir rivais da lei.

4. Conclusão

Litigantes como Manoel Lima e Manoel Silva estavam diante de um mar de projetos estatais rivais, alianças políticas e identidades nacionais e ideológicas propostas, cada uma pulsando através do turbulento ambiente das fronteiras do Rio da Prata. Movendo-se através destes limites, habitantes da fronteira como Lima e Silva lutavam para conciliar conexões econômicas com a necessidade de ordem. Para fazê-lo, eles engajaram-se em prolongadas buscas por autoridade legal que seguidamente rejeitava o apoio somente em sistemas legais nacionais, definindo a lei localmente e projetando-a internacionalmente. Eles buscavam utilizar vereditos legais para aumentar suas posições de barganha, estratégicamente selecionando fórums com o intuito de amparar suas próprias posições legais e o controle do uso da lei por outros.  Ao encaixarem-se nestas estratégias legais e incentivando definições locais de lei e coerção, Estados lentamente estabeleceram sua própria autoridade soberana na região.  Em resumo, lealdade, lei e limites nas fronteiras do Rio da Prata emergiram de numerosas salas de justiça espalhadas através das rotas de comércio que conectavam este vasto sistema fluvial.
Este é um trabalho em progresso que somente esboça as conexões entre estas polimorfas disputas, compromissos locais e limites legais aos processos maiores de criação dos limites nacionais nas fronteiras do Rio da Prata. A continuação da pesquisa conectará desenvolvimentos legais nacionais e regionais mais firmemente aos resultados locais do que foi possível fazê-lo aqui. Ela também olhará para a desilusão de velhos compromissos imperiais e para as consequências advindas do fato de que os nascentes Estados da região fracassaram em forjar novos compromissos como um prelúdio para os usos da lei discutidos aqui. Também estão ausentes deste quadro as vozes populares. A compreensão das conexões entre pluralismo legal e soberanias em disputa certamente requerirá um exame de como grupos populares utilizaram os nebulosos limites nacionais e jurídicos para a construção de definições alternativas de propriedade e lei mais favoráveis aos seus interesses econômicos. Provar estas conexões será díficil. Entretanto, a recompensa de um maior entendimento de como os Estados asseguraram lealdade aos projetos nacionais, assim como as profundas limitações das aspirações nacionais reveladas pelos compromissos no centro deste projeto, tornam o esforço extremamente válido.

Artigo recebido em 14/09/2008. Autor convidado.

 

Halls of Justice and Corridors of Trade: Law and Coercion on the Rio de la Plata Borderlands.

Abstract:This work explores the establishment of property rights throughout commercial networks that crossed the borderlands between Rio Grande do Sul and Uruguay in the mid-19th century. In the first part, the essay explores the solutions to the problem of defining law in the absence of a single sovereignty, using institutions such as notaries to project property rights. The second part advances that the changing definitions of law and coercion were the key to define property rights in the context of the borderlands.

Keywords:Borderlands. Property. Law.

 


1 Doutorando na Universidade de Princeton, Estados Unidos. Tradução: Arthur Lima de Avila.

2 Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul (APERS), Manoel de Almeida Lima c. Manoel Rodrigues da Silva, Alegrete, Cartorio Civil, n. 848, Maço 55 (1855).

3 “Estado Oriental” era o nome comumente usado no período para se referir ao atual Uruguai. Os dois termos serão utilizados aqui de forma alternada.

4 Lima c. da Silva, p. 103bis.

5 Lima c. da Silva, p. 93.

6 Para a noção de “comunidades imaginadas”, ver ANDERSON, 2006. Para narrativas de invenção, ver SHUMWAY, 1991.

7 Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (AHRGS), Câmara de Alegrete, Correspondência Expedida, Carta ao Ilmo. Exmo. Sr. Conde de Caxias, Presidente da Provícia do Rio Grande de S. Pedro do Sul, n. 456, 25 de Junho de 1845.

8 Idem, p. 1.

9 Idem.

10 Para uma excelente discussão das tensões entre separação e conexão através da fronteira brasileira com o Uruguai, cf. FLORES, 2007, p. 34-50.

11 Lima c. da Silva, p. 103.

12 Trabalhos recentes têm enfatizado a relação entre estrangeiros e definições de soberania baseadas no território. Um ótimo exemplo é a análise de Jordana Dym (2008) sobre a conexão entre cidadania e lei internacional no contexto da América Central.

13 A busca de fórum estratégico foi especialmente importante durante conflitos armados. Um exemplo interessante é a manobra legal que diz respeito à propriedade de Sebastião Barretos Pereira Pinto. Forças republicanas confiscaram a propriedade de Barretos em 1841, como punição por seu apoio às forças imperiais durante a Guerra dos Farrapos. A fim de levantar fundos para o esforço de guerra, comandantes rebeldes usaram um mercador francês, Fulgêncio Chevalier, para levar o gado de Barreto de seu rancho até Montevidéu, onde ele poderia ser vendido. Barreto, contudo, aparentemente conseguiu que seus representantes legais em Montevidéu contestassem a venda. Barretos utilizou, enfim, suas conexões com o caudillo uruguaio Fructuoso Rivera para impedir a venda e efetivamente re-confiscar seu gado “roubado”.  AHRGS. Anais do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul: coleção Varela, vol. 8, CV-4326. 27 de Fevereiro, 1841. p. 146 & CV-4327, 16 de Março, 1841. p. 136.

14 Em seu estudo sobre a comunidade de comerciantes em Buenos Aires, Jeremy Aldeman (1999) apresentou o argumento similar de que na ausência de sistemas definitivos para o asseguramento de direitos de propriedade, os mercadores voltaram-se a antigos conceitos jurídicos, como “contrato relacional”, status e reputação para assegurar acordos comerciais.

15 Lima c. da Silva, p.143bis.

16 APERS, Francisco de Lemos Pinto c. Maria Guedes de Menezes e outros. Triumpho, Cartorio Civel, Ordinários, n. 414, Maço 15 (1846). Pinto e Menezes adquiriram terra em Bella Union, Uruguai, de Manuel José de Carvalho. Por sua vez, Carvalho havia originalmente comprado a terra de um comerciante uruguaio, Domingo Vázquez, em Montevidéu. Os próprios Carvalho e Vázquez entraram em uma prolongada disputa sobre a terra em questão, produzindo processos legais em ambos os lados da fronteira. Cf. APERS, Alegrete Tabelionato, Registros Diversos, Livro 2, Lançamento de hum papel a venda e compra particular entre partes como comprador Bernardo Martins Munis e Francisco de Lemos Pinto como vendedor Manuel José de Carvalho. 15 de Fevereiro, 1851. p. 59bis-60bis.

17 APERS, Triumpho, Orphãos e Ausentes, Inventários, N. 10, Maço 1. 1844.

18 APERS, Alegrete Tabelionato, Registros Diversos, Lançamentos de huns de sociedade. 26 de Maio, 1849. p. 28-31.

19 Manoel Balthar, por exemplo, recebeu de estrangeiros de Montevidéu, no Uruguai, múltiplos poderes de advogado para alienar propriedades na região de Alegrete que em cada caso foi registrado e reconhecido pelo consulado brasileiro. APRGS, Alegrete, Tabelionato, Registros Diversos, Livro 3, Lançamento d’uma Copia de uma Procuração Bastanta, pasada em Montevideo pelo consulado geral do Brazil a Manuel Ferreira da Silva e sua mulher. 7 de Junho, 1854. p. 75-76. É necessária uma pesquisa mais ampla sobre este ponto.

20 APERS. Marcos Pradel c. João Preis, Alegrete, Cartorio Civil, Ordinários, n. 777, Maço 33 (1846).

21 Para comerciantes e proprietários de terra de Alegrete, conflitos armados e o consequente confisco de propriedade inimiga também podia ser um grande negócio. A correspondência entre os líderes farrapos José Domingos de Almeida e Antônio Vicente da Fontoura está repleta de exemplos de contratos entre o governo rebelde e comerciantes para movimentar gado confiscado através da fronteira com o Uruguai e vendê-lo em Montevidéu. Anais do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, Coleção Varela. Porto Alegre: AHRGS, 1984. vols. 2, 3 e 9. Com a eclosão da Guerra dos Farrapos, surgiram redes de comerciantes para mover propriedade confiscada dos territórios rebeldes para Montevidéu, retornando com suprimentos extremamente necessários para os farroupilhas. Alfredo Sarasin, por exemplo, converteu o que até então tinha sido uma pequena casa de comércio local em Alegrete em um empreendimento internacional de grande escala, através da exploração de suas conexões com o governo revolucionário. Quando de sua morte em 1847, o valor total do ativo da sociedade excedia 64,000 réis, com ramos em Alegrete, Montevidéu, Salto e Santana do Livramento. Em conjunto com os contratos com o governo rebelde, o inventário também evidencia conexões próximas com funcionários do governo uruguaio, apontando que o governo de Fructuoso Rivera devia 9,500 réis à empresa. APERS, Alegrete, Orphãos e Ausentes, Inventários, Alfonso Sarasin, n. 7, maço 1. 1847.

22 Câmara de Alegrete, Carta ao Ilmo. Exmo. Sr. Conde de Caxias, Presidente da Provincia do Rio Grande de S. Pedro do Sul, n. 456. 25 de Junho de 1845.

23 Esta observação, juntamente com o uso difundido de notários, também pode dizer algo sobre o poder e autoridade da palavra escrita na asseveração de reivindicações legais. Cf. RAMA, 1996.

24 APERS, Cartório Cível e Crime, Processos Crimes, Justiça c. Hypolito Firio Cardoso e Candido Figuero, n. 2669, maço 77. 1847.

25 Idem, p. 10.

26 Idem. (O veredito do júri na pasta do caso não estava numerado).

27 A posse da terra geralmente era pré-requisito para o serviço no júri.

28 APERS, Alegrete. Cartório Cível e Crime, Ordinários. Joaquim Machado Leão c. Joaquim dos Santos Prado Lima, n. 869. Maço 37, 1861.

29 Idem, p. 2bis.

30 Idem. (O julgamento na pasta do caso não estava numerado).

31 Idem.

32 Idem.

33 Idem.

34 A despeito de sua aparente educação substancial, contudo, Almeida não tinha um diploma em Direito. Ao invés disto, ele havia obtido uma autorização do Conselheiro de Estado no Rio de Janeiro para a prática jurídica em Alegrete, resultante da “falta de advogados” na fronteira. Para a obtenção da permissão, Almeida pagou ao conselheiro 5,400 réis. Ainda que sua licença fosse válida somente por três anos, não existem indícios de que ele tenha parado de exercer a advocacia quando da expiração da licença. APERS, Alegrete, Tabelionato, Registros Diversos, Registro de uma provisão de licença para advogado passado ao Advogado Mathias Teixeira de Almeida. 1 de Fevereiro, 1856. p. 14.

35 APERS, Alegrete, Orphãos e Ausentes, Inventários. Mathias Teixeira de Almeida, n. 370, maço 29. 1874.

36 Uma carta de Almeida, atuando como presidente do Conselho Municipal de Alegrete, para o Presidente Provincial, descrevia as tensões entre os dois grupos sobre a nomeação de juízes. Almeida escreveu protestando contra a nomeação de Geminasio Antonio Vital de Oliveira para a posição de Delegado de Polícia. Na missiva, Almeida também alegava que a facção de Canabarro retirava seu poder político da coerção de votos de “infelizes” soldados da Guarda Nacional. AHRGS, Câmara de Alegrete, Correspondência Expedida, Carta ao Ilmo. Exmo. Senhor Conselheiro Joaquim Antão Fernandes Leão, Digmo. Presidente d’esta Província, n. 1012. 25 de Agosto de 1860.

37 APERS, Alegrete, Cartório Cível e Crime, Processos Crimes, Manoel de Freitas Valle c. José Vaz Alves Castro Amaral, Juiz Municipal, n. 2760, Maço 79. 1853.

38 Idem, p.293bis-294.

 

Referências:

 

ALDEMAN, Jeremy. Republic of Capital: Buenos Aires and the Legal Transformation of the Atlantic World. Stanford: The University of Stanford Press, 1999.

ANDERSON, Benedict R. Imagined Communities: reflections on the origins and spread of nationalism. London, 2006.

BENTON, Lauren. The Laws of this Country: foreigners and the legal construction of sovereignty in Uruguay, 1830-1875”. Law and History Review, v. 19, n. 3, p. 479-511, Autumn 2001.

DUNCAN BARETTA, Silvio Rogério; MARKOFF, John. Civilization and Barbarism: cattle frontiers in Latin America. Comparative Studies in Society and History, n. 20, p. 587-620, 1978.

DYM, Jordana. Citizen of Which Republic? Foreigners and the Construction of National Citizenship in Central America, 1823-1845. The Americas, v. 64, n. 4, p. 477-510, Apr. 2008.

FLORES, Mariana Flores da Cunha Thompson. Contrabando e Contrabandistas na Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul (1851-1864). 2007. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Programa de Pós-Graduação em História, Porto Alegre, 2007.

GRAHAM, Richard. Patronage and Politics in Nineteenth-Century Brazil. Stanford: Stanford University Press, 1990.

LEITMAN, Spencer. Raízes Sócio-Econômicas da Guerra dos Farrapos. Rio de Janeiro: Graal, 1979.

RAMA, Angel. The Lettered City. Durham: University of North Carolina Press, 1996.

SHUMWAY, Nicolas. The Invention of Argentina. Berkeley: University of California Press, 1991.